1 Introdução
Devido ao progresso científico ocorrido nas últimas décadas, e ao considerável avanço que se deu na área da Medicina, proporcionalmente, foram aumentados os riscos e as possibilidades de incidência do chamado “erro médico” – questão que adquire extrema importância na vida em sociedade, isso porque, de um lado, temos a lesão causada à vida e a à saúde do paciente – bens, em tese, invioláveis; e de outro, um profissional, humano, sujeito a errar, ainda que tenha tomado todas as providências cabíveis no desempenho de sua atividade.
Sendo a vida o principal bem jurídico tutelado pela nossa Carta Magna, e estando a atividade médica estritamente ligada a este bem – mais precisamente à saúde, já que dela dependem a nossa qualidade e expectativa de vida –, de extrema relevância é a análise da responsabilidade civil do médico face à possíveis erros que possam ocorrer quando do exercício de sua profissão, erros esses, que podem causar danos fatais e irreparáveis à vida do paciente e, consequentemente, a responsabilização daquele que os deu causa.
2 ERRO MÉDICO
A partir do seu conceito, a análise do erro médico - abordando os aspectos civis, penais, administrativos e éticos – se configura como de difícil apresentação. Entretanto, alguns elementos comuns podem ser ressaltados, podendo-se, então, caracterizá-los como necessários e indispensáveis.
Erro médico é a conduta (omissiva ou comissiva) profissional atípica, irregular ou inadequada, contra o paciente durante ou em face de exercício médico que pode ser caracterizada como imperícia, imprudência ou negligência, mas nunca como dolo.
Em que pese esse entendimento, há decisões nos tribunais superiores considerando erro médico proveniente, também, de condutas dolosas, na modalidade dolo eventual, onde o agente assume o risco de produzir o resultado danoso. Desta feita, os profissionais são punidos com maior severidade, refletindo mais o anseio da sociedade do que uma técnica jurídica racional propriamente dita.
3 REGISTROS HISTÓRICOS
O primeiro dado histórico acerca do erro médico consta no Código de Hamurabi, que adotava a Lei de Talião - da qual se encontram registros na Lei das XII Tábuas, e que foi a primeira a estabelecer a compensação financeira. No Egito, as regras do Livro Sagrado deveriam ser seguidas pelos médicos - que, assim procedendo, estariam livres de qualquer punição, mesmo com a morte do paciente.
Os ostrogodos e visigodos entregavam o médico para a família do doente, falecido por suspeito erro daquele, para que o justiçassem como bem entendessem. Da composição voluntária à critério da vítima, e que envolvia um “resgate” – soma em dinheiro ou entrega de um objeto –, passou-se à composição tarifada. Sobreveio, então, a Lei Aquilia, que estabeleceu as bases da responsabilidade dos médicos, prevendo indenizações e abolindo a pena de morte por imperícia e negligência. Exigia, entretanto, que o dano contrariasse o Direito e que fosse derivado de falta in committendo.
4 O DANO
Não há, juridicamente, erro médico sem dano ou agravo à saúde de terceiro. A falta do dano, que é da essência e um dos pressupostos básicos do erro médico, descaracteriza o erro, inviabiliza o seu ressarcimento e desconfigura a responsabilidade civil. Se pode haver responsabilidade sem culpa lato sensu, não poderá haver responsabilidade sem dano. O dano é entendido como a lesão (diminuição ou subtração) de qualquer bem ou interesse jurídico, seja patrimonial ou moral.
Será caracterizado como erro profissional, ou erro técnico, aquele decorrente de um acidente imprevisível ou de resultado incontrolável, de curso inexorável, onde não existe a responsabilidade do profissional e que seria diferenciado, fundamentalmente, do erro culposo ou erro médico que envolve a culpa do profissional, ensejando a responsabilidade civil e a reparação.
A culpa concorrente do paciente, muitas vezes aceita pelos julgadores, trará, em maior ou menor grau, uma mitigação na apenação do profissional.
A lesão do bem jurídico tutelado, no âmbito médico-legal, abrange duas categorias jurídicas: o dano patrimonial e o dano moral – que são definidos, respectivamente, pela existência ou não de conteúdo econômico a repercutir sobre o lesado.
4.1 Dano patrimonial
Também chamado de dano material ou dano emergente envolve uma projeção direta e imediata nos interesses econômicos, materiais, da vítima do dano e, por isso, torna-se facilmente referenciável em termos pecuniários.
É o chamado dano positivo, ao contrário do dano negativo, lucro frustrado ou lucro cessante, que seria o que o lesado, razoavelmente, deixou de ganhar, ou seja, o não ingresso de certos bens ou direitos ao patrimônio da vítima que se vê deles privado pela intercorrência do fato danoso.
4.2 Dano material
Dano moral é a lesão sofrida pelo sujeito físico ou pessoa natural em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.
5 A PERDA DE UMA CHANCE
O conceito de perda de uma chance – perte d’une chance – envolve erro no atuar médico por ação ou omissão, fazendo com que o paciente perca, efetivamente, a chance de eliminação do sofrimento desnecessário ou, ainda, a chance de retardar a morte com preservação razoável da qualidade de vida. Se é verdade que a noção de perda de uma chance se liga a de prejuízo, ela é também inseparável da condição de nexo de causalidade.
A demora na solicitação de exames específicos para o diagnóstico, como a punção liquórica num caso de meningite, retardaria a possibilidade de um diagnóstico precoce e, muitas vezes, haveria a perda de uma chance de cura.
A ausência faltosa do médico ao parto, por exemplo, poderá privar a criança da chance de nascer sem uma deformação. A não solicitação de um exame de rubéola durante o exame pré-nupcial, por sua vez, a privará da chance de evitar as consequências da rubéola congênita.
6 DANO REFLEXO OU DANO EM RICOCHETE
Desenvolvido pela doutrina francesa, o dano reflexo se configura quando o prejuízo atinge, por via oblíqua, pessoa próxima à vítima do ato ilícito, como àqueles que tenham com a vítima relações afetivas ou que dela dependam materialmente.
O art. 948, II, combinado com o art. 951 do Código Civil, defere indenização, dentre outras reparações também cabíveis, correspondente a prestação de alimentos às pessoas a quem o morto ou lesado os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima para danos causados por culpa (negligência, imprudência ou imperícia) no exercício da atividade profissional.
7 RES IPSA LOQUITUR
No caso de forte presunção de culpa do médico com dano para o paciente, em que o fato, geralmente, está ligado à negligência, imperícia ou imprudência do profissional, “surge a presunção de negligência contra o médico e a favor do paciente. Extrai-se a ilação de que o fato não teria ocorrido se não tivesse havido a culpa do médico. Tal formulação teórica faz parte do direito de evidência circunstancial e se aplica quando não há evidência acerca de como e por que ocorreu o dano; acredita-se que não teria ocorrido se não houvesse culpa e recai sobre o médico que estava atendendo, pessoalmente, ao paciente”. Esses são os fundamentos da teoria da res ipsa loquitur ou de que a coisa fala por si mesma.
8 A CULPA
O estudo jurídico aborda a culpa, tanto em seu sentido lato, que envolve o dolo, como a culpa propriamente dita (stricto sensu). O erro médico está, íntima e indissociavelmente, ligado à culpa no seu sentido mais restrito. Portanto, está relacionada à conduta voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível e, excepcionalmente, previsto que podia, com a devida atenção, ser evitado”.
A falta de zelo, diligência, aplicação, cuidado ativo, rapidez, presteza, providência, pesquisa e investigação caracterizam a culpa stricto sensu. O art. 951 do Código Civil tipifica claramente a teoria da culpa no que diz respeito à responsabilidade dos profissionais médicos.
A responsabilidade civil do médico envolve erro culposo e pressupõe uma conduta profissional inadequada, associada à inobservância de regra técnica, potencialmente capaz de produzir dano à vida ou agravamento do estado de saúde de outrem, mediante imperícia, imprudência ou negligência. A negligência consiste em não fazer o que deveria ser feito. A imprudência consiste em fazer o que não deveria ser feito e a imperícia em fazer mal o que deveria ser bem feito. Vê-se que a negligência ocorre, quase sempre, por omissão; enquanto a imprudência e a imperícia ocorrem por comissão.
A negligência, forma mais frequente de erro médico no serviço público, decorre do tratamento com descaso, do pouco interesse para com os deveres e compromissos éticos para com o paciente e a instituição. É a ausência de precaução ou a indiferença em relação ao ato realizado. O abandono ao doente, o abandono de plantão, o diagnóstico sem o exame cuidadoso do paciente, a medicação por telefone e o esquecimento de corpos estranhos (gases, compressas e pinças) no corpo do paciente são exemplos relacionados com esta falha.
A imprudência aparece quando o médico, por ação ou omissão, assume procedimento de risco para o paciente, sem respaldo científico ou esclarecimento à parte interessada. Anestesiar sem cânula para intubação e/ou máscara, realizar cirurgia em paciente com discrasia sanguínea ou aguardar parto normal com feto em sofrimento são exemplos de atitudes imprudentes.
É igualmente imprudente o profissional que utiliza técnica cirúrgica ainda não aceita pela comunidade médica, medicamentos sem a necessária comprovação científica dos resultados ou técnicas de cunho charlatanesco.
A imperícia decorre da falta de observação das normas técnicas, despreparo prático ou insuficiência de conhecimentos. Portanto, será imperito o médico que utilizar meio de tratamento já abandonado, por inócuo; o obstetra que, na cesariana, lesa a bexiga da paciente; ou aquele que, utilizando o fórceps, provoca traumatismo cranioencefálico, provocando a morte do concepto.
Na prática, há dificuldade em se distinguir a imperícia da imprudência e, algumas vezes, existe a conjugação das três modalidades de erro médico.
9 NEXO DE CAUSALIDADE
O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. O erro deve ser a origem do dano. Esta relação entre o erro e o dano deve ser estabelecida. Não há que se observar a mera superveniência cronológica, mas sim um nexo lógico de causalidade.
Em vista da dificuldade, várias teorias sobre a causalidade são discutidas. Assim, segundo a teoria da equivalência das condições causais ou teoria da conditio sine qua non, causa será toda condição que haja contribuído para o resultado em sua configuração concreta. Para a teoria da causalidade adequada, causa seria aquela condição da qual, normalmente, se deriva o resultado danoso. Para a teoria da causa própria, causa seria o fator que tenha condicionado, mais proximamente no tempo, o resultado, o mais próximo excluindo o mais remoto.
10 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO
O paciente, vítima de erro médico, pode acionar o profissional diante de quatro esferas distintas e com regras procedimentais bem específicas: esferas civil, penal, administrativa e disciplinar. O erro médico, fundamentado no contrato entre o paciente e o médico, estaria adstrito à jurisdição civil, enquanto os atos ilícitos dolosos – como a omissão de socorro –, à jurisdição penal. A ação administrativa relaciona-se aos médicos ligados a hospitais que poderiam, em primeira instância, serem vítimas de processos administrativos em hospitais públicos e, por último, a instância disciplinar que diz respeito às infrações do Código de Ética Médica – de responsabilidade dos conselhos de medicina.
10.1 Responsabilidade subjetiva
A responsabilidade civil do médico assenta-se, em regra, na teoria da responsabilidade subjetiva, adotando-se o princípio da culpa provada. Em sede de culpa provada, cabe ao autor da demanda demonstrar a conduta imprópria do agente para obrigá-lo à indenização. Avalia-se, portanto, a conduta do agente com vistas ao resultado ocorrido – é o caráter punitivo pela imperícia, imprudência, negligência ou abuso de poder do causador.
10.2 Natureza da responsabilidade civil do médico
Reconhece-se, quase unanimemente, a responsabilidade civil do médico como de natureza contratual. Em alguns casos poderá ser extracontratual, quando, por exemplo, do atendimento de um acidentado desfalecido, na rua. Será também extracontratual quando cometer um ilícito penal ou descumprir normas regulamentares da profissão, tais como fornecer atestado falso, não impedir que pessoa não habilitada exerça a profissão ou lançar mão de tratamento cientificamente condenado ou de atitudes charlatanescas, vindo a causar dano ao paciente.
10.3 Natureza da obrigação médica
A obrigação médica é, em geral, de meio e não de resultado, ou seja, implica no dever de prudência e diligência no exercício de sua arte, utilizando os melhores meios disponíveis para tentar a cura do paciente sem, entretanto, prometer ou garantir o resultado esperado.
Não existe a possibilidade de assegurar prévio resultado porque os fatores que envolvem o exercício da medicina o tornam incerto. Esses fatores de incerteza, como a evolução da ciência, a constituição do paciente e a evolução da própria moléstia, fazem com que o médico não possa efetivamente garantir o resultado. Reconhece-se, contudo, que em algumas especialidades – como a cirurgia plástica estética, anatomopatologia, análises clínicas e radiologia – a obrigação médica será de resultado.
11 ERRO MÉDICO E A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A saúde humana é uma prioridade, deve ser promovida, garantido o direito de exigir do Estado a implantação de medidas preventivas de doenças e o seu respectivo tratamento. Neste enfoque, é notória que a atividade médica é de primordial interesse social.
O princípio fundamental, consagrado pela Constituição Federal, da dignidade da pessoa humana, apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição federal exige que lhe respeitem a própria.
A ideia de dignidade da pessoa humana está atrelada ao reconhecimento dos direitos humanos fundamentais, que constituem o "mínimo existencial" para que possa se desenvolver e se realizar. Há, uma hierarquia natural entre os direitos humanos, de maneira que uns são mais existenciais do que outros.
O Estado existe em função da pessoa determinando o princípio da dignidade como valor-fonte de todo o sistema jurídico brasileiro, preocupando em reparar os danos causados a outrem que, caberá a responsabilidade civil objeto do presente estudo, realizado por pesquisa bibliográfica por meio do método dedutivo.
O primeiro e talvez mais importante passo, foi concluir que Medicina e Direito envolve a relação médico e paciente, pretendendo estabelecer uma dogmática jurídica que engloba princípios constitucionais, bioéticos, e a legislação de proteção ao consumidor.
Assim, o profissional deve agir sempre com a devida diligência e cuidado ao exercer suas atividades, imprescindíveis conforme o estado dá ciência e as normas consagradas pela prática médica, dever esse em consonância com o CEM, que deve ser respeitado.
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade civil, entidade presente no direito dos diversos sistemas jurídicos, em nível mundial, continua tendo como imprescindíveis na sua abordagem jurídica os conceitos de responsabilidade subjetiva e objetiva, ou seja, a presença, ou não, de culpa na conduta do agente causador do dano. Também não dispensa a presença dos seus três elementos essenciais: ato lesivo, dano e nexo causal.
Os primeiros casos de erro médico têm seus dados históricos no Código de Hamurabi, onde se adotava a lei do talião, mais conhecida como “olho por olho, dente por dente” sendo a primeira a estabelecer a compensação pecuniária com base na Lei das XII Tábuas.
Todo e qualquer ser humano é passível de cometer erro, inclusive o médico, profissional que cuida de um bem maior, a vida. No entanto, a cada dia que passa, estes erros são menos toleráveis, devido o avanço da tecnologia e dos recursos criados em prol de garantir a excelência nos procedimentos e tratamentos à saúde do paciente, pois o mesmo só recorre ao profissional médico na busca da cura, do bem. Quando o paciente acaba recebendo o resultado adverso daquele objetivado a priori por erro na conduta do médico, este busca na justiça a reparação do dano que lhe foi causado.
O médico necessita de autonomia de ação no desempenho da atividade de curar o enfermo. Esta liberdade tem o seu preço ético e jurídico. Como decorrência desta autonomia torna-se lícito cobrar do profissional a competência, a diligência e a seriedade no manejo das técnicas e nos juízos de avaliação do paciente.
Responsabilizar o médico que infringiu regras fundamentais de sua profissão é um direito da sociedade e um dever do Estado. Cabe aos conselhos de medicina apurar, com imparcialidade, independência e severidade, as eventuais infrações éticas dos seus profissionais. Quando essas infrações transcenderem o âmbito do estritamente ético e ingressarem na esfera da ilicitude jurídica, cabe ao Estado acionar seus mecanismos de controle e repressão a fim de que a ordem, a segurança coletiva e o ideal de justiça sejam mantidos e concretizados.
A responsabilidade civil médica se dá através da comprovação da culpa do agente que no exercício na atividade médica atingiu resultado danoso à vitima por conduta caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência. As exigências legais devem estar presentes para que configure a responsabilidade civil do médico.
O dano causado seja material, patrimonial ou corporal deve ser indenizado na forma mais justa, considerando a culpa do médico, a extensão do dano causado, caso se por consequência do dano houver lucros cessantes deve-se indenizar também.
12 Referências
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PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. 8ª ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 4ª ed. Ver. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito Civil, v. 7. Responsabilidade civil. 27° edição. São Paulo: Saraiva, 2013.
Menezes, Tula Rodrigues Ferreira De. Erro Médico e Iatrogenia: Causa De ExclusãoDa Responsabilidade? Rio De Janeiro: Escola Da Magistratura Do Estado Do Rio de Janeiro, 2010.