Aspectos gerais da responsabilidade civil

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05/06/2017 às 21:18

Resumo:


  • A responsabilidade civil é um conceito jurídico que envolve o dever de uma pessoa reparar os danos causados a outra, seja por ação ou omissão, e pode ser de natureza material, moral ou estética.

  • A evolução histórica da responsabilidade civil mostra uma transição do caráter objetivo, no qual a culpa não era necessária para a responsabilização, para o caráter subjetivo, onde a culpa é um elemento essencial para que haja o dever de indenizar.

  • O ordenamento jurídico brasileiro adota, em regra, a teoria subjetiva da responsabilidade civil, exigindo a comprovação de culpa para a indenização, exceto em casos específicos onde se aplica a teoria objetiva, como nas relações de consumo e na responsabilidade extracontratual do Estado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE (“La perte d’une chance”)

Interessa a este artigo discorrer sobre moderna teoria que busca explicar situações nas quais o dano causado à vítima estaria no plano hipotético, caracterizado pela perda, por parte da vítima, de certa oportunidade, da chance de obter determinado resultado ou de evitá-lo. Não se trata do dano decorrente diretamente da atuação ou omissão do agente que gera um resultado final, mas sim, da frustração de determinada expectativa. Referida teoria, denominada ‘perda de uma chance’ foi desenvolvida na França, difundindo-se mundo afora.

Georges Boyer Chammard e Paul Monzein, citam em sua obra “La Responsabilité Médicale” (A responsabilidade médica), o caso inaugural na jurisprudência francesa da teoria “la perte d’une chance”. Em 14 de dezembro de 1965 o Dr. P. foi condenado pela Primeira Câmara Cível da Corte de Cassação, ao pagamento de 65.000 francos por diagnosticar fratura na extremidade inferior do úmero direito de um menino de 8 anos de idade, Pierre M.. Na verdade, tratava-se de luxação no cotovelo, conforme constataram outros médicos. Entendeu o Tribunal que o Dr. P. havia feito o paciente perder, por sua culpa, a oportunidade de melhora, de cura, pagando por isso através da indenização por perdas e danos 24.

A teoria da perda de uma chance consiste, como a própria denominação já diz, na perda pelo profissional de obter, através de sua atuação, determinada vantagem ou ainda de evitar a ocorrência de um dano. Nesta situação, busca-se compensar a vítima por não ter tido a oportunidade de adquirir o que almejava ou ainda de ter sido privada da possibilidade de evitar certo prejuízo. Imagine a situação do concursando que fica impossibilitado de realizar a prova para a qual se inscreveu porque se deparou com problemas no sistema de transporte coletivo que o impediram de chegar ao local do certame.

Aqui, o que se discute é o fato de o candidato ter perdido a chance de realizar a prova e de, eventualmente, vir a ser aprovado. Obviamente, no caso em tela, não haveria possibilidade alguma de se prever se certamente o candidato lograria êxito no concurso. No entanto, pode-se, segundo a referida teoria, discutir-se perfeitamente a possibilidade do mesmo ser indenizado por ter sido privado de poder concorrer à vaga que pleiteava, já que não chegou ao local do certame por problemas no transporte coletivo.

Num primeiro momento, a teoria da perda de uma chance foi aplicada nas situações que envolviam a responsabilidade médica. Todo médico possui uma chance inicial de obter a cura do doente. Quando, por determinado ato ou omissão do profissional vem o paciente a sofrer prejuízos, considera-se que perdeu o profissional a referida chance, sendo, portanto, condenado à indenização. Mesmo quando não é possível afirmar que o dano foi proveniente da ação ou omissão do médico, deduz-se que o prejuízo adveio da perda da possibilidade de cura, condenando-se, em consequência, à indenização por esta perda.

Posteriormente, passou-se aplicar a teoria em tela a outras situações que envolvem a responsabilidade civil. Veja-se, por exemplo, o caso citado por Daniella Parra Pedroso Yoshikawa, que narra decisão do STJ de “participante do programa de televisão que não soube responder a última pergunta que valia um milhão de reais, em razão de ter sido formulada de forma errada e acabou perdendo a chance de ganhar 500 mil reais”. O autor da ação obteve provimento à ação de indenização em primeira e segunda instância, sendo o programa condenado ao pagamento dos 500 mil reais. O STJ entendeu por bem reconhecer a perda da chance do participante. No entanto, reduziu o montante da condenação para o valor de 125 mil reais, já que havia 4 alternativas na pergunta formulada, sendo esta a real chance de acerto do candidato25.

Assim, verifica-se que o que se discute nesta teoria não é o fato da vítima ter perdido determinada vantagem ou de ter efetivamente sofrido dano de cunho material, moral ou físico, mas sim a situação de ter sido impedida de participar de processo no qual teria a chance de obter o que almejava ou de evitar o resultado danoso.

A evolução do direito caminha para a adoção de teorias de vanguarda, como a teoria da perda de uma chance. Embora a legislação brasileira silencie sobre este assunto, não o prevendo em nenhum de seus dispositivos, num futuro não muito distante serão comumente visualizadas decisões dos Tribunais brasileiros concedendo ressarcimento às vítimas que perderam, por exemplo, a chance da cura, de participar de uma prova, de ter efetuado um contrato.

No entanto, há que se atentar que não se trata de uma simples possibilidade que a vítima alega ter perdido que será passível de indenização, mas sim da real, séria e efetiva chance perdida e provada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

1 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. Fontes contratuais das obrigações. Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1995, v. 5. p. 165

2 SAVATIER, René. Traité de la responsabilité civile en droit français, t. I. Paris, p. 361.

3 VILLÉ, De; PIRSON. Traité de la Responsabilité Civile. 6. ed., t.1º , n. 1.Paris, p. 132.

4 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Op. cit., p. 160.

5 BITTAR, Carlos Alberto. Apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 3. p. 5.

6 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit. p. 18.

7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 5. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 257.

8 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade Civil do Médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 718/33, ago. 1995. p. 46

9 RAMOS, Pedro Lúcio Tavares. Erro Médico: aspectos jurídico e médico-legal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 625/416, novembro de 1987, p. 417.

10 MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopez de. Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 315.

11 PANASCO, Wanderby Lacerda. A responsabilidade civil, penal e ética dos médicos. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 56

12 Ibid, p. 60.

13 RAMOS, Pedro Lúcio Tavares. Op. cit. p. 147.

14 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil dos Médicos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 86.

15 FRANÇA, Genival Veloso de. Medicina Legal. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 313.

16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. p.39.

17 KFOURI NETO, Miguel. Op. cit. p. 92.

18 KFOURI NETO, Miguel. Op. cit. p. 90.

19 DIAS, José de Aguiar . Responsabilidade dos Médicos, ADV/COAD. Seleções Jurídicas. São Paulo. v.1. maio/1994. p. 224

20 BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. São Paulo: RT, 1997. p. 109

21 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit. p. 229.

22 BITTAR, Carlos Alberto. Op. cit. p. 229.

23 KFOURI NETO, Miguel . Op. cit. p.110

24 CHAMMARD, Georges Boyer; MONZEIN, Paul. La responsabilité médicale. Paris: Presses Universitaires de France, 1974. p. 94 e 97.

25 YOSHIKAWA, Daniella Parra Pedroso. Regras de indenização à luz da teoria da perda de uma chance. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/noticias/980244/regras-de-indenizacao-a-luz-da-teoria-da-perda-de-uma-chance>. Acesso em 29.12.2009.

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Sobre a autora
Paula da Cunha Bozzi

Advogada consultora e Mestre em Direito Administrativo. Professora de cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito, nas áreas de Direito Administrativo, Direito Constitucional e Direito Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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