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Considerações sobre a sucessão testamentária no novo Código Civil

03/11/2004 às 00:00
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O Direito das Sucessões sofreu profundas modificações com o advento do Novo Código Civil. Dentre essas modificações merece enfoque algumas alterações introduzidas no âmbito da sucessão testamentária, cuja matéria guarda íntima relação com o cotidiano das lides notariais.

A intangibilidade da legítima dos herdeiros necessários não foi alvo de maiores alterações com a nova legislação. A indisponibilidade da legítima permanece, portanto, a rigor das disposições dos arts. 1.789, 1.846 e 1.857, § 1º do novo Código Civil. Tal princípio já era prestigiado no Código revogado, em seus artigos 1.576 e 1.721 que reservava, igualmente, aos herdeiros legítimos, o direito à metade dos bens do autor da herança. Mudança substancial refere-se a inclusão do cônjuge sobrevivente no rol de herdeiros necessários (art. 1.845), em concorrência com os descendentes (art. 1.829, I) e, na falta destes, com os ascendentes (art. 1.829, II).

Os gravames de bens da legítima dos herdeiros com as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade (art. 1.723 do Código Civil revogado), até então em franco uso, sofreram restrições pelo art. 1.848 do Código Civil novo, que permite ao testador estabelecê-las somente quando houver justa causa declarada no testamento. Nesse sentido, o novo Código, em disposição transitória (art. 2.042) assinala ao testador o prazo de um ano, para que adite o testamento feito na vigência da lei velha, de forma a declarar justa causa de cláusula aposta à legitima. É importante salientar que a justificativa refere-se tão somente às imposições clausulares incidentes sobre bens que componham a legítima dos herdeiros necessários, havendo, portanto, plena liberdade de impor os gravames, sem qualquer justificativa aos bens que o testador determinar que saiam de sua metade disponível (arts. 1.846, 1.857, § 1º e 1.966 do novo Código Civil)

Além disso, a nova lei, em seu art. 1.848, § 1º, veda ao testador determinar a conversão dos bens da legítima em outros de espécie diversa. Essa disposição era tolerada pelo art. 1.723 da legislação substantiva civil extinta.

O art. 1.857, § 2º da nova lei preenche, de maneira precisa, uma lacuna deixada pelo Código em vigor, quando assevera que "são válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado". Tal dispositivo convalida os testamentos que versem exclusivamente sobre atos de cunho extrapatrimonial, tais como o reconhecimento de filho, nomeação de tutor, deserdações, etc. Essa providência visa proteger disposições desta natureza do rótulo conceitual de que o testamento se presta unicamente a preceitos de ordem patrimonial, oriunda da "definição" que foi dada ao instituto pelo art. 1.626 do antigo código.

Da mesma forma não foram alteradas as formas ordinárias de testamento: público, cerrado e particular. Com relação ao elenco das formas especiais de testamento, o novo Código adicionou o testamento aeronáutico aos testamentos marítimo e militar já presentes no atual estatuto.

O testamento público sofreu mudanças formais que interessam de perto aos profissionais que militam na área notarial, podendo-se destacar o seguinte: 1-) O art. 1.864, I, do novo Código Civil faculta a lavratura dessa forma de testamento pelo substituto do Tabelião, o que é vedado pelas disposições contidas no art. 20, § 4º da Lei nº 8.935/94 (Lei dos Notários e Registradores). Infere-se, assim, que o dispositivo sob comento da Lei Orgânica dos Notários e Registradores, fica implicitamente revogado a partir da vigência do novo Código Civil. 2-) Desde 1916 a lei determinava que a lavratura e leitura do testamento público fossem acompanhados por nada menos que cinco testemunhas (art. 1.632, I, do Código Civil revogado). Com a vigência do novo estatuto, somente duas testemunhas são necessárias para assistirem a leitura do instrumento. 3-) O novo Código estabelece que as declarações do testador poderão ser levadas ao Tabelião por via de minuta, notas ou apontamentos (art. 1.864, I, in fine), quebrando, destarte, a rigidez da lei antiga, que impunha a presença das testemunhas do início ao fim do ato, compreendendo aí inclusive, a própria lavratura do testamento. Pela nova norma, o testamento poderá ser lavrado previamente, prescindindo para isso do comparecimento das testemunhas, que deverão estar presentes somente por ocasião da leitura do instrumento. 4-) As regras relativas ao testador surdo e ao cego, não sofreram qualquer modificação, sendo inclusive, reproduzidas ipsis litteris no novo texto legal (arts. 1.866 e 1.867).

As mudanças verificadas no testamento público ecoam no tratamento dado ao testamento cerrado pelo novo estatuto civil: 1-) Em função das disposições do art. 1.868 do novo Código Civil, ficou facultada também ao substituto do Tabelião a aprovação de testamento cerrado (art. 1.868, in fine). 2-) A aprovação de testamento cerrado deverá ser presenciada por duas testemunhas (art. 1.868, I) e não mais por cinco conforme preceitua o Código de 1916 (art. 1.638, IV). No caso de testamento cerrado, entretanto, as testemunhas instrumentárias deverão estar presentes durante todo enredo ritualístico de aprovação. 3-) A nova legislação possibilita ao testador lançar mão de meios mecânicos (datilografado ou digitado) para redigir o testamento, desde que todas as páginas sejam numeradas e assinadas pelo testador (art. 1.868, parágrafo único).

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Há que se ressaltar ainda, que o novo Código Civil procurou adequar sua redação à terminologia hodierna quando se refere ao "Tabelião" como serventuário encarregado da lavratura de testamento público ou da aprovação de testamento cerrado, substituindo o termo "Oficial" utilizado pelo código octogenário.

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Sobre o autor
Carlos Kennedy da Costa Leite

tabelião do Serviço Notarial do 1º Ofício da Comarca de Machado (MG), pós-graduado em Direito Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Carlos Kennedy Costa. Considerações sobre a sucessão testamentária no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 484, 3 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5888. Acesso em: 22 dez. 2024.

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