Artigo Destaque dos editores

Embargos infringentes em reexame necessário

Exibindo página 1 de 4
08/10/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Nada lhe posso dar que já não existam em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a oportunidade, o impulso, a chave. Eu o ajudarei a tornar visível o seu próprio mundo, e isso é tudo.

Hermann Hesse

RESUMO

Analisa a possibilidade de cabimento ou não de embargos infringentes nos julgamento por maioria em reexame necessário. Inicialmente, descreve o duplo grau de jurisdição como sendo a possibilidade de submeter a lide a exames sucessivos de juizes superiores e em regime colegiado, o que, não é considerado pelo direito brasileiro como garantia constitucional. Demonstra as principais questões criadas pela remessa obrigatória, prevista no art. 475 do CPC, como, sua natureza jurídica de condição de eficácia da sentença, não sendo, deste modo, considerado um recurso, isso porque, apesar de existente e válida, a sentença somente produzirá seus efeitos depois de confirmada por um tribunal superior competente. Expõe o conceito, hipóteses de cabimento e exceções ao cabimento do reexame necessário, a possibilidade de aplicação do art 557 do CPC no duplo grau de jurisdição obrigatório, conforme Súmula 253 do Superior Tribunal de Justiça, como também a impossibilidade de haver reformatio in pejus na remessa obrigatória (Súmula 45 do Superior Tribunal de Justiça). Enfoca, ainda, os aspectos mais relevantes dos embargos infringentes (art. 530 e seguintes do CPC): o conceito, as hipóteses de cabimento, os efeitos, e o procedimento. Salienta a divergência entre a doutrina e jurisprudência a respeito do cabimento do recurso embargos infringentes em reexame necessário, isso em razão das diversas naturezas jurídicas dadas ao instituto. Comprova, partir da análise dos argumentos apresentados pela doutrina e jurisprudência, a possibilidade de interposição de embargos infringentes nos julgamentos não unânimes proferidos em duplo grau de jurisdição obrigatório, vez que o mesmo, apesar de não ser considerado um recurso, é a ele equiparado.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. CAPÍTULO I. REEXAME NECESSÁRIO,1.1.Duplo grau de jurisdição,1.2.Reexame Necessário,1.2.1.Histórico,1.2.2.Conceito,1.2.3.Natureza jurídica,1.2.4.Hipóteses de cabimento,1.2.5.Remessa e avocação,1.2.6.Exceções ao reexame necessário,1.2.7Reformatio in pejus no reexame necessário,1.2.8.Aplicação do art. 557 do CPC no reexame necessário;2. CAPÍTULO II. EMBARGOS INFRINGENTES,2.1. Evolução histórica,2.2. Conceito de embargos infringentes,2.3. Hipóteses de cabimento dos embargos infringentes,2.3.1.Falta de unanimidade,2.3.2.Dupla sucumbência,2.3.3.Cabimento apenas em face de decisões de mérito,2.3.4.Juízo de admissibilidade negativo da apelação ou da ação rescisória,2.4. Efeitos da interposição dos embargos infringentes,2.5. Procedimento dos embargos infringentes; 3. CAPÍTULO III. EMBARGOS INFRINGENTES NO REEXAME NECESSÁRIO,3.1.Breve comentário,3.2. A posição doutrinária,3.3 A posição jurisprudencial,3.3.1A posição jurisprudencial favorável,3.3.2.A posição jurisprudencial desfavorável; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

Os embargos infringentes, previstos no art. 530 e seguintes do CPC, tratam-se de recurso cabível quando o acórdão, não unânime, houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória.

A remessa obrigatória (art. 475 do CPC) é um instituto processual que sujeita determinadas sentenças, embora existente e válidas, a um reexame por um tribunal superior competente que poderá confirmá-la ou reformá-la, pois caso contrário não irá produzir seus efeitos, nem transitar em julgado.

Esses dois institutos sofreram significantes alterações com o advento da Lei 10.352/2001, na qual houve, em ambos, uma restrição quanto às hipóteses de seu cabimento. Um dos pontos polêmicos é quanto à possibilidade de oposição ou não do recurso embargos infringentes nos julgamentos não unânimes em remessa obrigatória.

Diante disso, a presente monografia pretende abordar de modo sistemático a problemática da possibilidade ou não da interposição dos embargos infringentes em remessa necessária.

A temática em apreço é palco de divergência entre doutrinadores e julgados provenientes dos pretórios pátrios. Em virtude da existência desse dissenso, o trabalho em voga não tem a pretensão de pacificar a questão, mas apenas, de realizar uma breve análise sobre a possibilidade ou não de oposição dos recursos embargos infringentes em remessa necessária.

Antes, porém, de adentrar no tema central deste texto monográfico, faz-se necessário tecer alguns esclarecimentos a respeito de temas correlatos, sem os quais seria de difícil esclarecimento a temática em estima.

No capítulo inaugural, chamado de reexame necessário, dá-se ênfase ao duplo grau de jurisdição, que consiste na possibilidade de submeter a lide a sucessivos exames por órgãos de jurisdição hierarquicamente superiores, tema este, bastante importante para se chegar ao conceito de reexame necessário.

Realçam-se, ainda, os principais aspectos da remessa necessária, tais como, sua conceituação, natureza jurídica, ou seja, se se trata de recurso ou não, ponto este, causador da divergência entre a doutrina, hipóteses de cabimento e exceções ao cabimento da remessa ex ofício, aplicabilidade do art. 557 e reformatio in pejus na remessa de ofício.

No capítulo subseqüente, se expõem as inúmeras questões criadas pelos embargos infringentes. São elas: o conceito, as hipóteses de cabimento, os efeitos, e o procedimento, todos de acordo com a atual redação dos artigos 530 e seguintes de Código de Processo Civil, alterados pela Lei 10.352 de 26 de dezembro de 2001.

Por fim, em derradeiro capítulo, é analisada a posição dos doutrinadores e das jurisprudências brasileira quanto ao cabimento ou não de embargos infringentes em reexame necessário.

O exame do tema central dessa monografia é procedido em consonância com as opiniões doutrinárias e jurisprudenciais inseridas no texto, com a verificação de todos os pontos em que a interposição dos embargos infringentes em remessa necessária é cabível, tais como, a natureza jurídica da remessa obrigatória, as equiparações dos recursos com a remessa necessária, como por exemplo, o idêntico procedimento do recurso de apelação e do reexame necessário, dentre outros.


1. CAPÍTULO I. REEXAME NECESSÁRIO

1.1. Duplo grau de jurisdição

A matéria recursal está devidamente correlacionada com o princípio do duplo grau de jurisdição, que consiste na possibilidade de submeter a lide a exames sucessivos de juízes superiores e em regime colegiado.

Para Nelson Nery Junior, o verdadeiro alcance da locução duplo grau de jurisdição "consiste em estabelecer a possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição, normalmente de hierarquia superior à daquela que a proferiu, o que se faz de ordinário pela interposição de recurso". (NERY JUNIOR, 1993, p. 251).

O duplo grau de jurisdição visa a submeter a lide a um novo exame que ofereça maiores garantias que o primeiro, para evitar erros e suprimir lacunas que podem decorrer do primeiro exame, isso, em decorrência da falibilidade do ser humano, posto que não seria admissível esperar que o juiz fosse imune a falhas, capaz de decidir de modo definitivo sem que ninguém pudesse questioná-lo quanto a sua decisão.

Destarte, trata-se esse princípio de uma garantia de boa justiça, além de satisfazer a inconformidade do ser humano com decisões desfavoráveis, proporcionando-lhe, no mínimo, um novo julgamento sobre a mesma questão.

Segundo Moacyr Amaral Santos:

O princípio do duplo grau de jurisdição estabelece a regra pela qual o reexame da causa se faça por órgão jurisdicional de categoria superior ao que proferiu a sentença recorrida. A possibilidade do reexame recomenda ao juiz inferior maior cuidado na elaboração da sentença e o estimulo ao aprimoramento de suas aptidões funcionais, como título para sua ascensão nos quadros da magistratura. O órgão de grau superior, pela sua maior experiência, acha-se mais habilitado para reexaminar a causa e apreciar a sentença anterior, a qual, por sua vez, funciona como elemento e freio à nova decisão que se vier a proferir. (MOACYR AMARAL, 1995, p. 84).

Porém, dúvidas existem se o duplo grau de jurisdição é uma garantia constitucional. Aqueles favoráveis à dupla revisão como princípio fundamental de justiça partem do pressuposto que este é fundamental para o controle da atividade dos juízes de primeiro grau. Afirmam, ainda, que os juízes de segundo grau de jurisdição possuem mais experiências, tendo maior possibilidade de fazer surgir soluções adequadas aos diversos casos concretos (MARINONI & ARENHART, 2003. p. 515).

A posição desfavorável ao duplo grau de jurisdição como garantia constitucional, entende que apesar de a Constituição Federal prever a existência de juízes e tribunais, bem como a presença de recursos, não existe obrigatoriedade da dupla revisão, não se tratando, todavia, de garantia absoluta.

Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, como podemos observar na ementa do Recurso em Habeas Corpus n.º 79.785-7-Rio de Janeiro, Ministro Relator Sepúlveda Pertence:

I-Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para corresponder à eficácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio - sem concessões que o desnaturem - não é possível, sob as sucessivas Constituições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa acusada de delito", durante o processo, "de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior". 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação.

II. A Constituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláusulas convencionais antinômicas. 1. Quando a questão - no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional - é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional - que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional - não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimento - majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) - que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir.

III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho - que não estão em causa - e da Justiça Militar - na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais -, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores - o STJ e o TSE - estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. 3. À falta de órgãos jurisdicionais ad quem, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada.

Marinoni e Arenhart, afirmam que o principio do duplo grau de jurisdição não está consagrado constitucionalmente, não estando o legislador infraconstitucional obrigado a:

[...] a estabelecer, para toda e qualquer causa, uma dupla revisão em relação ao mérito, principalmente porque a própria Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, garante a todos o direito à tutela jurisdicional tempestiva, direito este que não pode deixar de ser levado em consideração quando se pensa em "garantir" a segurança da parte através da instituição da "dupla revisão". (MARINONI & ARENHART, 2003, p.528).

De outro lado, Nelson Nery Junior, entende que o duplo grau de jurisdição, enquanto princípio, está previsto na Constituição Federal, embora não tenha incidência ilimitada, não podendo lei infraconstitucional suprir recursos pura e simplesmente. Entretanto, admite que, para melhor aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição, existam algumas leis que restringem o cabimento de recursos. (NERY JUNIOR, 1993, p.249).

O que nos parece é que o duplo grau de jurisdição acha-se limitado pela Carta Magna de 1988, assim como previa a Constituição de 1924, regra que não foi seguida pelas demais Constituições brasileiras. Como por exemplo, podemos observar ao enumerar os casos em que cabe recurso ordinário ou o extraordinário, ao dizer que as decisões do Tribunal Superior Eleitoral são irrecorríveis, salvo quando contrariem a Constituição, entre outras.

Em suma, é de se concluir que o duplo grau de jurisdição não é um dogma absoluto, vez que, apesar de previsto na Constituição Federal, não tem incidência ilimitada.

O Legislador infraconstitucional não pode suprimir recursos pura e simplesmente, mas poderá restringir o seu cabimento, sem que sejam considerados inconstitucionais. Assim, poderia o legislador limitar o cabimento de alguns recursos, sem que houvesse violação do princípio do duplo grau de jurisdição.

O ordenamento jurídico brasileiro além de ser adepto ao duplo grau de jurisdição, adota, para algumas hipóteses, o reexame necessário, onde o duplo grau de jurisdição é obrigatório, como medida de proteção ao interesse público.

1.2. Reexame Necessário

1.2.1. Histórico

A remessa necessária, tornou-se tradicional no direito brasileiro e foi oriunda do sistema medieval sem correspondente no direito comparado. Era conhecida antigamente pelo nome de "apelação ex ofício", criação do direito processual penal português (NERY JUNIOR, 1993, p. 262).

Nelson Nery Junior, ao se reportar do assunto em foco, assim prelecionou:

A justificação histórica para o aparecimento da remessa obrigatória se encontra nos amplos poderes que tinha o magistrado no direito intermédio, quando da vigência do processo inquisitório. O direito lusitano criou, então, a "apelação ex ofício", para atuar como sistema de freios àqueles poderes quase onipotentes do juiz inquisitorial. (NERY JUNIOR, 1993, p. 262).

Essa criação foi oriunda da Lei de 12.de março de 1355, que posteriormente foi incorporado palas Ordenações Afonsina, na qual afirmava ser a "apelação ex ofício" aplicada em dois dos modos de apurar delitos, quais sejam: devassa e querela, desde que o delito fosse público. (ARAKEN DE ASSIS, 2001, p. 115).

As Ordenações Manuelinas, publicadas em 1521, também incorporaram a "apelação ex ofício" tanto nas decisões interlocutórias, como nas sentenças definitivas, tendo efeitos devolutivo e suspensivo. As Ordenações Filipinas, que vigoraram no Brasil durante três séculos, também acionaram nos seus dispositivos a "apelação ex ofício", porém restringiu sua área de atuação.(ARAKEN DE ASSIS, 2001, p. 115).

No ordenamento jurídico brasileiro, a "apelação ex ofício" teve surgimento com a lei de 4.de outubro de.1831, que em seu art. 90, estabeleceu:

Fica extinto o actual Erário e o Conselho da Fazenda. As justificações neste Tribunal serão feitas perante os juizes Territoriais, com audiência do Procurador Fiscal; e as sentenças, que nelle se proferirem a favor dos justificantes, serão sempre appelladas ex-officio para a Relação do Districto, sob penna de nulidade. (ROSATI, 2002, p 1).

Essa mesma regra foi repetida na Lei 242 de 29.de novembro de 1841, ampliando sua abrangência a todas as causas de qualquer natureza superior a cem mil reis, conforme estabelecia o seu art. 13:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Serão appelladas ex-officio para as relações do Districto todas as sentenças que forem proferidas contra a Fazenda Nacional em primeira instância, qualquer que seja a natureza dellas, e o valor excedente a cem mil reis, compreendendo-se nesta disposição as justificações e habilitações de que trata o artigo 90 da lei de 4 de outubro de 1831; não se estendendo contra a Fazenda Nacional as sentenças que se proferirem em causas particulares, e que os Procuradores da Fazenda Nacional somente tenham assistido, porque destas só se appellará por parte da Fazenda, se os Procuradores della o julgarem preciso. (ROSATI, 2002, p 1).

As Constituições Federais de 1934 e 1937, também, trouxeram explicitamente, em seus dispositivos, o instituto da "apelação ex ofício". Vários Códigos Estaduais também previram, como por exemplo o Código de Processo Civil do Estado de São Paulo. (ARAKEN DE ASSIS, 2001, p. 117).

Em 1939, com a unificação do sistema processual brasileiro tal apelação foi mantida, estando prevista no art. 822 do CPC, no capítulo dos recursos. De acordo com essa norma processual a "apelação ex ofício", seria cabível nas sentenças que declarassem a nulidade de casamento, homologassem desquite amigável e as proferidas contra a União, o Estado, ou o Município, porém deveriam ser impostas pelo juiz, por simples declaração na própria sentença. (ARAKEN DE ASSIS, 2001, p. 118 e 119).

O Código de Processo Civil de 1973, retirou o instituto do capítulo dos recursos. A apelação necessária passou a ser tratada no art. 475 do CPC, com nova nomenclatura, ou seja, reexame obrigatório da sentença em duplo grau de jurisdição ou duplo grau de jurisdição obrigatório, como podemos observar na previsão abaixo descrita:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal, a sentença: I – que anular o casamento; II – proferida contra a União, o Estado e o Município;III- que julgar improcedente a execução de dívida da Fazenda Pública (art. 585, VI).

Parágrafo único – Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida; não o fazendo, poderá o Presidente do Tribunal avocá-los.

A Lei 10.352 de 26 de dezembro de 2001, alterou o art. 475 do CPC, que passou a ter a seguinte redação:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I – proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação ou o direito controvertido, for de valor certo e não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Superior Tribunal Federal ou súmula deste Tribunal ou do tribunal Superior competente.

Essa modificação teve como objetivos aprimorar o texto anteriormente vigente, trazer para o Código regras que estavam estabelecidas em Leis extravagantes e restringir as hipóteses de reexame necessário.

Sálvio de Figueiredo Teixeira leciona que os objetivos buscados pela mudança da Lei 10.352/2001 foram:

[...] a)eliminar sua incidência nas ações anulatórias de casamento, pois nelas o reexame necessário não mais apresenta qualquer sentido, em sistema jurídico que passou a admitir o divorcio a vinculo; b)corrigir erro de técnica, substituindo a referencia à "improcedência da execução" de divida ativa da Fazenda, pela correta menção à "procedência dos embargos" opostos à execução da dívida ativa. Procedentes ou improcedentes são sempre os embargos do executado, não a execução propriamente dita, na qual o contraditório se apresenta mínimo; c)eliminar o reexame nas causas de valor não excedente a sessenta salários mínimos, nas quais eventual defesa do erário não compensa a demora e a redobrada atividade procedimental que o reexame necessariamente impõe, sobrecarregando os tribunais. Os descalabros contra o erário acontecem, isto sim, nas demandas de grande valor; d) eliminar o reexame quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do Plenário do Supremo Tribunal Federal (v.g. ações diretas de inconstitucionalidade), ou súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. Em tais casos, aliás, a própria Administração tem baixado instruções a seus procuradores dispensando a interposição de apelação, providencia essa todavia inoperante se for mantido o reexame de oficio. (FIGUEIREDO TEIXEIRA, 2003, p. 332 e 333).

1.2.2. Conceito

O art. 475 do Código de Processo Civil estabelece que algumas decisões judiciais proferidas pelos órgãos a quo dependem, obrigatoriamente, de revisão pelo órgão hierarquicamente superior, para que venham produzir seus efeitos. Esse fenômeno processual são os chamados reexames necessários.

Esse instituto processual, apesar de não ser considerado pela doutrina majoritária como recurso, é decorrente do princípio do duplo grau de jurisdição, mas de caráter obrigatório, por não haver necessidade de que a parte vencida tenha que recorrer da decisão para um órgão hierarquicamente superior, objetivando o reexame da matéria recorrida. Em outras palavras, proferida a sentença, o próprio juiz remete os autos ao Tribunal competente, haja ou não apelação voluntária da parte vencida.

Para Moacyr Amaral Santos, nos casos sujeito a reexame necessário:

[...] a sentença dependerá, necessariamente, para transitar em julgado e produzir coisa julgada, de ser reexaminada a causa e novamente julgada por tribunal de segundo grau competente. Será esse segundo julgamento que produzirá coisa julgada, assim que transitado em julgado. (MOACYR AMARAL, 1995, p. 102)

1.2.3. Natureza jurídica:

Há divergências doutrinárias a respeito da natureza jurídica do reexame necessário.

Uma parte da doutrina (minoritária), defendida por Sérgio Bermudes (2002), tem entendido que a remessa necessária é um recurso, ou seja, é uma "apelação ex ofício". Os precursores desta corrente atribuem ao reexame necessário o feitio recursal, argumentando no sentido de que quem recorre não é o juiz, mas sim, o Estado.

Outra parte da doutrina, também minoritária, defendida por José Frederico Marques, entende que o reexame necessário é considerado um quase-recurso, por trazer "todos os traços e características dos recursos". "A única diferença", prossegue o doutrinador, "entre os recursos e o referido quase-recurso estava em que este não era interposto pelo vencido, mas remetido, obrigatoriamente, pelo juízo a quo ao juízo ad quem". (FREDERICO MARQUES, 2000, p.177).

O Ministro Fernando Gonçalves, no REsp. 226.053 – Piauí, afirma que a remessa obrigatória tem natureza jurídica de sentença complexa, por intervir na decisão mais de um órgão jurisdicional, nascendo o julgado da cooperação de dois órgãos do Estado para a construção de um único ato jurisdicional.

Esse entendimento não procede, porque um ato complexo forma-se através do concurso de duas vontades autônomas, originárias de órgãos diferentes. No caso em pauta, o Tribunal não é convocado para colaborar com o juiz de primeiro grau, ele é chamado para tornar eficaz a sentença dando-lhe aprovação, podendo alterar ou manter o julgado, sendo a decisão inferior substituída pela decisão do tribunal.

Cândido Rangel Dinamarco, comentando a matéria que ora enfoca, assim se pronuncia:

Excogitou-se uma interpretação do art. 475 do Código de Processo Civil mediante invocação do conceito de ato complexo, inerente ao direito administrativo – de modo que o julgamento da causa não residiria na sentença isoladamente, nem no acórdão, mas na simbiose dos dois. Essa tentativa, que não está sequer de acordo com os postulados do ato complexo em direito administrativo, vai de encontro ao sistema de direito processual ao desconsiderar a regra da substituição do inferior pelo superior, positivada no art. 512 do Código de Processo Civil. (RANGEL DINAMARCO, 2003, p.130 e 131).

A corrente majoritária defende que a remessa necessária não é um recurso, trata-se de uma condição de eficácia da sentença. Tal pronunciamento pode-se ver claramente nas palavras de Nelson Nery Junior, abaixo transcritas:

Trata-se de condição de eficácia da sentença, que, embora existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo tribunal. Não é recurso por lhe faltar: tipicidade, voluntariedade, tempestividade, dialeticidade, legitimidade, interesse em recorrer e preparo, características próprias dos recursos. Enquanto não reexaminada a sentença pelo tribunal, não haverá transito em julgado, e, conseqüentemente, será ela ineficaz. (NERY JUNIOR & ROSA MARIA NERY, 1999, p. 928).

O mesmo entendimento é expressado por Marinoni e Arenhart: "[...] Trata-se de condição para a eficácia da sentença. Ou melhor, a norma deixa claro que, em certos casos, a sentença – embora válida – não produz efeito senão depois de confirmada pelo tribunal". (MARINONI & ARENHART, 2003, p. 652).

Perfilhamos ao entendimento dessa corrente, por entender que no reexame necessário estão ausentes algumas características e pressupostos de admissibilidade de recursos, quais sejam: a voluntariedade, tipicidade, tempestividade, dialeticidade, legitimidade, interesse em recorrer e preparo.

Nos recursos, as partes devem expressar sua vontade em recorrer, pois, esta deve ser manifestada pela parte que teria interesse na reforma ou invalidação da decisão. Na remessa necessária, o próprio juiz remete os autos ao Tribunal competente, independentemente vontade

Ademais, recurso é aquele que está previsto no Código de Processo Civil ou em Leis extravagantes. O reexame necessário apesar de está previsto no Código de Processo Civil, não se encontra descrito como recurso, faltando-lhe assim, tipicidade, pois os recursos são enumerados na lei em numerus clausus.

Os recursos são dialéticos, ou seja, discursivos. A parte recorrente deverá fundamentar o recurso informando as razões do pedido de reexame da decisão. No reexame necessário não há a dialeticidade, pois, quando o juiz remete os autos para reapreciação pelo tribunal, não deduz qualquer fundamentação contrária à decisão.

No mesmo diapasão, conclui Nelson Nery Junior quer:

[...] O juiz quando remete o julgado em atendimento ao art. 475, CPC, não deduz nenhuma argumentação em contrário a decisão. Isto seria ilógico e paradoxal. Como poderia o prolator da sentença submetida ao duplo grau obrigatório, assinalar as razões de seu "inconformismo" com o dispositivo contido no próprio decreto judicial? Por faltar a dialeticidade, não vemos a remessa obrigatória como recurso.(NERY JUNIOR, 1993, p.263).

Observa-se que falta ao reexame necessário o interesse em recorrer. Esse requisito de admissibilidade diz respeito ao pressuposto da sucumbência, ou seja, para que se possa recorrer é necessário que o recorrente tenha sido sucumbente na decisão proferida pelo juiz a quo. Só tem interesse em recorrer à parte que tenha sofrido prejuízo com a prolatação da sentença.

Com a remessa obrigatória dos autos pelo juiz a quo, não há por parte deste qualquer interesse em recorrer, por não sofrer qualquer prejuízo com a decisão. A decisão não atinge a esfera jurídica do juiz, não sendo, portanto, sucumbente.

Quanto ao requisito de admissibilidade legitimidade para recorrer, verifica-se que também não está presente na remessa obrigatória, isto porque, só é legitimado a recorrer àquele que esteja qualificado como tal.

Em regra, só quem pode interpor recurso, conforme estabelece o art. 499 do Código de Processo Civil: as partes (autor ou réu), o terceiro prejudicado, e o Ministério Público. Podem, também, ter legitimidade para recorrer os intervenientes, que ingressam no processo como denunciados da lide, chamados no processo e oponentes.

Todo recurso deve ser interposto dentro de um prazo estabelecido em lei, e caso não sejam interposto dentro desse prazo, não mais serão admitidos recursos, transitando em julgado a decisão, operando-se a coisa julgada. No reexame necessário não há prazo para que o juiz a quo remeta a decisão ao tribunal superior. O juiz pode a qualquer momento remeter os autos do processo ao juízo ad quem sem que se opere a coisa julgada, por que o objetivo da remessa necessária é fazer com que determinadas sentenças sejam confirmadas ou reformadas por um tribunal superior, para que possa produzir seus efeitos.

No reexame necessário não se exige preparo, não havendo assim, deserção, pelo inadimplemento total ou parcial das custas respectivas, com o conseqüente não-conhecimento do recurso.

Por tais razões, deve-se afastar a hipótese de ser o reexame necessário um recurso, não obstante existam semelhanças entre os dois institutos.

O reexame necessário e os recursos se assemelham nos seguintes pontos: a) O procedimento do reexame necessário é idêntico ao procedimento do recurso apelação; b) estão sujeitos ao efeito devolutivo, que importa na devolução ao juízo recursal da matéria impugnada com seus limites e fundamentos; c) há efeito suspensivo, isto é, a decisão do juízo a quo somente produzirá seus efeitos depois que ultrapassado o prazo para a interposição de recurso; d) ambos possuem o efeito substitutivo, ou seja, a decisão proferida pelo Tribunal superior, seja ela reforma ou confirmação, substitui a decisão recorrida (art. 512 do CPC).

1.2.4. Hipóteses de cabimento do reexame necessário

A nova redação do art. 475 do CPC excluiu o reexame necessário das sentenças anulatórias de casamento, isso porque, com a admissão do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro, somente em casos excepcionais é que haveria a anulação de casamento, tornando o regime anterior desnecessário.

A respeito do que acima foi dito podemos observar as palavras de Oreste Nestor de Souza Laspro:

Esta hipótese de remessa obrigatória há muito tempo vinha sendo criticada pela doutrina, na medida em que não existiam razões de fato ou de direito para o julgamento compulsório pelo tribunal dessa espécie de demanda, cuja pretensa justificativa seria a proteção do interesse público em face da gravidade dos fundamentos para a procedência dessa lide e seu objeto. Evidentemente, tal raciocínio continha uma certa lógica à época em que a legislação não permitia o divorcio, caso em que as partes poderiam se utilizar da ação de anulação para burlar a vedação legal. Ultrapassado esse óbice, há quase duas décadas, não mais se justificava a norma legal. (ORESTE LASPRO, 2003, p. 239)

O artigo prefalado traz, em seu inciso I e II, as hipóteses de cabimento da remessa necessária.

A primeira hipótese (inciso I) é a sujeição de reexame necessário as sentenças proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público. Esta redação substituiu o anterior inciso II que estabelecia a interposição de remessa de ofício as sentenças proferidas contra a União, o Estado e Município.

A reforma do art.475, inciso I, teve o objetivo de concentrar todas as pessoas de direito público em um único inciso, além de incluir o Distrito Federal, anteriormente reconhecido pela jurisprudência, e as autarquias, estas já contempladas pela Lei 9.469 de 1997.

A outra hipótese de cabimento de remessa obrigatória, está prevista no atual inciso II, no qual sujeita ao reexame necessário as sentenças que julgarem procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. Na redação anterior a reforma, caberia reexame necessário das sentenças que julgavam improcedente a execução da dívida ativa da Fazenda Pública.

Segundo a exposição dos motivos do Projeto de Lei 3.474, emenda 274, "procedente ou improcedentes são sempre os embargos do executado, não a execução propriamente dita, na qual o contraditório se apresenta mínimo". E esse foi o motivo para o aperfeiçoamento redacional, posto que seria inadequado dizer improcedência da execução.

A maioria dos doutrinadores tem criticado tal argumento, por entender que existe mérito na execução. Na lapidar lição de Cândido Rangel Dinamarco:

[...] a sentença que julga procedentes os embargos de mérito opostos à execução está a julgar improcedente a demanda do exeqüente, ou seja, a julgar improcedente a própria execução; a Comissão deve ter partido do falso pressuposto de que inexiste mérito no processo executivo, talvez ilidida pelo fato de o mérito desse processo (ou seja, a pretensão deduzida pelo exeqüente) não ser julgado ali, mas no processo dos embargos. (RANGEL DINAMARCO, 2003, p. 129).

1.2.5. Remessa e avocação

Conforme já registrado em texto anterior, as sentenças indicadas nos incisos do art. 475, só produzirão seus efeitos depois de serem reexaminadas e novamente julgadas por um tribunal superior, cuja decisão irá substituir o julgado do juízo de primeiro grau, independente de haver confirmado ou modificado a sentença.

Deve o juiz a quo remeter os autos do processo ao tribunal competente, haja ou não apelação, segundo estabelece o § 1º do art. 475 do CPC. Porém, casos há em que o juiz de primeiro grau não reconhece o reexame necessário e deixa de remeter os autos ao tribunal.

Em casos tais, se já houver sido interposta apelação contra a sentença sujeita a reexame necessário, não se torna necessário à remessa dos autos ao tribunal, visto que, a própria turma julgadora da apelação irá apreciar a decisão apelada. Caso contrário, deverá o tribunal, de ofício, avocar os autos, pois se trata de matéria de ordem pública.

A avocação é um ato administrativo do presidente do tribunal competente para reexaminar e julgar novamente as sentenças sujeitas à remessa de ofício. Caso o juiz de primeiro grau, deixar de prover o reexame necessário ou não remeter os autos ao tribunal, este não avocar os autos e nem a Fazenda Pública nada postular a respeito, ocorre à prescrição intercorrente (são à inércia processual).

1.2.6. Exceções ao reexame necessário

O art. 475 do CPC, foi substancialmente alterado pela Lei 10.352/2001, reduzindo o âmbito de atuação da remessa necessária, e introduziu algumas exceções como veremos a seguir.

Não estão mais sujeitas ao reexame necessário às sentenças desfavoráveis a Fazenda Pública cuja condenação, ou direito controvertido, for de valor certo ou não exceder a 60 (sessenta) salários mínimos e ainda, nos casos de procedência dos embargos do devedor de igual valor (art.475, § 2º do CPC).

Não importa se a ação tenha sido condenatória, declaratória ou constitutiva, nem se a Fazenda Pública figurou como autora ou ré, se houver sentença desfavorável a Fazenda Pública, de valor certo e inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, incidirá a exceção do parágrafo segundo do art. 475 do CPC, não sendo remetido os autos para o tribunal reexaminar e julgar a sentença. Idêntico tratamento é aplicado para as sentenças que julgarem procedentes os embargos do devedor na execução fiscal.

O teto estipulado deve ser em relação à sucumbência da Fazenda Pública, ou seja, o valor da condenação, e não o valor atribuído à causa. Assim, os 60 (sessenta) salários mínimos devem ser considerados no momento em que a sentença for prolatada, não importando o quantum da causa. Mesmo que o valor da causa seja superior ao teto estabelecido na lei, o relevante é o valor que houver sido julgado o feito.

Nos casos em que houver litisconsórcio facultativo ativo, com condenação superior a 60 salários mínimos, deve-se observar individualmente as relações das partes, ficando sujeito à remessa de ofício, apenas, aqueles litisconsortes vencedores de valor superior a 60 salários mínimos.

Outra exceção ao cabimento da remessa necessária ocorre quando as sentenças estiverem fundadas em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou súmula deste tribunal ou do tribunal superior competente, conforme preceito estabelecido no art. 475, parágrafo terceiro do CPC.

Tal exceção é alvitrada a fim de tornar a tutela jurisdicional mais correta, ágil e rápida. Por isso não haveria necessidade de se fazer a devolução oficial de sentenças que estivessem de acordo com jurisprudência ou súmulas do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, em decorrência da repetição de demandas idênticas, da qual tornaria menos célere a prestação jurisdicional.

Agiu bem o legislador pátrio ao excepcionar as súmulas da norma processual, por ela representar a síntese do entendimento de um tribunal em relação a temas sobre os quais há sucessivos julgamentos iguais, expressando a interpretação dos Ministros a respeito das questões julgadas, isso porque, apesar de inexistir no ordenamento jurídico pátrio súmulas vinculantes, elas induzem a conduta dos magistrados.

Assim, se a sentença que deveria ser sujeita ao reexame necessário estiver em desacordo com súmulas do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, não haverá a necessidade da devolução oficial ao tribunal competente, isso pela sua evidente inutilidade.

O parágrafo terceiro do dispositivo legal acima citado, também exclui do reexame necessário, conforme visto alhures, as jurisprudências dos tribunais, que deve ser entendida como sendo a jurisprudência dominante dos tribunais, ou seja, aquela mais aplicada pela jurisprudência, ainda que existam entendimentos isolados em sentido contrário. Não se trata da jurisprudência pacífica, pois, nesta não há entendimentos isolados, todos entendem da mesma maneira.

O juiz de primeiro grau, ao verificar a exceção prevista no artigo 475, § 3º do CPC, deverá negar expressamente a remessa obrigatória, em decisão fundamentada. Porém, a Fazenda Pública poderá pedir a avocação dos autos, para o presidente do tribunal, que deverá decidir, administrativamente, em decisão fundamentada se a sentença será sujeita a remessa necessária.

Deve-se acrescentar, ainda, que na sentença não precisa estar expresso o entendimento da Jurisprudência ou Súmula do STF ou STJ, pois, só é necessário que o objeto da demanda já tenha sido decidido por estes tribunais.

Ademais, mesmo que a sentença já tenha sido proferida e posteriormente sobreveio jurisprudência ou súmula decidindo sobre a demanda, não haverá a incidência do reexame necessário, desde que esta tenha sido decidida antes do julgamento pelo tribunal competente para apreciar o reexame necessário.

Cabe analisar que quando quem tinha legitimidade para recorrer de decisão sujeita a remessa obrigatória, não o fez, e posteriormente o juiz monocrático deixar remeter os autos ao tribunal para reapreciação e novo julgamento, por estar a sentença de acordo com jurisprudência e súmula do Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça, em tais casos, não pode o interessado recorrer da decisão, devido à ausência de interesse processual, uma vez que deixou de recorrer da decisão no momento oportuno, presumindo-se sua aceitação.

Não poderá, nem mesmo postular a avocação dos autos ao presidente do tribunal, conforme estabelece o art. 475, parágrafo primeiro do CPC, isso porque tal prática só é possível nos casos em que a remessa é obrigatória, ou na ausência de decisão que a dispense.

Entretanto, se o juiz monocrático entender que a sentença deverá ser sujeita a reexame necessário e ao remeter os autos ao tribunal competente, este não considerar cabível a remessa necessária, por estarem presentes algumas das exceções legais, a sentença transitará em julgado quando esgotados todos os recursos contra a decisão proferida pelo relator, inadimitindo a remessa obrigatória.

E por fim, é de se acrescer que as sentenças terminativas não estão sujeitas ao reexame necessário, por não existir decisão contra a Fazenda Pública, em face de não ter sido examinado o mérito da questão.

1.2.7 Reformatio in pejus no reexame necessário

Assiná-la o mestre Barbosa Moreira: "Há reformatio in pejus quando o órgão ad quem, no julgamento de um recurso, profere decisão mais desfavorável ao recorrente, sob o ponto de vista prático, do que aquela contra a qual se interpôs o recurso". (BARBOSA MOREIRA, 1998, p. 426).

Apesar de não está previsto expressamente no Código de Processo Civil de 1973 a proibição da reformatio in pejus, a doutrina é unânime em não admitir tal possibilidade, baseando-se no princípio da sucumbência e no princípio dispositivo, onde, respectivamente, o recorrente só recorre do que lhe é desfavorável e se quiser.

Controverte-se em sede doutrinária quanto à possibilidade de haver na remessa obrigatória a reformatio in pejus.

Nos dizeres de Nelson Nery Junior:

Não há falar-se em reformatio in pejus no reexame obrigatório. A proibição da reforma para pior é conseqüência direta do princípio dispositivo, aplicável aos recursos: se o recorrido dispôs de seu direito de impugnar a sentença, não pode receber benefício do tribunal em detrimento do recorrente. Isso não acontece na remessa necessária, que não é recurso nem é informada pelo princípio dispositivo, mas pelo inquisitório, onde ressalta a incidência do interesse público do reexame integral da sentença. É o que se denomina de efeito translativo a que se sujeitam as questões de ordem pública e a remessa necessária (Nery, Recursos, 408 ss). O agravamento da situação da Fazenda Pública pelo tribunal não é reforma para pior, mas conseqüência natural do reexame integral da sentença, sendo, portanto, possível. No mesmo sentido: TRF-3.ª, JSTJ 35/468. Contra: STJ 45. (NERY JÚNIOR & ROSA MARIA NERY, 1999, p. 929)

No entendimento de Barbosa Moreira (1998) não é possível piorar a situação da Fazenda Pública com a sujeição da sentença a reexame necessário, visto que tudo o que se aplica aos recursos, por analogia, também são aplicados ao reexame necessário.

A Jurisprudência consolidou seu posicionamento com a Súmula 45 do STJ, na qual: "No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública".

No mesmo sentido merece registro o acórdão do Ministro Relator João Otávio de Noronha do Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º 264264 -Bahia, cuja ementa acha-se assim vazada:

PROCESSUAL CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA. MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA."REFORMATIO IN PEJUS". IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO RETIDO. NECESSIDADE DE REITERAÇÃO NAS CONTRA-RAZÕES DE APELAÇÃO.1. Em sede de reexame necessário, não pode o Tribunal majorar a verba honorária arbitrada na sentença de primeiro grau para agravar a situação da Fazenda Pública. Aplicação da Súmula n. 45 do STJ. 2. O fato de o recorrente, nas contra-razões de apelação, insistir na tese que motivou a interposição de agravo retido nos autos, não tem, só por si, o condão de suprir a exigência estampada no art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil. 3. Recurso especial parcialmente provido.

Na mesma trilha de pensamento se posicionou o Ministro Relator Vicente Leal do Superior Tribunal de Justiça, no acórdão do Recurso Especial n.º 470.217–São Paulo, ementa:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. FIXAÇÃO DO TERMO A QUO. REFORMATIO IN PEJUS. OCORRÊNCIA. Evidencia-se a ocorrência da reformatio in pejus na hipótese em que o Tribunal, em sede de remessa oficial e recurso exclusivo da autarquia, agrava a condenação imposta à Fazenda Pública, não tendo a parte vencedora insurgido-se contra o decisum.

No reexame necessário, é defeso, ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública - Súmula 45/STJ.

Recurso especial conhecido.

Assim, partindo da análise da intenção do legislador ao instituir o art. 475 do CPC, que tem por objetivo a defesa e proteção do interesse público, não há em que se falar em agravamento da situação da Fazenda Pública por um meio que tem por objetivo a sua proteção e defesa.

Ademais, se a parte vencedora da decisão de primeiro grau não houver recorrido, conclui-se que se conformou com a decisão, não se lhe podendo beneficiar mediante um meio cujo interesse a tutelar não é seu.

1.2.8. Aplicação do art. 557 do CPC no reexame necessário

O art. 557 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade de o relator não conhecer qualquer recurso manifestadamente inadmissível ou improcedente, recurso prejudicado ou decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.

Deste modo, além do juízo de admissibilidade, pode o relator realizar o juízo de mérito do recurso, em caráter provisório, podendo negar seguimento a recurso, em decisão monocrática. O exame definitivo do mérito é do Órgão Colegiado a que pertence o relator, se o recorrente vier a interpor agravo (art. 557, parágrafo primeiro) da decisão monocrática..

Em razão da discordância a respeito da natureza jurídica da remessa obrigatória, de ser recurso ou não, a aplicação do art. 557 do CPC neste instituto tem sido motivo de divergência, pois sabe-se que este artigo é aplicado a todos os recursos.

A Jurisprudência dominante vem se posicionando no sentido de ser cabível a aplicação do art. 557 do CPC no reexame necessário em homenagem ao princípio da celeridade e economia processual, visto que, o legislador ao alterar o dispositivo acima citado pela Lei 9.756/98, pretendeu proporcionar maior dinâmica aos julgamentos dos tribunais.

Podemos observar esse posicionamento na Súmula 253 do Superior Tribunal de Justiça, e em alguns dos seus julgados.

Súmula 253 do STJ: "O art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário."

Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º 587.907-Rio Grande do Norte, Ministro Relator Felix Fischer,ementa:

RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. APRECIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. JUDICIÁRIO. LEI N.º 8.880/94. PERCENTUAL DE 11,98 %. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. ART. 557, CAPUT DO CPC. JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO TRIBUNAL LOCAL, DO STF OU DE TRIBUNAL SUPERIOR. SÚMULA N.º 253/STJ. AGRAVO REGIMENTAL. MULTA. INCABÍVEL. AUSENTE O CARÁTER PROCRASTINATÓRIO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.

I- violações a dispositivos constitucionais não podem ser objeto de recurso especial, porquanto matéria própria de apelo extraordinário para a Augusta Corte. II- O Relator, no Tribunal, pode negar seguimento a recurso, monocraticamente, quando a decisão recorrida estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do STF ou de Tribunal Superior (art. 557, caput, CPC). III-"o art. 557 do CPC, que autoriza o relator a decidir o recurso, alcança o reexame necessário." (Súmula n.º 253/STJ). IV- Não é procrastinatória a interposição do recurso de agravo contra decisão monocrática de relator, porquanto objetivava viabilizar o exame do apelo excepcional, que somente é admitido quando interposto contra decisão colegiada. Precedentes. V- Para a caracterização do dissídio jurisprudencial, indispensável que se faça o cotejo analítico entre a decisão reprochada e os paradigmas invocados. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º363.492 – Rio Grande do Sul, Ministro Relator Franciulli Netto, ementa:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. INSS. ART. 105, INCISO III, ALÍNEAS "A" E "C", VIOLAÇÃO SO ART. 557 DO CPC. INOCORRÊNCIA. SÚMULA N. 253/STJ. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A REMUNERAÇÃO DE ADMINISTRADORES, AUTÔNOMOS E AVULSOS. COMPENSAÇÃO. TAXA SELIC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

A inovação trazida ao artigo 557 do Código de Processo Civil instituiu a possibilidade de, por decisão monocrática, o relator deixar de admitir recurso, entre outras hipóteses, quando manifestadamente improcedente, ou contrário a súmula ou entendimento já pacificado pela jurisprudência daquele Tribunal, ou de Cortes Superiores, rendendo homenagem à economia e celeridade processuais.

A Jurisprudência desta egrégia Corte Superior de Justiça é tranqüila no sentido da aplicabilidade do art. 557 do Código de Processo Civil à remessa necessária prevista no art. 475 daquele diploma legal, possibilitando ao relator, através de decisão monocrática, efetuar o reexame obrigatório (Súmula n.º 253/STJ).

Quanto ao tema da aplicação da taxa SELIC, impõe-se o não conhecimento do recurso especial pela ausência do prequestionamento da Lei Federal objurgada (Súmulas 282 e 356 do Superior Tribunal Federal), entendido como o necessário e indispensável exame da questão pela decisão atacada.

Recurso especial não conhecido.

No mesmo sentido se posicionou o Ministro Humberto Gomes de Barros do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Nº 232025-Rio de Janeiro:

I - PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA PROFERIDA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. REEXAME NECESSÁRIO EFETUADO PELO PRÓPRIO RELATOR. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO "NOVO" ART. 557 DO CPC. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

1. O "novo" art. 557 do CPC tem como escopo desobstruir as pautas dos tribunais, a fim de que as ações e os recursos que realmente precisam ser julgados por órgão colegiado possam ser apreciados o quanto antes possível. Por essa razão, os recursos intempestivos, incabíveis, desertos e contrários a jurisprudência consolidada no tribunal de segundo grau ou nos tribunais superiores deverão ser julgados imediatamente pelo próprio relator, através de decisão singular, acarretando o tão desejado esvaziamento das pautas. Prestigiou-se, portanto, o princípio da economia processual e o princípio da celeridade processual, que norteiam direito processual moderno.

2. O "novo" art. 557 do CPC alcança os recursos arrolados no art. 496 do CPC, bem como a remessa necessária prevista no art. 475 do CPC. Por isso, se a sentença estiver em consonância com a jurisprudência do tribunal de segundo grau ou dos tribunais superiores, pode o próprio relator efetuar o reexame obrigatório por meio de decisão monocrática." (REsp 156.311/Adhemar).

Theotônio Negrão a tratar sobre o assunto afirmou que: "o art. 557 aplica-se a qualquer Tribunal com jurisdição civil, e não apenas aos Tribunais superiores. Não se aplica, porém, nas hipóteses do art. 475, porque este não dá competência ao relator, mas ao Tribunal, para julgar o recurso "ex offício" (THEOTÔNIO NEGRÃO, 2002, p. 641).

Destarte, tendo em vista que o objetivo primordial da alteração do art. 557 do CPC foi desobstruir as pautas dos Tribunais, a fim de que as ações e os recursos que normalmente precisem de julgamento por órgãos colegiados, fossem apreciados o mais rápido possível, salvaguardando os princípios da celeridade e economia processual, que norteiam o direito processual moderno, não há porque ser inadmissível o cabimento do artigo 557 do CPC no reexame necessário.

Ademais, aquele que não se conformar com a decisão monocrática do relator, poderá interpor agravo interno, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para apreciar o reexame necessário, o qual deverá julgá-lo, segundo preceitua o art. 557, parágrafo primeiro do Código de Processo Civil.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Camille Barros Sobral

acadêmica do curso de Direito da UNIT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOBRAL, Camille Barros. Embargos infringentes em reexame necessário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 458, 8 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5787. Acesso em: 26 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos