Breves preceptivos acerca da pluralidade de penas criminais e tributárias e a vedação ao "bis in idem"

28/06/2017 às 22:16
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Tema que visa, em conjectura, esclarecer superficialmente a interseção ontológica do Princípio do "Non Bis In Idem" no Direito Penal e Tributário.

A cada ofensa a bem jurídico tutelado pela ordem jurídica deve corresponder uma única sanção. Essa é a ideia nuclear do princípio do non bis in idem. Todavia, em tese, uma ação ou omissão pode ofender a um ou mais de um, bens jurídicos, caso em que caberão tantas penalidades quantos forem os bens ofendidos sem que isso vulnere o princípio referido.

Em face desse princípio, cada ofensa só será punida com uma única penalidade, porque, se não existisse esse limite, diversas penalidade poderiam ser infligidas para uma só ofensa, o que é absolutamente contrário ao princípio da proporcionalidade na dimensão de interdição ao arbítrio. De fato, em matéria penal, o princípio reitor e delimitador da quantidade e da natureza da pena é o princípio da proporcionalidade. Vale dizer, a quantidade de pena a ser aplicada deve levar em consideração o dano em cada caso.

O juízo da proporcionalidade em sentido estrito está calcado na ideia de “retribuição”, o que leva a uma ponderação sobre a justa medida da intervenção. Nesse caso, meios e fins são confrontados para que se pesem as desvantagens dos meios em relação às vantagens dos fins, na busca de equivalência entre eles. No campo penal, esse princípio indica que a pena deve ser proporcional à lesão, ideia já consagrada na Declaração de Direitos de Virgínia, de 16 de junho de 1776, na qual o povo norte-americano declarou, na Seção IX, que “não podem ser exigidas cauções demasiadamente elevadas, aplicadas multas excessivas ou infligidas penas cruéis ou aberrantes”. Esse mesmo princípio foi adotado no item 20 da Magna Charta Libertarum, outorgada por João Sem-Terra em 15 de junho de 1215, no qual está escrito que “a multa a pagar por um homem livre, pela prática de um pequeno delito, será proporcionada à gravidade do delito, e a prática de um crime será proporcionada ao horror deste.”

Do ponto de vista ontológico, não há critério científico que permita afirmar que as penas restritivas de liberdade têm finalidades distintas das penas pecuniárias e restritivas de direitos. Todas elas, enquanto tais são instrumentos que o direito constrói para proteção dos bens jurídicos que são caros à sociedade. Portanto, a distinção entre elas é de grau, apenas, de intensidade da reação e da praticabilidade que está subjacente a toda escolha legislativa por uma ou outra espécie de pena. Essa identidade de função e estrutura entre as penas mais severas (as que implicam restrição de liberdade) e as demais, reforçam a ideia de que a aplicação de uma, exclui a outra sob pena de bis in idem.

Os problemas decorrentes da aplicação de uma cadeia de normas penais para reprimir um mesmo fato e uma só infração talvez pudessem ser, ao menos em parte, resolvidos pela aplicação do princípio da absorção. A teoria do Direito Penal conhece a figura da absorção para aplicação das penas em casos de concurso de infrações e de penalidades. Essa figura, prevista no art. 70 do Código Penal Brasileiro, implica a máxima de que a pena mais grave absorve a menos grave, total ou parcialmente.

O fato é que uma só ofensa, a uma só pessoa ou bem jurídico, não pode sofrer mais que uma penalidade. A previsão normativa de penalidades não é matéria que está à inteira discricionariedade do legislador, posto que as escolhas devem ser legitimadas pelas normas constitucionais (regras e princípios) e pelo código de valores constitucionais vigentes, no qual a liberdade é valor supremo. De nada adiantaria as exigências relativas à legalidade, dignidade humana, proporcionalidade, isonomia etc., se elas não tivessem a finalidade de proteger a liberdade individual do homem em comunidade. Portanto, quando a norma penal escolhe a privação ou restrição da liberdade como pena, ela escolheu o valor supremo da ordem jurídica, o que permite admitir que, essa espécie de pena é a mais grave de todas, só perdendo em importância para a pena capital, que é proibida entre nós.

Assim, se a ação ou omissão que infringe a lei tributária, é também punível com pena privativa de liberdade, a ordem jurídica não pode admitir a aplicação concomitante das duas espécies de penas para um mesmo fato em que há uma só lesão de direitos. Se forem aplicadas as duas penas, haverá a exasperação da pena mais grave, tornando-a desproporcional. De fato, subjacente ao princípio do non bis in idem está à ideia de proporcionalidade da pena em relação a lesão. A pena privativa de liberdade é a mais grave de todas, de modo que, com ela, o ius puniendi atinge o grau máximo e também a escolha do infrator atinge o ápice da valoração sobre o injusto. Logo, se, além da pena privativa de liberdade, ainda houver a pena pecuniária, haverá exacerbação legal do poder de punir.

REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Arthur N. Santos Amado

Advogado Tributarista, Conciliador TJPE e Membro da Comissão de Relações Acadêmicas da OAB.

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