O ordenamento jurídico tem como finalidade a proteção do que é lícito ao indivíduo, bem como cercear o ilícito, ou seja, o direito procura amparar a conduta com a lei, a moral e os bons costumes, tal como refuta, concomitantemente, a conduta daquele que o contraria.
Previsto no art. 186, art. 187 e art. 927 do Código Civil, a responsabilidade civil consiste no dever de reparar o dano por todo aquele que violar um dever jurídico, através de um ato ilícito, sendo atualmente aplicável à responsabilidade das redes sociais, como a responsabilidade de seus usuários.
Criada com a disseminação da internet a partir dos anos 2000, as redes sociais, graças ao serviço de comunicação e entretenimento começou a ganhar força no Brasil.
As redes sociais também transformaram o relacionamento entre as pessoas e a sociedade com tamanha diversidade de informações instantâneas e demandas imediatas, assim como trouxe muitos problemas, cabendo ao direito a árdua tarefa de acompanhar e proteger a sociedade daqueles que a utilizam para causar prejuízo a terceiros, praticando atos como postagens com conteúdo injurioso, difamatório, calunioso ou inverídico e que causam grave lesão ao direito do indivíduo, muitas vezes com dezenas ou centenas de compartilhamentos, violando os direitos básicos previstos no Art. 5º da Constituição Federal.
Elencado no inciso X, da Constituição Federal de 1988, o ordenamento prevê que são invioláveis “a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Parece que o controle dos atos foram retirados nestes meios de interação social e os usuários carecem, muitas vezes, de uma reflexão mais sistemática sobre quem serão aqueles que poderão ser prejudicados com determinada postagem, compartilhamento ou comentário, esquecendo a responsabilidade que tal ação deriva.
Não há dúvida que em caso de violação de direitos e lesões aos prejudicados, através de atos praticados nas redes sociais, o causador do dano ou seus responsáveis legais poderão ser chamados a reparar o dano moral e material causado, o que, em alguns casos, pode corresponder até mesmo ao custeio de tratamento psicológico ao ofendido, tamanha é a possibilidade de lesão causada.
Evidente, entretanto, que a liberdade de expressão, sempre tão defendida e valorizada como uma das maiores e mais importantes conquistas da nossa sociedade moderna, encontra-se em outro patamar, pois em alguns casos pode existir uma linha de entendimento divergente entre o que é manifestação ilícita e do que realmente se trata de liberdade de expressão.
Nesse diapasão, o presente trabalho objetiva analisar a responsabilidade civil nas redes sociais dentro do direito da personalidade, da imagem sob o entendimento jurisprudencial.
2. DIREITO DA PERSONALIDADE
O direito à personalidade está ligado ao direito da dignidade da pessoa humana, portanto esses direitos possuem status constitucional, integrando verdadeiramente o bloco de constitucionalidade.
No caso dos direitos da personalidade, a sua integração ao bloco de constitucionalidade se impõe por serem eles uma exteriorização da dignidade da pessoa, caracterizando-se como direitos fundamentais.
Como prova, os incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal, preveem expressamente tutela especificada para esses direitos, de modo a assegurar a plena proteção e realização do indivíduo como pessoa humana. Além da Constituição, o direito da personalidade também tem previsão infraconstitucional, no Código Civil em seus arts. 11 a 21.
Como características marcantes dos direitos da personalidade estão a indisponibilidade e a irrenunciabilidade, que estão asseguradas no art. 11 do Código Civil de 2002. Essa indisponibilidade e irrenunciabilidade não são absolutas, ou seja, há um limite para elas, pois caso contrário haveria violação à autonomia privada.
A grande dificuldade é definir a exata medida desse limite e quando se fala das redes sociais, essa questão ganha contornos cada vez mais dramáticos.
Nas redes sociais há cada vez mais casos de renúncia e disposição quase irrestrita da intimidade, da imagem e da vida privada. Inúmeros são os exemplos de pessoas que tiveram a sua intimidade violada, exposta, sem qualquer restituição e muitas dessas situações são provocadas pela própria vítima que, expõe de forma direta, informações, fotografias nos ambientes virtuais.
De fato, essas situações não são simples, revelando-se como verdadeiro conflito de direitos fundamentais, especificamente a autonomia privada, privacidade e intimidade.
Assim, é possível perceber que essas questões que envolvem os direitos da personalidade e as redes sociais devem ser examinadas com cautela. É certo que não é possível impor às pessoas uma censura, impedindo absolutamente a veiculação de dados, informações e fotografias, como já foi vivido nesse país um dia. Como costuma afirmar o professor e ministro Luís Roberto Barroso, só quem nunca viu a sombra não sabe reconhecer a luz. Esses são tempos que, se Deus quiser, jamais voltarão. Mas isso não significa que não se deva repensar o alcance de proteção aos direitos da personalidade, a fim de se evitar que essa liberdade que hoje existe não seja uma armadilha feita por nós mesmos, para nós mesmos cairmos nela.
No agravo de instrumento da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, decidiu-se acerca do direito de personalidade dentro das redes sociais, o qual foi atingido pelo uso indivíduo de imagem/nome da pessoa. Vejamos:
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. DIREITO DA PERSONALIDADE. RETIRADA DE IMAGEM ATENTATÓRIA À HONRA DE REDE SOCIAL (FACEBOOK). TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A utilização da imagem/nome de pessoa, pública ou não, como se ela fosse, para a realização de atos ou comentários que possam denegrir/prejudicar sua honra e dignidade ofende aos Princípios da Legalidade, da Dignidade da Pessoa Humana, da Vedação ao Anonimato. Presentes os requisitos autorizadores da tutela antecipada, quais sejam, a verossimilhança das alegações do autor e a existência da prova inequívoca de seu direito é de rigor o seu deferimento. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TJ-CE - Agravo de Instrumento AI 06246240320158060000 CE 0624624-03.2015.8.06.0000 (TJ-CE) - Data de publicação: 04/11/2015).
DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO LIMINAR EM SEDE DE AÇÃO CAUTELAR. CONFLITO ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO DEFERIMENTO DO PEDIDO LIMINAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA DE VOTOS. - A contenda posta a presente análise recursal passa pela dicotomia existente entre valores constitucionalmente positivados, qual seja: liberdade de expressão X direitos da personalidade, bem como proteção conferida no seio do arts. 12 e 20 do Código Civil. - Crítica veiculada por intermédio da rede social que, na parte em que se refere especificamente ao escritório agravante, de fato, tem potencial para atingir direitos da personalidade daquele, configurando a fumaça do bom direito necessária ao deferimento do pedido liminar negado pelo juízo de piso. - Perigo da demora também milita em favor do agravante, que, sem o deferimento do presente recurso, continuará, até o deslinde da contenda no juízo de primeiro grau, a ter seu nome exposto em rede social de amplo alcance (Facebook), com potencial prejuízo à imagem do referido escritório nesse período. - Presentes os requisitos que autorizam o deferimento da liminar no bojo da ação cautelar em tramitação no juízo a quo, cabível a reforma da decisão atacada. - Recurso parcialmente provido para se determinar: a) a retirada da página da rede social (Facebook) constante no perfil do 1º agravado em que menciona expressamente o nome do escritório agravante; b) a retirada de qualquer matéria advinda desses fatos em outros sites, notadamente o Migalhas e o Jusbrasil Notícias ; c) a retirada de todos os comentários a respeito dessa postagem, localizados no perfil do 1º Agravado. (TJ-PE - Agravo de Instrumento AI 3633114 PE (TJ-PE) - Data de publicação: 29/10/2015).
Fixado o entendimento dos Colendos Tribunais, nota-se que, presente os resquícios de que fora atingido o direito da vítima, o agente fica obrigado a reparar o dano causado, bem como ao cumprimento de outras condições impostas.
3. DIREITO DE IMAGEM E SUAS LIMITAÇÕES
O direito de imagem, consagrado e protegido pelos incisos X e XXVIII, do art. 5º da Constituição Federal da República de 1988, tratado entre os direitos e garantias fundamentais e como um Direito de Personalidade e pelo art. 11 e seguintes do Código Civil, é um direito de personalidade física da pessoa, incluindo os traços fisionômicos, o corpo, atitudes, gestos, sorrisos, indumentárias etc.
Assim, ou direito de imagem é irrenunciável, inalienável, intransmissível, porém disponível, ou seja, poderá ser licenciada por seu titular a terceiros. A imagem do indivíduo é um direito autônomo ou próprio, o que repercute diretamente no momento de eventual ação indenizatória ante o uso indevido da imagem do individuo.
Além de possuir certa relação com os demais direitos de personalidade e, por vezes, até com eles confundir-se, o uso indevido da imagem independe de comprovação do prejuízo, sendo este inerente à utilização não autorizada, já aquele, por exemplo, o direito à honra, necessita da existência de dano para aferição de eventual indenização (art. 20 do Código Civil).
Situação essa pacificada pela súmula do STJ:
Súmula 403 – Independe de prova ou prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos e comerciais.
De acordo com a jurisprudência pátria, a ação para fazer cessar o uso indevido de imagem (obrigação de não fazer), assim como aquela para reivindicar a seguinte indenização (obrigação de pagar quantia) requer duas condições alternativas:
1) Exploração econômica através da imagem e/ou;
2) Lesão da pessoa retratada.
Essas premissas ou, ao menos uma delas, decerto, estará no âmago das decisões dos magistrados nacionais, no momento de acolherem ou não as pretensões dos indivíduos que tiverem suas imagens divulgadas sem autorização, sejam essas (pretensões condenatórias, mandamentais ou executivas lato sensu, de acordo com a classificação quinaria das ações).
3.1 Limitações ao uso não autorizado de imagem
O uso não autorizado de imagem encontra algumas limitações firmadas, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência. As mais relevantes e abordadas serão:
1) O chamado ônus da suportabilidade de terem suas imagens expostas nos veículos de comunicação sem a devida autorização;
2) Da imagem estar vinculada à informação com claro interesse público. O direito à informação também se encontra consagrado pela Constituição Federal e, igualmente, como um direito fundamental (art. 5º, XXXIII).
Desta maneira, matéria de cunho jornalístico leva a um inevitável conflito entre direitos fundamentais, onde, via de regra, deverá prevalecer o interesso público coletivo sobre o individual/privada nos moldes do princípio da proporcionalidade.
No caso conhecido da atriz Daniella Cicarelli, por exemplo, onde a modelo fora retratada em momento íntimo com o namorado em uma praia pública; embora independentemente da praia ser pública e ela uma pessoa famosa, não há como negar que o vídeo divulgado na internet denigre sua imagem, além de utilizá-la indevidamente.
É evidente, ainda, a ofensa à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental de nossa Constituição Federal (art. 1º, III).
A função da responsabilidade civil é a completa satisfação da vítima (reparação integral), buscando-se fazer com que ela retorne ao ´status quo´ anterior ao evento danoso. Restando demonstrado satisfatoriamente os elementos caracterizadores da responsabilização, de forma que a indenização por danos materiais deve também abranger a restituição dos dispêndios realizados na busca pelos seus direitos, não há alternativa que não seja a possibilidade da condenação em tal reparação. Vejamos:
RESPONSABILIDADE CIVIL - IMPRENSA - DIREITO À IMAGEM - PUBLICAÇÃO, EM MATÉRIA JORNALÍSTICA, DE FOTOGRAFIA DO DEMANDANTE - simples transeunte que acabou tendo sua imagem exposta em matéria que tratava de supostas fraudes perpetradas pela construtora delta e seus laranjas - ausência de autorização escrita - falta de cuidado da ré na veiculação da imagem do autor sem qualquer elemento de dissuasão - lei de imprensa nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 - declaração pelo supremo tribunal federal de inconstitucionalidade por não recepcionada pela constituição de 1988 no julgamento da adpf nº 130/df - aplicação do código civil - liberdade de informação e de manifestação do pensamento que não constituem direitos absolutos, sendo relativizados quando colidirem com o direito à proteção da honra e da imagem dos indivíduos, bem como ofenderem o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana publicação de fotografia não autorizada em jornal que constitui ofensa ao direito de imagem, ensejando indenização por danos morais - ainda mais quando veiculada em matéria sobre fraude que nada tem haver com o autor - valor arbitrado aquém do que se afigura razoável à hipótese - caráter pedagógico/punitivo - extensão do dano - majoração do dano moral - juros de mora a contar do evento súmula 54 do stj - pedido de retirada da matéria do site jornalístico - reparação integral da lesão que inclui a cumulação de obrigações de fazer e de indenizar - provimento do recurso do autor. (TJ-RJ - apelação apl 02929719520128190001 RJ 0292971-95.2012.8.19.0001 (TJ-RJ) - Data de publicação: 18/03/2014)
Conforme abordado, o direito à proteção da honra e da imagem encontra-se em constante abalroamento com as informações divulgadas e a manifestação do pensamento, sendo cada vez mais necessário o arbitramento de indenização com o intuito punitivo.
4. CONCLUSÃO
É fato incontestável que a imagem como um direito de personalidade autônomo, consagrado constitucionalmente, tem o poder de levar seus titulares a buscar a tutela jurisdicional competente para findar seu uso indevido e desautorizado, assim como, para reclamar eventual indenização, inclusive moral, em razão do ilícito cometido.
Igualmente inquestionável é a possibilidade de limitação deste exercício do direito de imagem quando a pessoa retratada for pública ou quando houver conflito com demais direitos ou princípios fundamentais, como é o caso do direito à informação.
Contudo, o que não se pode esquecer é que mesmo essas limitações devem ser mitigadas ou desconsideradas no momento em que o violador age com os propósitos de: 1) explorar economicamente a vítima, titular do direito de imagem, e/ou; 2) denegrir sua imagem.
Esses, inclusive, são os requisitos que devem ser perseguidos pelo julgador no momento da análise de casos envolvendo imagens de indivíduos divulgadas sem autorização.
Ademais, o ambiente virtual mostra-se como um cenário propício à prática de diversos ilícitos. Estão os usuários sujeitos a danos extrapatrimoniais, em virtude da violação dos direitos da personalidade, como também a danos patrimoniais, que se realiza por meio do roubo de senhas, da interceptação de dados confidenciais, entre outros.
Assim, entendeu-se que as redes sociais respondem objetivamente pelos danos causados por seus usuários aos demais clientes do serviço. Tal decisão, quando não possui base nas normas do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de relação de consumo, encontra esteio na teoria do risco, segundo a qual, aquele que exerce atividade capaz de ensejar dano que dela provenha, deve responder por eles independentemente de culpa (art. 927 Código Civil/2002).
Leva-se em consideração os entendimentos jurisprudenciais dos tribunais, os quais vêm enfrentando a questão, caso a caso, deixando para a ampla análise da prova, a verificação da existência do ato ilícito, dano moral e a sua extensão.
REFERÊNCIAS
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TARTUCE, Flavio. Direito Civil 2: Direito das Obrigações e Responsabilidades Civil. 10º Ed. São Paulo: Método 2015.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil 3. 15º Ed. São Paulo: Saraiva 2017.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil 7. 26º Ed. São Paulo: Saraiva 2012.
ALVES, Cleusa Maria Pereira. Direito de imagem nas redes sociais. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28297/direito-de imagem-nas-redes-sociais/2. Acesso em: 18 de abril de 2017.
TRENTIN, Taíse Rabelo Dutra. Internet: Publicações Ofensivas em Redes Sociais e o Direito à indenização por Danos Morais. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/REDESG/article/view/6263. Acesso em 16 de abril de 2017.
http://www.espacovital.com.br/publicacao-31375-reparacao-integral-dano-compreende-restituicao-que-foi-pago-ao-advogado-para-ajuizar-acao
https://imasters.com.br/artigo/19889/redes-sociais/as-redes-sociais-e-sua-influencia-na-sociedade?trace=1519021197&source=single
https://por-leitores.jusbrsil.com.br/noticias/2995368/o-direito-de-imagem-e-suas-limitacoes. Acesso em: 18 de abril 2017