INCONSTITUCIONALIDADE DA DISTINÇÃO ENTRE CÔNJUGE E COMPANHEIRO PARA FINS SUCESSÓRIOS
Há muito tempo se discute sobre os direitos das pessoas que decidem pela constituição da união estável ao invés do casamento.
No Brasil, foi a partir da Constituição Federal de 1988 que ficou reconhecida a união estável como entidade familiar.
E, ao colocar a união estável como entidade familiar, buscou-se proteger os diversos tipos de instituições familiares, sob a diretriz de que, toda a comunhão afetiva que promove a formação pessoal de seus componentes, seja sob qual forma ou origem for, merece ser resguardada por toda a sociedade.
Assim, salvo algumas exceções, os direitos e deveres oriundos do casamento e da união estável devem ser estabelecidos de maneira semelhante pelo ordenamento jurídico.
Por isto, há muito tempo se questionava sobre a diferenciação que persiste em nosso ordenamento jurídico entre os direitos sucessórios do companheiro e do cônjuge.
E, para melhor explicar uma das diferenças, segue o respectivo exemplo:
Imagine que uma mulher vivia em união estável, em regime de comunhão parcial de bens, há cerca de 9 anos, até que seu companheiro veio a falecer, sem deixar testamento. O falecido não possuía descendentes (ex: filhos, netos, etc) nem ascendentes (ex: pais, avós etc), mas apenas três irmãos.
Diante desse contexto, o Tribunal de origem, com fundamento no art. 1.790, III, do CC/2002, limitou o direito sucessório da recorrente a um terço dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, excluindo-se os bens particulares do falecido, os quais seriam recebidos integralmente pelos irmãos.
Porém, caso fosse casada com o falecido, a recorrente faria jus à totalidade da herança.
Tal exemplo parece absurdo, mas infelizmente é o que regulamenta a legislação pátria. Parentes distantes que, por vezes, nem tinham contato com o falecido (de cujus), acabam por receber parte ou até mesmo a herança integral, em detrimento de uma companheira que ficou ao lado daquele por vários anos.
Contudo, acertadamente, o Superior Tribunal Federal extirpou esta necrose legislativa que assolava o ordenamento jurídico brasileiro, por meio dos Recursos Extraordinários (REs) 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida.
Por maioria, os ministros declararam a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que estabelece diferenças entre a participação do companheiro e do cônjuge na sucessão dos bens, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002.
No RE 878694, o Ministro Roberto Barroso considerou que não é legítimo desequiparar para fins sucessórios os cônjuges e os companheiros: “tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição”.
Neste voto foi reconhecido que o sujeito possui a liberdade de escolha entre formar ou não uma família e, mais do que isso, de definir qual o tipo de modelo familiar irá adotar.
E, na hipótese de tratamento desigual entre cônjuges e companheiros para fins sucessórios, a liberdade na escolha do tipo de família estará comprometida, conforme constatou o Ministro Roberto Barroso:
[...] não há dúvida de que a opção de constituir uma família, bem como de adotar uma determinada forma de constituição familiar é uma das mais relevantes decisões existenciais. Trata-se de uma questão que toca a intimidade de cada indivíduo, de sua vontade de seguir (ou não) tradições, crenças e sonhos, e de viver sua união segundo a sua própria concepção de vida boa. Porém, quando o Código Civil cria regimes sucessórios diversos para os casais casados e para os que vivem em união estável, restringe-se inequivocamente a autonomia de optar por um ou outro regime. Considerando-se que, na quase totalidade dos casos, o companheiro terá menos direitos sucessórios em relação ao cônjuge, o ordenamento jurídico impõe um ônus maior às famílias em união estável. Assim, acaba-se induzindo quem deseja viver em união estável a adotar o modelo do casamento, por receio de que seus parceiros não venham a fazer jus ao regime sucessório devido.
Outrossim, cumpre salientar que este já era o posicionamento de diversos outros doutrinadores que há tempos levantavam esta bandeira, como é o caso de Carlos Maximiliano:
Qualquer tratamento sucessório diferenciado entre cônjuges e companheiros contraria as diretrizes da sucessão legítima. A teoria mais conhecida e aceita sobre o fundamento principiológico da sucessão legítima e da ordem de vocação hereditária, conferida pela Lei Civil, é a que lhes atribui a vontade presumida do falecido, o qual, se a tivesse manifestado, razoavelmente disporia de seus bens a partir daquela ordem, porquanto graduaria a sucessão da mesma forma que gradua suas afeições. (MAXIMILIANO, Carlos. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1937. p. 153-154.)
Não há dúvidas que o laço afetivo entre cônjuges e entre companheiros é o mesmo, não havendo razão para diferenciar o tratamento hereditário neste caso, até porque, em última análise, por razões obvias, é muito mais provável que o falecido gostaria de privilegiar sua companheira em detrimento de um parente distante.
Assim, no sistema constitucional vigente é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros, porque viola princípios como a igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e a vedação ao retrocesso.
E, em decorrência da declaração de inconstitucionalidade anteriormente citada, caso uma pessoa que viva em união estável morra, deverá ser aplicado o regime estabelecido no artigo 1829 do Código Civil.
Referência
http://www.conjur.com.br/2017-abr-29/walsir-junior-desigualdade-conjuges-companheiros-inconstitucional#_ftn4
Recursos Extraordinários (REs) nº 646721 e 878694
Carlos Maximiliano. Direito das Sucessões. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1937. p. 153-154.)