Usucapião familiar:considerações

12/05/2017 às 10:57
Leia nesta página:

No casamento e na união estável existem deveres a serem observados, como de coabitação. Não observar esse preceito pode trazer consequência para aquele que sem permissão, abandona o lar. Pode ensejar a usucapião em favor do cônjuge que permaneceu.

Quem nunca ouviu em sua existência uma conversa sobre alguém que “saiu para comprar cigarros e não retornou mais”? Dentre os deveres a serem cumpridos está o dever de coabitação (viver sob o mesmo teto), onde esse  seja propriedade comum.

Nas relações amorosas que se constituem em casamento ou mesmo “união estável”, deveres são observados, dentre eles, o dever de coabitação, de fidelidade  de  assistência mútuas. Não observar esses preceitos pode trazer consequência ao que deixar de cumpri-los.

Nesse passo em 16 de junho de 2011 foi promulgada a Lei Federal No. 12.424, a qual alterou a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispunha sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, além de acrescentar ao artigo 1.240-A no Código Civil, veio  acrescentar o exercício exclusivo da posse pelo cônjuge ou companheiro abandonado.

Nos termos do referido texto da lei: Artigo 1240-A, do Código Civil Brasileiro que:

“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)”

Aqui se trata especificamente do “abandono da propriedade”, da “família” pelo prazo ininterrupto de 2 anos, que quer dizer, não retornou. Não voltou a exercer o seu direito de propriedade.

Porém, se aquele que saiu de casa, eventualmente retorna para visitar os filhos, por exemplo, para trazer dinheiro para as despesas, para resolver problemas corriqueiros, como arrumar um cano quebrado etc., não se constitui no “abandono” especificado no artigo de lei.

Da mesma forma não pode se constituir a saída do lar em abandono, para o caso específico da “usucapião familiar”, se a parte que saiu, teve permissão judicial ou mesmo que após sair, tenha ajuizado ação competente buscando seus direitos.

A jurisprudência já decidiu quanto a essa hipótese:

Ementa: DIREITO CIVIL. UNIÃO ESTÁVEL. IMÓVEL ADQUIRIDO DURANTE PERÍODO DE CONVIVÊNCIA. PERDA DA MEAÇÃO PELO COMPANHEIRO. ART. 1.240-A. APLICAÇÃO ANALÓGICA. COMPANHEIRA VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. INAPLICABILIDADE. PARTILHA NECESSÁRIA. SEGUNDO DISPÕE O ART. 1.725 DO CÓDIGO CIVIL, RECONHECIDA A UNIÃO ESTÁVEL, APLICA-SE O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. NÃO COMPROVADO, NA HIPÓTESE, OS REQUISITOS PARA USUCAPIÃO NOS TERMOS DO ART. 1.240-A, EM ESPECIAL O ABANDONO DO LAR E A POSSE SEM OPOSIÇÃO, INVIÁVEL APLICAÇÃO ANALÓGICA DESTE DISPOSITIVO À COMPANHEIRA ANTERIORMENTE VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR A PARTIR DA INTERPRETAÇÃO DOS JUSTOS OBJETIVOS DA LEI MARIA DA PENHA, AINDA MAIS QUANDO JÁ REPARADA FINANCEIRAMENTE POR TAL OCORRÊNCIA. TJ-DF - Apelação Cível APC 20120310272384 DF 0026595-41.2012.8.07.0003 (TJ-DF) -Data de publicação: 10/07/2013

Frise-se que nesse julgado, a parte não conseguiu provar o abandono voluntário. Então, cada caso é um caso.

TJ-MG - Apelação Cível AC 10527130006770001 MG (TJ-MG) -Data de publicação: 31/07/2015 -Ementa: APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.240 DO C.C E 183 DA C.F. - REQUISITOS DEMONSTRADOS - MORADIA NO IMÓVEL - PEQUENO COMÉRCIO - POSSIBILIDADE. A aquisição da propriedade imóvel por usucapião, na modalidade especial urbano, requer 'animus domini' e posse pacífica e ininterrupta de área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, desde que seja destinada à sua moradia ou de sua família e não seja proprietário de outro imóvel. O artigo 183 não dispõe que a utilização tenha que ser exclusiva para moradia, sendo que no caso em questão se trata apenas de uma barbearia [.].

Observando esse outro julgado, verifica-se que a posse não precisa ser exclusivamente a título de moradia, admitindo-se a comercial, portanto, tendo o julgador estendido a aplicação da lei.

Conforme se nota,  há a necessidade do preenchimento de todos os requisitos para a benésse. -Não é qualquer saída que caracteriza o abandono, ainda mais, quando por ordem judicial, uma vez que nessa hipótese o proprietário-cônjuge ou convivente não saiu por vontade própria.

O que ora se descreve são aqueles casos em que a parte abandonou o lar e não apareceu mais para exercer o seu direito inerente à propriedade, no caso, “o de uso”.

Para tornar mais compreensível verte esclarecer como a lei determina a aquisição da “posse” através do  Art. 1.204. “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.”

Então, a partir do momento em alguém sendo proprietário de um bem, deixa de exercer a posse desse bem, faculta para aquele que detém a posse, a possibilidade de requerer judicialmente a propriedade através da ação de usucapião, que vem a ser forma originária de aquisição da propriedade.

Além disso, a jurisprudência dos nossos tribunais, assim tem decidido:

DIREITO DE FAMÍLIA. DIVÓRCIO LITIGIOSO. BEM IMÓVEL. USUCAPIÃO ESPECIAL POR ABANDONO DO LAR (ARTIGO 1.240-A DO CÓDIGO CIVIL). USUCAPIÃO FAMILIAR OU PRÓ-FAMÍLIA. REQUISITOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. BENS. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL. ESFORÇO COMUM. PRESUNÇÃO LEGAL INERENTE AO REGIME DE BENS. PREVALÊNCIA (CC) Apelação Cível: APC 20130110055596 DF 0001688-71.2013.8.07.0001

Verifique-se que nesses casos, se trata de propriedade em comum, onde o condomínio tem os mesmos direitos sobre elas, quais sejam: uso, gozo e fruição, tal qual se infere o Artigo 1228, do Código Civil: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”...]”

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Assim sendo, nas relações de casamento ou de união estável, que impliquem em cumprimento de “deveres”, havendo bem em comum, não convém, deixar o lar sem as devidas cautelas, tampouco ausentar-se por mais de 2 anos, sob  pena de perder a propriedade em favor do outro.

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Sobre a autora
Rosa Pozza

advogada, formada pela Faculdades Integradas de Guarulhos, atual, UNIMESP, militante na área de Direito Civil. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil, Pós Graduada em Direito de Família e Sucessões, pós graduada em Direito Imobiliário pela Faculdade Legale. Capacitada como Mediadora e Conciliadora de acordo com (Res. 125 de 2010, CNJ), com certificado emitido pela FIG-UNIMESP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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