Leniência do judiciário ao apreciar atos de improbidade administrativa

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26/05/2017 às 18:30
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3 LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

O sistema judiciário deve manter seu caráter punitivo primário. Tendo àquele, dificuldade de assegurar o cunho punitivo, por se enveredar em uma sanção que resultará em mera imposição da multa civil ou uma imposição da proibição de contratar, precisando resgatar o objetivo primário, deixando o efeito secundário, ressarcitório, a multa pecuniária, de lado e mostrando que o direito positivo evoluiu.

A legislação específica que trata da improbidade administrava traz em seu bojo três hipóteses de improbidade administrativa. Artigos 9º, 10º e 11 da Lei nº 8.429/92 (LIA).

São conceptualizados como atos de improbidade administrativa as condutas dolosas ou culposas, sejam elas omissivas ou comissivas, que culminam em enriquecimento ilícito, que geram prejuízo ao erário público ou que atentem contra os princípios da Administração Pública.

3.1 ESTRUTURA NORMATIVA da IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Os atos de improbidade administrativa tem previsão na Lei nº 8.429/92 sob três espécies. Os atos que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), os que causam lesão ao erário (art. 10º) e os que atentam contra os princípios da administração pública (art.11). Na tipificação deste, a lei utilizou de dois modelos de técnica legislativa para sua aplicação. O emprego de conceitos jurídicos indeterminados e outros de conteúdo mais específicos e determinado observados nos incisos dos artigos de cada espécie de improbidade.

No caput dos artigos, a lei preceituou tipos amplos como: (i) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida; (ii) provocar lesão ao erário por qualquer ação ou omissão que enseje perda patrimonial; (iii) praticar qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Essa amplitude permite o enquadramento de situações de fato mesmo diante da evolução dos métodos de infrações logrado aos princípios da administração pública, dando "flexibilidade normativa aos mecanismos punitivos, de tal modo a coibir manobras formalistas conducentes à impunidade" (OSÓRIO. 2010. p. 328).

Tal método reforça o papel do Judiciário a quem compete decidir sobre a aplicação das sanções por improbidade e que irá desabrochar nos casos em julgamento os conceitos indeterminados, examinados os parâmetros legislativos e administrativos de incorporação. O outro modelo adotado na lei preconiza de maneira específica os tipos legais, a exemplo, "receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado" (art. 9º, X); "conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie" (art. 10º, VII); e "frustrar a licitude de concurso público" (art. 11, V).

O sistema tripartite de improbidade detém um vínculo entre eles, de modo que todo ato de ímprobo já revela uma violação aos princípios da administração (art. 11), antes de poder ser classificado como lesão ao erário (art. 10º) ou enriquecimento ilícito (art. 9º). É comum nas ações de improbidade a desclassificação do fato imputado na petição inicial para outro. Para sanar tal abertura de depreciação, o STJ já firmou entendimento que não "infringe o princípio da congruência a decisão judicial que enquadra o ato de improbidade em dispositivo diverso do indicado na inicial, eis que deve a defesa ater-se aos fatos e não à capitulação legal" (REsp nº 842428. Rel. Min. Eliana Calmon).

3.2 Improbidade Administrativa e Enriquecimento Ilícito

Os tipos que traduzem enriquecimento ilícito estão previstos no art. 9º, da Lei nº 8.429/92.

São os atos que manifestam qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida e reproduzem maior gravidade, sancionadas com maior seriedade pelo legislador. Por isso, as sanções para quem é tipificado nessa conduta se amoldam no artigo 12, inciso I, da LIA. As penalidades possuem a opção de serem aplicadas de formas isoladas ou em conjunto e constituem: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; o ressarcimento integral do dano, quando identificado; a perda da função pública; a suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos; o pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos. Tudo isso, sem dependência das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica.

O reconhecimento do enriquecimento ilícito não implica necessariamente produção de dano ao erário. Algumas figuras típicas refletem o dano ao erário (art. 9° II, III, IV, VI, XI e XII) e outras não exigem o dano (art. 9º, caput, I, V, VII, VIII, IX e X). Compete evidenciar que certos tipos trazem a necessidade de exame do ato administrativo onde se deve identificar a ofensa à legalidade ou juridicidade para integrar a norma sancionatória (art. 9º, II, III, VI, X).

O Judiciário Brasileiro tem alicerçado entendimento que nos casos de atos que contrariem os Princípios da Administração Pública e que corroboram em enriquecimento ilícito somente haverá punição se comprovado o dolo. Para os casos de atos que ocasionam prejuízo ao erário basta a culpa.

Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE IRREGULARIDADES NA DISPENSA DE LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA QUE DEMONSTRASSE O PREJUÍZO AO ERÁRIO E O DOLO DO AGENTE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não houve prejuízo ao Erário, tampouco dolo na conduta do agente, o que afasta a incidência do art. 11 da Lei 8.429/92 e suas respectivas sanções; esta Corte Superior de Justiça já uniformizou a sua jurisprudência para afirmar que é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado no dolo, para os tipos previstos nos arts. 9o. e 11 e, ao menos, na culpa, nas hipóteses do art. 10 da Lei 8.429/92” (REsp. 1.261.994/PE, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 13/04/12)."

Ou seja, a conduta para se enquadrar no art. 9º requer dolo, a consciência pelo agente de sua ilicitude.

3.3 Prejuízo ao Erário

Os tipos que prescrevem prejuízo ao erário estão contidos no art. 10º, da Lei nº 8.429/92.

O referido ato é tido com gravidade intermediária, por não enriquecerem ilicitamente o agente, e sim provoca lesão aos cofres públicos, quer seja pela ação ou omissão dolosa ou culposa. As penalidades também podem ser impostas isoladas ou em conjunto e constituem: ressarcimento integral do dano, perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio; se convergirem esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, o pagamento de multa civil pode chegar até duas vezes o valor do dano e acarretar a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação.

As condutas sui generis dos incisos do art. 10º podem ser associadas através de dados comuns e que não estão presentes em norma geral e outros que refletem sua especificação, como: (i) o enriquecimento ilícito de terceiro (art. 10, I, II, III, XII, XIII); (ii) as fraudes em licitações (IV, V); (iii) a desídia na concessão de benefícios e na arrecadação tributária (VII, X) e, (iv) a gestão irregular de recursos e negócios públicos (VI, IX, XI).

O STJ possui jurisprudência consolidada no entendimento de que o "ato de improbidade administrativa previsto no art. 10º da Lei nº 8.429/92 exige a comprovação do dano ao erário" (REsp 1151884/SC, Rel. Min. Castro Meira). Assim, é primordial que haja prejuízo patrimonial efetivo, o que fica evidente pela obrigatoriedade de ressarcir integralmente o dano previsto no art. 12, II para o caso do art. 10º e nas demais possibilidades de ressarcimento quando houver.

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3.4 Atos que Atentam Contra os Princípios da Administração

Os tipos que prescrevem ofensa aos princípios da administração pública estão contidos no art. 11, da Lei nº 8.429/92.

Estes são tidos como atos de “menor gravidade”, eis que não causam enriquecimento ilícito ou dano ao Erário, mas depreciam os princípios da Administração Pública. Assim como as outras penalidades, também podem implicar na aplicação isolada ou em conjunto e constituem: ressarcimento integral do dano se houver perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Tudo isso, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica. Ressaltando que o desrespeito aos princípios da Administração Pública, por si só, enseja a propositura da ação de improbidade administrativa.

A norma do art. 11 caput estabelece um tipo abrangente de ação ou omissão que viola os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições.

Podendo operar a função secundária, porque a conduta funcional, ilegal, e parcial não tipificada nesses incisos poderá ser subsumida na norma aludida ou atuará como norma de reserva, já que mesmo a conduta não ocasionando danos ao patrimônio público ou enriquecimento ilícito do agente, a improbidade ainda poderá se configurar sempre que restar demonstrada a inobservância dos princípios que norteiam a atividade estatal. Coincidindo com o dever de observância dos agentes públicos no tocante aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade expostos no art. 40 da CRFB com os deveres que exprimem o princípio da moralidade de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade presentes no art. 11.

As atividades que importarem enriquecimento ilícito (artigo 9º) ou afrontarem os princípios da Administração Pública (artigo 11) somente estarão tipificadas se ficar demonstrado o dolo do agente, a vontade livre e consciente da prática do ato. Entretanto, se for o caso de dano ao Erário, à demonstração da culpa do agente, quer seja por negligência, imprudência ou imperícia, já será o suficiente.


4 Controle Judicial do Ato de Improbidade

A instituição responsável pelo combate à corrupção tem como uma das principais formas a ação judicial aplicada à prática do ato de improbidade que transcorre pelo rito ordinário, devendo ser proposta pelo Ministério Público ou pessoa jurídica interessada. Não foi assegurada legitimidade ao cidadão para propositura da ação.

Entretanto, qualquer pessoa capaz poderá propor representação direcionada à autoridade administrativa responsável para que seja instaurada investigação para apurar a prática de ato de improbidade.

Far-se-á necessário a distinção entre improbidade formal e improbidade material: a primeira exige-se a acomodação da situação de fato à previsão legal de violação aos princípios da administração (art. 11). Calhando utilizar o recurso à integração das leis regedoras do conteúdo da matéria e dos pressupostos de validade do ato administrativo (art. 2º da Lei nº 4.717/65 - lei da ação popular), eis que grande parte dos tipos da lei de improbidade remetem a uma avaliação da ilegalidade do ato. A conduta deve ser apreciada no cotejo com os princípios da administração, pois, antes de configurarem enriquecimento ilícito a conduta é ofensiva a princípios da administração. Constatada a ilegalidade ou injuridicidade e classificada a conduta como ofensiva a princípio da administração deve-se mensurar se houve dano ao erário ou enriquecimento ilícito que justifique eventual mudança de classificação jurídica da conduta para o art. 9º ou art. 10º. Na segunda, tem-se como análise da conduta sob a ótica da ofensa relevante aos bens jurídicos tutelados nos artigos. 9º, 10º e 11, em concretização ao art. 37, da Constituição Federal Brasileira. Preza-se aqui pela conferência do desvalor da ação e do resultado no caso concreto para distinguir a relevância material da agressão criminosa pela conduta ilícita, de modo ao englobar o ato de interpretação para constatar o elemento axiológico no caso e que autoriza a tipificação material. Já com o caso concreto, ocupa-se mostrar a reduzida capacidade da ação em produzir ofensa ao bem jurídico tutelado. O próximo ponto é a aferição do elemento subjetivo para averiguar se houve dolo ou culpa na conduta. O dolo é exigido para os tipos dos artigos 9º, 10º e 11, e a culpa apenas para o art. 10º.

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Sobre o autor
Marcos Vinicius Marinho

Acadêmico do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins;

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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