Um caso concreto de afastamento cautelar de parlamentar

23/05/2017 às 12:03
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O artigo comenta a possibilidade de, à luz do artigo 319 do CPP, o Supremo Tribunal Federal decretar o afastamento cautelar de parlamentar.

No site do jornal o Globo, no dia 23.5.17,  sob o título Decisão Incomum, há a seguinte opinião:  

“Não sei em que base foi tomada a decisão de afastar um senador e um deputado da atividade parlamentar, por que não há uma explicação dentro da legislação que permita isso. A prisão, agora pedida ao plenário, pode ter uma explicação mais lógica, pois a PGR alega que eles continuam obstruindo a justiça. Mas se ficar provado, ainda será preciso  pedir permissão ao Congresso. Essas decisões aparentemente rigorosas estão um pouco fora da legislação.”

Com o devido respeito, diria que a medida em discussão, envolvendo afastamento cautelar de parlamentar, tem base constitucional e legal.

O artigo 319 do CPP traz um rol de medidas cautelares, alternativas à prisão, que devem ser suficientes para atingir o desiderato de mantê-los sob controle e vigilância.

Concentram-se os requisitos na necessidade e adequação (artigo 282, I e II, do CPP), que estão intimamente ligados ao princípio da proporcionalidade. Assim, a análise com relação à gravidade real da conduta é o índice a ser levado em conta para atendimento da medida, ou seja, sua adequação.

Há de se considerar uma razoabilidade interna, que se referencia com a existência de uma relação racional e proporcional entre motivos, meios e fins da medida e ainda uma razoabilidade externa, que trata da adequação de meios e fins.

Tais lições foram essencialmente de cogitação do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, como bem ensinou Luís Roberto Barroso, ao externar um outro qualificador da razoabilidade-proporcionalidade, que é o da exigibilidade ou da necessidade da medida. Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.

Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, onde se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.

Em resumo, do que se tem da doutrina no Brasil, em Portugal, dos ensinamentos oriundos da doutrina e jurisprudência na Alemanha, extraímos do principio da proporcionalidade, que tanto nos será de valia para adoção dessas medidas não prisionais, os seguintes requisitos: a) da adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; b) da necessidade ou exigibilidade, que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravosos para atingimento de  fins visados; c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido para constatar se é justificável a interferência na esfera dos direitos dos cidadãos.

De pronto, direi que é insustentável a aplicação do poder geral de cautela, tão falado e aplicado no processo brasileiro, em relações civis, mister patrimoniais, mas que não se concilia com o status libertatis. Aliás, ninguém pode ser privado da liberdade sem o devido processo legal (artigo 5º, LIII, CF).

A medida cautelar pessoal há de estar prevista em lei e que tenha finalidade em lei. Ademais, deverá respeitar ao primado do menos gravoso, que imbui a necessidade de um juízo de proporcionalidade, de sorte a permitir o perfeito controle da pertinência e adequação e ainda validade da medida.

A ideia da legalidade no direito processual penal é encontrada nos Códigos de Portugal, Itália, no Chile, por exemplo.

Digo isso porque a vedação às chamadas medidas cautelares atípicas sempre esteve ligada ao princípio da legalidade da persecução penal. Assim, é imprescindível a expressa permissão legal para tanto, de forma que vigora o princípio da legalidade e mais ainda o da taxatividade das medidas cautelares.

Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se contra a necessidade de autorização pelo Congresso para a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares, como o afastamento temporário de suas funções. Para ele, essas medidas no processo penal possuem caráter acessório e visam a garantir efetividade de ações principais.

A manifestação foi dada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5526 proposta pelos partidos Progressista (PP), Social Cristão (PSC) e Solidariedade (SD).

Por conferirem tratamento especial perante o estado, no que toca ao sistema penal e processual penal – ou seja, por significarem tratamento distinto do aplicável aos demais cidadãos -, os preceitos constitucionais que asseguram prerrogativas parlamentares deve ser interpretados de forma restritiva, sustenta.

De acordo com Janot, o próprio texto constitucional prevê a possibilidade de o Judiciário exercer poder cautelar. Ele explica que o artigo 5º, inciso XXXV, ao dispor que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameça a direito’, assegura tutela jurisdicional adequada e concede a magistrados judiciais poderes para evitar que o provimento jurisdicional final perca utilidade.

“Não faria sentido que a Constituição reputasse direito fundamental o acesso à via judicial, impondo que pedidos sejam apreciados em prazo razoável, para que a solução oferecida pelo provimento jurisdicional fosse inócua, inútil, dada a impossibilidade de assegurá-la com medidas cautelares”, afirma o procurador-geral.

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Para Janot, a determinação judicial de afastamento provisório do exercício de mandato parlamentar constitui medida que, apesar de excepcional, não se equipara à decretação de prisão cautelar, razão pela qual não incide sobre ela a garantia da incoercibilidade pessoal relativa do artigo 53, parágrafo 2º, da Constituição.

O procurador-geral alerta que ‘submeter medidas cautelares do sistema processual penal a crivo da casa legislativa, quando deferidas contra membros do Congresso Nacional, malferiria o princípio da inafastabilidade da jurisdição, ofenderia o princípio da isonomia e fragilizaria indevidamente a persecução criminal’.

Ele observa que ‘seria ampliação indevida do alcance das imunidades parlamentares, com manejo de ação de controle concentrado de constitucionalidade para instituir procedimento absolutamente novo, não previsto pelo constituinte de 1988’.

A matéria já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal quando o ministro Teori concedeu a liminar em ação pedida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em dezembro de 2015, que argumentou que Cunha estava atrapalhando as investigações da Lava Jato, na qual o deputado é réu em uma ação e investigado em vários procedimentos.

"Além de representar risco para as investigações penais sediadas neste Supremo Tribunal Federal, [a permanência de Cunha] é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada", escreveu Teori. O ministro também afirmou que o deputado "não tem condições pessoais mínimas" para ser presidente da Câmara pois "não se qualifica" para eventualmente substituir o presidente da República.

Após, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram manter a suspensão do mandato parlamentar e o afastamento por tempo indeterminado do deputado da presidência da Câmara.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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