Assédio moral no ambiente de trabalho

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30/05/2017 às 12:35
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CAPÍTULO 2- ASSÉDIO MORAL – HISTÓRICO

Conforme já explanado na introdução deste trabalho, o assédio moral é tão antigo quanto a própria sociedade, contudo, o seu estudo no Brasil é relativamente recente.

O assédio moral está diretamente relacionado com a questão ética e moral, assuntos os quais, já foram muito bem discutidos por alguns filósofos.

Para Jorge L. O. Silva o Assédio Moral

pode ser explicado dentro de um enfoque filosófico construído há vários séculos” analisando as motivações do agente causador do assédio, identificando-o como “destituído das virtudes típicas dos cidadãos de alma nobre”.

“Margarida Barreto na mesma linha diz que o “indivíduo ético é aquele que respeita a humanidade em si e no outro”.

Diz ainda Jorge L. O. Silva, que “o manipulador do assédio moral é movido por diversas motivações, que variam da inveja ao desejo de poder, e certo é que a virtude moral é decorrente do hábito e não da natureza do ser humano.[7]

Apesar das diferentes nomenclaturas, o assédio moral está presente em vários países e culturas, se apresentando como um problema de ordem social, com consequências devastadoras tanto para vítima, quanto para a sociedade.

Vejamos algumas nomenclaturas para o assédio moral: Mobbing na Suíça;  Bullying na Inglaterra; Harcèlement na França; Bossing na Itália; Acoso Moral na Espanha; Harassment nos EUA; Assédio Moral no Brasil. Apesar das distintas nomenclaturas, todas elas indicam um fenômeno de alta periculosidade, devastador.

Não há dúvida de que o assédio moral pode ocorrer em qualquer país e em qualquer ambiente, no entanto, é no campo laboral que este fenômeno tem ganhado maior repercussão e tem sido estudado com afinco, pois o ambiente de trabalho propicia a existência do assédio, seja pela hierarquia existente dentro das empresas, ou pelo medo de perder o emprego, ou pela forte competição que o mundo globalizado sujeita os trabalhadores e empresas. O fato é que o ambiente de trabalho possibilita de muitas maneiras a ocorrência do assédio moral, impactando muitos países de diferentes culturas, o que, resulta em repercussão/preocupação mundial.

Reginald Felker relata que:

Os juristas, médicos, psicólogos e legisladores de diversos países vêm denominando um fenômeno que está se tornando cada vez mais freqüente: o assédio moral, o terrorismo psicológico, ou seja, uma degradação do ambiente de trabalho, através de condutas abusivas de superiores hierárquicos sobre subordinados, ou destes sobre aqueles (assédio vertical, descendente e ascendente) ou de colegas (assédio horizontal), tornando extremamente penoso ao trabalhador, braçal ou intelectual, a continuidade da relação laboral.[8]

Lídia Pereira Gallindo, apresenta uma visão geral feita por Marie-France Hirigoyen:

Marie-France Hirigoyen faz um resumo histórico no seu livro: “Mal Estar no trabalho – redefinindo o assédio moral”.

Nos anos 80, Heinz Leymann, psicólogo de origem alemã radicado na Suécia, introduziu o conceito de mobbing, para descrever as formas severas de assédio dentro das organizações.

Este termo, presumivelmente utilizado pela primeira vez pelo etnólogo Konrad Lorenz, a propósito do comportamento agressivo de animais que querem expulsar um intruso, foi reproduzido nos anos 60 por um médico sueco, Peter Paul Heinemann, para descrever o comportamento hostil de determinadas crianças com relação a outras, dentro das escolas.

O conceito se difundiu, durante os anos 90, entre os pesquisadores que trabalham com o estresse profissional. Heinz Leymann em 1990 calculou que 3,5% dos assalariados suecos foram vítimas de assédio. À mesma época, estimou que 15% dos suicídios foram creditados ao mobbing. Por mobbing, entendem-se as ações repetidas e repreensíveis ou claramente negativas, dirigidas contra empregados de uma maneira ofensiva, e que podem conduzir a seu isolamento do grupo no local de trabalho.[9]

O Bulling é uma das palavras mais conhecidas no mundo, esta palavra teve origem no ambiente escolar, era utilizada para indicar o assédio moral que determinadas crianças sofriam na escola, com o passar do tempo a palavra Bulling passou a ser utilizada para indicar o assédio moral em outros ambientes, inclusive para agressões dentro da própria família, até que alcançou o ambiente do trabalho.

O Japão convive com o ijime (assédio moral) há muitas décadas, assim como o Bulling, o Ijime é utilizado para demonstrar as agressões sofridas pelos estudantes, mas, além disso, os japoneses utilizam este fenômeno, também, para preparar os novos trabalhadores, inserindo-os de maneira coercitiva no processo da empresa.

Atualmente o Mobbing ou o Bulling, ou qualquer outra nomenclatura utilizada para definir o assédio moral indicam atos de reiteradas agressões psicológicas que por gestos ou palavras afetam a vítima, caracterizando a agressão, a violência e resultando em um dano, o qual muitas vezes é irreparável, como nos casos em que as vítimas cometeram suicídio.

A Organização Internacional do Trabalho tem trabalhado para alertar o problema do assédio moral no ambiente de trabalho, suas características, a gravidade dos impactos e as medidas de precaução que podem ou devem ser adotadas, porém, nem todas as nações são signatárias das convenções publicadas pela OIT, neste caso podendo a convenção ser utilizada apenas como fonte de consulta, não obrigando o seu cumprimento.

No ano de 2000 a Dra. Margarida Barreto, medica do trabalho, publicou a sua dissertação de mestrado apresentada na PUC/SP, o trabalho tem o nome de “Violência, Saúde e Trabalho – Uma Jornada de Humilhações”, esse foi o marco da discussão sobre o assédio moral no ambiente do trabalho aqui no Brasil.

Nos anos seguintes alguns municípios Brasileiros editaram leis de combate ao assédio moral no ambiente de trabalho dentro dos órgãos públicos, a primeira lei aprovada foi em Iracemápolis, interior de São Paulo, que, aliás, serviu de base para criação e aprovação de outras leis em outros municípios.

No mesmo momento em que a Dra. Margarida Barreto escrevia sobre humilhações no ambiente de trabalho a autora Marie-France Hirigoyen escrevia sobre assédio moral e as duas autoras se encontraram para discutir o tema no ano de 2001, a partir daí foi criado o Seminário Internacional sobre assédio moral e diversas pesquisas sobre o assunto.

Rafael Barifouse publicou interessante reportagem no jornal da BBC Brasil em São Paulo, sobre assédio moral no ambiente de trabalho, que teve embasamento em uma pesquisa realizada por um site de vagas de emprego “vagas.com”.

A matéria foi publicada em 15/06/2015 e nos trouxe uma visão geral do tamanho do problema quando o assunto é assédio moral no ambiente de trabalho, vejamos:

Dos 4.975 mil profissionais de todas as regiões do país ouvidos no fim de maio, 52% disseram ter sido vítimas de assédio sexual ou moral. E, entre quem não passou por esta situação, 34% já presenciaram algum episódio de abuso [...] O assédio moral foi definido como "ser motivo de piadas e chacotas, ofensas, agressões verbais ou gritos constantes, gerando humilhação ou constrangimento individual ou coletivo" [...] Nos resultados, o assédio moral foi identificado como o tipo de abuso mais comum, apontado por 47,3% dos profissionais que responderam a pesquisa, [...] Entre os receios mais comuns entre as vítimas de assédio que não o denunciaram, estão perder o emprego (39%) e sofrer represália (31,6%). Não se trata de um medo infundado, pois, entre os que denunciaram, 20,1% afirmaram terem sido demitidos e 17,6% disseram ter sofrido algum tipo de perseguição [...] 74,6% dos profissionais que denunciaram o abuso disseram que o assediador permaneceu na empresa.[10]

Como visto, neste capítulo o assédio moral no ambiente de trabalho vem tomando cada vez mais espaço dentro das empresas.

Precisamos encontrar uma forma de controlar a situação e erradicar este problema da sociedade.


CAPÍTULO 3 - CARACTERÍSTICAS: ASSÉDIO SEXUAL, ASSÉDIO MORAL E ASSÉDIO MORAL INSTITUCIONAL

As diferenças entre as três modalidades de assédio, sobretudo entre o assédio sexual e as outras duas modalidades são bem marcantes.

O assédio sexual pode consumar-se com um único ato e mesmo que o objeto do assédio, obter vantagem ou favorecimento sexual, não seja alcançado pelo assediador.

Apesar de o assédio sexual poder ser caracterizado mesmo que a vantagem ou favorecimento sexual não seja alcançada, não há que se falar em crime se o assediador não tiver o intuito de obter esta vantagem.

O assédio sexual não comporta a modalidade institucional, geralmente ocorre de superior hierárquico ou ascendente para subordinado ou descendente. Pode ocorrer em linha horizontal, mas nunca de forma institucional.

Além disso, o assédio sexual tem previsão legal, art 216 A, Código Penal, o que direciona a discussão e aplicação da penalidade, enquanto as outras duas modalidades são tratadas pelo estudo e aplicação de diversas leis.

3.1 Assédio sexual

Assim como no caso de assédio moral, o sexual é uma afronta aos direitos humanos, ao princípio maior da nossa Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana, causando sérios danos tanto a saúde do trabalhador, quanto ao ambiente de trabalho.

Segundo Sônia Mascaro Nascimento assédio sexual é:

Toda conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuamente reiterada, causando constrangimento à intimidade do assediado. O assédio sexual é ato de constranger alguém com gestos, palavras ou com emprego de violência, prevalecendo-se de relações de confiança, de autoridade ou empregatícia, com o escopo de obter vantagem sexual.[11]

Apesar de todo brilhantismo que possui a ilustre doutrinadora Sônia Masca Nascimento e de todo apreço que temos por ela, discordamos de sua definição em um ponto: o assédio sexual pode ser caracterizado com uma única ação, não havendo a necessidade de “conduta continuamente reiterada”.

Vejamos o que diz o art. 216 A, do Código Penal, norma jurídica responsável pela tipificação do assédio sexual.

De acordo com o art. 216 A, do Código Penal, é elementar do crime: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”.

O primeiro verbo do artigo é muito claro quando diz “constranger”, isso nos leva a entender que diferentemente do assédio moral, esta modalidade se caracteriza mesmo que por uma única ação do assediador, não se faz necessário ações reiteradas, perseguição.

O segundo verbo do artigo “obter”, nos leva a interpretação de que além de constranger alguém o agente assediador deve pretender alcançar, conseguir como resultado do constrangimento uma vantagem ou um favorecimento sexual. Ao contrário do que ocorre nas outras modalidades de assédio, onde o assediador não precisa ter o intuito de conseguir um resultado, geralmente isso acompanha o ato de assediar, mas não é uma regra.

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O art. 216 A, do Código Penal, trata o assédio sexual em linha “vertical”, de superior hierárquico ou ascendente para um subordinado ou descendente, criminalizando apenas esta modalidade.

Contudo, não quer dizer que não haja assédio em linha “horizontal”, ao contrário disso, o assédio sexual em linha horizontal existe e é tratado pelo nosso ordenamento jurídico da mesma forma que as demais modalidades de assédio, até porque de igual forma, o assédio sexual em linha horizontal é uma ofensa à dignidade da pessoa humana, princípio maior da nossa Carta Magna.

O Senado Federal publicou uma cartilha de assédio moral e sexual, a qual trás uma definição simples, clara e objetiva destas duas modalidades de assédio sexual:

Assédio vertical: Ocorre quando o homem ou a mulher, em posição hierárquica superior, se vale de sua posição de “chefe” para constranger alguém, com intimidações, pressões ou outras interferências, com o objetivo de obter algum favorecimento sexual. Essa forma clássica de assédio aparece literalmente descrita no Código Penal.

Assédio horizontal: ocorre quando não há distinção hierárquica entre a pessoa que assedia e aquela que é assediada, a exemplo do constrangimento verificado entre colegas de trabalho.[12]

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei que propõem tornar crime o assédio sexual em linha “horizontal”.

É possível que o assédio sexual se transforme em assédio moral, quando, por exemplo: Um funcionário vítima de assédio sexual e que não cedeu as pressões do assediador (seu chefe) passa a sofrer assédio moral para forçar este funcionário a pedir demissão.

3.2  Assédio moral

O assédio moral é um ato de violência dos mais perversos e devastador, causando prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, não só para o assediado, mas também, para a empresa.

Diferente do que ocorre com o assédio sexual, o qual tem como objeto da ação o domínio do assediado, no assédio moral a ação estratégica tem o cunho de destruir o assediado para afastá-lo de suas atividades.

Um dos primeiros trabalhos sobre o assédio moral foi o da jornalista Andrea Adams, que escreveu um livro, em 1992, denunciando o assédio moral. Em sua obra a autora, inglesa, classificou a agressão psicológica advinda do assédio como “psicoterrorismo”.

O assédio moral decorre de uma conduta humana, essencial para a caracterização da responsabilidade civil, e pode gerar danos de ordem material ou extrapatrimonial.

O ato de assediar lesa o bem maior do trabalhador, a dignidade da pessoa humana, o seu direito de personalidade, ferindo diretamente os princípios e garantias fundamentais previstos em nossa Constituição e contrariando também a convenção 111 da OIT, que trata sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, da qual o Brasil é signatário.

Considerando que todo ato que lesa o direito de outrem se caracteriza em ato ilícito e que, de acordo com os arts. 186, 187 e 927, todos do Código Civil, aquele que comete ato ilícito fica obrigado a repará-lo, chegamos a interpretação comum de que o assédio moral deve ser reparado o que pode ocorre por meio de indenização paga diretamente pelo assediador ao assediado.

Cabe ressaltar que a indenização paga pela empresa responsável pelo dano causado a outrem “assédio moral” tem dois importantes intuitos: primeiro, deve atingir o caráter reparador para quem sofreu a agressão, para quem suportou o dano e tem que ser proporcional ao dano suportado e segundo, precisa atingir o caráter educativo, a fim de evitar novas ocorrências de assédio moral dentro da mesma empresa.

Diferente do que ocorre com o assédio sexual o assédio moral ainda não está regrado por uma lei específica e está longe de se tornar um tipo penal. No caso do assédio moral os Advogados, Membros do Ministério Público e Juízes, utilizam diversas leis, de diferentes ramos do direito, para caracterização e reparação o dano.

No assédio moral é indispensável que a conduta humana seja repetitiva e intencional, gerando prejuízos materiais ou extrapatrimoniais.

No Brasil, a primeira discussão sobre o tema foi desenvolvida pela Dra. Margarida Barreto – Médica do Trabalho.

Para ela o assédio moral:

É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego.

Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho [...] constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A vítima escolhida é isolada do grupo [...] hostilizada, ridicularizada, inferiorizada, culpabilizada e desacreditada diante dos pares. Estes, por medo do desemprego e a vergonha de serem também humilhados associado ao estímulo constante à competitividade, rompem os laços afetivos com a vítima [...].[13]

Em sua obra, Mal-Estar no Trabalho – Redefinindo o assédio moral, apresenta a redefinição do assédio moral e se preocupa em mostrar a diferença entre os atos que configuram assédio e os atos que não configuram assédio.

Importante lembrar que, no mundo atual, capitalista e globalizado, as empresas e os seus funcionários lutam cada vez mais por espaço no mercado, por poder, por dinheiro, e essas lutas não têm fronteiras, o que antes era uma disputa dentro de um único bairro ou cidade agora se expandiu tomando proporções globais em determinados tipos de comércios.

É óbvio que a globalização tem seu lado positivo para o mundo, para as pessoas como um todo, mas quando analisamos o tema assédio moral, percebemos que toda essa expansão e briga por espaço, poder, dinheiro prejudicou e muito a saúde física e mental dos trabalhadores em geral, contribuiu sobremaneira para a ocorrência de elevados casos de estresse e de assédio moral dentro de um ambiente de trabalho, ambos são prejudiciais para saúde dos trabalhadores, mas não se confundem em sua essência.

Isso porque o estresse advém de uma sobrecarga de trabalho, redução de postos de trabalho em face das automações, falta de recursos para execução de uma determinada atividade ou qualquer outra má condição de trabalho, prejudicando pelo excesso de ocorrência. Diferente do assédio que já nasce com o intuito de prejudicar, abalar, humilhar, destruir. Por este motivo não há que se falar em igualdade entre estresse e assédio, além de ser de suma importância entender a diferença para a correta aplicação da ação de correção e/ou reparação.

O estresse só prejudica o trabalhador pelo excesso, seja de trabalho, más condições ou falta de recurso, ao passo que o assédio moral prejudica por si só, pois tem o intuito de prejudicar de destruir a vítima, já nasce com o objetivo de prejudicar.

A tese de doutorado da Dra. Margarida Barreto sem dúvida é um dos melhores estudos sobre o assunto, daí a utilização do seu conceito, como parâmetro, para definir o assédio moral:

Assédio é uma forma sutil de violência que envolve e abrange múltiplos danos, tanto de bens materiais como moral, no âmbito das relações laborais. O que se verifica no assédio é a repetição do ato que viola intencionalmente os direitos do outro, atingindo sua integridade biológica e causando transtornos a saúde psíquica e física. Compreende um conjunto de sinais em que se estabelece um cerco ao outro sem lhe dar tréguas. Sua intencionalidade é exercer o domínio, quebrar a vontade do outro, impondo término ao conflito quer pela via da demissão ou sujeição.[14]

Para a Dra. Margarida Barreto o assédio moral é diferente do dano moral, primeiro porque, no assédio geralmente temos o poder hierárquico; segundo porque exige repetição do ato; além disso, o assédio pode ocorrer de maneira tão discreta, por gestos, olhares que se torna quase que imperceptível.

A estudiosa Francesa, Marie-France Hirigoyen, corrobora a tese da Dra. Margarita Barreto:

O assédio moral no trabalho é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.[15]

O Ministério do Trabalho e Emprego define o assédio moral como:

São atos cruéis e desumanos que caracterizam uma atitude violenta e sem ética nas relações de trabalho, praticada por um ou mais chefes contra seus subordinados. Trata-se da exposição de trabalhadoras e trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função.

É o que chamamos de violência moral. Esses atos visam humilhar, desqualificar e desestabilizar emocionalmente a relação da vítima com a organização e o ambiente de trabalho, o que põe em risco a saúde, a própria vida da vítima e seu emprego. A violência moral ocasiona desordens emocionais, atinge a dignidade e identidade da pessoa humana, altera valores, causa danos psíquicos (mentais), interfere negativamente na saúde, na qualidade de vida e pode até levar à morte.[16]

O acordão do processo 01148-2008-106-03-00-7 RO, publicado em 16/03/2009, TRT/MG, trás interessante conceito sobre o tema, na visão do Ilustre Professor Luiz Otávio Linhares Renault:

(...) A empregada, ao celebrar o contrato de trabalho, coloca à disposição desta intrincada estrutura empresarial não apenas a sua força de trabalho, mas também a sua pessoa humana, com todos os seus valores de natureza moral, intelectual, cultural, familiar e religiosa. O trabalho é um prolongamento da vida privada, da residência, da casa, da personalidade de cada pessoa, por isso que o tratamento dispensado à trabalhadora tem de ser o reflexo do mínimo que se espera de uma relação intersubjetiva respeitosa. A trabalhadora não se despoja de nenhuma máscara, nem se veste de nenhuma fantasia, ou mesmo se investe em nenhum papel, quando ingressa na empresa - continua sendo o que é, com suas qualidades e defeitos, acertos e equívocos.

No ambiente de trabalho, a pessoa humana não representa nenhum papel - é o que é, por isso que indispensável o respeito mútuo. Ninguém tem o direito de desrespeitar quem quer que seja.[17]

Recentemente, em outubro de 2016, a Organização Internacional do Trabalho publicou um trabalho de referência para discussão sobre a violência contra mulheres e homens no mundo corporativo / no trabalho, o qual trás o seguinte conceito sobre assédio moral no ambiente de trabalho:

 A violência no ambiente de trabalho é uma ameaça para a dignidade, segurança, saúde e bem-estar de todos. Tem impacto não somente sobre os trabalhadores e sobre as empresas, mas também sobre suas famílias, comunidades, economias e sociedade como um todo. De fato, a violência no mundo do trabalho ataca o esforço central da Organização Internacional do Trabalho (ILO) para promover o direito de todos os seres humanos “para prosseguir tanto com o seu bem-estar material e seu desenvolvimento espiritual em condições de liberdade e dignidade, de segurança econômica e igualdade de oportunidade.[18] (Tradução livre do autor)

Violência psicológica, também denominada como “violência emocional”, compreende abusos verbais e não verbais, psicológico, assédio sexual, assédio moral, ataques e ameaças. (Forastieri, 2012, pag 114).

A violência psicológica inclui ataques como a manipulação da reputação de uma pessoa, o isolamento de uma pessoa, retenção de informação, atribuindo tarefas incompatíveis com a capacidade ou estabelecendo metas e prazos finais impossíveis. A Organização Internacional do Trabalho define a violência psicológica como o “uso do poder intencional” que prejudica o estado “físico, mental, espiritual, moral, social ou o desenvolvimento de um indivíduo (Forastieri, 2012, pag 114).

Analisando os conceitos supramencionados, e outros que aqui não foram citados, de diversos autores estudados, percebemos alguns pontos em comum para a caracterização do assédio moral, quais sejam: humilhação; poder sobre o assediado; repetição do ato; desprezo; isolamento, entre outros pontos, o que nos leva ao entendimento de que o assédio é um meio de destruição por ações degradantes, humilhantes, no ambiente de trabalho.

Neste mesmo sentido a Revista Jurídica da Amatra – 17ª Região – trás esclarecimento sobre o assunto:

Forma de humilhação, desprezo ou inação realizado em local de trabalho em que um superior hierárquico, ou não, faz, repetidamente, contra outro colega de trabalho, com o objetivo de humilhar e destruir sua autoestima, levando-o a tomar atitudes extremas como demitir-se ou, até mesmo, levá-lo a tentar ou cometer suicídio. [19]

A Psiquiatra e Psicóloga, Marie France Hirigoyen, classifica as atitudes que levam ao assédio:

Deterioração proposital das condições de trabalho:

*Retirar da vítima a autonomia;

*Não lhe transmitir mais as informações úteis para realização de tarefas;

*Contestar sistematicamente todas as suas decisões;

*Criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada;

*Priva-lo do acesso aos instrumentos de trabalho: telefone, fax, computador, etc;

*Retirar o trabalho que normalmente lhe compete;

*Dar-lhe permanentemente novas tarefas;

*Atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores às suas competências;

*Pressiona-la para que não lhe faça valer seus direitos (férias, horários, prêmios);

*Agir de moda a impedir que obtenha promoção;

*Atribuir a vítima, contra vontade dela, trabalhos perigosos;

*Atribuir a vítima tarefas incompatíveis com sua saúde;

*Causar dano em seu local de trabalho;

*Dar-lhe deliberadamente instruções impossíveis de executar;

*Não levar em contar recomendações de ordem médicas indicada pelo médico do trabalho;

*Induzir a vítima ao erro;

Isolamento e recusa de comunicação:

*A vítima é interrompida constantemente

*Superiores hierárquicos ou colegas não dialogam com a vítima

*A comunicação com ela é unicamente por escrito

*Recusam todo o contato com ela, mesmo visual

*É posta separada dos outros

*Ignoram sua presença, dirigindo-se apenas aos outros

*Proíbem os colegas de falarem com ela

*Não a deixam falar com ninguém

*A direção recusa qualquer pedido de entrevista

Atentado contra a dignidade:

*Utilizam insinuações desdenhosas para qualificá-la

*Fazem gestos de desprezo diante dela (suspiros, olhares desdenhosos, levantar os ombros, etc.)

*É descreditada diante dos colegas, superiores ou subordinados

*Espalham rumores ao seu respeito

*Atribuem-lhe problemas psicológicos (dizem que é doente mental)

*Zombam de suas deficiências físicas ou de seu aspecto físico; é imitada e caricaturada

*Criticam sua vida privada

*Zombam de sua origem ou sua nacionalidade

*Implicam com suas crenças religiosas ou convicções políticas

*Atribuem-lhe tarefas humilhantes

*É injuriada com termos obscenos ou degradantes

Violência verbal, física ou sexual:

*Ameaças de violência física

*Agridem-na fisicamente, mesmo que de leve, é empurrada fecham-lhe as portas na cara

*Falam com ela aos gritos

*Invadem sua vida privada com ligações telefônicas ou cartas

*Seguem-na na rua, é inspecionada diante do domicílio

*Fazem estragos em seu automóvel

*É assediada ou agredida sexualmente (gestos e propostas)

*Não levam em contas seus problemas de saúde.[20]

O assédio moral, obviamente, não é a única, mas é uma das causas que infringem os direitos fundamentais como “a intimidade, a honra e a imagem”, de acordo com o preconizado pela Constituição Federal de 88 no seu Art. 5º, inciso X. Em consequência, podemos interpretar que o assédio moral está muito próximo, se é que não se iguala, a calúnia e injúria como fatos geradores do dano moral.

Evocando mais uma vez o Código Civil, artigo 186, verificamos que o assédio moral notoriamente se encaixa neste contesto, pois é um ato que se dá por ação ou omissão voluntária, conforme o definido no referido artigo, que diz: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, podemos dizer que o assédio moral é um ilícito e por tanto fato gerador de dano moral, o qual deve ser combatido.

Ora, se o assédio moral é uma ação estratégica com o intuito de humilhar, destruir alguém e geralmente cometido por uma pessoa que se utiliza do poder hierárquico, significa dizer que para combater o assédio será preciso trabalhar na orientação, desenvolvimento, fiscalização e punição de pessoas.

Hirigoyen classifica de maneira clara o perfil do assediador:

Os grandes perversos são também seres narcisistas e, como tal, vazios, que se alimentam da energia vital e da seiva do outro.

O perverso narcisista depende dos outros para viver; sente-se impotente diante da solidão, por isso, agarra-se a outra pessoa como verdadeira sanguessuga. Esta espécie é movida pela inveja e seu objetivo é roubar a vida de suas vítimas. Como sujeito megalômano, o perverso tem um senso grandioso da própria importância, é absorvido por fantasias de sucesso ilimitado e de poder. Acredita ser especial e singular, pensa que tudo lhe é devido; tem excessiva necessidade de ser admirado, e age como um vampiro. [...]. Vazios e despossuídos de subjetividade, os perversos são seres irresponsáveis; por isso, ocultam-se, jogando os seus erros e limitações nos outros. Afinal, tudo que acontece de mau é sempre culpa dos outros. [21]

Está claro que é essencial a inclusão das empresas neste tema, as quais precisam desenvolve seus funcionários, principalmente os seus gestores, por meio de instrução, orientação e punição adequada quando necessário, tudo isso, com participação ativa e supervisão do Estado.

3.3  Assédio moral institucional:

Alguns estudiosos sobre o tema classificam “o assédio institucional como um instrumento da gestão empresarial” (HIRIGOYEN, 2010, p. 112-113), utilizado para atingir um objetivo empresarial, qual seja: aumentar a produtividade e a lucratividade das empresas.

 A diferença primordial entre o assédio moral e o institucional é o seu intuito a sua finalidade, pois no assédio moral o intuito do assediador é destruir, humilhar, isolar, etc., o assediado, ao passo que, no assédio institucional o intuito é produzir mais e por consequência lucrar mais.

As duas modalidades de assédio (moral e institucional) encontram certas similaridades e diferenças, como lecionam André Davi Eberle, Thereza Cristina Gosdal, Mariana Schatzmam e Lis Andrea Sobol:

[...] as situações concretas encontrarão muitas vezes limites tênues entre uma e outra forma de assédio, já que são todas formas de um mesmo tipo de processo. Aquilo que se qualifica como assédio organizacional não deixa de se enquadrar como assédio moral.

 Mas nem todo assédio moral será organizacional. Algumas situações apresentarão limites de um ou outro conceito, sendo difícil o enquadramento como assédio interpessoal ou organizacional.[22]

Wilson Ramos Filho traz um importante conceito a respeito da conduta que caracteriza o assédio institucional:

[...] o exercício abusivo do poder diretivo, por intermédio do aumento da intensidade do trabalho e dos níveis de ansiedade dele decorrente, nas condições preconizadas pelos métodos de gestão contemporâneos do neoliberalismo e do capitalismo que prescinde de justificação, por sua reiteração, gerando circunstâncias de assédio moral empresarial. [23]

No assédio institucional diferentemente do que ocorre com o assédio moral, não há a perseguição do assediado com o intuito de destruí-lo ou prejudica-lo de alguma outra forma, tampouco existe a perseguição de um chefe ou colega de trabalho, nesta modalidade a perseguição é da empresa, que com o seu modelo organizacional busca dois objetivos bem definidos, maior produtividade e maior lucro, o que por consequência culmina com a degradação da saúde física e/ou mental do trabalhador.

A caracterização desta modalidade de assédio não é fácil, pois o poder de dirigir as atividades empresariais e disciplinar os trabalhadores nem sempre é claro, dando espaço para que os abusos cometidos sejam escondidos por discursos motivacionais e de manutenção da saúde financeira empresarial, principalmente em períodos de crise econômica.

Marie-France Hirigoyen ensina que:

é sempre difícil distinguir as atitudes abusivas das prerrogativas da hierarquia. A própria noção de subordinação remete a uma relação de desigualdade, de que alguns administradores pouco seguros de si ou embevecidos pelo poder são capazes de se aproveitar, abusando e sentindo um certo prazer em submeter o outro.[24]

Um dos itens essencial para a caracterização do vinculo empregatício é a subordinação, a qual está presente em todos os contratos de trabalho, e que deve ser observada dentro dos limites da lei, caso contrário nos depararemos com o abuso de poder, que frequentemente é utilizado pelas empresas que cometem o assédio institucional.

O assédio institucional se caracteriza com a simples prática organizacional do abuso de poder, tornando o ambiente de trabalho insalubre, causando ansiedade, frustração, estresse, nos trabalhadores. Por ser uma conduta lesiva, não há necessidade de comprovação do dano sofrido pelo trabalhado.

Uma diferença marcante entre as duas modalidades de assédio (moral e institucional) é que no assédio moral o agressor concentra seus ataques em uma pessoa ou em um grupo reduzido de trabalhadores, com o intuito de destruí-los, humilha-los, isola-los, etc, enquanto no assédio institucional o fundamento da agressão está na estrutura organizacional da empresa, nas suas políticas internas, na busca constante por maior produtividade e maior lucro, atingindo a coletividade dos seus funcionários.

Vejamos o que diz Simony Jara Russo sobre a política de metas empresarial:

[...] é necessário saber, que a política de metas não é só cobrar resultados dos funcionários, tem todo um trabalho por trás disso, por exemplo, antes de o vendedor trabalhar a venda do produto, a produção e o fornecimento precisam estar estruturados, o marketing deve estar bem posicionado. O produto já deve estar praticamente aceito junto à sociedade, antes da cobrança de se alcançar vendas exorbitantes.[25]{C}

Ou seja, a política de metas empresariais deve ser implantada com consciência, estrutura adequada e cautela para que beneficie tanto a empresa, quanto os trabalhadores. Caso contrário as cobranças serão desproporcionais aos meios de execução e resultarão em assédio institucional.

Importante ressaltar que a nossa Carta Magna trás em seu bojo direitos e garantias fundamentais dos seres humanos, entre eles, o direito a dignidade, a honra, a imagem, a liberdade, ao trabalho, que devem ser preservados independente dos interesses e necessidades empresariais.

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Sobre o autor
Rodolfo Daniel Veiga

Sou advogado militante na área Trabalhista.

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Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho - Escola Paulista de Direito.

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