NOÇÕES GERAIS DA FAMÍLIA NO DIREITO ROMANO
Rogério Tadeu Romano
I - ETAPAS DE ROMA
Fala-se aqui de Roma e do histórico da família.
Os historiadores ensinam que o período histórico em que essa cidade foi governada por reis foi chamado de realeza (753 a.C. a 510 a.C.). Dentre os habitantes de Roma, existiam quatro classes bem distintas: patrícios, clientes, escravos e plebeus. A religião tinha duas classes de deuses: uma inspirada na alma humana e a outra inspirada nos fenômenos naturais. Os poderes públicos eram exercidos pelo rei, pelo senado e pelo povo. A realeza teve como marco final a expulsão do último rex, Tarquínio, o Soberbo.
Na fase da república (510 a.C. a 27 a.C.), houve a substituição do rex por dois comandantes militares. As classes sociais eram bem distintas: classe baixa e nobreza. A economia era baseada na mão-de-obra escrava. Os poderes sacerdotais do rei passaram ao rei das coisas sacras. A organização política era composta por cônsules, pelo senado e pelo povo.
Alto império (27 a.C. a 284 d.C.) é o período histórico que compreende o reinado de Augusto até a morte de Diocleciano. Os poderes públicos eram exercidos pelo imperador, consilium principis, funcionários imperiais, magistraturas republicanas, senado, comícios e pela organização das províncias.
A fase do baixo império (284 d.C. a 565 d.C.) ficou marcada pela monarquia absolutista. O fim dessa fase é marcado pela morte do Imperador Justiniano. Os poderes públicos eram exercidos pelo Senado, pelas magistraturas republicanas e pelo Imperador.
Já o período bizantino (565 d.C. a 1453 d.C.) compreende a fase histórica que vai desde a morte de Justiniano até a tomada da cidade de Constantinopla, pelos turcos. A queda de Constantinopla simboliza o marco final da Idade Média. Nesse período os poderes ainda estavam concentrados nas mãos de um imperador e ocorreu intenso desenvolvimento comercial.
O Direito Bizantino trata-se do conjunto de regras jurídicas justinianeias que continuaram em vigor de 565 a 1453, mas adaptadas à vida dos povos. Os imperadores ordenaram a edição de outras compilações oficiais, para que fossem plenamente aplicáveis diante das inéditas situações. Essas adaptações perduram até os dias atuais.
O termo Dominado ou Signoria é significado no contexto da história romana, a forma de governo de Império ao lado do Principado.
. Esta forma de governo foi caracterizado por despotismo : o imperador, não se opôs por remanescentes das velhas instituições da República Romana , o Império poderia ter como uma propriedade privada, ou como senhor e mestre, que dominus, daí o termo de Dominatus.
Vale ressaltar que, quando Augustus se tornou o primeiro imperador romano , viu o título de Dominus ( "senhor") como um insulto grave e sempre rejeitou-o de vergonha.
II - A SOCIEDADE ROMANA
A sociedade romana era extremamente desigual.
Os patrícios eram os cidadãos que constituíam a aristocracia da Roma Antiga, equivalendo a uma forma de nobreza hereditária. O patriciado existiu ao longo de toda a história de Roma, desde o período régio até à queda do Império, e em sua essência pouco se modificou em suas características básicas, embora seu poder e influência tivessem variado ao longo dos séculos. As famílias patrícias eram as descendentes das fundadoras de Roma, indicando que seu prestígio datava de antes da fundação da cidade, quando a região era governada pelas principais famílias das antigas tribos itálicas. A palavra patrício deriva justamente do latim patres, que significa "pais".
Das cerca de 130 famílias patrícias originais, no início da República a admissão de novas famílias foi proibida, bem como o casamento com plebeus, decorrendo uma progressiva redução em seu número em virtude da extinção de várias gentes. No ano de 367 a.C. eram 22 gentes patrícias, compostas por 81 famílias. No final da República eram 14 gentes, com cerca de 30 famílias, mas Júlio César instituiu uma lei possibilitando o ingresso de novas famílias.
Os patrícios detinham vários privilégios governamentais, dentre eles a isenção de tributos, a exclusiva possibilidade de se tornarem soberanos de Roma e também a de serem magistrados, oficiais e senadores. Desempenhavam altas funções no exército, na religião, na justiça e na administração pública. Eram em geral grandes proprietários de terra e credores dos plebeus.
Na cidade habitavam num domus, uma grande e sofisticada residência, e em suas propriedades rurais, nas villas, casas senhoriais.
No entanto, na era republicana vários cargos públicos importantes se tornaram acessíveis à plebe, incluindo o de senador, perdendo o patriciado parte de sua força política, mas preservando significativo prestígio e influência, especialmente quando pertencentes às famílias mais tradicionais. Preservaram também o monopólio dos cargos de rei das coisas sagradas, de sálios, dos três e aparentemente só eles podiam contrair o matrimônio solene conhecido como confarreatio.
A plebe, ou os plebeus, compunha-se de pessoas que não descendiam dos patres-familias e que não faziam parte da atividade política. Geralmente os membros da plebe eram pequenos proprietários, comerciantes ou artesãos. A falta de representatividade política dos plebeus desencadeou, posteriormente, uma série de tensões e crises na sociedade romana.
Além de patrícios e plebeus, pertenciam aos membros da sociedade romana os clientes, que eram protegidos pelos patrícios em troca de serviços variados. A sociedade romana ainda tinha em seu corpo a presença dos escravos, que eram considerados bens de posse de quem os comprava ou os capturava, sendo desprovidos de quaisquer direitos em meio à sociedade romana.
Havia as condições análogas à do escravo: o homo liber bona fide serviens(o homem livre desconhecia sua condição e servia como escravo); o addictus(era o devedor executado que não pagava nem apresentara quem o fizesse em seu lugar); o redemptus ab hostibus(era o ex-prisioneiro resgatado por um terceiro, a quem se vinculava até pagar o preço do resgate); o auctoratus(era quem se obrigava perante um empresário a participar dos espetáculos circenses, até mesmo a enfrentar a morte); a pessoa in mancipio ou causa mancipii(era o filho que o pai vendia ou, para furtar-se à responsabilidade, entregava ao terceiro lesado por delito dele); o colono(quem cultivava a terra a que pertencia e que jamais podia abandonar).
III - O STATUS CIVITATIS
Fala-se do status civitatis.
Tanto os ingênuos como os libertos classificam-se, quanto ao status civitatis, em cidadãos, latinos e peregrinos.
Para os ingênuos a cidadania resultava, sobretudo, do nascimento. Nascia cidadão romano o filho de pais que haviam sido cidadãos romanos em qualquer momento entre a concepção e o parto. O filho concebido em justas núpcias era cidadão, pois que seguia a qualidade de pai no momento da concepção, ao passo que o filho de pessoas não unidas em justas núpcias seguia a condição da mãe no momento do parto. A cidadania romana ainda resultava de outras fontes como a naturalização, a concessão legal em relação aos latinos e aos peregrinos e a erroris causae probatio quanto aos latinos.
O que caracterizava a cidadania dos ingênuos era a posse dos seguintes direitos políticos e privados: o direito de voto e acesso ás magistraturas; o connubium ou faculdade de contrair justas núpcias e constituir uma família legítima, a faculdade de praticar atos patrimoniais entre vivos e a faculdade de fazer testamento.
Os latinos ingênuos eram os cidadãos das cidades latinas federadas e das colônias latinas.
Os ingênuos peregrinos eram os estrangeiros que habitavam o território romano.
Os libertos cidadãos eram os escravos regularmente alforriados.
A ausência do status libertatis definia, em Roma, a escravidão. .
Os juristas romanos faziam a dicotomia entre os alieni iuris e os sui iuris.
Na lição de Ebert Chamoun(Instituições de direito civil, 1968, pág. 64), o status familiae é a participação numa família, seja como sujeito ativo(sui iuris), seja como sujeito passivo(alieni iuris). Perdia o status familiae(capitis diminutio minima) a pessoa que se transferisse da família ou se ausentasse dela, adquirindo a capacidade plena. Essa perda se verificava em primeiro lugar, quando uma pessoa ius iuris se tornava alieni iuris, por exemplo, a mulher sui iuris que ingressava na manus do marido; em segundo lugar, quando uma pessoa alieni iuris se transferia simplesmente de família, o que se dava, exemplificando, na adoção; e, finalmente quando a pessoa alieni iuris se tornava sui iuris, como no caso do filho emancipado.
Era a emancipação o ato jurídico pelo qual o pater families exclui de sua patri potestas o filho ou filha. É o momento em que a pessoa passava de “alieni iuiris” para “sui iuris”. É um ato exclusivo do pater, independentemente da vontade do emancipado. Tais pessoas exercem por si mesmos os seus direitos, representam a unidade da família e, por isso, podem ter outras pessoas sob seu poder. São donos de sua pessoa física e de seu patrimônio. Não estão sujeitos a ninguém. Entretanto, são desvinculados da família.
No direito romano, a mulher era relativamente incapaz. Não se facultava exercer a patria potestas(legalmente, toda a propriedade que os filii adquirissem era-o em nome do pater, e era este que detinha a autoridade última sobre o seus destino. Aqueles, homens, que vivessem já na sua domus no momento da morte do pater sucediam-no como pater familias sui iuris sobre os seus respectivos agregados familiares), ser instituída herdeira de grandes patrimônios, em virtude de uma Lex Voconia, de 169 a.C, não muito tempo em vigor, representar terceiros judicialmente, obrigar-se por terceiros em razão do senatus-consulto Veleiano de 46 d.C, e, durante muito tempo, viver perpetuamente em tutela.
Havia causas que maculavam a honorabilidade do individuo e as mais importantes eram a intestabilidade(almejava que não pudesse ser testemunha num ato jurídico), a infamia(podia resultar da nota do censor, da proibição do pretor de representar ou de ser representado judicialmente, da recusa do presidente de uma eleição de admitir um candidato) e a turpitudo.
Sui iuris é uma expressão latina que significa literalmente o seu direito.
Gaius descrevia a diferença entre as duas expressões antitéticas da seguinte forma: G.1.48 "Sequitur de jure personarum alia divisão. Nam quaedam personae sui iuris sunt, quaedam alienígena subiectare iuri sunt "(Trad. Após uma distinção adicional sobre o estatuto jurídico das pessoas. Na verdade, algumas pessoas são sui iuris , outros são sujeitas a um poder legal dos outros.
Mais especificamente, poderia tornar-se alieni iuris:
- ou porque sujeita a potestas ( terra natal , no caso de crianças ou dominica se fossem escravos )
- ou por submetido a manus (no caso de mulheres)
- ou porque sujeito a mancipium (se o paterfamílias tinha produzido uma pessoa submetida a ele com o acto de mancipatio ).
Por sua vez, Manumitio ou alforria é a dação da liberdade. É o ato jurídico pelo qual o dominus liberta alguém de sua dominica potesta. Pela manumissão o senhor outorga liberdade ao seu escravo
Em relação ao dominus que o libertou, o escravo, agora livre, recebe nome de liberto. Em relação as demais pessoas, tem o nome libertino. À liberto, a antigo escravo, agora livre, opõem-se, o “ingênuo”, pessoa que jamais foi escrava.
Ingênuos são pessoas livres. É quem nasce livre e continua livre. São cidadãos romanos que nunca foram escravos de romanos, ou que foram escravos pelos inimigos, em tempo de guerra, e retornaram a Roma como homem livre.
As pessoas “in mancipio” são pessoas semi-livres. O “sui iuris ” é a pessoa que tem plenos poderes; é o “pater família”. Os “alieni iuris ” são as pessoas que dependem do “pater família”; são os filhos, netos, noras, esposa.
“Mancipio” é o poder exercido por um homem livre sobre outro homem livre, colocado sob sua “potestas” e, por outro lado, à “dominica potestas”. Acham-se em mancípio:
a) O “alieni iuris” que por haver cometido delito é abandonado pelo pater família à vítima;
b) O “alieni iuris” que é vendido por um pater família, com intuito de lucro, pelo processo de “mancipatio” (modo solene de transferir a propriedade) a outro pater família.
Embora semelhante à situação do escravo, não se confunde com esta a da pessoa “in mancipio”, por conserva a liberdade e a cidadania.
Havia a tutela e a curatela.
São os dois institutos a que recorrem os incapazes, em direito romano, para a defesa de seus direitos. São os representantes legais dos incapazes.
a) Tutela: visa proteger os bens e pessoas, pode ser um parente ou não; a tutela pode ser dada por herança. Em geral se refere a menores (até 7 anos representado – de 7 à 14 (homens) e de 7 à 12 (mulheres) assistidos), com exceção do caso das mulheres, que se sujeitam à vontade do pai, marido, ou chefe de família.
b) Curatela: refere-se aos loucos de todo o gênero, os pródigos, e os menores de 25 anos. Estes últimos, com Justiniano, deveriam requerer curador. Antes da Lei Pletória o menor de 25 anos é considerado capaz. Depois da Lei Pletória, os membros de 25 anos são colocados sob curatela, tornado-se incapazes. É tido como um delito o fato de alguém ludibriar a boa fé de um adolescente.
IV - A FAMÍLIA
Segundo a Lei das Doze Tábuas, o pater familias tinha vitae necisque potestas - o "poder da vida e da morte" - sobre os seus filhos, a sua esposa (nalguns casos apenas), e os seus escravos, todos os quais estavam sub manu, "sob sua mão". Para um escravo se tornar livre (alguém com status libertatis), teria que ser libertado "da mão" do pater familias, daí os termos manumissio e emancipatio. Por lei, em qualquer caso, a sua palavra era absoluta e final. Se um filho não era desejado, nos tempos da República Romana, o pater familias tinha o poder de ordenar a morte da criança por exposição.
Os patres familias eram, assim, as únicas pessoas jurídicas plenas, mas, devido aos seus extensos direitos (a sua longa manus, literalmente "longa mão"), tinham igualmente uma série de deveres extraordinários: para com as mulheres, os filii e os servus.
Somente um cidadão romano, alguém dotado de status civitatis, podia ser um pater familias. Apenas podia existir um detentor de tal estatuto dentro de cada agregado familiar. Mesmo os filii homens adultos permaneciam debaixo da autoridade do pater enquanto este vivesse, e não podiam adquirir os direitos de pater familias até à sua morte. Legalmente, toda a propriedade que os filii adquirissem era-o em nome do pater, e era este que detinha a autoridade última sobre o seus destino. Aqueles, homens, que vivessem já na sua domus no momento da morte do pater sucediam-no como pater familias sui iuris sobre os seus respectivos agregados familiares. As mulheres, pelo contrário, estavam sempre debaixo do controle de um pater familias, fosse o seu pater original, fosse o pater da família de seu marido depois de casada.
A família iure próprio em Roma compreendia todos os indivíduos sujeitos ao poder de um pater famílias vivo. A família iure communi abraçava um conjunto de pessoas reunidas em vários grupos, chefiados cada um deles, por um paterfamilias, mas que deste encerrariam numa só família se o paterfamilias comum estivesse vivo. O vinculo de parentesco que prendia tanto os membros da família iure próprio, quanto o membros da família iure communi era a agnação(adgnario). A agnação não era um parentesco de sangue: os filii famílias emancipados e as filiae famílias que saíram da família em virtude da conventio in manum, não era agnados( diz-se da relação que existe entre duas pessoas que têm um antepassado comum através da descendência na linha masculina direta; parente pela linha masculina)
. Para ser agnado não se fazia necessário ser parente, bastava a submissão à soberania do paterfamilias. O parentesco de sangue(cognatio) não era o vinculo coesivo de família romana; isso somente prevaleceu no Baixo Império. Este vínculo era representado por uma relação de senhoria, que fazia do paterfamilias o senhor absoluto da família e o único sujeito de direitos patrimoniais.
Em Roma, a formação da família não se destinava apenas a procriação, a educação da prole e a possibilitar o mútuo auxilio entre os cônjuges.
Os estudiosos viram a família romana como uma comunidade política em miniatura: maiores nostri domum pusillam ei publicam esse iudicaverunt. Para entrar nela tinha o estranho que preencher rigorosas formalidades, como a conventio in manun e a adoptio. Seu chefe, juiz e sacerdote era o paterfamilias, que exercia um poder quase absoluto sobre os filhos, mulher, clientes e escravos e o domínio sobre o patrimônio e o território. Até a época clássica o Estado não interferia senão de forma esporádica na família e sua jurisdição era paralela à jurisdição doméstica. A unidade política correspondia a unidade econômica e religiosa.
Anote-se que a conventio in manun consistia na sujeição da mulher ao marido loco filiae ou ao paterfamilias dele neptis loco. A aquisição do manus se dava de três maneiras: farreo (era uma cerimônia religiosa própria dos patrícios); coemptione(era uma venda fictícia da qual parece que a mulher com a autorização dos tutores, era, ao mesmo tempo agente e objeto) e usus.
Outras formas de entrada na família em Roma eram a adoção e a ad-rogação.
A adoção compreendia a adoção propriamente dita(adoptio) e a ad-rogação(adrogatio). A adoptio era a passagem de um alieni iuris de uma família para outra: a adrogatio era a adoção de um paterfamilias, que entrava na família do adotante com todos os membros da sua própria familia.
A ad-rogação acarretava o desaparecimento de uma família , modificando, portanto, a constituição politica da cidade. Por essa razão exigia a intervenção do povo e dos pontífices. Procediam estes a um inquérito prévio, o qual , se favorável, autorizava a convocação pelo pontifex maximus, dos comícios por cúrias. Os pontífices perguntavam ao ad-rogante se queria ter o ad-rogado como filho, e a este e ao povo se consentiam. Antes de ingressar na nova familia, o ad-rogado renunciava, perante os comícios, ao seu antigo culto(detestation sacrorum).
Os plebeus não podiam ad-rogar, por não terem acesso aos comícios , até que esses perderam a sua função politica, sendo representados por 30 litores. O papel dos litores era meramente formal, de modo que a importância do ato se desloca para a vontade das partes. Os pontífices exerciam, porém, ainda, a direção da cerimônia.
Os requisitos de fundo da ad-rogação no direito antigo foram estabelecidos pelos pontífices O ad-rogante devia ser um paterfamilias sem herdeiro masculino. Era indispensável o consentimento do ad-rogado, que não podia ser mulher nem impúbere, porquanto ambos não tinham acesso aos comícios. A ad-rogação somente podia realizar-se em Roma, pois fora da cidade os comícios não se reuniam.
A ad-rogação no direito imperial era dominada pela ideia de que a adoção imita a natureza.
Todavia, algumas dessas condições que eram assim estabelecidas foram atenuadas em virtude, sobretudo, das transformações sofridas pelas condições formais da ad-rogação.
Com o intuito de proteger os direitos sucessórios dos herdeiros presuntivos, os imperadores cristãos proíbem a ad-rogação por parte de quem já tem um filho, oriundo de casamento ou de anterior adoção, e para salvaguardar os direitos dos filhos legítimos, impediam a ad-rogação pelo pai dos liberi naturales.
No direito pretoriano prevalecia a regra adoptio sequitur naturam e procurava-se proteger mais ainda os filhos nascidos do casamento do ad-rogante. A ad-rogação, naquele período, não era considerada como um meio de acrescer o poder da família, mas por influência helênica, como ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 173), como um expediente destinado a suprir a falta de filhos no casamento. Todavia, não devia constituir um estímulo ao celibato e, por isso, era apenas possível se o ad-rogante tinha 60 anos ou estava gravemente doente; deve ele, ademais, ter 18 anos mais do que o ad-rogado(plena pubertas). Os castrados não podiam ad-rogar.
Não era licito ad-rogar a termo ou ad-rogar quem já tivesse sido anteriormente ad-rogado por outro. Tampouco era possível ad-rogar o liberto alheio, pois que, nesse caso, para proteger os herdeiros presuntivos do ad-rogado, se entendia que o liberto só poderia ser adotado por seu patrono, salvo consentimento dele.
O menor de 25 anos não podia ser ad-rogado por seu ex-tutor ou curador.
O ad-rogado sobre, com a ad-rogação, uma capitis deminutio mínima, pois deixa de ser sui iuris, sua família extingue-se e com ele o culto doméstico.
O patrimônio do ad-rogado passa totalmente ao ad-rogante.
Por sua vez, a adoção, propriamente dita é o ato pelo qual um alieni iuris sai de sua família de origem e entra numa outra família, como filho ou filha, neto ou neta, do novo paterfamilias. Dela sempre puderem participar os plebeus.
Como a adoção não caracterizava a extinção de um culto nem de uma família, não tinha a importância religiosa e política da ad-rogação. É um ato de direito privado, que interessa mais aos dois patresfamilias do que à autoridade pública.
A adoção realizava-se pela comparência do pai natural, do pai adotivo e do adotando perante o juiz competente, que é, em regra, o governador da província. O pai natural declarava dar o filho em adoção; em seguida, redigia-se um ato escrito, que era levado a registro. Ao que a adoção sui iuris se fazia principis auctoritate, e dos alieni iuris processava-se imperio magistratus. Desapareceram todos os expedientes usados outrora para chegar ao resultado da adoção.
No que concernia às condições de fundo, Justiniano exigia, além do acordo entre os patres, o consentimento tácito do adotando. Se um neto era dado em adoção, era indispensável o consentimento do pai natural; se a adoção se processava para colocar o adotando na posição de neto, era necessário que o futuro pai adotivo manifestasse o seu consentimento. A regra adoptio sequitur naturam impunha que o pai adotivo tivesse, no mínimo, 18 anos mais do que o adotado, e, no máximo, 60 anos. Era proibida a adoção daqueles que alguma vez foram adotados. As condições de ad-rogação e de adoção eram unificadas.
Justiniano distinguia dois tipos de adoção que são chamados de adoptio plena e adoptio minus plena.
Havia uma adoção minus plena que era uma modalidade inteiramente nova no direito romano. Ocorria sempre que o filho era dado em adoção a um extraneus, isto é, a um não ascendente. O filho não sai da família legitima, onde conservava seus direitos sucessórios, mas era considerado filius adoptivus do adotante e, se este more intestado, adquiria a herança, salvo se fosse deserdado; aos bens do adotado não tinha direito o adotante; não gerava a patria potestas e, por essa razão, era facultado às mulheres adotar ad solactium amissorium liberorum. Para o seu desaparecimento era necessário a emancipação.
Por sua vez, a adoptio plena era a adoptio do direito clássico, mas consideravelmente restringida: sucede apenas quando o adotante é um ascendente que não tinha a patria potestas sobre o adotante. O pai adotivo adquiria a patria potestas, como acontecia no direito clássico.
Em ambos os casos, o adotado permanecia em sua família natural, conservando os direitos sucessórios como cognado. Mas Justiniano procurou reduzir os perigos que corriam estes direitos do adotado no direito clássico, sujeitos a desaparecer se a sua emancipação por parte do adotante ocorresse após a morte do pai natural. Assim sendo, como ensinou Ebert Chamou(obra citada, pág. 178), no segundo caso, quem superava o adotado na ordem da delação hereditária deixa de existir: a adoptio plena, perdia a sua razão de ser, e se tranformava em minus plena.
Na Roma antiga, a adoção era uma prática relativamente comum, particularmente entre a classe senatorial. . A necessidade de um herdeiro, em contraponto às elevadas despesas que o sustento e educação dos filhos obrigava, levava as famílias da classe alta a tentarem ter pelo menos um filho, evitando, contudo, uma prole exagerada. A adoção aparecia como uma solução quase óbvia que, além do mais, permitia o estabelecimento e fortalecimento de laços entre famílias e o reforço de alianças políticas. Durante o Império Romano, este sistema de adoção serviu muitas vezes para permitir sucessões ao trono pacíficas, ao dar a possibilidade ao imperador de escolher o seu sucessor, ao assumi-lo como filho adotivo.
A economia dominante em Roma era a economia doméstica. O dominus bastava-se economicamente.
Mas, desde o direito clássico, começa a família a perder a sua unidade política, econômica e religiosa.
V - A FUNDAÇÃO DA FAMÍLIA
A fundação da família em Roma se dava:
- Pelos esponsais que eram a promessa recíproca de casamento futuro. Realizavam-se, no direito antigo, entre os paterfamilias dos noivos, se eles eram alieni iuris, entre o noivo e o tutor da noiva, se fossem sui iuris, ou se tivessem qualidades diferentes, entre os noivos e o paterfamilias do outro. Mais tarde, era relevante o consentimento dos próprios noivos. Os sponsalia efetuavam-se, a princípio, por um contrato verbal, a sponsio, de sorte que geravam a obrigação de contrair casamento. Os esponsais acarretavam sérias consequências, pois criavam uma quase afinidade entre o noivo e os parentes do outro, que constituía impedimento ao matrimônio; provocavam a infâmia do pretor se contraídos na vigência de anteriores, vedavam o testemunho de um dos noivos contra o outro. As causas impeditivas dos esponsais eram as mesmas do matrimônio;
- O matrimônio romano foi sempre monogâmico. Os romanos consideravam casamento como a união entre homem e mulher com o fim de estabelecer uma comunhão de vida intima e duradoura. O casamento romano era um estado de fato que não surgia, como o atual, da troca inicial de consentimentos, mas da permanência da união com as características matrimoniais. A posição da mulher variou, pois, a princípio, ficava sujeita a potestas do chefe do grupo doméstico, como uma filha, e depois era simplesmente cônjuge, continuando como uma filha de seu próprio paterfamilias e subordinada ao poder dele; a mulher se colocava à disposição do marido; o marido podia estar ausente, mas apenas no momento da realização das núpcias, como depois os cônjuges poderiam residir em habitações separadas; não era consequentemente a convivência que fazia as núpcias, mas o consenso; mas, todavia, não bastava que esse consenso fosse inicial, devia perdurar e manifestar-se durante toda a vigência da sociedade conjugal; um novo casamento realizado por um dos cônjuges com um estranho revelava, portanto, a cessação da affectio maritalis e, com isso, a dissolução do próprio matrimônio; o crime de bigamia não podia se configurar; Justiniano, na linha dos Proculianos, determinou que a puberdade datasse dos 14 anos, e a nubilidade dos 12, sendo que a idade máxima, pelas leis cadurárias, era de 60 para homens e 50 para mulheres; o consentimento dos esposos era indispensável, sendo que para os filius famílias exigia-se o consentimento do paterfamilias, mas, para a filia famílias bastava o consentimento tácito, sendo que a lei Iulia de maritantis ordinibus de 18 a.C havia determinado que se o paterfamilias se recusasse, de forma arbitrária a consentir, os noivos pudessem recorrer ao pretor, fórmula acolhida por Justiniano; se o paterfamilias fosse débil mental, dispensava-se o consentimento para as filhas, mas Justiniano decidiu que, no caso do paterfamilias demente, os noivos poderiam casar-se sem esse consentimento; outro requisito era o connubium ou faculdade de contrair casamento; o connubium perdia-se quando um dos cônjuges perdia a liberdade ou a cidadania ou porque o matrimonio se tornasse incesto;
- Havia o concubinato. No direito de Justiniano desapareceram todas as incapacidades que antes vigiam sob a lex Iulia. Foi abolida toda consideração de natureza social, caracterizava-se o concubinato como uma união durável sem a affectio maritalis. A união com mulher honestae vitae et ingênua deve fazer-se acompanhar de uma declaração de que é concubinato e não matrimônio. Mas era vedado ao homem ter duas concubinas ou a uma mulher legítima e uma concubina, sendo que a concubina deveria ter, no mínimo, 12 anos de idade e não se parente ou afim do concubino em grau que impeça o casamento. Justiniano permitiu deixar metade do patrimônio à concubina e aos filhos naturais e concedeu ainda a esses últimos direito a alimentos até em face dos descendentes legítimos e, em sua falta, um direito de sucessão ab intestato aos bens do pai.
Em Roma, o casamento dissolvia-se pela morte de um dos cônjuges, pelo desaparecimento do connubium, pela superveniência do impedimento e pelo divórcio.
Os filhos procriados durante o casamento eram filhos legítimos e cidadãos romanos. Ingressam na pátria potestas do marido ou do pater deste. A mulher prendia-se aos filhos pelos elos da cognação, que não derivavam propriamente do matrimonio, mas da concepção e do parto, tanto assim que existiam na ausência do casamento.
Registre-se que a importância do connubium defluía sobretudo da circunstância de ter sido um fator determinante e gerador da cidadania: tinha-no apenas os cidadãos, e e cidadãos eram os que nasciam iustae nuptiae.
A diferença, em Roma, da condição social levava, a princípio, a proibição do casamento entre patrícios e plebeus e entre ingênuos e libertos. Até Justiniano, os senadores não podiam matrimoniar-se com mulheres de baixa condição, inclusive artistas de teatro e suas filhas.
O regime patrimonial em Roma levava em conta: a) regime dotal; b)donatio propter nuptias(afim ao dote, tendo influência oriental, onde era costume o noivo fazer doação à noiva, sendo um prévio correspectivo do dote).
O dote é o conjunto de bens oferecidos pela mulher ao marido por ocasião do casamento, com o fim de amenizar os exageros da nova situação.
Os bens podem constituir-se em dinheiro ou não e podem ser provenientes:
a)Da própria mulher, se ela for sui juris
b)De um terceiro, sendo ela sui juris ao alieni juris
c)Do paterfamilias, se ela for alieni juris
VI - A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO
O casamento romano dissolvia-se, entre outras causas, também pelo divórcio, indicado nos textos por duas expressões: "repudium" e "divortium". A primeira, entretanto, aplica-se tanto ao casamento quanto aos esponsais (“Mentio et repromissio nuptiarum futurarum"), enquanto a segunda reserva-se ao casamento já contraído. (D. 50, 16, 101, 1; 191)
O divórcio é ato solene, tendo por fim dissolver o casamento. "Divortium autem vel a diversitate mentium dictum est vel quia in diversas partes eunt qui distrahunt matrimonium". (D. 24,2, "De divortiis et repudiis",
O instituto existiu sempre, em Roma, sendo, porém, pouco usado no mais antigo período, muito embora não seja possível aceitar como verdadeira a tradição fazendo remontar a Calvísio Ruga (no ano 231 a.C.) o primeiro caso de divórcio foi motivado pela esterilidade da mulher. Os dois cônjuges não tinham igual direito de se repudiarem: a mulher "in manu" não podia fazê-lo ao contrário daquela que conservara sua independência. Se a mulher, entretanto, fosse antiga escrava manumitida pelo dono para fim de casamento, só o marido podia romper a união contraída (D. 24,2. "De d. et repudiis", 10). Aulo-Gelio, finalmente,, observa no livro X, cap. XV , que o casamento dos "flamines" só se dissolve pela morte, sendo-lhes vedado o divórcio.
Antes da lei Julia "de adulteriis" não havia forma especial para o divórcio. Só na prática a mulher devolvia ao marido as chaves recebidas ao entrar no domicílio conjugai. A lei Julia, sob pena de nulidade, exigiu forma solene (D. 38, 11, 1,1). Cumpria convocar sete testemunhas púberes e cidadãs romanas, mais u m liberto, encarregado de levar a declaração de divórcio, assim concebida: "Res tuas tibi hábeto". A estas formalidades acrescentou-se, mais tarde, a destruição dos "acta dotaUa" e a menção do divórcio nos registros competentes (D. 24,2,2,1; 24,2,9).
Livre, a princípio, o divórcio foi depois regulamentado. Durante muito tempo o divórcio foi livre: a única sanção consistia nas retenções sobre o dote, facultadas ao marido ou na perda do prazo para a restituição daquele, conforme a culpa fosse de um ou doutro cônjuge. (Ulp., "Reg." 6,13). Esta facilidade dera lugar a grandes abusos.
As causas de divórcio, admitidas por Justiniano, são as seguintes: a) "Divortium ex justa causa", repúdio em casos determinados por lei e acarretando graves sanções a cargo do culpado; b) "Divortium sine causa" — punido, mas válido; c) "Divortium ex communi consensu, vedado por Justiniano, mas restabelecido por seu sucessor; d) "Divortium bona gratia (no tempo de Justiniano) causado por motivos não imputáveis a nenhum dos cônjuges, tais como esterilidade durante três anos consecutivos, deficiência física de qualquer deles, ausência do marido por cinco anos, como prisioneiro de guerra, doença mental ou voto de castidade dum dos cônjuges. Não acarreta sanção alguma. Portanto, mesmo o divórcio injustificado, embora punido, era válido exceto no caso da mulher culpada e condenada por Justiniano ao confinamento perpétuo em convento. A proibição ao "divortium ex communi consensu"
Foram os imperadores cristãos - e isso como reflexo da doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio - que começaram a combater o divórcio, sem, no entanto, chegarem a proibi-lo.
Assim, Constantino-C. Th. 3,16, l-admitiu, em 331 d.e., que o marido ou a mulher pudessem repudiar o outro cônjuge quando ocorressem certas causas (por exemplo,se a mulher fosse declarada culpada por adultério ou por envenenamento: ou, com relação ao marido, se réu de homicídio, envenenamento ou violação de sepulcro). Se se verificasse o repúdio sem a existência de uma das causas admitidas, o cônjuge que repudiara o outro sofria sanções: se o marido, era ele obrigado a restituir o dote e a não contrair núpcias; se a mulher, perdia ela, em favor do esposo, o dote e as doações nupciais, além de sofrer a pena de deportação.
A essa constituição imperial- cujo sistema, segundo parece, foi temporariamente ab-rogado por Juliano, o Apóstata - seguiram-se outras (a de Honório e Constantino II -c. Th. II!, 16, 2-de421 ac.,e a de TeodósioIl-Nov. Theod. XIl-, de 439 d.e.), observando a mesma orientação.
Mas isso apenas com relação ao repúdio; o divórcio pelo consentimento comum dos cônjuges continuou absolutamente livre até Justiniano.