6. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E SUAS CARACTERÍSTICAS
6.1. Incerteza do Dano e Nexo Ambiental
A partir da consagração do princípio da precaução, desenvolveu-se uma nova concepção em relação à obrigatoriedade da comprovação científica do dano ambiental. Desse modo, quando uma atividade representa ameaça de dano ao meio ambiente, independentemente da certeza científica, as medidas ambientais devem ser aplicadas a fim de evitar a degradação do meio ambiente.
Neste ponto, convém lembrar que, até a década de 80, as medidas utilizadas para evitar os danos ambientais tinham como fundamento obrigatório para sua efetivação a análise científica, ou seja, a Ciência assegurava a idoneidade dos resultados (MACHADO, 2001).
Nos ensinamentos de Machado,
Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção (2001, p. 55).
Com efeito, a certeza científica do dano, quando possível de ser demonstrada, acarreta a aplicação imediata das medidas ambientais. Mas se deixássemos de aplicá-las quando houvesse incerteza científica, estaríamos incorrendo num grave erro, que é o da inércia diante dos problemas ambientais, pois os efeitos do possível dano, provavelmente, seriam irreversíveis.
Assim, é pacífico entre os doutrinadores e demais estudiosos da questão ambiental que, quando houver incerteza científica do dano ou também risco de sua irreversibilidade, o dano deve ser prevenido e, indiscutivelmente, se houver certeza científica do mesmo.
No que tange à incerteza científica do dano ambiental, Machado assevera que a precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro. A precaução não deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, portanto, através da prevenção no tempo certo (2001, p. 57).
De fato, a aplicação de medidas ambientais diante da incerteza científica de um dano ao meio ambiente, prevenindo-se um risco incerto, representa um avanço significativo no que se refere à efetivação do princípio da precaução, que está necessariamente associado à proteção ambiental. Reconhece-se, dessa forma, a substituição do critério da certeza pelo critério da probabilidade, ou seja, a ausência da certeza científica absoluta no que se refere à ocorrência de um dano ambiental não pode ser vista como um empecilho para a aplicação das medidas ambientais. Assim, o princípio da precaução impõe que, mesmo diante da incerteza científica, medidas devem ser adotadas para evitar a degradação ambiental (MIRRA, 2000, p. 67-68).
O jurista Jean-Marc Lavieille reafirma o entendimento de que se deve agir antes que a ciência nos diga, com certeza absoluta, se determinada atividade é nociva ou não ao meio ambiente ao expressar que: "O princípio da precaução consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos, sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas também sobre o de que nós deveríamos duvidar." (apud MACHADO, 2001, p. 58).
Assim, o princípio da precaução abrange o risco ou perigo do dano ambiental, mesmo que houver incerteza científica, o que coaduna com a idéia de que "(...) seu trabalho é anterior à manifestação do perigo e, assim, prevê uma política ambiental adequada a este princípio." (MORATO LEITE, 2000, p. 49).
Na verdade, o risco ou o perigo devem ser analisados a partir da verificação da atividade que irá ser provavelmente atingida, a fim de estabelecer o grau de incidência desses, oportunizando a tomada de decisão no sentido de controlá-los e, se necessário, aplicar as medidas ambientais cabíveis.
Gert Winter diferencia perigo ambiental de risco ambiental, ao afirmar que "os perigos são geralmente proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque permanece a probabilidade de um dano menor." (apud MACHADO, 2001, p. 49). E justamente por haver sempre o risco de que ocorra um dano, é que o princípio da precaução deve ser aplicado, uma vez que as agressões ao meio ambiente são de difícil reparação.
De outra parte, também se faz necessário dizer que o controle ou afastamento do risco ambiental, bem como do perigo ambiental, implicam necessariamente, para as futuras gerações, a garantia de um ambiente ecologicamente equilibrado, o que proporciona melhor qualidade de vida para a coletividade.
6.2. A Inversão do Ônus da Prova
Na esfera ambiental, diferentemente do que se verifica nas outras áreas do direito, vigora a responsabilidade civil objetiva. Esta fora inserida pelo artigo 14 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 9391/81) e recepcionada pelo artigo 225, § 3º da Constituição Federal, que expressa: "O poluidor é obrigado, independentemente da existência da culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por esta atividade."
Dessa forma, o princípio da precaução traz consigo a idéia da inversão do ônus da prova em favor do meio ambiente. Como enfatiza Milaré, "[...] a incerteza científica milita em favor do meio ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado." (2000, p. 61-62). Isso implica dizer que o provável autor do dano precisa demonstrar que sua atividade não ocasionará dano ao meio ambiente, dispensando-o de implementar as mediadas de prevenção.
Assim, conforme leciona Marchesio,
O princípio da precaução emergiu nos últimos anos, como um instrumento de política ambiental, baseado na inversão do ônus da prova: para não adotar a medida preventiva ou corretiva é necessário demonstrar que certa atividade não danifica seriamente o ambiente e que essa atividade não cause dano irreversível. (apud MACHADO, 2001, p. 63).
Ressalta-se que o Ministério Público do Meio Ambiente do RS, através da Carta de Canela, reiterou a proposição de que o princípio da precaução acarreta a inversão do ônus da prova, que se ampara nas disposições constitucionais do Código de Defesa do Consumidor, exigindo verossimilhança das alegações iniciais ou comprovação de hipossuficiência do titular do direito tutelado (www.mp.rs.gov.br).
A jurisprudência também se manifesta de forma favorável em relação à inversão do ônus da prova, solidificando a teoria objetiva da responsabilidade civil.
Para o reconhecimento da responsabilidade civil da indústria poluente, é irrelevante a circunstância de estar ela funcionando com a autorização das autoridades municipais, ou fato de nunca ter sofrido autuações dos órgãos públicos encarregados do controle do meio ambiente. Mesmo sem levar em conta a notória deficiência dos serviços públicos, neste particular, forçoso é concluir que demonstrada a relação causa e efeito entre a exagerada missão de poluentes e os danos experimentados pelo autor, emerge clara e inafastável a responsabilidade civil da ré. (apud SEGUIN, 2000, p. 159).
Assim sendo, o princípio da precaução impõe ao sujeito que desenvolve uma atividade potencialmente lesiva ao meio ambiente o ônus de provar que a atividade não oferece riscos à degradação do meio ambiente, o que implica dizer que a inversão do ônus da prova, na questão ambiental, abarca, além da certeza científica, o risco incerto do dano ambiental.
Sampaio enfatiza:
a inversão do ônus da prova permite ao aplicador da lei superar obstáculos que surgem para a formação de sua convicção. Assim, ao se certificar da existência do fato imputado, potencialmente causador de dano ambiental, o magistrado não estará obrigado a condicionar o acolhimento do pedido de reparação à comprovação do dano e do meio de causalidade como usualmente ocorre. Poderá pressupor existência de um desses requisitos, desde que autorizado por lei a fazê-lo, nos limites que o bom senso indicar, e verificar se a prova produzida pela parte ré foi suficiente para elidi-la. (ALMEIDA, www.fdc.br/artigos).
Nesse sentido, o princípio da precaução consagra o critério da probabilidade na tomada de decisões que envolvam a questão ambiental, em detrimento do critério da certeza. Ou seja, enquanto que ao demandado incumbe o dever de demonstrar, efetivamente, que a atividade desenvolvida não é lesiva ao meio ambiente, exigindo-se, portanto, certeza absoluta da inofensividade de sua prática, ao demandante cabe demonstrar que há probabilidade da ocorrência do dano (MIRRA, 2000).
6.3. Os Custos das Medidas de Prevenção
Embora se possa afirmar que todos os países têm responsabilidade ambiental, e que as agressões ao meio-ambiente devem ser evitadas, é concebível que os custos das medidas de prevenção devam ser analisadas em relação ao país em que serão implementadas. O que significa dizer que há de ser considerada a relação custo e eficácia das medidas ambientais adotadas em função do princípio da precaução e também da realidade econômica, social e tecnológica do local em que se verifica a probabilidade da ocorrência do dano ambiental.
A título de exemplo, a Convenção "Quadro sobre a Mudança do Clima" expressa que "as políticas e medidas adotadas para enfrentar a mudança do clima devem ser eficazes em função dos custos, de modo a assegurar os benefícios mundiais ao menor custo possível." (MACHADO, 2001, p. 59).
Como pode ser observado, a orientação é que os custos das medidas ambientais a serem implementados como forma de prevenir a ocorrência do dano ambiental sejam compatíveis com a capacidade econômica de cada país. Isso não afasta a responsabilidade e o compromisso que os Estados têm de adotar as políticas ambientais necessárias à preservação do meio ambiente e, conseqüentemente, da espécie humana.
Nessa linha de pensamento, Ayala afirma que
[...] é verdade que se utilize da incapacidade econômica para que se postergue ou mesmo não se lance mão de medidas orientadas à prevenção da ameaça de agressividade ao patrimônio ambiental. É no custo ambiental da medida que será sim, indispensável, a vinculação à capacidade econômica estatal que será obrigatoriamente discriminada e diferenciada em atenção a maior ou menor possibilidade de emprego da tecnologia adequada. (2000, p. 73).
É oportuno destacar que, diante desse novo cenário ambiental, exige-se a adoção de um modelo econômico compatível com o desenvolvimento sustentável. O meio empresarial também deve assumir o compromisso de preservar o meio ambiente e diminuir, sensivelmente, a emissão de gases poluentes.
Em contrapartida ao surgimento da consciência ecológica por parte das empresas, é necessário considerar que a implementação do Sistema de Gestão Ambiental nas empresas gera um custo que deve ser absorvido pelas mesmas, o que, em alguns casos, é tido como um empecilho à adoção de políticas ambientais que contribuam para a melhora na qualidade de vida da população.
Assim, apesar de os custos das ações preventivas e também das "tecnologias mais limpas" terem, muitas vezes, um custo elevado, não há como postergar a implementação das medidas ambientais diante da certeza ou probabilidade da concretização do dano ambiental, porque as lesões ao meio ambiente são, na sua grande maioria, irreparáveis e trazem conseqüências que interferem na qualidade de vida da população. A decisão de agir antecipadamente ao dano ambiental é premissa fundamental para garantir a eficácia da aplicação do princípio da precaução, o que reforça o entendimento de que tanto os Estados como as empresas não podem se eximir da responsabilidade de preservar o meio ambiente.
OBRAS CONSULTADAS
ALMEIDA, Luiz Cláudio Carvalho de. Responsabilidade Civil por Danos Ambientais. Disponível em <https://www.fdc.br/artigos.htm>. Acessado em: 15 de outubro de 2001.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
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CARTA de Canela. Elaborada no 2º Congresso Brasileiro do Ministério Público de Meio Ambiente e do 1º Encontro Regional do Instituto "O Direito por um Planeta Verde". Disponível em <https://www.mp.rs.gov.br.htm>. Acessado em 8 de fevereiro de 2002.
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DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997.
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MACIEL, Cláudio Vieira. A Importância da Participação da Sociedade nos Processos de Licenciamento Ambiental. Disponível em <https://www.faroljuridico.com.br/art.ambiental. htm>. Acessado em: 10 de janeiro de 2002.
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_____. Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.
MIRRA, Álvaro. In: MORATO LEITE, José Rubens (Org.). Inovações em Direito Ambiental. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2000.
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SCHIMIDT, Larissa. Os Princípios Ambientais e sua Aplicabilidade pelo Direito Brasileiro. Disponível em <https://www.mp.rs.gov.br.htm>. Acessado em 10 de abril de 2002.