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Reconvenção da Reconvenção:é possível?

05/07/2017 às 11:10
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Trata-se de verificar se seria possível ao reconvindo apresentar, quando de sua manifestação, uma nova reconvenção em face do reconvinte.

O instituto da reconvenção é amplamente reconhecido por todos os operadores do direito como uma resposta do réu que se materializa como uma verdadeira espécie de contra-ataque ao autor da ação. A grande questão, a saber, com este singelo estudo é: seria possível a reconvenção da reconvenção? Ou seja, seria permitido um contra-ataque ao contra-ataque?  Ou melhor, é utilizável a reconvenção sucessiva?

Ora, nesta modalidade de resposta do réu, nota-se o ocupante do polo passivo da demanda declinar a sua pretensão contra o autor no mesmo processo, desta forma, exerce verdadeiro direito de ação que é totalmente desvinculado do direito de ação do ocupante do polo ativo da demanda principal.

A origem histórica do instituto reconvencional possui matriz no Direito Canônico que estabeleceu sua possibilidade nos Cânones 1463, 1493, 1494 e 1495. Entretanto, no § 2º do Cân. 1494 trará uma expressa vedação quanto à possibilidade da reconvenção da reconvenção. Vejamos:

Cân. 1494.

§ 1. A parte demandada pode, diante do mesmo juiz e no mesmo juízo, mover ação de reconvenção contra o autor, em razão de conexão da causa com a ação principal, ou para repelir ou enfraquecer a petição do autor.

§ 2. Não se admite reconvenção da reconvenção.

Noutro pórtico, em nível de direito comparado podemos recordar de país que influenciou, por meio de Liebmam, boa parte de nosso pensamento processual civil, qual seja: a Itália. Os italianos, também influenciados pelos Cânones Católicos, trouxeram previsão, no art. 36 do seu Código de Processo Civil, para o instituto reconvenzionali o qual colacionamos abaixo, mantendo o idioma:

Art. 36 Cause riconvenzionali. Il giudice competente per la causa principale conosce anche delle domande riconvenzionali che dipendono dal titolo dedotto in giudizio dall'attore o da quello che gia' appartiene alla causa come mezzo di eccezione, purche' non eccedano la sua competenza per materia o valore; altrimenti applica le disposizioni dei due articoli precedenti.

Entretanto, violando o pensamento restritivo dos Cânones, os italianos estabeleceram previsão quanto à possibilidade da reconvenção sucessiva no art. 183 de seu Código de Processo Civil, fato que não ocorreu na legislação brasileira.

No Brasil. o art. 343 do Novo Código de Processo Civil trará a previsão do instituto da reconvenção, afirmando que será possível propô-la para manifestar pretensão própria, contudo, esta pretensão deverá ser conexa com ação principal ou, então, com o fundamento de defesa ofertado pelo réu na contestação. Entretanto, o Código de Processo silencia quanto à possibilidade de reconvir da reconvenção. Coube à doutrina e jurisprudência dirimir a dúvida.

DA POSSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO DA RECONVENÇÃO

Já mencionamos que a reconvenção se materializa como um verdadeiro direito de ação, não estando vinculada ao direito do autor, justamente por isso que se a ação principal for extinta por carência do direito de ação a reconvenção não deverá ser atingida, continuando seu tramite, uma vez que possui autonomia para com relação à ação principal.

Pelo mesmo fundamento acima indicado, temos que se o autor da ação principal desistir deverá continuar normalmente o trâmite da reconvenção. SANTOS (1998, p. 390) afirmará que “em razão de sua independência, irrelevantes tornam-se a seu prosseguimento a extinção anormal do processo principal e a desistência da ação, casos em que a reconvenção tem prosseguimento.”

Destaque-se que este direito de ação é exercido pelo réu e deverá ter conexão com a ação principal ou com os fundamentos de sua defesa, do contrário, não poderá ser exercido. Ademais, não é cabível nos Juizados, locais em que se permitirá, tão somente, a formulação de pedidos contrapostos, os quais se diferenciam da reconvenção por ter fundamentos, unicamente, nos mesmo fatos da petição inicial.

Igualmente, a reconvenção é diferente das Ações Dúplices em sentido material ou iudicia duplicia, pois nestas espécies a própria defesa do autor já é exercida como um verdadeiro contra-ataque:  é o caso, por exemplo, das ações possessórias, em que ao realizar a sua defesa o réu intenta manter a sua posse. Não necessitará, desta feita, apresentar reconvenção.

Agora, a questão, a saber, é, para as situações em que é possível o exercício da reconvenção, é permitido, quando for intimado para apresentar sua manifestação, ao reconvido, o protocolo de uma nova reconvenção?  

Renomados doutrinadores respondem afirmativamente a esta questão, como é o caso de DIDER JR (2009. p, 494) e, ainda, MARINONE (2008. p, 151), este último, após afirmar que é lícito ao reconvindo deduzir uma nova desde que a primeira reconvenção tenha sido fundamentada nos fundamentos de defesa do réu, vejamos:

(...) a primeira reconvenção (a oferecida pelo réu) tenha sido baseada no fundamento da defesa nesta hipótese (reconvenção baseada no fundamento da defesa), o réu traz material fático totalmente novo ao processo, podendo surgir daí o interesse do autor-reconvindo em apresentar, sobre esse novo material, também sua pretensão.  

Podemos afirmar, com base no raciocínio doutrinário, que é possível a reconvenção sucessiva sempre que o autor reconvindo possuir uma pretensão que seja conexa à reconvenção proposta pelo réu sobre fundamento de sua defesa. Contudo, COLOTÔNIO (2015) afirmará, como condicionante, que “a nova demanda a propor não seja portadora de uma pretensão que ele poderia ter cumulado na inicial e não cumulou”.  

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Deveras importante, colacionar o pensamento de PASSOS (2001, p. 315) ao apresentar argumentos favoráveis sobre a possibilidade da reconvenção sucessiva:

“a)o autor ignorava que o réu iria reconvir; e por outro lado o seu interesse pode ter surgido justamente em razão da reconvenção; mas, ainda que o soubesse, a cumulação dos pedidos não é dever de ordem substancial nem de natureza processual;

b)as ações entre só duas partes são em número finito e logo se exaurem; inclusive a exigência de um nexo entre a ação e a reconvenção ainda opera como fator limitativo de maior eficácia; c)a impugnação da reconvenção contestação é (hoje, inclusive, e assim denominada) sob qualquer aspecto que seja examinada”.

Noutro ponto, lei brasileira não veda a reconvenção sucessiva. Logo, há que se fundamentar a possibilidade de reconvir da reconvenção ao analisar que quando o Código de Processo Civil quis impedir esta possibilidade o fez, expressamente, no art. 702, § 3º ao regrar a impossibilidade de reconvenção da reconvenção nas ações monitórias. Logo, não tendo impedido nos demais casos, entende-se pela possibilidade.  

CONCLUSÃO

Foi demonstrado que o Novo Código de Processo Civil não previu expressamente a possibilidade de reconvenção da reconvenção, entretanto, o fez para indicar sua impossibilidade para as ações monitórias, fato que leva a compreender que nos demais casos seria possível já que inexiste proibição.  Ademais, ante o silêncio do Código, coube à doutrina iniciar os debates sobre o tema, de forma que entendeu, majoritariamente, possível a utilização do instituto.

Não seria razoável, contudo, que esta reconvenção sucessiva se estendesse ao ponto de que fosse permitida uma terceira, quarta ou quinta reconvenção. Desta forma, o melhor raciocínio será de que ao propor o réu sua reconvenção será permitida, tão somente, uma nova utilização do instituto, agora, por parte do autor reconvindo, isto porque a reconvenção sucessiva é fundamentada em razão de uma demanda a ser proposta após a reconvenção fundamentada em direito de defesa do réu, fato que não deve acontecer na resposta do autor reconvinte, pois a maturidade da situação já está por demais elevada e o surgimento de novas questões seriam improváveis ou meramente provocadoras de tumultos processuais infindáveis.

BIBLIOGRAFIA

CALMOM DE PASSOS, José Joaqui. Comentário ao Código de Processo Civil, V III, 8º Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

CÓDIGO Canônico. Roma/São Paulo: Libreria Editrice Vaticana, 1983.

COLOTÔNIO, Camila Satsuki Yuko. Análise jurisprudencial acerca do tema Reconvenção à Reonvenção. Disponvel em: <https://camilacolontonio.jusbrasil.com.br/artigos/175701229/analise-jurisprudencial-acerca-do-tema-reconvencao-a-reconvencao>, acesso em 11/05/2017.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento (vol. 1). 11ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de Conhecimento. (Curso de Processo Civil v. 2) 7ª ed., rev e atual. 3ª tir. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.

SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil, volume 01 - processo de conhecimento. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998.

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Sobre o autor
Roberto Barroso Moura

Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN (2007), Aprovado em Concurso Público Para Ocupação de Cargo Público Federal Junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (2006), Advogado Inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil da Subseccional da OAB em Mossoró/RN (2008), Consultor Jurídico da Associação da Policia Militar de Mossoró e Região (2008); Membro da Comissão de Segurança Pública da OAB/RN (2012); Membro da Fiel Consultoria Empresarial (2012); Coordenador do NAP da Procuradoria Federal Seccional da Advocacia Geral da União em Mossoró/RN (2016); Pós-Graduado do Curso de Especialização em Processo Civil pela rede de ensino LFG/ANHANGUERA (2016). Pós-Graduando do Curso de Especialização em Direito Constitucional e Tributário da Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA (2018).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Roberto Barroso. Reconvenção da Reconvenção:é possível?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5117, 5 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57692. Acesso em: 22 dez. 2024.

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