Os arquétipos entre o homem e os Direitos Fundamentais da Personalidade na obra Vidas Secas

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Os arquétipos que permeiam a lei e a obra

A Constituição da República Federativa do Brasil, nossa Carta Magna, em seu artigo 1º, traz como um dos fundamentos do Estado a dignidade da pessoa humana. O artigo 5º dispõe sobre o direito à vida, um direito do ser humano. Como é cediço, a vida é o maior bem que temos, por isso obtém a salvaguarda do ordenamento jurídico pátrio. 

 O Direito da Personalidade elencado nos artigos 11 à 21 do Código Civil de 2002, são adquiridos pelo nascimento com vida. E a lei ainda garante a todas as pessoas direitos e deveres na ordem civil (art. 1º, Código Civil). Ora, no viés que estamos examinando, qual seja a obra Vida Secas, não foi observado esse direito fundamental. Se a assertiva é verídica os personagens não sobreviveriam em condições tão absurdamente desumanas. O ser humano, a pessoa tem primazia sobre qualquer outro.

Todas as dificuldades enfrentadas por Fabiano e sua família apenas elucidam seu sentimento de exclusão e não pertencimento social, sentiam-se e eram animais, coisas. O Código Civil coloca os animais no rol dos bens semoventes, que se locomovem de um lugar para outro com movimento próprio, assim consideram-se os personagens.

Diante da incapacidade de transformarem suas vidas, a identidade que segundo nosso ordenamento jurídico é direito de todos aqueles que nascem com vida, nunca chega a se concretizar para os menos afortunados, os pobres rejeitados sertanejos que na luta diária pela sobrevivência não tem sequer a assistência mínima, obrigatória do Estado.

O nível de desumanização é tão grande que a cachorra Baleia tem um tratamento digno, recebe carinho dos donos, privilégio esse que nem mesmo os filhos de Fabiano possuem.

Os personagens da obra não têm assegurados seus direitos à vida, honra, identidade e integridade física. De tudo isso, o que mais indigna e comove é o fato de sabermos que toda a omissão e inação estatal referente a essas famílias nordestinas continua atualíssima, causando a morte degradante de seres que ao menos queriam ter a denominação de “humanos”. Um quadro inconstitucional, que diverge do Direito alicerçado na evolução e melhoria dos erros e lacunas sociais. 

Onde o Direito de Personalidade poderia ser encaixado na situação sociocultural aqui exposta? Se não há personalidade, consequentemente não existem direitos, destarte o Estado não atua de modo a proteger os bens juridicamente tutelados. O mais importante é que, antes disso, haja condições suficientes para que possam ter acesso à alimentação de qualidade, saúde, moradia, higiene e principalmente passem a ter dignidade.

Essa tal “dignidade” é completamente alheia à realidade de tantos homens, que com esforços incansáveis, passam por uma vida insignificante e sem perspectivas. Uma cultura decorrente da marginalização e da absoluta falta de educação, ignorância, tão exaustivamente abordado em nosso artigo. Crianças nascem e nunca chegam a ser registradas em cartórios de registro civil das pessoas naturais. Um documento que confere cidadania, que inclui o novo ser na sociedade, o que não chega a ser feito, na grande maioria das vezes, pelas famílias de retirantes, daqueles sem condições e conhecimentos.

Percebemos que um espaço não preenchido inicialmente leva a uma sequência de erros. Primeiro, porque é dever estatal o oferecimento de educação, através das escolas, projetos pedagógicos, incentivo a leitura, pesquisa, esclarecimento de questões de interesse público, veiculação de informações relevantes. A partir do momento em que isso não se concretiza em sua plenitude, certas camadas sociais, os menos afortunados, sofrem com o impacto negativo do desconhecimento. O que conduz a um segundo erro, a não oficialização de atos essenciais a logística do país, no sentido de organização de políticas públicas e planejamento para determinadas áreas, com aumento de qualidade de vida e apoio nos aspectos mais fracos da sociedade.

Sem o registro de nascimento devidamente efetuado, desconsidera-se a existência. O ser nem ao menos existe, levando-o a questão da animalização, narrado  adequadamente por Graciliano Ramos.

O homem é o ponto máximo do Direito, ou melhor, é o destinatário, é agente e objeto. A dignidade está intrínseca até mesmo no fato de o homem pertencer ao gênero humano. É negligenciada essa condição básica quando voltamos a fazer o paralelo com Vidas Secas. Há uma cadeia causal de acontecimentos e características que demonstram que existe uma inobservância da realidade vivida por inúmeras famílias e a teoria prevista na Constituição Federal e no Código Civil.

O Direito como um fenômeno externo, tem que se adaptar às transformações sociais e  o avanço jurídico deve seguir as constantes mutações da sociedade moderna e criativa, de modo a garantir o máximo de igualdade.


Considerações finais

A sociedade brasileira, no contexto analisado, desde o Brasil colônia tem como aspecto principal subjugar os menos favorecidos, deixando-os à mercê da própria sorte e em contrapartida sempre teve a função de privilegiar e concentrar riquezas nas mãos das classes mais altas.

Graciliano Ramos, que vivenciou a década de 30, esteve inserido no contexto político e social do país, assumindo posicionamento crítico diante dos acontecimentos por ele presenciados e revelou em sua obra Vidas Secas, de forma magistral e através de uma crítica ímpar, o descaso que o Estado tem com seus cidadãos, desprovidos do mínimo necessário para sua sobrevivência.

Analisando sua crítica, abordamos os direitos da personalidade consagrada na Constituição Federal, através da dignidade da pessoa humana e constatamos que naquele período e, ainda hoje, temos um Estado inerte e estático diante desse preceito, marginalizando e negligenciando os desprovidos. Como, no sertão narrado por Graciliano Ramos, encontramos na atualidade, homens sendo zoomorfizados e animalizados, deixados à própria sorte, sem conhecer os direitos que lhes são inerentes.

Neste liame, entra em cena, fazendo um paralelo com a realidade dos personagens da narrativa, o direito da personalidade, consagrado desde 1916, mas, por deveras, modificado ao longo dos anos. Tal direito corresponde a um valor fundamental, a começar pelo do próprio corpo, que é a condição essencial do que somos, do que sentimos, percebemos, pensamos e agimos. Esse conceito é inerente ao ser.

No entanto, não foi observado na vida dos personagens, que não imaginavam merecer tais direitos, colocando-se na condição de meros expectadores do “direto alheio”, cauterizando suas mentes e acreditando piamente que estavam abaixo do nível dos animais. Mas o que reza o direito da personalidade?

O direito, em razão da estreita conexão existente, deve tutelar os valores considerados importantes pela sociedade. O Código Civil de 2002 é nítido reflexo das transformações ocorridas na sociedade brasileira. Se o Código Civil de 1916 tinha como pilares básicos a propriedade, o contrato, o testamento e a família, sempre com uma visão patrimonialista desses institutos, o Código atual volta-se para a proteção do real fundamento do direito: o homem. Mas este mesmo homem é marginalizado pelo Estado, sua omissão gera a pobreza, o alargamento entre as classes sociais, afetando diretamente os Direitos Humanos, fazendo-se necessária a implementação de políticas públicas com vistas a extinguir tal processo que fora criado durante tantos anos.

Deve-se dar aos cidadãos acesso aos seus diretos, levando em consideração os direitos previstos no Código Civil, como o Direto da Personalidade, até os direitos garantidos na Constituição Federal brasileira. É ampliar a busca por um Estado mais igualitário.

Assim, foi de muita valia, tal análise, não só pelo contexto explorado mas, principalmente, porque a obra Vida Secas faz parte de um dos contextos históricos mais importantes do Brasil, a Geração Modernista. Não podemos esquecer que, toda e qualquer obra literária pode e deve ser trabalhada nas mais diversas áreas do conhecimento, pois está carregada de informações não só de uma sociedade, mas sua cultura, sua política, seus direitos e deveres. Estes últimos marcados de contradições e discrepâncias que marcam o Brasil e seu povo.

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Referências

ALVES, Pedro Henrique de Almeida. Direito à Identidade Pessoal. 26 de jul. 2012. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7399/Direito-a-identidade-pessoal> Acesso em: 10 de ago. 2014, às 20h15min.

ARNS, Herbert. Modernismo – Segunda Fase. Disponível em:      <http://www.coladaweb.com/literatura/modernismo-segunda-fase > Acesso em: 09 de ago. 2014, às 15h30min.

CASTRO, Dácio Antonio de. Roteiro de leitura: Vidas Secas de Graciliano Ramos. 2. ed. São Paulo: Ática, 2000.

CEIA, Carlos. E – Dicionário de Termos Literários. Disponível em: <http://www.edtl.com.pt/index.php?option=com_mtree&task=viewlink&link_id=1551&Itemid=2> Acesso em: 15 de ago. 2014, às 11h.

GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo P. Novo Curso de Direito Civil 1 – Parte Geral. 16. ed. p.133.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. V. 1. p. 191.

LACAZ-RUIZ, Rogério. Et.al. Animalização do Homem: uma Visão Ontológica do Ser Individual e do Ser Social.... Disponível em: <http://www.hottopos.com.br/vidlib2/animalização_do_homem.htm > Acesso em: 10 de ago. 2014, às 9h.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas (livro digital). 45.ed. disponível em: < <http://ebookbrowsee.net/gdoc.php?id=295847530&url=953a80b8be3e13a0087a0c923b5b133d> Acesso em: 09 de ago. 2014, às 22h30min.

SANTOS, Valdir Diamantino dos. A Zoomorfização na Obra Vidas Secas. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Letras) - Centro Universitário Adventista de São Paulo – Campus Engenheiro Coelho. Disponível em: <http://getiunasp.files.wordpress.com/2013/12/a-zoomorfizac3a7c3a3o-na-obra-vidas-secas.pdf > Acesso em: 11 de ago. 2014, às 10h.


Notas:

[1] ALVES, Pedro Henrique de Almeida. Direito à Identidade Pessoal. 26 de jul. 2012. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7399/Direito-a-identidade-pessoal

[2] GAGLIANO, Pablo S.; FILHO, Rodolfo P. Novo Curso de Direito Civil 1 – Parte Geral. 16. Ed. p.133.

[3] ALVES, Pedro Henrique de Almeida. Direito à Identidade Pessoal. 26 de jul. 2012. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7399/Direito-a-identidade-pessoal >

[4] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Parte Geral. 12.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. V. 1. p. 191.

[5] LACAZ-RUIZ, Rogério. Et.al. Animalização do Homem: uma Visão Ontológica do Ser Individual e do Ser Social.... Disponível em: <http://www.hottopos.com.br/vidlib2/animalização_do_homem.htm >

[6] CASTRO, Dácio Antônio de. Roteiro de leitura: Vidas Secas de Graciliano Ramos. 2ª Ed. São Paulo: Ática, 2000. p. 109.

[7] Significado de Mímesis ou Mimese. Do gr. mímesis, “imitação” (imitatio, em latim), designa a acção ou faculdade de imitar; cópia, reprodução ou representação da natureza, o que constitui, na filosofia aristotélica, o fundamento de toda a arte.

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Sobre as autoras
Gabriela Pinheiro Ávila do Nascimento

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Acre (UFAC). Pós-graduada em Advocacia Cível pela FMP.

Alessandra de Menezes Gomes

Bacharelanda em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental. Especialista em Gestão Escolar pela Universidade Católica de Goiás. Graduada em Letras Vernáculo pela Universidade Federal do Acre.

Jacqueline Maciel de Souza Modesto

Bacharelanda em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental. Bacharel em Ciências Sociais com Habilitação em Sociologia pela Universidade Federal do Acre.

Mariana Clara Felício Braga

Bacharelanda em Direito pela Faculdade da Amazônia Ocidental. Especialista em Gestão Escolar. Licenciada em Geografia pela Universidade Federal do Acre.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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