Ao coordenar a obra coletiva de 32 capítulos intitulada Intercâmbio Cultural Brasil-Japão, escrita por 57 renomados autores do mundo jurídico, acadêmico e empresarial, além de líderes comunitários, deparei-me com o tema “Ética”, escrito pelo Advogado Renato Shimmi que serviu de inspiração para escrever o presente artigo.
O conceito de ética, como diz o referido autor, vincula-se ao agir nas relações entre os seres humanos e entre estes e a natureza, visando sempre ao bem-estar do outro e da coletividade.
Nos dias de hoje falar em ética, na verdade, significa falar em crise ética, em crise de valores, de paradigmas em um mundo dominado pelo materialismo exacerbado e consumismo ilimitado. Mas, nem todos os países do mundo perderam suas tradições culturais. Ao absolverem outras culturas alienígenas cuidaram de manter a raiz de sua cultura. Evoluir, avançar no relacionamento entre as pessoas de diferentes formações, porém, mantendo a raiz de sua tradição.
A ação individualista e egoística corresponde ao agir sem ética. E ao agir sem ética, a pessoa por mais inteligente, culta e competente que seja constrói um mundo sem sentido, um mundo vazio de calor humano; constrói-se um mundo para si próprio, a fim de satisfazer o seu ego, os seus interesses egoísticos. A ação coletivista, ao contrário, corresponde à ação com ética, destinada a construir um mundo com sentido, um mundo onde reine a paz e harmonia, a segurança, a ordem e o respeito ao próximo.
O agir sem ética corresponde a um aventureiro que, ao contrário do trabalhador que age com ética, elege como norte “colher todos os frutos possíveis sem plantar a árvore”. Iguala-se aos grandes navegadores da idade média que, apesar de sua indiscutível coragem para adentrar pelos mares desconhecidos, somente buscavam riquezas para explorar, extraindo os recursos naturais de forma predatória. Nunca estavam interessados em produzir riquezas. Como resultado, o Brasil ganhou uma parte considerável de seu território transformado em deserto, por ação predatória desses aventureiros sem ética.
O individualismo constrói abismos que separam alguns poucos que vivem como nababos, de uma multidão de famintos que vivem abaixo da linha da pobreza. O coletivismo constrói pontes que ligam as pessoas e estas à natureza.
O homem ético é aquele que, ao invés de buscar o triunfo, a vitória, procura superar as dificuldades, transpor os obstáculos com vistas à construção de um espaço político-social onde impere o respeito, a ordem e a gratidão. Somente com ética é possível construir um mundo humanista onde reina a paz e a harmonia, sem discriminação de qualquer espécie, e nem preconceitos com vistas à exclusão desta ou daquela pessoa, ou deste ou aquele grupo social.
Para agir com ética, a pessoa não precisa ser excepcionalmente inteligente, competente e nem erudita. Basta, tão somente, agir sem individualismo, sem egoísmo, sempre de forma desinteressada, isto é, visando apenas o bem-estar da coletividade e respeitando-a em quaisquer circunstâncias. A ética não comporta adjetivação ou relativização. A chamada “ética da conveniência” é, na verdade, falta de ética. Da mesma forma, o aforismo popular “a ocasião faz o ladrão” não deve ser interpretado no sentido de que o ladrão é fruto da ocasião, mas, que o ladrão aproveita-se de determinada circunstância para cometer a ladroeira que está no seu ser.
No texto que mencionei de início o autor faz um confronto entre a ética no Brasil e a ética no Japão destacando o individualismo de nossa sociedade e o coletivismo da sociedade japonesa, onde existe empatia entre as pessoas e a convivência harmoniosa com a natureza. O autor demonstra a tendência da sociedade global de guiar-se pelo equivocado discurso do “ter”, do “possuir” alavancado pelo consumismo exagerado e sem limites.
O ato incessante de consumir, de ter, estaria suprindo o vazio das sociedades modernas onde há carência de grandes mitos religiosos e onde há perda gradativa da vida comunitária. O ato de consumir é sempre efêmero, pois a cada avanço tecnológico trazendo novidades desejadas acaba causando um desencanto com aquilo que se tornou ultrapassado. Desta forma, o homem moderno transforma-se em uma vítima de um círculo vicioso na busca pelo “ter”.
Contudo, essa crise ética não atingiu todas as sociedade em igual intensidade. No Japão, por exemplo, há ainda a empatia entre as pessoas; não há desníveis sociais e econômicos acentuados como no Brasil. Há respeito pelo próximo e pela natureza, expresso por meio de comportamentos e pelas artes, como, por exemplo, a do ikebana. É comum os japoneses se desculparem e fazerem um breve agradecimento antes de cada refeição, expressando sentimentos de gratidão pelos animais abatidos e vegetais extraídos da terra, para elaboração de seus alimentos.
Exemplo de individualismo enrraizado, a sociedade brasileira é dominada pelo “ter” sem limites como bem demonstram as recentes operações da lava jato. Disso resulta governantes individualistas que fingem não enxergar as disparidades econômico-sociais, ou simplesmente não as percebem porque na sua cultura são considerados naturais esses desníveis. Esse comportamento aético acaba refletindo um Estado, igualmente sem ética, perdulário com seus órgãos e instituições tomados pela corrupção desenfreada, incapaz de construir espaços de igualdade mediante implementação de políticas públicas voltadas para a efetiva universalização de serviços públicos essenciais, a fim de conferir a todos o mínimo de dignidade humana aos milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da miséria.