Os direitos fundamentais do cidadão como base do ordenamento jurídico do Estado

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Os direitos fundamentais constituem a base de sustentação de uma ordem político-jurídica minimamente organizada e viável de evolução humana. Reconhecê-los é dever do Estado e necessidade do indivíduo.

  1. INTRODUÇÃO

O estabelecimento de direitos fundamentais do cidadão, bem como de um modelo jurídico-constitucional destinado a proteger-lhes de qualquer violação, constitui-se em aparato essencial para que se estabeleça a convivência pacífica e, quiçá, duradoura entre partes que compõem o tecido social, nesta análise propositadamente resumida ao homem comum e ao Estado. Daí, pois, a importância de se verificar com acuidade tal questão.

Evidentemente, o tema sobre direitos fundamentais vai além da ótica apenas da condição humana, no momento em que sua correlação com o meio ambiente ou com outros seres vivos não humanos, por exemplo, é inevitável. Todavia, a reflexão a seguir demonstrada aborda apenas o poder de constituir e exigir direitos, próprios de nossa espécie.

Sim, porque o ser humano carrega, em si, a amplitude necessária para a constituição de um núcleo de direitos aos quais se pode chamar de fundamentais para o funcionamento de uma coletividade inserida em um ordenamento jurídico. É, nesse ponto, a força matriz de desenvolvimento e progresso social.

  Nesse sentido, pois, deve-se cuidar de estabelecer o campo de abrangência de tais direitos e sua rede legal e/ou constitucional protetiva, a fim de que a sociedade minimamente organizada possa atuar e requerer dos órgãos judiciais competentes atuação a um só tempo eficiente e eficaz. 

  1. OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O ORDENAMENTO JURÍDICO

Em realidade, de tão proeminentes que são, os direitos fundamentais do cidadão constituem-se na mola-mestra, na própria razão de ser do Estado juridicamente organizado. Não se cuida, evidentemente, aqui, de coletividades em que imperam a intolerância arraigada nos indivíduos dominantes, em detrimento da população subjugada.

De fato, exemplos atuais como as práticas terroristas do Estado Islâmico e suas barbaridades sociais refogem de quaisquer previsões constitucionais mínimas a respeito do tema.

Pois bem. A consecução dos direitos fundamentais do cidadão importa na própria essência de um Estado político organizado juridicamente, por isso mesmo resguardados de qualquer inovação legislativa apta a deturpá-los. Em verdade, a aplicabilidade dessa gama de direitos decorre da própria caracterização que o Estado Constitucional lhe impinja.

Nessa senda, segundo o ensinamento de Paulo Bonavides[1], citando a caracterização intentada por Carl Schmitt, os direitos fundamentais, sob o ponto de vista formal, são aqueles que o próprio ordenamento constitucional explicita e que recebem da Carga Magna tratamento diferenciado, seja porque imutáveis, seja porque dependem de processo dificultoso para mudança (por meio de emenda à Constituição).

Interessante notar que a essa amplitude vertical dada aos direitos fundamentais, de serem autoaplicáveis e garantidos pelo próprio texto normativo constitucional, deve corresponder uma restrição horizontal. Deveras, não se pode conceber que haja direitos pertinentes a um indivíduo que superem os de mesmo teor de outro indivíduo.

De fato, há que se constituir uma rede de reciprocidade entre os cidadãos, uma vez que a vida social impõe complexa teia de deveres e direitos que se interagem a todo tempo. É o que Peter Häberle[2] adverte quando sinaliza que os direitos fundamentais pressupõem um elevado grau de eficácia estabilizadora do conjunto da Constituição e do ordenamento social.

Essa função estabilizadora, promovida pelo respeito ao conjunto de direitos tidos por essenciais no texto constitucional, acaba por incluir no jogo social um outro ator, consubstanciado na figura do Estado.

Ao enxergar o conjunto social como uma teia de direitos e deveres recíprocos entre os cidadãos, recai sobre o Estado o papel de administrar o bom funcionamento desse intrincado ordenamento. Conforme advertem Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Gonet Branco[3], os direitos fundamentais vigoram em uma ordem jurídica concreta e, por isso mesmo, devem ser garantidos pelo Estado que os consagra.

Da constatação de que o Estado tem o papel de garantir os direitos fundamentais inscritos no texto constitucional decorre também a vinculação dos poderes públicos. Sim, porque aqui há uma coesão necessária na clássica separação dos poderes da República, todos condicionados à efetivação dos direitos fundamentais do cidadão, sob pena de macular o sistema jurídico-constitucional.

A respeito do tema, note-se que a plena satisfação dos direitos fundamentais pressupõe não só a sua aplicação, como, às vezes, necessita de normas infraconstitucionais para sua plena consecução. Assim, até mesmo o Poder Legislativo não pode desfigurar o núcleo de direitos fundamentais, a despeito de sua atividade legiferante. A propósito, Häberle[4] sinaliza que o legislador não pode colocar em questão o significado institucional de tais direitos. A vinculação dos Poderes Executivo e Judiciário, até com mais razão, também é necessária.

Interessante mencionar que, ao analisar a questão de garantismo constitucional, Raúl Gustavo Ferreyra[5] considera que o princípio que impõe a todos os poderes do Estado o dever de respeitar os direitos humanos, “cujo natural corolário cristaliza o núcleo conceitual da doutrina dual dos direitos fundamentais”, constitui-se em uma garantia da própria Constituição.   

Neste mesmo sentido, sinaliza Ferreyra, o Tribunal Constitucional espanhol asseverou que “os direitos fundamentais e as liberdades públicas constituem o fundamento mesmo da ordem político-jurídica do Estado”[6].

Disso efetivamente se trata, portanto: os direitos fundamentais do cidadão compreendem a própria essência de um Estado juridicamente organizado. Isso porque, como bem salienta a ministra Carmen Lúcia[7], Presidente do Supremo Tribunal Federal, “cada homem integra a humanidade, sendo seu credor e devedor, como membro de sociedade que não habita nem se esconde em fronteiras, mas que coabita e se enlaça em suas larguezas humanas”.

  1. A NECESSIDADE DE DEFESA E PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Não basta, contudo, a compreensão de que os direitos fundamentais estão plasmados no texto constitucional e que constituem a essência de um modelo de Estado juridicamente organizado. É preciso que haja, na prática, mecanismos que os defendam e protejam de violação.

Nesse ponto, importante visualizar duas dimensões distintas de defesa e proteção dos direitos fundamentais, uma de caráter objetivo, outra de face subjetiva. Vejamo-las.

Em seu aspecto subjetivo, os direitos fundamentais pressupõem ações negativas (de não fazer), enquanto a dimensão objetiva estabelece a premissa de que tais direitos compõem o arcabouço jurídico-constitucional do Estado, exigindo-lhe atuação efetiva.

Assim, ao garantir a situação jurídica ao particular, por meio de seus efeitos subjetivos, e, por outro lado, determinar os elementos fundamentais da ordem jurídica, por intermédio de seu efeito objetivo, os direitos fundamentais, conforme adverte Konrad Hesse[8], criam um status jurídico material, ou seja, um conteúdo concretamente determinado e direcionado que, seja para o particular, seja para o Estado, está ilimitadamente disponível.

Estas duas dimensões, contudo, não agem de forma isolada. Isso porque, em realidade, operam conjuntamente. Robert Alexy[9] explica que ora se impõe ao Estado a abstenção de intervir (direitos subjetivos de defesa), ora requer-se ação estatal para impedir que terceiros não intervenham nos direitos fundamentais (direitos objetivos de proteção).

Conceitualmente, portanto, os direitos de defesa pressupõem um dever estatal de não interferência no plexo de bens protegidos individualmente, como o direito de liberdade ou de propriedade. Os direitos de proteção, por outro lado, configuram a necessidade de que o Estado assuma um comportamento ativo que possibilite o usufruto ideal dos bens individuais. Noutras palavras, a ação estatal distingue os direitos de proteção dos direitos de defesa.

É preciso avançar, todavia, além desses conceitos jurídicos para se observar a defesa ou proteção dos direitos fundamentais do cidadão como uma necessidade prática da vida social. Sim, porque muito além dos meandros jurídicos, a salvaguarda desses direitos relaciona-se sobremaneira com a qualidade e desenvolvimento da vida humana quando inserido em determinada coletividade.

É espontâneo que a efetivação dos direitos fundamentais contenha íntima ligação com a preservação da dignidade humana. Afinal, a possível banalização desses direitos conduz a uma inexorável deterioração dos níveis sociais. Em última análise, a dignidade humana transporta o eixo de discussão acerca de direitos da figura do Estado para o âmbito do indivíduo.

De fato, como afirmam Flávia Piovesan e Daniela Ikawa[10], cuida-se de consolidar, quer no âmbito interno de cada país, ou no cenário internacional como um todo, a ideia de que a proteção de direitos deve recair sobre valores humanitários e não meramente estatais.

Importa destacar, nesse aspecto, a importância de se considerar a dignidade humana como princípio jurídico fundamental na interpretação dos direitos fundamentais do cidadão. Sim, porque quando colocado frente a frente com violação de direitos, o intérprete de normas deve levar-se pelo fio condutor da dignidade humana como bússola na busca pela melhor solução, como enfatiza Luís Roberto Barroso[11], ao considerar que “qualquer lei que viole a dignidade, seja em abstrato ou em concreto, será nula”.

Note-se que essa interpretação não visa a eliminar, todavia, a força normativa das demais disposições que compõem o ordenamento jurídico-constitucional, além dos direitos fundamentais. O que se procura evidenciar é o alcance da eficácia de tais direitos, quando necessária a intervenção do Poder Judiciário, que decidirá se o caso sob análise cumpre ou não a Constituição, segundo o âmbito e proeminência dos direitos nela contidos, conforme assinala Bidart Campos[12]

Os aspectos doutrinários tornam-se, por certo, importantes para a definição jurídica dos direitos fundamentais, no entanto, sem a absorção desses conceitos pela sociedade, essa gama de direitos pode perder muito em sua força persuasiva.

Não se está querendo afirmar, ao revés, que a normatividade de tais direitos será em maior ou menor grau aplicada conforme lhe dê valor o grupo social. Mesmo porque, como dito alhures, os direitos fundamentais, em sua faceta objetiva, constituem-se em desígnios do próprio sistema jurídico, portanto, aplicáveis indistintamente a toda coletividade.

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Com efeito, o que se postula é o fato de que o respeito aos direitos fundamentais estaria tão mais acentuado quando maior fosse seu conhecimento e aceitação pela sociedade. Trata-se, quer-se crer, de relação diretamente proporcional: aumentando-se a participação social, aumenta-se a efetividade dos direitos fundamentais.

Não se pode negar que a concepção de direitos fundamentais pode cambiar em conformidade com a evolução social que determinada coletividade apresenta. À parte os comportamentos sociais ditados por costumes religiosos, culturais ou tradicionais, pensa-se que o ser humano não pode dispor-se de um conteúdo mínimo de tais direitos que são universais. O maior desafio, contudo, é acelerar a percepção dessa universalização dos direitos fundamentais.

Em seus estudos sobre a sociologia da mudança social, Piotr Sztompka[13] salienta que a sociedade se transforma por meio de processos direcionais que podem ser lineares ou não lineares. Os primeiros seguem uma tendência evolutiva lenta e gradual, que passam por estágios bem definidos que demarcam bem as diferenças entre diversas culturas e países. Os segundos avançam por meio de saltos qualitativos ou rupturas, que transpõem limiares específicos.

Para a plena consecução dos direitos fundamentais do cidadão seria interessante que várias culturas dessem esse salto qualitativo. 

  1. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Tem-se defendido neste exame o fato de que os direitos fundamentais compõem o arcabouço jurídico do Estado, funcionando como espécie de teia protetiva para o ordenamento social. Nada mais consentâneo com essa ideia, portanto, que tais direitos façam parte do sistema de garantias constitucionais do cidadão, estipulado por meio de princípios e regras.

 A propósito, Ferrajoli[14] define que a Constituição, em sua parte essencial, é composta de um conjunto de direitos fundamentais das pessoas, representado por princípios, mas também por um sistema de limites – as regras – impostos aos titulares dos poderes. Assim, sustenta o autor que princípios em matéria de direitos e regras em matéria de deveres constituem duas faces da mesma moeda.

Em realidade, o que se busca neste conjunto de direitos e deveres é exprimir, no Texto Maior, a preocupação em preservar aquilo que é essencial ao ordenamento jurídico. Noutras palavras: deve a Lei Maior, exatamente por ser e ter que manter-se em nível superior a todas as outras, conter mecanismos de defesa contra a violação de direitos que contêm, em si, a própria razão de ser da Constituição.

A essa visão de mecanismos de defesa dos direitos fundamentais, contidos na própria Constituição, deve-se somar, como afirma Ayres Brito[15], a instituição de uma realidade atemporal para o texto constitucional, cuja natureza permanente impeça a vontade transitória dos governantes eleitos a cada eleição.

Interessante notar, contudo, com apoio em Gilmar Mendes et al[16], que nem sempre a fronteira entre direitos e garantias fundamentais é tão cristalina. Assevera o autor que há direitos que têm como objeto um bem específico do cidadão, como a vida, por exemplo. De outra parte, contudo, existem normas que protegem os direitos fundamentais, as quais, segundo o autor, dão origem aos chamados direitos-garantia ou garantias fundamentais.  Destas, portanto, ocupar-se-á a partir de agora. 

Definir o que sejam garantias fundamentais, entrementes, não é tão simples como possa às vezes parecer. Sim, porque depende da amplitude em que se queira examinar a questão. Todavia, não é o desiderato deste estudo investigar conceitos que indiquem a origem e o alcance do termo. Interessa-se pelo aspecto procedimental de defesa dos direitos fundamentais que estejam plasmados no texto constitucional, notadamente nas constituições argentina e brasileira, que são objeto desse exame.

Nesse sentido, portanto, apropria-se do conceito mais restrito utilizado por Raúl Gustavo Ferreyra[17], para quem tais garantias representam grupo de vínculos de natureza constitucional que são impostos ao poder estatal como forma de garantir a satisfação e o respeito aos atributos e prerrogativas das pessoas.

  1. A DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS PELO PODER JUDICIÁRIO

Nem sempre a transgressão aos direitos fundamentais ocorre somente quando são delineados pelo Poder Judiciário. É dizer: não se pode afiançar que somente os juízes decidem se houve ou não violação e os motivos que a ensejaram. Na verdade, ainda que não decorrente de sentenças judiciais, o aviltamento aos direitos elementares do cidadão ocorre exatamente pela sua inobservância, qualquer que seja a origem da violação. Noutras palavras, não há imperiosa necessidade de que haja controle jurisdicional para que os direitos fundamentais sejam de fato respeitados, desde que a essência de sua dinâmica esteja presente como valor no seio social.

Nada obstante esse aclaramento, mormente em ordenamentos amplamente subordinados ao controle judicial, como no Brasil por exemplo, as decisões que se produzem no Poder Judiciário tornam–se importantes mecanismos de preservação dos direitos fundamentais. Daí a importância de reconhecê-los como fonte de direitos. A seguir, pois, intenta-se demonstrar diversos exemplos de defesa de direitos fundamentais, por intermédio do Supremo Tribunal Federal. 

Em 14 de outubro de 2011, a Suprema Corte brasileira julgou a ação direta de inconstitucionalidade - ADI nº 4.277, na qual se discutia a possibilidade de se aplicar o instituto da união estável estabelecida entre homem e mulher – prevista no código civil brasileiro – também para indivíduos do mesmo sexo. A corte acabou por julgar, à unanimidade, o pedido procedente.

Nesta ocasião, o STF abordou a questão sob a ótica da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, no sentido de proteger, em sentido amplo, a família como instituição protegida pela Constituição brasileira. Segundo o STF, portanto, ao se restringir o conceito de família apenas àquela formada entre homens e mulheres estar-se-ia afrontando os direitos fundamentais e não os amparando.

Em 15 de junho de 2011, o STF julgou a ação de descumprimento de preceito fundamental - ADPF nº 187, em que se discutia a constitucionalidade da “marcha da maconha”. Tal marcha foi convocada por organizações sociais para defender a descriminalização da maconha em território brasileiro. Na ocasião, por unanimidade de votos, o STF considerou constitucional a possibilidade haver a marcha, em nome da proteção do direito fundamental de liberdade de expressão, insculpido no artigo 5º da constituição brasileira.

Evidentemente, no caso, houve a nítida separação entre a constitucionalidade de se expressar em favor da descriminalização do uso da maconha e a proibição do consumo da droga, que se constitui em delito, segundo o ordenamento jurídico brasileiro.

Em 16 de dezembro de 2011, o STF julgou caso (Recurso Extraordinário nº 363.889) em que aquela Corte sinalizou, pela primeira vez, a possibilidade de relativizar a coisa julgada material, em nome da prevalência dos direitos fundamentais.  Cuidava-se de ação de investigação de paternidade declarada extinta pela justiça, anteriormente, porque não fora possível a realização do exame de DNA.

Todavia, em respeito à prevalência do direito fundamental à busca da identidade genética do ser, como pressuposto do direito de personalidade, o STF permitiu a propositura de nova ação, em função de que, quando da propositura da primeira ação, o interessado não tinha condições econômicas de pagar o exame de DNA, tampouco o Estado havia custeado a produção dessa prova crucial para o caso.

As decisões trazidas à baila são apenas exemplos de que a judicialização de matérias relativas aos direitos fundamentais, por vezes, constitui-se em fonte de garantias de preservação de tais direitos.

Não se pretende com isso defender o ativismo judicial como forma única de garantia, de fato, dos direitos do cidadão. Sim, porque como salienta Gargarella[18], não é nem um pouco óbvio que o controle sobre decisões coletivas recaia somente nas mãos da justiça, tendo os juízes sempre a última palavra sobre questões fundamentais. Isso porque a preservação de tais direitos pressupõe avaliação mais ampla, de onde provenha, como bem analisa o citado autor, uma esfera de inviolável autonomia dos indivíduos, de modo tal que possam ser soberanos com relação ao modelo de vida que preferem para si.

Em realidade, portanto, o que se quer deixar claro, com as decisões judiciais trazidas à colação, é exatamente a figura proeminente dos direitos fundamentais como norteador de um sistema jurídico organizado.

  1. CONCLUSÃO

A premissa de que partiu a reflexão ora produzida está amplamente enraizada, de fato, na necessidade jurídico-social de preservação dos direitos fundamentais do ser humano. Não se pode querer construir o teto, olvidando-se da base. Nada mais antigo, nada mais moderno.

Se o foco da análise se centrou no cidadão como senhor de direitos essenciais, tanto em face do Estado – relação vertical –, quanto em referência a outro indivíduo – relação horizontal, não foi por questões meramente antropocentristas, desconsiderando-se que a questão dos direitos fundamentais pode ultrapassar a fronteira humana, envolvendo até mesmo a problemática da natureza e dos animais como sujeitos de direitos próprios, como assinala Zaffaroni[19]. Tratou-se de simples delimitação de tema.

 Nesse sentido, pois, é que se afirma que os direitos fundamentais constituem a base de sustentação de uma ordem político-jurídica minimamente organizada e viável de evolução humana. Não se pretende discutir com isso, evidentemente, concepções religiosas ou de costumes variantes das mais diversas nações. Isso porque o que se concebe e ao qual se filia, é o reconhecimento de direitos fundamentais da espécie humana que exorbitam deste ou daquele país, por constituírem-se em essência própria do ser humano.

Abraça-se a tese de que não se pode conceber como cidadão, na concepção própria do indivíduo com direitos políticos, seja de que parte for, que se possa constituir uma sociedade em constante adaptação aos fenômenos sociais, cuja defesa dos direitos fundamentais seja efêmera como a aurora.

 Definitivamente, não. Daí a importância de que os direitos fundamentais possuam elementos de configuração e de garantias no texto constitucional, sejam princípios ou regras, explícitos ou não, que funcionem como pilar da ordem político-jurídica do Estado.

Nada obstante, é preciso dar a tais direitos instrumentalidade, funcionalidade. Dentro desse complexo sistema de garantias à preservação do dos direitos fundamentais é que se mostra importante a função do Poder Judiciário, quando atua como instrumento de resolução perene de conflitos que envolvam a plena consecução dos direitos estampados no texto constitucional ou legal de cada Estado.

 Disso não provém, contudo, a lógica de que somente aquele poder possa ser o bastião da defesa e validação dos direitos fundamentais do cidadão. Com efeito, nem sempre caberá ao Estado imiscuir-se na órbita privada do indivíduo, soberano que este é, ou deveria ser, sobre o seu estilo e modo de vida.

Sim, porque aos direitos fundamentais associa-se, quer-se crer, a convicção de que, parafraseando Renato Teixeira e Almir Sater, “cada um de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz”[20].

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

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[1] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 561.

[2] HÄBERLE, Peter. La Garantía Del Contenido Esencial De Los Derechos Fundamentales En La Ley Fundamental De Bonn. Madrid: Editorial Dykinson, 2003, p. 122.

[3] MENDES, Gilmar; COLEHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p.244.

[4] HÄBERLE, Peter, Op. Cit, p. 121.

[5] FERREYRA, Raúl Gustavo. Notas sobre Derecho Constitucional y Garantias. Segunda reimpresión. Buenos Aires: Ediar, 2008, p. 137.

[6] FERREYRA, Raúl Gustavo. Op. Cit, p. 137.

[7] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Direito De Para Todos. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, p. 123.

[8] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegra, Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 230.

[9] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª ed. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2011, p. 456.

[10] PIOVESAN, Flávia; IKAWA, Daniela. Segurança Jurídica e Direitos Humanos: o Direito à Segurança de Direitos.in: Constituição e Segurança Jurídica. Direito Adquirido, Ato Jurídico Perfeito e Coisa Julgada. Coordenação de Cármen Lúcia Antunes Rocha. 2ª ed. revista e ampliada. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 83.

[11] BARROSO, Luís Roberto. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo. A Construção de um conceito Jurídico à Luz da Jurisprudência Mundial. Trad. De Humberto Laport de Mello. 3ª reimpressão. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2014, p. 66.

[12] CAMPOS, German J. Bidart. El Derecho De La Constitución Y Su Fuerza Normativa. Primeira reimpressão. Buenos Aires: Ediar, 2004, p. 254-255.

[13] SZTOMPKA, Piotr. A sociologia da mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasilera, 1998, p. 41

[14] FERRAJOLI, Luigi. Constitucionalismo principialista y constitucionalismo garantista. DOXA, cuadernos de Filosofia del Derecho, 34 (2011), ISSN 0214-8676, p 40.

[15] BRITO, Carlos Ayres. O humanismo como categoria constitucional. 1ª ed. 2ª reimp. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012, p. 99.

[16] Op. Cit, p. 268.

[17] Op. Cit., p. 136.

[18] GAGARELLA, Roberto. La Justicia Frente ao Gobierno. Sobre el carácter contramayoritario del poder judicial. Buenos Aires: Editora Ariel, 1996, p. 263.

[19] ZAFFARONI, Raúl Eugenio. La PACHAMAMA Y EL HUMANO. Buenos Aires: Ediciones Madres de Plaza de Mayo, 2011, p. 54 e 144.

[20] Trecho da canção “Tocando em Frente”, composição de Renato Teixeira e Almir Sater.

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Sobre o autor
Carlos Henrique Vieira Barbosa

Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do DF. Bacharel em Comunicação pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito Público e Finanças Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Advogado. Doutorando em Direito Constitucional da Universidade de Buenos Aires.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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