A emergência fabricada como fundamento para contratar por dispensa de licitação com fulcro no art. 24, IV, da Lei n.° 8.666/93

22/06/2017 às 18:59
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O presente trabalho tem o objetivo de verificar a possibilidade de os gestores públicos realizarem a contratação emergencial prevista no inciso IV, do art. 24, da Lei n.° 8.666/93, tendo por fundamento uma situação caracterizada como emergência fabricada.

DA DISPENSA DE LICITAÇÃO EMERGENCIAL

A licitação pública é meio pelo qual a Administração Pública efetua a contratação de obras, serviços, compras e alienações, garantindo aos interessados a igualdade de condições, em observância ao Princípio da Impessoalidade, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal. Além disso, o procedimento licitatório visa a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração.

Ocorre que em determinadas situações a realização do processo licitatório se torna inviável ou até mesmo impossível, quer seja pela inexistência de competitividade, quer seja pela frustração da consecução dos interesses públicos em face de uma eventual demora para a conclusão do certame ou pela autorização expressa no texto de lei. Nesses casos, a Lei n.° 8.666/93 excepcionou a realização do procedimento licitatório, autorizando, pois, a chamada “contratação direta”.

Tal situação em hipótese alguma dispensa a observância aos Princípios do Direito Administrativo, sendo necessária, inclusive, a formalização de procedimento próprio, com delimitação do objeto, termo de referência, justificativa da autoridade competente. Nesse sentido, o art. 26 da Lei de Licitações dispõe:

"Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.

Parágrafo único.  O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:

I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;

II - razão da escolha do fornecedor ou executante;

III - justificativa do preço.

IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados."

Ressalta-se, ainda, que a verificação da razoabilidade do preço a ser desembolsado pela Administração Pública é requisito para a validade da contratação. O Tribunal de Contas da União já se manifestou a respeito:

"Lembro que a Lei de Licitações exige, para os casos de dispensa, que os preços praticados sejam compatíveis com os de mercado, portanto, devem ser trazidos, aos autos, documentos que mostrem a possível antieconomicidade das contratações, para constituir prova objetiva do fornecimento a terceiros apontado pela Unidade Técnica, que ainda constitui apenas indício. (Acórdão nº. 1.793/2009, Plenário, rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti)."

"É obrigatória a consulta aos preços correntes de mercado quando da realização de todo e qualquer procedimento licitatório, ainda que se trate de dispensa ou inexigibilidade de licitação. (Acórdão nº. 1.945/2006, Plenário, rel. Min. Marcos Bemquerer Costa)."

Outrossim, a configuração da contratação direta, sem licitação, não autoriza o não preenchimento dos requisitos de habilitação e contratação. O interessado que não satisfizer os requisitos de habilitação deve ser excluído não apenas da licitação, como também é vedada a sua contratação direta.

O Tribunal de Contas da União já se manifestou no sentido de que “a contratação de empresa por dispensa de licitação, ainda que em obras de natureza emergencial, não dispensa a exigência de comprovação de regularidade daquela junto à Seguridade Social.”.¹

Pois bem.

Feita a análise preliminar acerca do instituto da licitação, passa-se ao tema do presente trabalho, qual seja, a hipótese de dispensa de licitação contida no inciso IV, do art. 24, da Lei n.° 8.666/93, o qual trata da contratação direta por emergência ou calamidade pública.

Nos termos do artigo 24, IV, da Lei n.º 8.666/93, a licitação é dispensável, ou seja, é possível efetuar a contratação direta “nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança das pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa ou para parcela de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta dias) consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.".²

Sobre o conceito de emergência, Jorge Ulisses Jacoby³ leciona:

“Aqui, emergência diz respeito à possibilidade de se promover a dispensa de licitação. Corolário dessa premissa é, fundamentalmente, a absoluta impossibilidade de atender ao interesse público – fim único de toda atividade administrativa -, se adotado o procedimento licitatório. Emergência, para autorizar a dispensa, requer a caracterização de uma situação cujo tempo de atendimento implique a necessidade de dispensar o procedimento licitatório.” 

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal de Contas da União:

“(...) No caso em tela, a situação emergencial legitimaria a contratação direta com fundamento no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993, desde que constasse nos autos do processo administrativo demonstração, com base em fatos, de que a situação que justifica a contratação direta qualifica-se como emergência ou calamidade pública, estando caracterizada urgência de atendimento de situação que poderia ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares. (Acórdão n. 4.458/2011 – 2ª. Câmara) "

Portanto, do exposto, compreende-se sobre a necessidade da presença de dois requisitos indispensáveis para validar tal forma de contratação, quais sejam: a demonstração concreta e efetiva da potencialidade do dano (a emergência) e a demonstração de que a contratação direta é a via adequada e efetiva para a eliminação do risco.

Ademais, importante destacar que a contratação emergencial é limitada ao prazo de 180 (cento e oitenta dias) ou até que perdure a situação calamitosa (o que ocorrer primeiro), sendo expressamente vedada a sua prorrogação, nos termos do dispositivo legal citado alhures.


“EMERGÊNCIA FABRICADA”

De acordo com a doutrina e jurisprudência, a situação denominada de emergência fabricada é aquela decorrente da inércia e/ou da incúria administrativa. Acerca do tema, ensina Marçal Justen Filho (4):

“A questão apresenta relevância especialmente no tocante à comumente denominada ‘emergência fabricada’, em que a Administração deixa de tomar tempestivamente as providências necessárias à realização da licitação previsível. Assim, atinge-se o termo final de um contrato sem que a licitação necessária à nova contratação tivesse sido realizada. (...)”

Emergência fabricada é, portanto, a situação de emergência que decorre da ação dolosa ou culposa do administrador, seja ela consequência da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos públicos. Isto é, a emergência aqui é “fabricada” pelo próprio agente público responsável. (5)


A “EMERGÊNCIA FABRICADA” COMO FUNDAMENTO DA DISPENSA DE LICITAÇÃO EMERGENCIAL E OS POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS

Realizadas as devidas explanações sobre a dispensa de licitação prevista no inciso IV da Lei n.° 8.666/93, bem como a conceituação da emergência fabricada, passa-se a analisar a possibilidade do gestor público realizar a contratação direta com base em tal fundamento.

Conforme exposto, a emergência fabricada ocorre quando, por desídia do administrador público, não são tomadas as medidas cabíveis e tempestivas para instauração de processo licitatório previsível.

Ocorre que o artigo 24, IV, da Lei n.° 8.666/93 não fez distinção entre a emergência real decorrente de fato imprevisível e da emergência fabricada decorrente da má gestão do administrador. Desta forma, verificada a situação emergencial, independentemente da origem, não restará alternativa senão a contratação direta aqui tratada.

Nesse sentido, o referido posicionamento é bem exemplificado por meio de trechos do Acórdão n° 1.876/2007 do Plenário do TCU, conforme segue:

“1. A situação prevista no art. 24, VI, da Lei n° 8.666/93 não distingue a emergência real, resultante do imprevisível, daquela resultante da incúria ou inércia administrativa, sendo cabível, em ambas as hipóteses, a contratação direta, desde que devidamente caracterizada a urgência de atendimento a situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.

(…)

14. Consoante bem definiu o Voto que fundamentou a Decisão n° 138/98 – Plenário acima referenciado, a ausência de planejamento e a contratação direta fundamentada em situação de emergência caracterizam situações distintas, não necessariamente excludentes. Estará incorrendo em duplo erro o administrador que, ante a situação de iminente perigo, deixar de adotar as situações emergenciais recomendáveis, ainda que a emergência tenha sido causada por incúria administrativa. Há que se fazer a clara definição da responsabilidade: na eventual situação aludida, o responsável responderá pela incúria, não pela contratação emergencial.” (grifei)

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No mesmo sentido, Marçal Justen Filho (6) leciona:

“A questão apresenta relevância especialmente no tocante à comumente denominada ‘emergência fabricada’, em que a Administração deixa de tomar tempestivamente as providências necessárias à realização da licitação previsível.

Assim, atinge-se o termo final de um contrato sem que a licitação necessária à nova contratação tivesse sido realizada. Isso coloca a Administração diante do dilema de fazer licitação (e cessar o atendimento a necessidade impostergáveis) ou realizar a contratação direta (sob a invocação da emergência).

O que é necessário é verificar se a urgência existe efetivamente e, ademais, se a contratação é a melhor possível nas circunstâncias. Deverá fazer-se a contratação pelo menor prazo e com o objeto mais limitado possível, visando a afastar o risco de dano irreparável. Simultaneamente, deverá desencadear-se a licitação indispensável. Ou seja, a desídia administrativa não poderá redundar na concretização de danos irreparáveis ao interesse público, mas se resolverá por outra via.” 

Contudo, o gestor que deixou de tomar as medidas necessárias à realização do certame licitatório em momento oportuno e tempestivo, estará sujeito à punição na esfera administrativa, caso demonstrada a desídia ou má-fé, mediante a instauração de procedimento disciplinar, oportunizando a ele o direito do contraditório e ampla defesa.

Sobre o assunto, ensina Maria Sylvia Di Pietro (7):

“Por outras palavras, a inércia do servidor, culposa ou dolosa, não pode vir em prejuízo de interesse público maior a ser tutelado pela Administração. Isto, no entanto, não afasta a responsabilidade do servidor. Se ele, por desídia ou má-fé, deixou de tomar as medidas necessárias à realização do procedimento da licitação no momento em que deveria fazê-lo, estará sujeito à punição na esfera administrativa, mediante o procedimento disciplinar adequado”.

Destarte, imprescindível que os administradores públicos realizem a gestão de seus contratos de forma mais especializada, evitando, assim, a ocorrência de contratações emergenciais decorrentes da própria desídia; a responsabilização perante os órgãos de controle externo; além de possíveis prejuízos aos Administrados.


CONCLUSÃO

Portanto, é cabível a contratação direta pelo art. 24, IV, da Lei n.° 8.666/93 com fundamento em “emergência fabricada”, desde que, diante das circunstâncias, esta seja a via mais adequada para evitar a ocorrência de prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, uma vez que a inércia do servidor não pode trazer prejuízo ao interesse público.


NOTAS

1. Acórdão nº. 1.839/2006, Plenário, rel. Min. Augusto Nardes

2. Lei n.º 8.666/1993 Lei de Licitações e Contratos Administrativos

3. Contratação Direta sem Licitação. 9ª Edição 2011 - 2ª reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p.312.

4. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 341.

5. https://blog.ebeji.com.br/voce-sabe-o-que-e-emergencia-fabricada-em-direito-administrativo/, Acesso em 26/04/2016, às 17h57m.

6. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15ª ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 341.

7. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.et al. Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos. 5ª. ed. São Paulo: Malheiros. P. 104

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Sobre o autor
Vinicius Brandalise

Bacharel em Direito pela Universidade do Planalto Catarinense (UNIPLAC/SC), Advogado, parecerista, Sócio do Escritório Brandalise & Pitrez Advogados (Lages/SC), especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp (MS), Assessor Jurídico do Município de Lages e Colaborador Jurídico do Instituto de Direito Público do Estado de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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