5. MEDIDAS DE PREVENÇÃO E REPRESSÃO AO DANO MORAL
5.1. Legislação nacional
Para entendermos a legislação nacional acerca do assédio moral e da reparação do dano causado, é imprescindível falarmos sobre o Código de Hamurabi, o qual tinha como princípio a proteção do mais fraco. O autor Marcus Vinícius Lobregat traz uma clara visão sobre este importante instituto:
À época, o Código estabelecia uma ordem social baseada nos direitos do indivíduo, sobre os quais continha ideias bastante claras e demonstrava a preocupação de Hamurabi em conferir ao lesado uma reparação equivalente ao dano que sofreu, sendo certo que as ofensas pessoais restavam reparadas na mesma classe social e à custa de ofensas idênticas, consoante se infere dos parágrafos 196, 197 e 200 do referido Código:
Parágrafo 196. Se um awilum destruir um olho de um (outro) awilum destruirão seu olho.
Parágrafo 197. Se quebrou o osso de um awilum: quebrarão o seu osso.
Parágrafo 200. Se um awilum arrancou um dente de um awilum igual a ele arrancarão seu dente.43
Para a época foi uma importante evolução nas leis para a garantia e proteção dos mais fracos, pois evitava que a parte mais forte reagisse a uma agressão de maneira exagerada, desproporcional, destruindo por completo o agressor e muitas vezes até mesmo a família do agressor. Com a edição do Código de Hamurabi, a reação do agredido ficou limitada a mesma medida e proporção do dano sofrido, servindo de base para o ordenamento jurídico utilizado atualmente em diversos países.
No passado, na época da Revolução Industrial, os trabalhadores não tinham qualquer norma ou lei que os protegessem na relação de trabalho, isso resultava em danos físicos e psicológicos para o trabalhador, o que serviu de estopim para que os trabalhadores começassem a reivindicar melhores condições de trabalho, mais dignidade frente ao trabalho.
No Brasil, as primeiras leis de proteção ao trabalhador foram criadas por Getúlio Vargas, o então presidente da República. Tais leis eram razoáveis para a época, mas não suficientes para atender a integral necessidade de proteção ao trabalhador, no que diz respeito ao aspecto físico e psicológico.
Após este primeiro passo dado por Getúlio Vargas, o Estado foi criando cada vez mais leis de proteção ao trabalhador, na tentativa de acompanhar o desenvolvimento natural da sociedade.
No entanto a proteção a dignidade da pessoa humana e a reparação pelo assédio moral ganharam força com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, conforme art. 1º, além de prever o direito de reparação por dano moral, material e a imagem, no seu art. 5º que rege os direitos e garantias fundamentais.
Os incisos V e X, do art. 5º, da CF são taxativos em assegurar a indenização pelo dano material ou moral, desta forma, podemos dizer que estes dois incisos por si só já garantem a indenização por danos sofridos de um ato de assédio moral, haja vista que o assédio moral é fato gerador do dano moral.
Em seus arts 170 e 193 a CF trata o valor do trabalho, trazendo interessante e importante conceito, qual seja: a valorização do trabalho assegura a existência digna do ser humano e a ordem social tem como base o trabalho. Vejam que estes dois artigos seguem o conceito geral apresentado no art. 1º, III e IV, a dignidade e os valores sociais.
Estudando os artigos supramencionados percebemos claramente que houve preocupação em garantir dignidade a pessoa humana, dignidade ao trabalhador e valorização do trabalho, no entanto, na prática, nos deparamos com muitos casos de violação destas garantias, grande parte dos casos ocorrem por consequência do assédio moral.
O princípio da dignidade da pessoa humana é o maior dos princípios não só da CF, mas de todo ordenamento jurídico vigente em nosso país, até porque o direito como um todo tem como objetivo o regramento do convívio em sociedade, o bem-estar social e para isso se faz necessário que haja condições dignas para todos.
Desta forma não é possível aceitar qualquer condição de trabalho desumano, degradante, precária, não estamos nos referindo somente aos insultos, ameaças, agressões psicológicas, mas também ao local de trabalho ruim a ponto de afetar o bem-estar do trabalhador, afetando sua saúde física e/ou psicológica.
Além disso, o art. 196. da CF prevê que o Estado tem o dever de prover boas condições de saúde para todos, com iguais condições de serviço e de acesso, por meio de políticas sociais e econômicas, com o intuito de reduzir os riscos de doenças e outros problemas.
Ora, não resta dúvida que as empresas têm o dever de promover um ambiente de trabalho saudável, que preserve a saúde dos trabalhadores e o Estado deve criar meios e regras para garantir que este direito seja alcançado. Neste sentido preconizam os incisos II e VIII, do art. 200, da CF, que determina que o sistema de saúde público tem o dever de executar ações que protejam o meio ambiente do trabalho e garantam a saúde do trabalhador.
O art. 154. da CLT complementa o artigo anterior determinando que as empresas têm o dever de cumprir qualquer norma que verse sobre saúde e meio ambiente do trabalho.
Como explanado anteriormente o assédio moral, causador do dano moral, pode gerar como um dos seus efeitos a depressão profundo ou até mesmo o suicídio, dada a importância do tema “dano moral” diversos profissionais de áreas distintas estudaram o assunto, o que resultou em um melhor entendimento e regramento do instituto. O Código Civil de 2002 trouxe em seu art. 186, um novo avanço sobre a reparação do dano moral, clarificando o tipo de ato reprovável que pode violar direito e complementando o conceito de indenização previsto no art. 5º, V e X, da CF:
E para garantir a plena aplicação do art. 186, o próprio Código Civil em seu art, 927, prevê a obrigação de reparar o dano causado a outrem.
Entendemos por dano uma lesão causada a uma pessoa, se houver prejuízo ao patrimônio o dano será classificado como material, de outro lado se o dano atingir os direitos de personalidade desta pessoa será classificado como moral.
Em paralelo a estes institutos legais apresentados até o momento temos, também, o art, 482 da CLT, que possibilita a demissão por justa causa do assediador, o que serve para evitar que novas ações assediadoras ocorram no mesmo ambiente de trabalho, dando um pouco de tranquilidade para o assediado, bem como para os demais trabalhadores. Temos ainda o art. 483. da CLT, que possibilita que o assediado entre com um pedido de rescisão indireta, com o fundamento de cometimento de falta grave por parte do empregador, o que permitiria o desligamento do trabalhador da empresa com o levantamento de todas as verbas rescisórias, trazendo certa tranquilidade ao assediado, além de libertá-lo do ambiente hostil em que vivia.
Façamos uma reflexão: se o ordenamento jurídico constitucional e penal garantem aos presos condições dignas de sobrevivência dentro das instituições prisionais, não seria justo termos leis claras e específicas que garantam condições dignas aos trabalhadores no ambiente de trabalho, prevenindo e reparando os casos de assédio moral?
Está mais do que provado que precisamos de leis específicas que tratem o assunto assédio moral, no entanto, apenas alguns órgãos públicos legislaram sobe este tema, para as relações de trabalho com instituições privadas ainda se faz necessário o estudo, análise e aplicação das diversas leis esparsas.
A pioneira das leis no âmbito público foi à legislação criada no Município de Iracemápolis, pela Lei Municipal n.1.163/2000, de 24 de abril de 2000, que regra o assédio moral nas dependências do local de trabalho, tipificando ações de assédio moral e prevendo penas de suspensão com desconto em folha de pagamento, podendo até ocorrer a rescisão contratual
Temos também, em nível federal um projeto de lei PL 4742/2001 com a proposta de alteração do Código Penal para que em seu bojo seja capitulado o assédio moral, visando assim à repreensão dos delitos cometidos e a prevenção, pela intimidação, dos casos de assédio, tendo em vista a severidade das punições e outro Projeto de Lei Federal 4591/2001 que visa alterar a Lei 8.112/1990 que regra o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, que é similar ao projeto de Lei anteriormente citado.
O enunciado 38 do CEJ esclarece o parágrafo único do art. 927. C.C.:
a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927, CC, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.44
De acordo com a Súmula 341 do STF a responsabilidade civil do empregador por ato causado por empregado, no exercício do trabalho que lhe competir, ou em razão dele, deixou de ser uma hipótese de responsabilidade civil subjetiva com presunção de culpa para se transformar em hipótese legal de responsabilidade civil objetiva (artigo 932, inciso III, do Código Civil).
É notório que a sanção civil possível de ser aplicada em casos de assédio moral, não é o suficiente para prevenir o ato, reprimir o agente causador e reparar o dano causado às vítimas, entre elas a própria sociedade. É por este motivo que se faz necessário o estudo minucioso do assunto e a consequente criação de leis que atendam estas necessidades.
Para Marie-France Hirigoyen,
a lei continua sendo um anteparo, ao esclarecer as pessoas de que essas atitudes existem e são inaceitáveis. Ela permite levantar uma dupla preocupação: com a impunidade por parte do agressor e com a vingança por parte da vítima. Punir o autor da agressão é uma forma de afirmar que o que as pessoas vivenciaram é profundamente inaceitável, mesmo que nunca seja possível reparar completamente nem compensar totalmente uma injustiça. Não se trata de maneira alguma de um perdão barato. Salienta que apesar de tudo, a justiça jamais poderá reparar o sofrimento das vítimas. É, pois, importante não nos limitarmos aos regulamentos e às leis, sob o risco de cairmos na juridicidade excessiva; é preciso insistir na prevenção.45
Em resumo, é muito importante que o ofendido procure os seus direitos, denunciando os atos de assédio moral, não simplesmente para obter uma indenização pecuniária, mas para ter recomposta a sua autoestima e evitar o agravamento do problema, assim como sua reincidência.
Igualmente importante é que as empresas deem a atenção necessária ao tema, criando regras, qualificando funcionários, fiscalizando e punindo com rigor os transgressores. No mesmo sentido o Estado, precisa criar leis específicas para combater o assédio, além de políticas para apoiar a implementação de programas de prevenção nas empresas e fiscalização.
5.2. Direito comparado
Conforme amplamente estudado até agora, o assédio moral feri diretamente a dignidade e a liberdade da pessoa humana, que são direitos fundamentais e servem de princípio, de base, para o ordenamento jurídico Brasileiro, por isso devem ser tratados com a maior atenção possível.
No Direito Internacional - tratados e convenções - não é diferente, a dignidade e liberdade da pessoa humana é tratada com a mesma atenção e importância que merece e recebe aqui no Brasil.
Importante ressaltar, que as normas Internacionais não são auto executáveis no Brasil, precisam ser submetidas ao processo de recepção jurídica para poderem ser incorporadas ao nosso ordenamento jurídico, no entanto, mesmo sem terem sido submetidas a este processo de recepção as normas Internacionais podem ser consultadas a qualquer momento, para melhor entendimento do assunto e servirem como base de comparação, argumentação para a construção da melhor solução do conflito.
A primeira norma Internacional a ser analisada será a Declaração Universal de Direitos Humanos, editada pela Organização das Nações Unidas, em 1948, pois não faz sentido falarmos em direito comparado sobre assédio moral, sem passarmos pela norma balizadora dos princípios e garantias fundamentais da pessoa humana.
Após a segunda guerra mundial, depois de todas as atrocidades cometidas pela Alemanha Nazista, que afrontaram o bem maior, o direito de existir, a dignidade da pessoa humana e o direito de liberdade, muitos países positivaram nos seus textos constitucionais esses direitos afrontados, os quais são considerados fundamentais, a Organização das Nações Unidas seguiu nesta mesma linha editando a Declaração Universal de Direitos Humanos.
Logo na abertura, no preâmbulo, a DUDH justifica que o reconhecimento da dignidade, da igualdade de direitos e da impossibilidade de alienação destes direitos, são fundamentos da liberdade, da justiça e da paz mundial.
Os dois primeiros artigos da DUDH trazem regras de proteção contra o assédio moral, não são regras específicas e direcionadas ao combate do assédio, mas, que sem sombra de dúvidas servem para combater os atos de assédio:
Artigo 1° Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Artigo 2° Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.46
Analisando os artigos acima e as características do assédio estudadas até o momento, não resta dúvida que o assédio moral é uma agressão a dignidade e a liberdade do trabalhador, contrariando diretamente os anseios da DUDH.
Mais adiante a DUDH prevê, condições de igualdade entre as pessoas, proteção contra as discriminações e o direito a tutela do Estado contra atos que violem esses direitos:
Artigo 7° Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8° Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.47
Por fim, temos o art. 23, da DUDH, o qual trata especificamente o direito dos trabalhadores, sendo muito claro quanto a proteção contra o assédio moral ao prever “condições equitativas e satisfatórias de trabalho”.
É incontestável que a DUDH serve como base para qualquer argumentação contra o assédio moral no ambiente de trabalho, podendo e devendo ser utilizada pelos advogados na defesa dos direitos dos trabalhadores.
Na mesma vertente que a DUDH temos a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, emitida no mesmo ano que a Declaração Universal, esta norma nasceu de uma Conferência Internacional Americana, realizada na cidade de Bogotá, Colômbia, quase todos os países da América Latina reconheceram, aceitaram, esta norma.
A DADDH, obviamente sofre grande influência da DUDH e traz em seu bojo a reprodução de alguns artigos da DUDH, com uma diferença, que a DADDH trata dos direitos da pessoa humana, não levando em consideração a cidadania, por exemplo, diferentemente do que ocorre com a DUDH.
No seu art. 5º, a DADDH, protege a honra e a reputação do homem, os direitos de personalidade, os quais são diretamente agredidos com os atos de assédio moral: “Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra os ataques abusivos à sua honra, à sua reputação e à sua vida particular e familiar”.
Corroborando os direitos de personalidade protegidos pelo artigo acima citado temos mais a frente o art. XXIX do mesmo texto normativo, prevendo o dever de cada ser humano de conviver em sociedade respeitando o desenvolvimento de cada personalidade.
Temos ainda o art. XIV, que trata diretamente os direitos dos trabalhadores, este artigo é muito importante, pois, aborda o direito do trabalhador de ter condições dignas de trabalho, bem como de poder seguir sua aptidão livremente.
A proteção às condições dignas de trabalho repudia por completo todo e qualquer ato de assédio moral, não deixando espaço para dúvida neste sentido.
Em 16/12/1966 a Organização das Nações Unidas emitiu O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, que buscava regras que possibilitassem a liberdade plena do ser humano, sem qualquer forma de opressão. Vejamos o que diz o art. 17º:
ARTIGO 17
1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação.
2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.48
Na mesma data a Organização das Nações Unidas, também, emitiu O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que dispensou atenção a proteção dos direitos sociais do homem, repetindo a proteção as condições de trabalho justas e favoráveis, já prevista na DUDH.
Uma novidade considerável é que esta norma trouxe a obrigação do Estado de assegurar condições de trabalho que garantam a saúde física e mental dos trabalhadores:
ARTIGO 12
1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.
2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente.49
Pouco tempo depois, em 1969, a Organização dos Estados Americanos, promulgou o famoso Pacto de San José da Costa Rica, o qual recebeu este nome por ter sido concebido na cidade de San José, Costa Rica.
Este Pacto é uma reafirmação da busca pelos direitos sociais, liberdade, justiça e outras condições essenciais ao desenvolvimento do homem, e como as outras normas, também traz norma específica de garantia dos direitos do trabalhador.
“Artigo 5º - Direito à integridade pessoal:
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.”50
Outra vez estamos diante de norma protetiva a dignidade da pessoa humana, a fim de proporcionar o desenvolvimento digno e livre. Mais a frente em seu art. 11º, este mesmo Pacto reafirma a proteção aos direitos de personalidades já destacados na DUDH.
Já em 1998, foi emitida aqui no Brasil, Rio de Janeiro, A Declaração Sociolaboral do Mercosul, que busca a integração entre os países participantes do Mercosul, com regras de desenvolvimento comercial, econômica e de proteção aos direitos humanos e sociais. Esta Declaração se baseou nas normas emitidas nas convenções da Organização Internacional do Trabalho.
Já logo no seu preâmbulo a Declaração deixa clara a sua pretensão em proteger os trabalhadores:
Considerando que os Ministros do Trabalho do MERCOSUL têm manifestado, em suas reuniões, que a integração regional não pode confinar-se à esfera comercial e econômica, mas deve abranger a temática social, tanto no que diz respeito à adequação dos marcos regulatórios trabalhistas às novas realidades configuradas por essa mesma integração e pelo processo de globalização da economia, quanto ao reconhecimento de um patamar mínimo de direitos dos trabalhadores no âmbito do MERCOSUL, correspondente às convenções fundamentais da OIT.51
Seguindo com a pretensão esboçada no preâmbulo o art. 1º, determina de maneira categórica a igualdade de direitos, tratamentos e oportunidades, além da vedação a qualquer tipo de discriminação.
Em complemento este mesmo artigo continua e prevê no seu texto o comprometimento do Estado em garantir os meios para que a finalidade do artigo seja alcançada.
E para fechar, vamos citar o art. 17, que traz o direito de todo trabalhador de trabalhar em um ambiente saudável, com possibilidade de desenvolvimento profissional e pessoal, além de prever também a responsabilidade do Estado em cooperar com as empresas para que sejam garantidos aos trabalhadores condições de saúde, segurança e bom meio ambiente de trabalho.
Todas as normas de direito Internacional, citadas até agora, de alguma forma servem para repudiar o assédio moral no ambiente de trabalho, mas esta última, sem dúvida nenhuma se encaixa perfeitamente ao combate do assédio e não pode deixar de ser observada pelos defensores dos direitos dos trabalhadores.
Corroborando tudo que foi estudado nas outras normas de direito internacional, o órgão maior de estudo e direcionamento sobre normas trabalhistas, a Organização Internacional do Trabalho – OIT – editou diversas convenções no sentido de garantir a dignidade, a personalidade, a liberdade, o desenvolvimento, entre outros direitos dos trabalhadores. Vejamos a convenção Nº 29 - Sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório:
Convenção 29 - CONVENÇÃO CONCERNENTE A TRABALHO FORÇADO OU OBRIGATÓRIO ADOTADA PELA CONFERÊNCIA EM SUA DÉCIMA-QUARTA SESSÃO
ARTIGO 1º
1. Todos os Membros da organização Internacional do trabalho que ratificam a presente convenção se obrigam a suprimir o emprêgo do trabalho forçado ou obrigatório sob tôdas as suas formas no mais curto prazo possível.
ARTIGO 2º
1. Para os fins da presente convenção, a expressão “trabalho forçado ou obrigatório” designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual êle não se ofereceu de espontânea vontade.52
Nesta mesma linha de direcionamento temos, também, a convenção Nº 105, que fortifica o conceito de proibição de trabalhos forçados.
Uma outra importante convenção da OIT é a de Nº 111, pois esclarece o entendimento sobre a palavra discriminação:
CONVENÇÃO 111 - Convenção concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão.
ARTIGO 1º
Para fins da presente convenção, o termo "discriminação" compreende:
a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, côr, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão;
b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro Interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados.53
A convenção Nº 111 da OIT é de grande valia para os operadores do direito, pois traz a definição sobre o termo discriminação, termo este de extrema relevância para o entendimento e enquadramento de atos de assédio moral, daí a importância de termos uma definição da OIT sobre o tema, o que auxilia na elucidação e aplicação das normas.
Além dos tratados e convenções alguns países editaram suas próprias normas de proteção e repressão contra o assédio moral, obviamente que todos eles influenciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pelas Normas e Convenções da OIT.
A França saiu na frente, está entre os primeiros países a escrever sua própria norma, prevendo no Código de Trabalho Francês as leis de proteção contra o assédio. A lei Francesa trata com tamanha importância o assunto que o seu texto prevê, inclusive a inversão do ônus da prova, permitindo que as vítimas do assédio acessem a justiça sem a limitação ou preocupação de apresentar provas, para evitar que a dificuldade em apresentar provas desestimule a vítima a acessar a justiça.
A Professora Sônia A.C. Mascaro Nascimento destaca os principais artigos da lei francesa:
[...] o contrato de trabalho é executado de boa-fé. Segue estabelecendo, resumidamente:
-a vedação do assédio moral pela degradação deliberada das condições de trabalho do empregado, bem como a proteção à testemunha que haja presenciado a conduta referida e a nulidade de pleno direito da ruptura do contrato que advier do assédio (art. L. 122-49); [...]
-no caso de litígio envolvendo a ocorrência de assédio moral, caberá ao empregado (à vítima, no caso) apresentar os elementos indicativos da existência do assédio. Por outro lado, cabe ao réu provar que os fatos alegados não constituem assédio, estando justificados por elementos objetivos. [...]
-insere uma seção no Código Penal denominada "Do assédio moral", estabelecendo uma pena de 01 (um) ano de reclusão, bem como o pagamento de uma multa no valor de 15.000 (quinze mil) Euros àqueles que praticarem o assédio moral (art. 222-33-2).54
Vejam que o último artigo citado pela professora se refere ao Código Penal Francês, o que demonstra o nível de preocupação, a importância dispensada ao problema e a seriedade com que eles tratam o assunto.
Além da França, vamos citar também a Suécia, que editou normas antes, inclusive da França, no entanto, as normas editadas têm um cunho administrativo, diferentemente das Leis Francesas que tratam diretamente o assédio, estabelecendo forma, procedimento e sanções.
A Professora Sônia traz de maneira resumida e clara o ato regulamentador Sueco:
Neste ato regulamentador, estabeleceu-se que ao empregador incumbe "propiciar que cada empregado tenha o maior conhecimento possível sobre suas atividades e seus objetivos; informações regulares e reuniões no local de trabalho ajudarão a alcançar esse objetivo.
Acrescenta ainda como obrigação do empregador "fornecer aos gerentes e supervisores treinamento pessoal em assuntos ligados às normas trabalhistas, aos efeitos de diferentes condições de trabalho na experiência de cada empregado, aos riscos decorrentes da interação e dos conflitos em grupos, e às qualificações necessárias para resposta rápida, em casos de stress ou de crise". Por fim, afirma que entrevistas individuais e trabalhos em grupo devem ser estimulados, com conversas francas, abertas e respeitosas.55
Um outro país Europeu que possui lei sobre o assédio é a Itália, apesar de não possuir uma lei específica sobre o assunto, tem leis direcionadas que são estudadas e utilizadas no combate ao assédio, vejamos o estudo da Professora Sônia:
Em seu artigo sobre a abordagem italiana do assédio moral 22 ressaltam os autores que a importância de se incluir uma série de condutas "multiformes de comportamento" em uma definição única de mobbing, como é chamado neste país, é a de se ter um salto quantitativo na indenização, isto é, reorganiza-se a tutela compensatória do trabalhador.
[...] o art. 2.103. do Código Civil italiano desempenhou papel relevante, assim como as disposições combinadas dos arts. 32. Const., 2.043 e 2.103 do Código Civil, que tratam, basicamente, da responsabilidade do empregador, a qual foi amplamente reconhecida nos seguintes casos:
"marginalização do empregado através da desqualificação progressiva da sua atividade; variação in pejus das tarefas a cumprir; empobrecimento da bagagem profissional devido à constrição do trabalhador à inatividade; atribuição ao trabalhador de tarefas diferentes e de menor qualificação por ele pertencer a uma determinada área política (chamado de "loteamento"); [...].56
Como visto, a Lei Italiana trata de maneira bem direta os atos de assédio, o que possibilita a reparação do dano causada de maneira mais eficaz, preservando os direitos fundamentais que são base de todo o nosso estudo.
Atualmente alguns países, inclusive o Brasil, possuem projeto de lei sobre este assunto, mas, infelizmente, em alguns casos o processo é muito lento, prejudicando que as nações alcancem a plenitude na garantida dos direitos fundamentais da pessoa humana, dificultando a reparação do dano sofrido pelo assediado, bem como a repressão de novos atos de assédio.
5.3. Jurisprudências dos tribunais trabalhistas
Conforme demonstraremos abaixo, tanto os Tribunais Regionais do Trabalho, quanto o Tribunal Superior do Trabalho, estão julgando as ações de assédio moral na mesma linha de entendimento que seguimos neste trabalho. Como podemos perceber, essa linha de entendimento já vem sendo adotada a alguns anos, como demonstram as datas das decisões:
a) “Empregado que sofre exposição humilhante e vexatória, colocado em ociosidade, em local inadequado apelidado pejorativamente de "aquário" pelos colegas, além da alcunha de "javali" (já vali alguma coisa) [...]” (TRT 15ª R. - RO 2229-2003-092-15-00-6 - (53171/05) - 11ª C. - Rel. Juiz Edison dos Santos Pelegrini - DOESP 04.11.2005 – p. 129).
b) “Empregado que era submetido, rotineiramente e na presença dos demais colegas de trabalho, por ato do superior hierárquico, por não ter atingido a meta de produção, a usar vestes do sexo oposto, inclusive desfilar com roupas íntimas [...]” (TRT 6ª R. - Proc. 00776- 2002-006-06-00-5 - 1ª T. - Rel. Juiz Valdir José Silva de Carvalho - DOEPE 03.04.2004).
c) “Empregado que é confinado em uma sala, sem ser-lhe atribuída qualquer tarefa, por longo período, existindo grande repercussão em sua saúde, tendo em vista os danos psíquicos por que passou.” (TRT 17ª R. - RO 142.2001.006.17.00.9 - Rel. Juiz José Carlos Rizk - DOES 15.09.2002).
d) “Empregado submetido a dinâmica de grupo na qual se impõe ‘pagamentos’ de ‘prendas’ publicamente, tais como, ‘dançar a dança da boquinha da garrafa’, àqueles que não cumprem sua tarefa a tempo e modo”. (TRT 17ª Região - RO 01294.2002.007.17.00.9, Relª Juíza Sônia Das Dores Dionísio – DOES 19.11.2003).
e) “Empregada que é chamada de burra idiota e incompetente pelo seu chefe, sofre assédio moral porque tem sua dignidade atingida”. (TRT 2a. Região – RO 01163.2004.015.02.00-0, rel. Juiz Valdir Florindo in Consultor Jurídico de 04/04/2006).
f) “Vendedor que recebe correspondências da empresa de teor intimidatório [...] Com tantas promoções, ofertas e oportunidades, sair do cliente sem vender nada é o mais absoluto atestado de incompetência, [...] sofre assédio moral.” (TRT 4a. Região – RO n° 01005-2004-662- 04-00-5, Rel. Juiz João Ghisleni Filho, fonte site do TRT-RS, 24/01/2005).
g) “Empregado que foi submetido à função, transporte de valores, para qual não foi contratado. [...] a indevida exposição à situação de risco, enseja o pagamento de indenização por dano moral”. (TST - RECURSO DE REVISTA RR 10004320105030077 - TST - 18/09/2015)
Apesar dos Tribunais estarem tratando de maneira parecida o tema e tendo as jurisprudências para nortear as decisões, ainda se faz necessário a construção de uma lei específica sobre o assunto, que padronize, unifique e trate com maior rigor os casos de assédio moral.