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A Lei Ferrari e a cláusula de eleição de foro

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É comum concedentes e concessionárias de veículos automotores percorrerem meandros que as levam à rescisão do contrato de concessão comercial anteriormente celebrado. Tanto a fabricante ou importadora quanto as revendedoras podem dar causa à rescisão, nos termos do que dispõe Lei Ferrari, que regula as relações comerciais deste cunho.

A quebra desse vínculo contratual ocasiona os mais variados tipos de ações judiciais, nas quais será apurada a presença de justa causa para a rescisão contratual, bem como a parte que efetivamente deu causa à ruptura. Certamente serão ajuizadas também ações visando à busca e apreensão de veículos, à sustação de títulos protestados ou à manutenção do vínculo contratual cujo rompimento se almejou.

É nesse momento que se deve questionar qual o foro competente para dirimir tais ações judiciais, mormente em razão de, muitas vezes, a concedente e a concessionária possuírem sedes em Comarcas distintas, dentro do mesmo Estado ou até em Estados diferentes.

A dúvida é facilmente sanada quando existe um foro eleito no contrato de concessão. Isso porque a cláusula de eleição de foro em contratos de concessão comercial de veículos automotores é perfeitamente válida, tornando qualquer outro Juízo, que não o previsto expressamente no contrato, incompetente para julgar as ações judiciais decorrentes da rescisão.

Ocorre, contudo, que nem sempre a cláusula de eleição de foro é respeitada, distribuindo-se ações em Juízo diverso do pactuado, de acordo com o livre arbítrio da parte interessada, ao arrepio da legislação em vigor e da doutrina e jurisprudência. Todavia, o foro eleito deve ser rigorosamente respeitado nas relações regidas pela Lei Ferrari.

Em primeiro lugar, ressalte-se que a cláusula de eleição de foro é prevista expressamente no Código de Processo Civil, razão pela qual jamais pode ser considerada ilícita por si só. O que se admite, em alguns casos, é o reconhecimento de que a inserção desta cláusula no determinado contrato foi feita de forma abusiva, impondo severo ônus à parte hipossuficiente.

Nesse passo, a validade e eficácia da cláusula de eleição de foro nos contratos em questão advêm da ausência de hipossuficiência econômica de qualquer uma das partes. Afinal, concedentes e concessionárias de veículos são empresas de grande porte, financeiramente capazes de demandar em Comarcas distintas das quais estão sediadas, sem que sejam excessivamente oneradas. Ademais, a mera circunstância de a montadora ser empresa de maior porte não é suficiente para afastar o foro eleito.

Além disso, os contratos em questão não são contratos de adesão, já que a concessão comercial de veículos demanda livre e ampla discussão entre partes cujo grau de inteligibilidade e compreensão é uniforme. Não há, portanto, imposição de cláusulas tampouco contratação por impulso.

Conforme lecionam renomados juristas, há que se distinguir o contrato de adesão do contrato por adesão, no qual, considerando-se a hipótese em tela, a empresa concessionária não é obrigada a contratar e deseja, por livre e espontânea vontade, integrar a rede de revendedores exclusivos de certa empresa concedente. Assim, o pré-estabelecimento de cláusulas é plenamente justificável para que se mantenha o padrão a ser obedecido pelas concessionárias.

Vale dizer que, ainda que erroneamente se classifique o contrato de concessão comercial de veículos como contrato de adesão, a cláusula de eleição de foro permanece válida em virtude de não se verificar caráter abusivo em sua previsão no contrato.

Consigne-se, ainda, que a concessão comercial de veículos automotores não é regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Esse diploma contém normas especiais para resguardar relações exclusivamente de consumo, afastando de seu âmbito relações comerciais de caráter empresarial. A aplicação desse Código pressupõe a existência de destinatário final de produto ou serviço, destinatário este que não existe na relação ora analisada, uma vez que concessionárias adquirem veículos para fins de revenda.

Assim, deve ser respeitada a cláusula de eleição de foro prevista nos contratos de concessão comercial de veículos automotores, uma vez que tal cláusula é perfeitamente lícita, não havendo fundamento plausível para que seja burlada. Esse entendimento inclusive vem sendo firmado, de forma pacífica, pelo Superior Tribunal de Justiça (Recursos Especiais 471.921, 466.179, 494.037 e 280.224, por exemplo).

A obediência ao foro eleito, além de ter força de lei entre as partes, traduz os benefícios advindos da possibilidade (i) de se examinar a quebra do contrato de forma organizada, tramitando todos os processos perante a mesma Comarca, e, principalmente, (ii) de as partes demandarem judicialmente protegidas pela segurança peculiar ao foro acintosamente escolhido.

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Sobre os autores
Luiz Virgílio P. Penteado Manente

advogado, sócio de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

Isadora Laineti C. Dias Munhoz

Advogada na área Contenciosa de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANENTE, Luiz Virgílio P. Penteado ; MUNHOZ, Isadora Laineti C. Dias. A Lei Ferrari e a cláusula de eleição de foro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 472, 22 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5853. Acesso em: 24 nov. 2024.

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