Notadamente, a partir da Constituição Federal de 1988, a gestão pública brasileira vem buscando aproximar a sociedade como polo ativo de controle das ações governamentais, difundindo mecanismos de interação com a coisa pública. É dever do Estado (e seus gestores) não só prestar contas dos recursos que administra, mas responsabilizar-se por seus atos e dotar o cidadão de conhecimentos e ferramentas que lhes permitam fiscalizá-lo (BORGES et al, 2013). Como exemplos desse movimento, voltadas a promover maior transparência e diálogo com a sociedade, pode-se citar a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal -LRF), a Lei Complementar 131, de 27 de maio de 2009 (que alterou a LRF no sentido de dar maior transparência na divulgação de informações da execução orçamentária das 3 esferas de Poder, resultando na criação dos portais da transparência) e a Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação).
No Brasil, contudo, conforme ponto de vista de Grzybovski e Hahn (2006), a tributação e todos os seus elementos de conteúdo econômico e social ainda são tidos como atividade particular interna do Estado, postura que pormenoriza a necessidade de um maior entendimento por parte do cidadão, que resta obter tanto do governo quanto dos canais de comunicação popular explicações mínimas e descontextualizadas sobre o tema, criando assim condições desfavoráveis ao engajamento popular.
Para Corbari (2004), a qualidade da informação é preponderante para uma participação ativa da sociedade. Conforme a autora, a falta e a assimetria de informação acabam resultando no distanciamento entre sociedade e governo, pois o que muitas vezes é utilizado para a manutenção do próprio sistema (a exemplo de informações imprecisas sobre os atos da Administração Pública), culmina no aumento da desconfiança e descrédito da sociedade em relação ao governo. Mesmo se tendo um sistema tributário que atribua um encargo compatível à capacidade contributiva do contribuinte e mesmo que o arrecadado seja aplicado de forma eficiente na disponibilização de bens e serviços públicos, se o processo for conduzido sem a devida clareza sempre haverá questionamentos frutos da desinformação.
Procurando combater essa deficiência, ações voltadas à disseminação da educação fiscal vêm sendo adotadas pelo poder público no sentido de conscientizar a sociedade sobre a importância dos tributos para fazer face ao atendimento das demandas sociais. Segundo Borges et al (2013), trata-se de uma preocupação do Estado, demonstrada em suas ações voltadas à implantação de políticas públicas e na tentativa de promover a conscientização do cidadão, permitindo que este reflita sobre o seu real papel na ligação estado-cidadão.
Nesse sentido, Silva (2012) destaca o importante potencial da educação fiscal na formação de cidadãos mais conscientes e preparados para participar ativamente da vida pública, de modo a se promover um cenário de diálogo entre o Estado e a sociedade, diálogo este fundamental para a legitimação da fiscalização tributária.
Já para Corbacho, Cibils e Lora (apud TORRES NETO; BELCHIOR, 2014), a educação fiscal é vista como um mecanismo para discutir alguns dos principais problemas apontados no atual sistema tributário brasileiro, tais como: evasão fiscal, estruturas impositivas regressivas, bem como a função extrafiscal tributo que gira em torno do bem estar social e de melhoria da qualidade ambiental.
Conforme conceitua o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF), temos que:
Educação Fiscal deve ser compreendida como uma abordagem didático-pedagógica capaz de interpretar as vertentes financeiras da arrecadação e dos gastos públicos, estimulando o cidadão a compreender o seu dever de contribuir solidariamente em benefício do conjunto da sociedade e, por outro lado, estar consciente da importância de sua participação no acompanhamento da aplicação dos recursos arrecadados, com justiça, transparência, honestidade e eficiência, minimizando o conflito de relação entre o cidadão contribuinte e o Estado arrecadador. A Educação Fiscal deve tratar da compreensão do que é o Estado, suas origens, seus propósitos e da importância do controle da sociedade sobre o gasto público, através da participação de cada cidadão, concorrendo para o fortalecimento do ambiente democrático (BRASIL, 2008, p. 27).
Em consonância ao conceito supra, Oliveira (2012) entende que a ideia de educação fiscal reúne tributo, orçamento, cidadania e ética, como “disciplinas” informativas e formativas do Estado social. Objetiva reforçar a cultura do respeito à dignidade humana e à democracia, a partir das práticas educativas e críticas, estendidas a todos os segmentos e espaços sociais.
Considerações finais
Ante um sistema tributário complexo e diversas demonstrações de desperdício de recursos públicos - seja por ineficiência, seja por meio de beneficiamentos ilícitos - o contribuinte brasileiro se vê obrigado a arcar com elevados encargos tributários sem a visível percepção da destinação desses. Trata-se de um conjunto de fatores que reforça a resistência natural ao pagamento de tributos e incita o indivíduo a buscar meios para evitá-los. O desafio de mudar essa percepção perpassa pelo fomento da educação fiscal.
Com base nas descrições apresentadas ao longo deste suscinto trabalho, nota-se que a educação fiscal pretende despertar no cidadão sua condição de acionista do Estado. Quando se percebe que o bem público, e as respectivas ferramentas para sua manutenção e desenvolvimento, pertencem à própria sociedade, busca-se dela, mais exatamente de cada acionista minoritário, sua parcela de responsabilidade no processo de gestão.
A educação fiscal, portanto, almeja conscientizar o cidadão, incentivando-o a interagir com o Estado em prol da melhoria de sua atividade financeira, enquanto que a materialização dessa interação repousa no conceito lato de cidadania fiscal. Nesse sentido, promove-se também uma relação mais lúcida com o sistema tributário nacional, na medida em que o contribuinte paga seus tributos, mas exige seus direitos, a exemplo da nota fiscal, promovendo assim o aumento no cumprimento voluntário das obrigações fiscais e a redução da prática da sonegação.
Referências
BORGES, E. F. et al. Educação Fiscal, Terceiro Setor e Funções De Governo: Uma Análise da Influência do Programa de Educação Fiscal do RN nos Indicadores das Funções de Governo dos Municípios. REUNIR – Revista de Administração, Contabilidade e Sustentabilidade. v.3, nº 4, p. 39-61, Set./Dez 2013.
BRASIL. Ministério da Fazenda. Escola de Administração Fazendária. Programa Nacional de Educação Fiscal – PNEF. Educação fiscal no contexto social / Programa Nacional de Educação Fiscal. 3 ed. rev. e atual. Brasília: ESAF, 2008.
CORBARI, E. C. Accountability e Controle Social: Desafio à Construção da Cidadania. Cadernos da Escola de Negócios da UniBrasil Jan/Jun 2004 . pp 99 – 111. Disponível em: http://revistas.unibrasil.com.br/cadernosnegocios/ index.php/negocios /article /view/14/13. Acesso em: 06 set. 2015.
GRZYBOVSKI, D.; HAHN, T. G. Educação fiscal: premissa para melhor percepção da questão tributária. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 40, n. 5, out. 2006. Disponível em < www.scielo.br/pdf/rap/v40n5/a05v40n5.pdf>. Acesso em: 06 set. 2015.
NOGUEIRA, R. W. L. Ética tributária e cidadania fiscal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, 2002. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/ 20414-20415-1-PB.htm> Acesso em: 22 de maio de 2016.
OLIVEIRA, G. T. P. Compra quem pode, pede a nota quem tem juízo : a influência da campanha sua nota vele dinheiro sobre a conscientização tributária. 2016. 159 f. Dissertação (mestrado profissional em políticas públicas) - Universidade Federal de Pernambuco, 2016.
OLIVEIRA, L. C. D. Da cidadania fiscal à cidadania cultural: (teoria da educação fiscal). 2012. 144 f. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional), Universidade de Fortaleza, 2012.
SILVA, I. M. V. Programa de educação fiscal e escola: caminhos e descaminhos na construção da cidadania. 2007. 149 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Planejamento de Políticas Públicas), Universidade Estadual do Ceará, 2007.
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TORRES NETO, A.; BELCHIOR, G. P. N. Educação fiscal itinerante: um relato de experiência na secretaria da fazenda do estado do Ceará. In: TORRES NETO, A. MACHADO, S. M. O. (coord.) 15 anos do programa de educação fiscal do Estado do Ceará: Memórias e Perspectivas. 1 ed. Fortaleza: Edições Fundação Sintaf, 2014. p. 12-19.