A persecução penal: princípios aplicavéis

02/06/2017 às 13:54
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A Persecução Penal é o caminho que percorre o Estado para satisfazer a pretensão punitiva, uma vez que a este é dada o monopólio de punir (Jus Puniendi), neste caminho existem princípios pertinentes que devem ser observados.

A PERSECUÇÃO PENAL: PRINCÍPIOS APLICÁVEIS

1 PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL

Oferecida a ação penal, não se concede ao Ministério Público a possibilidade de desistir do processo que apura o fato penal. É isso que o art. 42 do Código de Processo penal impõe ao prever que “O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.” [1]

A inserção desse princípio em nosso sistema processual penal reporta-se à manifestação do princípio da obrigatoriedade na marcha do processo penal, um resultado lógico, eis que como o Ministério Público deve oferecer denúncia quando há um crime de ação penal pública, igualmente, não pode abdicar de tê-la apresentado. Isso porque, seria de pouca valia prescrever a obrigatoriedade da ação penal pública para que, após, o Parquet tivesse a faculdade de desistir da ação penal.

À primeira vista, a diferenciação entre a obrigatoriedade e a indisponibilidade seria em relação ao momento processual de sua incidência, o primeiro de aplicação antes da própria ação penal e o segundo a partir da existência dela. Todavia, estes princípios não ceifam a possibilidade do denunciante, baseado nas provas trazidas aos autos, pedir a absolvição do acusado ao final.

Na lição de Paulo Rangel:

A ação penal pública, uma vez proposta (obrigatoriedade) em face de todos os autores do fato ilícito (indivisibilidade), não permite ao Ministério Público desistir do processo que apura o caso penal, pois seu mister é perseguir em juízo aquilo que é devido à sociedade pelo infrator da norma, garantindo-lhe todos os direitos previsto na Constituição da República para, se for provada sua culpa, privar-lhe da sua liberdade; porém o direito de punir pertence ao Estado-juiz. Portanto, não pode dispor, o Ministério Público, daquilo que não lhe pertence.[2]

Assim, vislumbra-se que o objetivo do Ministério Público, através do ingresso da ação penal, é de restabelecer a ordem jurídica violada pelo acusado com a prática do crime, e não o de punir.

Convém esclarecer, que frente às prerrogativas constitucionais atinentes aos membros do Ministério Público, é possível que seja requerido o arquivamento de um inquérito policial, todavia, o pleito é submetido à apreciação do juiz que discordando dos fundamentos conjurados, tem o dever de remeter ao chefe da Instituição, como preconiza o art. 28 do Código de Processo Penal.

Insta ressaltar que o princípio da indisponibilidade não reina absoluto, é relativizado, pois a Carta Constitucional admite transação nos casos previstos em lei. Dessarte caberá à legislação ordinária prever as hipóteses.

Ressalta-se que o princípio da indisponibilidade chega afetar a matéria recursal, uma vez que consta do art. 576 do Código de Processo Penal que “O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto.” [3]

2 PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO

O princípio da livre convicção, conhecido também, dentre outros, por princípio da livre convicção motivada, princípio da livre apreciação da prova, princípio do livre convencimento motivado ou princípio da persuasão racional, reflete o ideal de o magistrado proferir uma decisão judicial em conformidade com os fatos apontados pelas provas levadas aos autos.

Resumidamente, “Tal princípio regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção”. [4]

Esse princípio se revela como um meio de se afastar das impropriedades dos sistemas pretéritos: o da prova tarifada, ou prova legal, em que existe um escalonamento das provas, pontuando-as; e da inquisitio, em que o julgador-acusador construía livremente a sua convicção, sem revelar os trajetos que seu raciocínio havia percorrido para efetivar a prestação jurisdicional. Rumando o processo penal atual para um sistema em que o magistrado está a salvo para compor o seu convencimento, sem ficar atrelado à critério de valoração estipulado de antemão, podendo escolher dentre as provas aquela que lhe parecer mais adequada. Portanto, “O Juiz pode desprezar a palavra de duas testemunhas e proferir sua decisão com base em depoimento de uma só.” [5]

Todavia, essa liberdade não o escusa de fundamentar o julgado, pois, “embora livre para formar o seu convencimento, o juiz deverá declinar as suas razões que o levaram a optar por tal ou qual prova, fazendo-o com base em argumentação racional para que as partes, eventualmente insatisfeitas, possam confrontar a decisão nas mesmas bases argumentativas.” [6]

Deve-se atentar, nessa esteira, para que a aplicação do princípio do livre convencimento do juiz não rume a uma mera busca pela afirmação de convicção, acarretando, assim, na transformação do livre convencimento em arbítrio.

À propósito, a Constituição Federal estabelece, em seu art. 93, IX, que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade”. [7]

Como bem orienta Nelson Nery Junior ao comentar tal norma constitucional:

As decisões do Poder Judiciário, quer sejam administrativas (CF 93 X), quer jurisdicionais, têm de ser necessariamente fundamentadas, sob pena de nulidade, cominada no próprio texto constitucional. A exigência de fundamentação das decisões judiciais é manifestação do princípio do devido processo legal (CF 5º. LIV). Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, pode o juiz decidir de forma concisa (CPC 459 caput in fine). Decisão concisa não significa decisão não fundamentada. [8]

Outro ponto a destacar é que esse princípio recai como regra do julgamento, precisamente na decisão final, ponderando-se o conjunto probatório dos autos por inteiro. Ainda, é correto afirmar que essa regra acomete as decisões do juiz singular, não se lançando sobre a decisão do Tribunal do Júri, pelo fato de os jurados não estarem obrigados a fundamentar suas respostas aos quesitos.

Por este motivo, é que sempre se deve ter em mente que o processo tem como fim a composição da contenda de maneira justa, atingida quando alicerçada na verdade real, e não através critérios específicos de avaliação das provas.

3 PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

É essencial que o jus puniendi seja dirigido à pessoa que tenha, de fato, cometido o crime.

O princípio da verdade real ou da certeza processual emana dessa necessidade, recomendando ao juiz e às partes de que se comprometerem, durante o processo penal, em reconstituir os fatos descritos na denúncia da forma mais fiel possível.

O princípio da verdade real ou da certeza processual emana dessa necessidade, recomendando ao juiz e às partes de que se comprometerem, durante o processo penal, em reconstituir os fatos descritos na denúncia da forma mais fiel possível, evitando, através de sua aplicação, as barreiras oriundas da verdade formal, originadas, por exemplo, de presunções, ficções e omissões das partes.

O mencionado princípio é próprio do processo penal, uma vez que no cível o julgador deverá decidir tendo como base a verdade retratada nos autos – verdade formal.

Decorre desse princípio a permissão de o magistrado, diante da inércia da parte, dar andamento à relação processual, determinando a produção de provas necessárias à instrução do feito, tudo em nome do descobrimento da verdade dos fatos objetos da ação penal.

Expressa o art. 156, I e II, do Código de Processo Penal:

 Art. 156.  A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. [9]

Cumpre assentar que a distinção entre verdade real e verdade material está no grau, maior ou menor, de iniciativa na produção de provar pelo juiz.

Sob esse prisma, a busca pela verdade, em ambas classificações, será a mesma, qual seja, a proximidade de como os fatos se passaram na realidade, diferindo, contudo, no poder do magistrado para produção probatória.

Como bem conclui Fernando da Costa Tourinho Filho:

[...] o Processo Penal deve tender à averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material como fundamento da sentença.

[...]

Por outro lado, quando se fala em verdade real, não se tem a presunção de chegar à verdade verdadeira, como se costuma dizer, ou, se quiserem, à verdade na sua essência – esta é acessível apenas à Suma Potestade -, mas tão somente salientar que o ordenamento confere ao Juiz penal, mais que ao Juiz não penal, poderes para coletar dados que lhe possibilitem, numa análise histórico-crítica, na medida do possível, restaurar aquele acontecimento pretérito que é o crime investigado.[10]

Percebe-se que o princípio da verdade real vem recheado com a imposição de que os atuantes no processo, especialmente o acusador e o julgador, não se satisfaçam com uma reconstrução superficial dos fatos, e sim, que procurem alcançar o melhor que as provas podem oferecer.

É certo, também, afirmar que o princípio da verdade real não vem carregado pelo ideal de atingir uma verdade absoluta, possível somente ao Criador, mas sim, informar que ao Juízo penal, diferente dos demais, é permitida, em maior intensidade, a colheita de provas, para que assim a prestação jurisdicional esteja mais próxima ao justo.

4 ACUSAÇÃO E AÇÃO PENAL

É habitual não se distinguir acusação e ação penal, certamente pela sua relação íntima, todavia esses institutos são distintos.

Compreender tal diferença é imprescindível para que se possa adentrar e compreender função do Ministério Público no processo penal, e assim buscar a solução ao problema levantado no presente trabalho.

Encontra-se nas lições do douto Gilberto Callado de Oliveira, em minúcias, a natureza da acusação, podendo, trazer à tona, dentre outros, o seguinte trecho:

Não há confundir a acusação com outros institutos jurídicos afins, como a denúncia, a delação e a querela, pois que guarda ela algumas notas características claramente identificáveis – como o órgão acusador, o fim almejado e os elementos materiais – que a tornam distinta das demais. Também não se confunde com a ação penal, a que está intimamente unida.

Seus pontos diferenciativos são mais complexos e, além de exigir uma atenção mais demorada, advertem para uma conseqüência prática importante: há o risco de que, em confundindo ambos os institutos, o promotor se deixe contaminar pelo vírus do processamento incondicionado de quase todos os suspeitos, porque os pressupostos da ação penal são menos rígidos do que os da acusação, oferecendo por isso freqüentes oportunidade para o arbítrio. [11]

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Acusação seria o fato de irrogar a uma pessoa o cometimento de um crime, já ação penal se refere ao fato de propor essa imputação perante o Judiciário.

Assim, pode-se dizer que a acusação e a ação penal são institutos que não se confundem como ensina Geraldo Prado:

É necessário ter em mente que a acusação cuida da atribuição de uma infração penal, em vista da possibilidade de condenação de uma pessoa tida provavelmente como culpável, enquanto a ação penal consiste em ato da parte autora, concretado por sua dedução formal em juízo. [12]

Conclui-se, que diferente do que ocorre no sistema inquisitório, não há a possibilidade, no sistema acusatório, de ocorrer acusação sem ação penal.

Cabe destacar que não se trata de um jogo de forças, entre o acusador e o julgador, e sim de respeito ao sistema processual penal acolhido, que ditará as regras do processo, e regará as relações processuais com os princípios a ele inerentes, e não de modo inverso, os princípios trilhando o caminho do sistema.

Não se quer dizer aqui, que os princípios da verdade real e do livre convencimento esbarram no sistema acusatório, pelo contrário, eles são perfeitamente compatíveis, essenciais para a existência deste sistema, entretanto, sua interpretação e limitação devem estar de acordo com o sistema processual penal, e não ultrapassar a sua essência.


[1] BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 10/mai/2011.

[2] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. p. 215.

[3] BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 10/mai/2011.

[4] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRIVONER, Ada Pelegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 17. ed. São Paulo: Malheiros Editores, São Paulo, 2001, p. 67-68.

[5] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo penal. p. 538

[6] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. p. 299.

[7] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 11/mai/2011.

[8] NERY, Nelson Junior. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. 2. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2009, p. 455-456.

[9] BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 10/mai/2011.

[10] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de processo penal. p. 57-58.

[11] OLIVEIRA, Gilberto Callado. O conceito de acusação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 258.

[12] PRADO, Geraldo. Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 112.

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Sobre o autor
José Carlos Loitey Bergamini

Advogado. Doutorando e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Administrativo, Direito Penal e Processual Penal (Univali). Compliance Gerencial (FGV/SP). Secretário da Comissão de Direito Administrativo OAB/SC. Membro da Comissão de Compliance OAB/SC Professor. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3681230383995215

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