Leniência do judiciário ao apreciar atos de improbidade administrativa

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26/05/2017 às 18:30
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O referente artigo encontra ensejo na impunidade dos agentes políticos e públicos frente ao Poder Judiciário, orquestrando atos que originaram maiores ônus que propriamente benefícios, eis que pode-se observar que a verba pública é consumida com atos de motivação fútil e imoral, finalidade diversa do interesse público e em total transgressão á razoabilidade administrativa, havendo grande desproporcionalidade entre o erário despendido e os benefícios auferidos pela coletividade.

Resumo:O referente artigo encontra ensejo na impunidade dos agentes políticos e públicos frente ao Poder Judiciário, orquestrando atos que originaram maiores ônus que propriamente benefícios, eis que pode-se observar que a verba pública é consumida com atos de motivação fútil e imoral, finalidade diversa do interesse público e em total transgressão à razoabilidade administrativa, havendo grande desproporcionalidade entre o erário despendido e os benefícios auferidos pela coletividade. A insensatez presente nas ações de tais administradores evidencia a existência de algo mais grave e preocupante, a decadência do caráter de muitos que ascendem à gestão do interesse público, onde, independente de investidura ou causas endêmicas, resultam uma inevitável interação com um meio viciado.

PALAVRAS-CHAVE: Agentes públicos. Improbidade administrativa. Impunidade. Judiciário.

Abstract:The article finds opportunity in the impunity of political and public agents outside the Judiciary, orchestrating acts that led to greater burden itself benefits, it can be observed that the public budget is consumed with acts of futile and immoral motivation, diverse public interest purpose and transgression to reasonableness, with large administrative disproportionality between the money spent and the benefits received by the collective. The folly in the actions of such administrators highlights the existence of something more serious and worrying, the decline of the character of many who ascend to the management of the public interest. Where, independent of investiture or endemic causes, resulting in an inevitable interaction with a kind of addict.

KEY-WORDS: Improbity administrative. Impunity. Judiciary. Public agents.

SUMÁRIO: Introdução. 2 Autonomia Constitucional Da Improbidade Administrativa. 3 Lei De Improbidade Administrativa. 3.1 Estrutura Normativa Da Improbidade Administrativa. 3.2 Improbidade Administrativa E Enriquecimento Ilícito. 3.3 Prejuízo Ao Erário. 3.4 Atos Que Atentam Contra Os Princípios Da Administração. 4 Controle Judicial do Ato de Improbidade Administrativa. 5 Ação De Improbidade Administrativa Versus Agentes Políticos. 6 Espécies de Sanções. 6.1 Perda Da Função Pública. 6.2 Ressarcimento Ao Erário. 6.3 Multa Civil. 6.4 Contratar Com O Poder Público. 6.5 Proibição De Receber Benefícios Ou Incentivos Fiscais Ou Creditícios. 6.6 Indisponibilidade Dos Bens. 7 Critério De Aplicação Das Sanções. 8 Prescrição E Decadência. Considerações Finais. Referências.


INTRODUÇÃO

Em consonância com o autor De Plácido e Silva, probo e probidade derivam do latim probus, probitas, aquilo que é reto, leal, justo, honesto, podendo ser interpretado também como uma "maneira criteriosa de proceder”. Decorrente de improbitas que significa, imoralidade, malícia, desonestidade, má conduta e índole. Ainda seguindo o ilustre autor supracitado, ímprobo “é o perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador” (PLÁCIDO E SILVA, 2016 p. 432;454). Em outra descrição, o autor Antônio Geraldo da Cunha, no Do dicionário etimológico da língua portuguesa assim a define ,”probo refere-se a quem apresenta caráter íntegro” (CUNHA, 2011, p. 522.), ou seja, em sentido inverso, ímprobo é quem se encontra em estado de integridade. Em igual raciocínio, Garcia e Alves salientam: “probus" quer dizer "o que brota bem" (pro+bho – da raiz bhu, nascer, brotar)” (2011, p. 109).

Portanto, probidade se define como, o comportamento honesto, baseado na retidão do caráter íntegro e em segundo plano, o surgir do bem, manter-se leal ao proceder nas atitudes. Improbidade administrativa, em compêndio, elucida o comportamento que rompe a honestidade e a lealdade que se espera ao gerir da coisa pública, independente da atribuição de agente público ou de correligionário privado. Improbidade administrativa traduz a mais alta desconfiguração da fidelidade assumida por quem faina com bens e poderes cujo tem como titular último o povo.

A história e a filosofia nunca obliteraram a improbidade, tanto dos homens da sociedade quanto dos homens do Estado. Sendo aquela a improbidade comum, intrínseca da humanidade de forma geral; Locke em sua obra Dos Tratados de Governo Civil desperta a sociedade a caucionar-se contra qualquer atentado, mesmo dos legisladores, sempre que se mostrassem levianos ou maldosos e regessem planos contra a liberdade e propriedade dos indivíduos. E esta, a improbidade que alcança os valores morais da maior parte da sociedade, empregados ao Estado, tem-se Maquiavel que em seu livro O Príncipe aduz dentre as várias lições sobre a melhor conduta a ser adotada pelos soberanos, aconselhava o príncipe a não manter-se fiel às suas promessas quando suprimida a causa, eis que seu cumprimento poderia gerar gravame, uma vez que nem todos os homens eram bons.

Os desvios comportamentais que postergam a normatividade estatal, ou os valores morais de determinado grupo em troca de uma vantagem correlata, manifestar-se-ão como principal via de degradação dos padrões ético-jurídicos que devem manear o comportamento individual nas esferas pública e privada.

Segundo a história, especificamente a do Brasil, mostra que a corrupção tem suas entranhas na colonização do país. A Monarquia à época foi a base para a edificação do sistema colonial português, onde o monarca que detinha total poder, a exemplo, a Constituição de 1824, em que estabelecia 4 (quatro) poderes constituintes, o Poder Executivo, gerido pelo monarca, o Poder Legislador, formado por deputados, o Poder Judiciário, formado por juízes e ministros; e por último, talvez mais importante, o Poder Moderador, que detinha controle sobre todos os outro, também chefiado pelo monarca (VICENTINO; GIANPAOLO; 2012).

Com a chegada da família real ao Brasil, o modelo aplicado por D. João VI para aproximar-se e conseguir apoio político e financeiro da elite local foi à concessão de honrarias e títulos de nobreza à época, transmutando a importância dos títulos de acordo com a intensidade do retorno e fortalecimento declinados à Coroa. Somente em oito anos, D. João VI distribuiu mais títulos de nobreza que Portugal nos trezentos anos anteriores. (GOMES. 2007, p. 196-197). Essa elite que se formou com esse exemplo, desprovida de valores éticos e instigada pelo espírito do "é dando que se recebe", ascendeu ao poder e sedimentou um verdadeiro cancro na estrutura administrativa. O tesoureiro de D. João VI Bento Maria Targini, foi nomeado barão e depois visconde, imortalizando-se na célebre frase "Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão, quem mais furta e esconde, passa de barão a visconde" (CAVALCANTI, 2011 p. 46).

Diante desse cenário implantado, já no começo do século XIX, as distorções comportamentais não permaneciam restritas aos detentores de poder, mostrava-se disseminadas dentro do ambiente social. Thomas Lindley descreve em sua narrativa “Narrativa de uma viagem ao Brasil” assim aos comerciantes baianos da época: "[e]m seus negócios, prevalece à astúcia mesquinha e velhaca, principalmente quando efetuadas a s transações com estrangeiros, aos quais pedem o dobro do preço que acabarão aceitando por sua mercadoria, ao passo que procuram desvalorizar o que terão de obter em troca, utilizando-se de todos os artifícios ao seu alcance, Numa palavra, salvo algumas exceções, são pessoas inteiramente destituídas do sentimento de honra, não possuindo aquele senso geral de retidão que deve presidir a toda e qualquer transação entre os homens." Destacando que ética e honestidade já não eram valores que gozavam de grande prestígio à época.

Essas distorções auferidas no Brasil à época de sua colonização continuaram a expandir quando tornou-se Reino, e institucionalizadas durante a República, e absurdamente viva nos dias atuais. Isso leva-nos a uma descrença de solução e uma verdadeira crise de valores morais, éticos e políticos fazendo-me lembrar de um trecho da obra O Príncipe de Nicolai Maquiavel, onde escreve "também aqui, como dizem os médicos sobre a tuberculose, no início o mal é fácil de curar e difícil de diagnosticar. Mas, com o passar do tempo, não tendo sido nem reconhecida nem medicada, toma-se fácil de diagnosticar e difícil de curar. O mesmo sucede nos assuntos de Estado. Prevendo os males que nascem, o que só é permitido a um sábio, estes são curados rapidamente. Mas quando se permite que cresçam, por não havê-los previsto, todos os reconhecem, porém não há mais remédio".


2 AUTONOMIA CONSTITUCIONAL DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O tema a ser tratado é tão antigo quanto à comunhão humana em sociedade e, ao mesmo tempo, abriga tamanha importância nos dias de hoje, eis que com a evolução da sociedade para o Estado Democrático de Direito, tal questionamento tornou-se de crucial importância.

Para se compreender o referido estudo, é fulcral assimilar o contexto de construção da Improbidade Administrativa, ressaltando a autonomia constitucional. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência sustentam três instâncias de responsabilidade jurídica inseridas pela Constituição da República Federal do Brasil e na ordenação jurídica, sendo: civil, criminal e administrativa.

A responsabilidade civil tem por origem o próprio Direito, nas relações em que tem por elementos a conjuntura jurídica que rodeie qualquer hipótese de responsabilização de um indivíduo: sabendo ser a conduta objetiva ou subjetiva, ou por nexo causal e dano.

Como a responsabilidade criminal, tem respaldo no Direito Penal, destaca-se a estrutura que reconhece a tipicidade dos comportamentos que findam em penas, e que podem chegar a cercear a liberdade humana.

Já a responsabilidade administrativa, tem como objeto as relações jurídico-administrativas, ou seja, estabelecem elos entre o Estado e o cidadão, onde qualquer deste encontra-se potencialmente submetido a situações jurídicas estabelecidas em lei. Ora de sujeição especial, nos quais alguns cidadãos encontram-se submetidos de maneira forçosa ou espontânea.

No direito positivo, o exercício do ato ímprobo deve ser esboçado como um sistema de responsabilização autônomo, por demonstrar os componentes, o tipo, a infração, a sanção, o bem jurídico, o processo e por não valer-se a outro sistema normativo para ser implementado.

A constituição explana a responsabilidade como algo imprescindível pelo qual o direito reage ao ilícito do agente público e na medida em que a configuração de um ilícito adjunto a uma determinada sanção, estabelecida em razão da proteção do bem jurídico e por força do devido processo legal a ser imposto pelo processo administrativo judicial, temos então presente, o sistema de responsabilidade.

Evidencia-se, portanto que a probidade é o bem jurídico protegido, mas encontrando-a estabelecida dentro dos moldes constitucionais e não o que a sociedade determina, como mero caráter de honestidade. O artigo 37, §4º da CRFB tem um caráter bem maior, o que implica em interpretação dentro da nova realidade constitucional do Brasil, não se referindo a um ordinário sistema de combate ao enriquecimento ilícito, constituindo-se como um sistema de responsabilidade por improbidade administrativa, que é implantado pela Lei nº 8.429/92.

A Lei nº 8.429/92 surgiu para regulamentar o artigo 37, § 4º, da Constituição da República Federativa do Brasil, que coligiu três categorias de atos de improbidade administrativa, são elas: atos que importam em enriquecimento ilícito do agente (artigo 9º da referida lei), atos que causam lesão ao erário público (artigo 10º da já mencionada lei) e atos que vão contra os princípios da administração pública (artigo 11º da mesma lei em questão).

Sabido que no que tange aos atos administrativos os princípios são premissas que estruturam o ordenamento jurídico, ostentando a forma de interpretação do direito. Onde a Lei nº 8.429/92 em seu artigo 11º, caput, o legislador fez um importante trabalho ao salientar a insistência doutrinária na valorização de tais princípios.

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Em razão do referido diploma legal, vale lembrar o que já afirmava Celso Antônio Bandeira de Melo, em Curso de Direito Administrativo, 1996: "violar um princípio é muito mais grave que violar uma norma isolada, pois os efeitos do gravame são, sem dúvida, muito maiores, devido à generalidade e raio de ação dos princípios".

O artigo 4ª da Lei nº 8.429/92, determina que: "os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a velar pela estrita observância dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.". Onde este, conjugado com o artigo 37, caput, da CRFB: "A administração pública direta, indireta, ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...". Mostrando tamanha importância e relevância destes para o funcionamento adequado do Estado Democrático de Direito.

O ilustre autor Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua já mencionada obra Curso de Direito Administrativo, pp. 43/62, salienta que "além dos princípios já elencados pela constituição de forma expressa, existem outros, sejam eles, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio da finalidade, princípio da razoabilidade, princípio da proporcionalidade, princípio da motivação, princípio do controle judicial dos atos administrativos e princípio da responsabilidade do Estado por atos administrativos".

Com a juntura do Direito Sancionador a um capítulo independente do Direito Administrativo, foi possível estabelecer a harmonização de conceitos, instituições, um regime jurídico próprio e qualificado para compulsar infrações e suas respectivas sanções, facilitando a compreensão e sistematização nas relações de direito público.

Na Constituição Federal de 1988, a nomenclatura improbidade administrativa aparece primeiramente em seu artigo 15, que alude a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão dar-se-á de acordo com inciso V do mesmo, por prática do predito ato. E outra vez em seu artigo 37, § 4º, quando aduz, “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

A autonomia constitucional da responsabilização por improbidade administrativa não se limita nestes artigos, pelo contrário, tem seu marco e incremento em leitura sistemática e pontual da Constituição da República Federativa do Brasil.

Pode-se constatar tal afirmação ao observar o artigo 1º da CRFB, o texto normativo transmite os princípios fundamentais e atesta o Brasil como República, introduzindo o princípio republicano, sendo assim, ao avultar a res publica, ou seja, o agir em nome do que é público é uma atuação também em nome da sociedade e não devendo se possuir por interesse pessoal. E por esse princípio ter como base a responsabilidade que é intento fundador do atual Estado de Direito Democrático e Social do Direito, avir-se que a improbidade administrativa tem verdadeira autonomia enquanto instância de responsabilidade. Enfim, Improbidade Administrativa tem seu conceito definido como um desvio de conduta que transgride a honestidade e a lealdade na maneira de conduzir a coisa pública, independente da condição de agente público ou parceiro privado. Em síntese, representa a falta de integralidade por parte de quem lida com os bens e poderes cujo possui como único titular o povo.

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Sobre o autor
Marcos Vinicius Marinho

Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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