Alguns temas de Direito Internacional Privado

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09/05/2017 às 17:10
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V – A QUESTÃO DO REGISTRO NO BRASIL DOS ATOS FEITOS NO EXTERIOR

A Lei 6.015/73 assim determinou, em seu artigo 129, I,  que estão sujeitos ao registro: 

“ todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal.”

Por outro lado, impõe-se a tradução de qualquer ato redigido em língua estrangeira no Brasil ou no exterior, para ter efeito no Brasil. 

Fala-se com relação ao casamento realizado no exterior. A esse respeito, tem-se segundo o  artigo 1.544 do Código Civil, que o casamento de brasileiros realizado no exterior deverá ser registrado no Brasil no período de 180 dias, a contar da data em que um ou ambos os cônjuges regressar ao Brasil. Tal registro se efetuará no cartório do respectivo domicilio ou, em sua falta, no 1o Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir.

Art. 1.544. O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro, perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em cento e oitenta dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1o Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir.

O casamento passará a ter efeito a partir da data de sua realização somente se a união for registrada no Brasil no prazo de 180 dias, a partir da volta de um dos cônjuges ou de ambos ao Brasil. Se o casal não conseguir efetuar o registro dentro do prazo, o casamento passará a ter efeito a partir da data do registro no Serviço de Registro Civil do domicílio do casal no Brasil.

O instrumento de procuração lavrado em notário francês dispensa o visto da autoridade consular, nos termos dos arts. 28 a 30 do Decreto n. 91.207/85, permanecendo a obrigatoriedade de seu registro em cartório, nos termos do art. 129, § 6º, da Lei n. 6.015/73, após ser devidamente traduzido por tradutor juramentado.


VI - OS CASAMENTOS EM NAVIOS E AERONAVES E EM OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS

Quanto aos casamentos em navios ou aeronaves, regem-se, quanto à forma, pelos princípios sobre a situação territorial daqueles meios de transporte, pela lei do Estado de sua nacionalidade, se militares onde quer que se encontrem e se outra espécie, quando em alto-mar ou território que não pertença a nenhum Estado, pela lei do Estado subjacente, se ali navegando, ancorados ou em pouso. É o que se lê do Código Brasileiro do Ar. O Anteprojeto de Lei Geral, estudado pelo Professor Haroldo Valladão, vai na mesma linha, em seu artigo 2º, parágrafo segundo, e ainda no artigo 45, parágrafo segundo.

Os misseis e satélites artificiais consideram-se sempre situados no território do Estado de sua nacionalidade(Anteprojeto, Lei Geral, artigo 45, parágrafo único).

Com relação aos casamentos celebrados em território que não são de nenhum Estado, coisa comum de todos, tendo como exemplo a Antártica, os Corpos Celestes, o Espaço Interplanetário, à falta de regulamentação do uso, regem-se, segundo Haroldo Valladão(Direito Internacional Privado, volume II, 1977, pág. 73), pela lei do grupo ou comunidade ali estabelecidos provisoriamente.


VII – A VALIDADE EXTRÍNSECA DO CASAMENTO

Outra  questão que coloco diz respeito à validade extrínseca do casamento.

Quanto à validade extrínseca, quanto à forma do casamento, o princípio tradicional é o locus regit actum, do lugar da celebração. É certo que o Código Civil Italiano de 1865, artigo 9º, vendo-se a corrente nacionalista de Mancini(que o aceitava quanto as partes que não tivessem a mesma nacionalidade o critério antes exposto), fixou para a forma o locus como regra e a lei nacional comum como exceção facultada aos interessados A Lei de Introdução ao Código Civil da Alemanha 1896, artigo 11, determinava para os casamentos a forma da lei alemã para os casamentos ali realizados.


VIII – A MORTE PRESUMIDA

Aqui se põe,  nesse artigo, o estudo do instituto da morte presumida, com a consequência de declaração de ausência. A justiça e a lei brasileira decidirão acerca do Curador e da arrecadação dos bens existentes no Brasil. Nesse sentido, o Código Bustamante, artigos 78 e 81, e ainda Polônia.

No passado, no Brasil,  o artigo 99 do Decreto  4.857, de 9 de novembro de 1939, regulou o registro do óbito, o assento de óbitos de pessoas desaparecidas em naufrágios, inundações, incêndios, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando não for possível encontrar o cadáver para exame, passados três anos do fato e estiver provada a sua presença no local do desastre.

Assim, desde que não se faça a prova da morte com certidões do registro civil ou por outra forma equivalente, considera-se como se tendo verificado. Essa a lição de Ruggiero (Instituições de direito civil, volume I, pág. 355).

O Código civil italiano revogado aboliu a presunção de morte e não conhecia o instituto da declaração de morte, admitida nos ordenamentos civis da Áustria, Alemanha, que admitiam os institutos da presunção e declaração de morte.

Há os casos de calamidade, desastres naturais que exigem essa declaração.

Ainda no passado, as Leis 256, de 2 de julho de 1896 e 349, de 11 de julho de 1904, na Itália, relativas a desaparecimentos de guerras na África, nas quais a presunção se admitiu não quanto a todos os efeitos gerais que derivam da morte, mas apenas quanto à liquidação de pensões pertencentes às famílias dos presumidos mortos, foram, na Itália, de grande valia. Da mesma forma, o Decreto 23, de 17 de janeiro de 1909, relativo à verificação das mortes em virtude de terremoto ocorrido em 28 de dezembro de 1908. Posteriormente, o Decreto-lei 1467, de 15 de agosto de 1919, formulou regras adequadas à matéria, em face da tragédia da primeira guerra mundial.

Assim, no sistema italiano, a declaração de morte era pedida pelos herdeiros legítimos, pelo cônjuge, pelos parentes ou afins, em linha reta ou colateral, até ao quarto grau, ou pelo Ministério Público. Uma vez declarada a morte os bens são deferidos aos herdeiros legítimos ou testamentários, considerando-se dissolvido o matrimônio, podendo o cônjuge supérstite contrair um novo casamento. Se o desaparecido regressa, recupera-os no estado em que se encontravam ou se ressarce pelo preço por que foram alienados, considerado de boa-fé o que se encontrava na posse. Como a declaração de morte se baseia em presunção, admite-se a prova da existência da pessoa ou de sua morte em momento diverso daquele que foi fixado na sentença.

Há a morte presumida que se dá com a declaração de ausência, a teor do artigo 6º, segunda parte e ainda artigo 9º , IV,  no caso dos artigos 22 a 39 do Código Civil). 

Se uma pessoa desaparecer sem deixar notícias, qualquer interessado na sua sucessão ou o Ministério Público, como fiscal da lei, poderá requerer ao juiz a declaração de sua ausência e nomeação de um curador. O Código de Processo Civil de 1973 determinava, no artigo 1.161, que se deveria publicar, de dois em dois meses, até perfazer um ano, sete editais chamando o ausente. Sem sinal de vida do ausente, poderá ser requerida a sua sucessão provisória e o início do processo de inventário e partilha de seus bens, ocasião em que a ausência do desaparecido passa a ser considerada presumida, tendo efeito que se assemelha ao desaparecimento.

Feita a partilha, seus herdeiros deverão administrar os bens, prestando caução real, com o objetivo de garantir a restituição no caso de o ausente aparecer. Dez anos depois do trânsito em julgado da sentença de abertura da sucessão provisória, sem que o ausente apareça ou cinco anos depois das últimas notícias daquele que conta com 80 anos de idade, será declarada a morte presumida do desaparecido a requerimento de qualquer interessado, convertendo-se a sucessão que era provisória em definitiva. Se o ausente retornar até dez anos seguintes à abertura da sucessão definitiva terá os bens no estado em que se encontrarem e terá direito ao preço em que os herdeiros houvessem recebido com sua venda. Mas, se regressasse após esses dez anos, não teria direito a nada, conforme o artigo 1.168 do CPC de 1973.

O CPC de 2015 possui as seguintes disposições:

Art. 744.  Declarada a ausência nos casos previstos em lei, o juiz mandará arrecadar os bens do ausente e nomear-lhes-á curador na forma estabelecida na Seção VI, observando-se o disposto em lei.

Art. 745.  Feita a arrecadação, o juiz mandará publicar editais na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 1 (um) ano, ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, durante 1 (um) ano, reproduzida de 2 (dois) em 2 (dois) meses, anunciando a arrecadação e chamando o ausente a entrar na posse de seus bens.

§ 1o Findo o prazo previsto no edital, poderão os interessados requerer a abertura da sucessão provisória, observando-se o disposto em lei.

§ 2o O interessado, ao requerer a abertura da sucessão provisória, pedirá a citação pessoal dos herdeiros presentes e do curador e, por editais, a dos ausentes para requererem habilitação, na forma dos arts. 689 a 692.

§ 3o Presentes os requisitos legais, poderá ser requerida a conversão da sucessão provisória em definitiva.

§ 4o Regressando o ausente ou algum de seus descendentes ou ascendentes para requerer ao juiz a entrega de bens, serão citados para contestar o pedido os sucessores provisórios ou definitivos, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública, seguindo-se o procedimento comum.

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O novo Código Civil, no art. 1.571, § 1º, passou a admitir a presunção de morte como causa de dissolução do casamento. Contraria, assim, o que dispunha o art. 315, parágrafo único, do Código de 1916, que expressamente excluía a morte presumida como causa de dissolução do matrimônio. Ou seja, por mais duradoura que fosse a ausência, não tinha ela o condão de dissolver o casamento. Com a revogação deste dispositivo pelo art. 54 da Lei do Divórcio, e não tratando esta expressamente do tema, entenderam alguns autores ser possível a dissolução do matrimônio pela morte presumida.

Ainda que se efetuasse a sucessão definitiva, com a presunção de morte, não se considerava dissolvido o casamento, de sorte que o cônjuge presente não podia contrair novo casamento. Agora, porém, não há mais óbice,  ensinou José da Silva Pacheco (Inventários e partilhas. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 67) (grifo nosso). “Se a lei admitiu, para efeitos patrimoniais, uma presunção de morte do ausente há mais de vinte anos ou que completou 95 anos de idade, não se vê razão para não admitir a mesma presunção em matéria de casamento. Se houve para um caso uma forte razão de fato a justificar a presunção, também haverá no outro caso” (CRUZ,Guilherme Braga da. Direitos de família. 2. ed. Coimbra: Coimbra, 1942, v. 1, p. 123).

Ensinou Maria Helena Diniz (Curso de direito civil, volume I, 24ª edição, pág. 222) que, pelo artigo 7º, I e II, e parágrafo único do Código Civil e pela Lei 6.015/73, artigos 85 a 88, admitida está a declaração de morte presumida sem decretação de ausência em casos excepcionais, para viabilizar o registro do óbito resolver problemas jurídicos gerados com o desaparecimento e regular sucessão causa mortis como: se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida ante as circunstâncias em que se deu o acidente; naufrágio, incêndio, sequestro, inundação, desastre (RT 781: 228) e se alguém, desaparecido em campanha (ação militar) ou feito prisioneiro não for encontrado em até dois anos após o término da guerra.

Mas, diga-se que nessas hipóteses listadas, a declaração de morte presumida apenas poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do óbito.

O óbito, nesses casos, deverá ser justificado judicialmente diante da presunção legal da ocorrência do evento morte. É a data provável do óbito, fixada por sentença, que irá demarcar o dies a quo em que a declaração de morte presumida, como ensinou Maria Helena Diniz (obra citada) irradiará efeitos.  

Mas, anote-se,  a sentença declaratória de morte presumida, apesar de ter eficácia para todos, erga omnes, não fará coisa julgada material, sendo suscetível de revisão a qualquer momento, desde que apareçam provas relativas à localização do desaparecido, que, se vier a retornar a seu meio, voltará ao estado anterior, na medida que possível deixando de existir a declaração judicial de seu óbito, que deverá retroagir ex tunc, à data de seu desaparecimento, tratando-se de presunção iuris tantum.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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