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O estudo da teoria do erro no direito penal

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07/07/2017 às 10:30
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7 ERRO DE TIPO PERMISSIVO 

Com previsão no § 1º do art. 20 do Código Penal, este é o assunto que será abordado ao longo deste Capítulo:

 

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 

Explica Rogério Sanches Cunha:

 

Erro de tipo permissivo (§ 1º): Também chamado pela doutrina de erro sobre as descriminantes putativas, ou justificantes, recai sobre  os pressupostos de uma excludente de ilicitude (ou causa de justificação).

Exemplo: “A” encontra “B”, seu desafeto, na esquina. “B” enfia a mão no bolso. “A”, neste instante, supondo que “B” irá sacar uma arma, dispara primeiro, matando o suposto agressor que, na verdade, apenas tirava um lenço do bolso. Se o erro foi inevitável, “A” estará isento de pena; se evitável, responde por crime culposo (culpa imprópria).[41]

Segundo Cezar Roberto Bitencourt[42], esta espécie de erro ocorre quando o objeto do erro incide sobre pressuposto de uma causa de justificação.

Salienta o doutrinador que este assunto causa calorosos debates entre os estudiosos, pois discutem se seria hipótese de erro de proibição ou um caso a parte de erro, um erro sui generis.

Para tanto, Bitencourt explica que se trata, sem dúvida, de uma mistura entre erro de tipo e erro de proibição indireto, sendo, assim, um erro eclético, com estruturas que se assemelham ao erro de tipo, mas com consequências próximas ao erro de proibição.

Didaticamente, é recomendável o estudo desta espécie de erro em comparação com outras espécies também abordadas neste trabalho e é sobre isto que será tratado nos tópicos a seguir.


8 DIFERENCIANDO ALGUNS DOS INSTITUTOS ESTUDADOS NESTA OBRA

O erro de tipo permissivo é um instituto complexo e, para ficar mais claro, um bom método de estudo deste tema é comparando-o com outras espécies de erro já estudadas e é este o objeto do presente Capítulo.

 

 

8.1     Diferença entre erro de tipo permissivo e erro de proibição indireto

 

O erro de tipo permissivo é aquele que recai sobre os pressupostos de uma excludente de antijuridicidade, no mundo dos fatos.

Por exemplo: “A” vê seu desafeto “B” colocando a mão no bolso. Por pensar que “B” irá sacar uma arma e cometer homicídio contra “A”, este último, rapidamente, saca antes a sua arma e acaba com a vida de “B”. Depois, descobre-se que “B” queria apenas pegar o celular para efetuar uma ligação.

O erro de proibição indireto, por outro lado, apesar de ser um erro que incide sobre os pressupostos de uma excludente de ilicitude, não se relaciona com o mundo fático.

O objeto, aqui, não é o fato e também não é a lei. O objeto é a ilicitude.

Acredita, o indivíduo, que sua conduta seja permitida, por estar amparada em uma descriminante.

Segundo Cezar Roberto Bitencourt:

 

O erro de tipo permissivo, enfim, diferencia-se do erro de permissão porque não apenas se relaciona com a antijuridicidade da conduta, como está sempre ligado à falsa representação sobre o conteúdo do seu significado jurídico-penal.[43]

 

Conclui-se, portanto, que, em face da adoção da Teoria Limitada da Culpabilidade pela legislação brasileira, o erro de proibição, seja ele direto ou indireto, é tratado como erro aflitivo da culpabilidade, ao passo que o erro de tipo permissivo é tratado como erro de tipo, ou seja, aflitivo do dolo.

 

 

8.2     Diferença entre erro de tipo permissivo e erro de tipo essencial

 

 

Erro de tipo permissivo não se confunde com erro de tipo essencial.

Para falar destes dois institutos, é necessário destacar a previsão do art. 20 do Código Penal Brasileiro.

Isso porque a primeira modalidade de equívoco reside no § 1º e a segunda no caput do mencionado dispositivo:

 

Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Descriminantes putativas(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

 

 

O erro de tipo essencial, previsto no caput do artigo 20 do Código Penal Brasileiro, é a falsa percepção da realidade sobre um elemento do ilícito.

É a falsa representação de qualquer dos elementos constitutivos do tipo penal.

O equívoco, portanto, incide sobre a estrutura do tipo.

É possível que incida, também, nos crimes omissivos impróprios ou comissivos por omissão, onde existe a figura de garantidores.

Um exemplo é uma mãe que vê uma criança se afogar, conduto, não a salva, porque não sabe que se trata de seu próprio filho.

Se soubesse que se tratava de seu próprio filho, iria salvá-lo.

O indivíduo crê que sua ação é permitida, porque não sabe ao certo o que está fazendo.

A consequência do erro de tipo essencial é a exclusão do dolo, com a punição na modalidade imprudente do delito, acaso haja previsão legal, quando a infração for evitável e a exclusão do dolo e da culpa, quando a infração for inevitável.

Aqui, não se estende a análise da conduta do agente às causas excludentes de antijuridicidade, apenas analisa-se o erro sobre os elementos do crime.

A mesma conclusão não se pode extrair da análise do erro de tipo permissivo.

Este é ligado diretamente às causas de justificação.

Trata-se de um híbrido, conforme já relatado neste trabalho, entre o erro de tipo essencial e o erro de proibição indireto.

No erro de tipo essencial, pratica-se um fato típico sem querer e no permissivo a intenção é a prática do fato típico, com a crença de que age em conformidade com alguma justificante.

Do exame da lei fica mais clara ainda a diferença entre os dois institutos.

Caso fossem idênticos, não estariam separados, um no caput e outro no § 1º do art. 20 do Código Penal.

Portanto, não possuem a mesma natureza e acarretam diferentes consequências ao seu agente.

 

 

8.3     Diferença entre o erro de proibição direto e o erro de proibição indireto

 

 

O erro de proibição incide sobre a ilicitude de um comportamento.

É quando o agente supõe, erroneamente, que sua conduta é lícita.

Por exemplo: guarda cocaína em casa, pensando ser permitido.

Deve-se entender por ilicitude a relação de contradição entre o fato e a norma.

Não se confunde de forma alguma com o erro de tipo.

Damásio de Jesus explica: “Se o sujeito tem cocaína em casa, supondo tratar-se de outra substância, inócua, trata-se de erro de tipo (art. 20); se a tem supondo que o depósito não é proibido, o tema é de erro de proibição (CP, art. 21)” [44]

O erro de proibição indireto, também conhecido como erro de permissão, como já dito anteriormente, só irá se configurar se o engano sobre a norma recair sobre a existência de uma proposição permissiva. Ou seja, embora o agente saiba o que está fazendo, e saiba que se trata de uma conduta antijurídica, por ignorância ou mal conhecimento da lei, crê estar amparado por alguma causa que justifique a ilicitude da conduta.

 

 


9 EXEMPLOS REAIS TRAZIDOS PELA JURISPRUDÊNCIA E PELA MÍDIA 

Este Capítulo destina-se à análise, na prática, de casos reais de erro no Direito Penal vistos na jurisprudência e na imprensa, para que fique mais claro o estudo desenvolvido neste trabalho e para ressaltar a relevância do tema, que é visto, muitas vezes, na vida cotidiana, e serve para que não sejam punidos de formas iguais os praticantes da mesma conduta delituosa, quando um incorrer em erro e o outro tiver plena consciência de sua ação e da realidade fática em que está inserido.

 

 

9.1     Exemplo de erro de proibição indireto

 

 

Inicialmente, será tratado do erro de proibição indireto.

Caso de prostituta que, pensando que sua conduta configura exercício regular de seu direito de receber o pagamento pelos serviços prestados, arranca cordão folheado a ouro de seu cliente, incorrendo, assim, na infração de exercício arbitrário das próprias razões.

Este é o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.

Confira abaixo:

DIREITO PENAL. RECONHECIMENTO DE PROTEÇÃO JURÍDICA A PROFISSIONAIS DO SEXO.

Ajusta-se à figura típica prevista no art. 345 do CP (exercício arbitrário das próprias razões) - e não à prevista no art. 157 do CP (roubo) - a conduta da prostituta maior de dezoito anos e não vulnerável que, ante a falta do pagamento ajustado com o cliente pelo serviço sexual prestado, considerando estar exercendo pretensão legítima, arrancou um cordão com pingente folheado a ouro do pescoço dele como forma de pagamento pelo serviço sexual praticado mediante livre disposição de vontade dos participantes e desprovido de violência não consentida ou grave ameaça. Para a configuração do delito previsto no art. art. 345 do CP, parte da doutrina pátria entende ser desnecessária a classificação da pretensão do agente como "legítima", desde que seja, em tese, passível de debate judicial. Nesse sentido, para o reconhecimento do ilícito penal, seria necessário que a dívida possa ser objeto de cobrança judicial. Há, todavia, a seguinte ponderação doutrinária: "O elemento material do crime é fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer uma pretensão. Esta é o pressuposto do delito. Sem ela, este não tem existência, incidindo o fato em outra disposição legal. A pretensão, por sua vez, se assenta em um direito que o agente tem ou julga ter, isto é, pensa de boa-fé possuí-lo, o que deve ser apreciado não apenas quanto ao direito em si, mas de acordo com as circunstâncias e as condições da pessoa. Consequentemente, a pretensão pode ser ilegítima - o que a lei deixa bem claro: 'embora legítima' - desde que a pessoa razoavelmente assim não a julgue." Ciente disso, convém delimitar que o tipo penal em apreço (art. 345 do CP) relaciona-se, na espécie, com uma atividade (prostituição) que, a despeito de não ser ilícita, padece de inegável componente moral relacionado aos "bons costumes", o que já reclama uma releitura do tema, à luz da mutação desses costumes na sociedade pós-moderna. Não é despiciendo lembrar que o Direito Penal hodiernamente concebido e praticado nas democracias ocidentais passou por uma "longa encubação no pensamento jusnaturalista da época iluminista", resultando na "separação entre legitimação interna e legitimação externa ou entre direito e moral", como bem pontuado por doutrina. Registre-se, nesse passo, a modificação legislativa relativamente recente (Lei n. 12.015/2009) que, entre outras coisas, alterou a denominação dos crimes previstos no Título VI do Código Penal, com a substituição da vetusta ideia de que o bem jurídico tutelado eram os costumes, passando a conferir proteção mais imediata à liberdade de autodeterminação sexual de adultos e reafirmando a proteção do desenvolvimento pleno e saudável de crianças, adolescentes e incapazes em geral. Sob a perspectiva de que a história dos crimes sexuais é, em última análise, a história da secularização dos costumes e práticas sexuais, não é possível negar proteção jurídica àqueles que oferecem seus serviços de natureza sexual em troca de remuneração, sempre com a ressalva, evidentemente, de que essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis, desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes e não implique violência (não consentida) ou grave ameaça. Acenando nessa direção, oportuna é a transcrição do seguinte excerto doutrinário: "Na órbita do Direito Civil, a prostituição deve ser reconhecida como um negócio como outro qualquer (...) O comércio sexual entre adultos envolve agentes capazes. Como já se deixou claro, reconhecida a atividade no rol das profissões do Ministério do Trabalho, o objeto é perfeitamente lícito, pois é um contato sexual, mediante remuneração, entre agentes capazes. Seria o equivalente a um contrato de massagem, mediante remuneração, embora sem sexo. Não há forma prescrita em lei para tal negócio, que pode ser verbal." Aliás, de acordo com o Código Brasileiro de Ocupações, de 2002, regulamentado pela Portaria do Ministério do Trabalho n. 397, de 9 de outubro de 2002, os profissionais do sexo são expressamente mencionados no item 5198 como uma categoria de profissionais, o que, conquanto ainda dependa de regulamentação quanto a direitos que eventualmente essas pessoas possam exercer, evidencia o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo não é ilícita e que, portanto, é passível de proteção jurídica. Dessas considerações - que, por óbvio, não implicam apologia ao comércio sexual do próprio corpo, mas apenas o reconhecimento, com seus naturais consectários legais, da secularização dos costumes sexuais e a separação, inerente à própria concepção do Direito Penal pós-iluminista, entre Moral e Direito - pode-se concluir, como o faz doutrina, ser perfeitamente viável que o trabalhador sexual, não tendo recebido pelos serviços sexuais combinados com o cliente, possa se valer da Justiça para exigir o pagamento. Sob esse viés, mostra-se correto afastar a tipicidade do crime de roubo - cujo elemento subjetivo não é compatível com a situação aqui examinada - e entender presente o exercício arbitrário das próprias razões, ante o descumprimento do acordo de pagamento pelos serviços sexuais prestados.[45]

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Observa-se que, na hipótese, a Corte entendeu não ser hipótese de roubo.

Ressaltou o informativo que a prostituta “considerava estar exercendo pretensão legítima”.

Em razão de supor situação justificante (exercício regular do direito) que inexistia, na hipótese, porque caracterizado o delito de exercício arbitrário das próprias razões, a prostituta incorreu em erro de proibição indireto.

 

 

9.2     Exemplo de alegação de erro de proibição direto não aceita pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

 

 

Aqui, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná não reconheceu a alegação de erro de proibição.

É o caso de um indivíduo ao qual foi imputada sanção por porte ilegal de arma de fogo com numeração suprimida.

Pleiteou o infrator sua absolvição, por não ter consciência da ilicitude de sua conduta, ante o desconhecimento da norma proibitiva.

A Corte refutou o argumento do agente delituoso, sob o fundamento de que o apelante possuía potencial consciência da ilicitude, ante a ampla divulgação da campanha do desarmamento.

Ainda, o Colegiado considerou o histórico cultural do indivíduo, para concluir que este possuía conhecimento da antijuridicidade de seu ato.

Confira:

 

APELAÇÃO CRIME Nº 1.465.897-0, DE CAMPO MOURÃO - 1ª VARA CRIMINAL.NÚMERO UNIFICADO: 0001212-41.2012.8.16.0058.APELANTE : WALTER DETONI.APELADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.RELATOR : DES. JOSÉ CARLOS DALACQUA.APELAÇÃO CRIMINAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA (ARTIGO 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO IV, DA LEI Nº 10.826/2003). 1) PLEITO PARA FIXAÇÃO DA PENA BASE NO MÍNIMO LEGAL. PEDIDO JÁ OPERACIONALIZADO NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PLEITO NÃO CONHECIDO. 2) ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DA EXCLUDENTE DE ILICITUDE DO ESTADO DE NECESSIDADE. INAPLICABILIDADE.PORTE DA ARMA PARA DEFESA PESSOAL. MEIO ILEGAL DE PROTEÇÃO. 3) PLEITO DE ABSOLVIÇÃO FUNDAMENTADO NO ERRO DE PROIBIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APELANTE QUE POSSUÍA POTENCIAL CONHECIMENTO DA ILICITUDE. AMPLA DIVULGAÇÃO DA CAMPANHA DO DESARMAMENTO. ANÁLISE CULTURAL DO INDIVÍDUO QUE FAZ CRER O CONHECIMENTO DA ILICITUDE DO ATO. 4) DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA AQUELA PREVISTA NO ARTIGO 14 DA LEI Nº 10.826/2003 EM RAZÃO DE O CALIBRE DO ARMAMENTO SER DE USO PERMITIDO. IMPOSSIBILIDADE.ARMAMENTO COM NUMERAÇÃO DE SÉRIE SUPRIMIDA QUE SE EQUIPARA A ARMAMENTO DE USO RESTRITO. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NA PARTE CONHECIDA, DESPROVIDO.[46]

Assim, por considerar a potencial consciência da ilicitude do ato, o Tribunal entendeu pela rejeição da alegação de erro de proibição direto.

 

 

9.3     Dois exemplos de erro de tipo permissivo

 

 

Na hipótese abaixo, houve a persecução penal contra uma mulher, para apurar o delito de calúnia.

Ao final, restou comprovado que a suposta infratora não tinha a intenção de caluniar a parte ofendida, mas sim acreditava realmente estar sendo vítima de delitos patrimoniais, o que, segundo os julgadores, demonstra indícios de erro de tipo permissivo, pela suposição de situação fática que, na realidade, inexistia.

Ante a ausência de previsão de calúnia culposa no ordenamento, restaria apenas a absolvição, pela exclusão do dolo.

 

APELAÇÃO CRIME. CALÚNIA. ART. 138, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO. RECURSO DO QUERELANTE.PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO DA QUERELADA.AFASTAMENTO. PROVAS PRODUZIDAS NOS AUTOS QUE NÃO DEMONSTRAM O DOLO E A ESPECIAL FINALIDADE DA PRÁTICA DE CRIME CONTRA A HONRA. QUERELADA QUE EM DISCUSSÃO E NA PRESENÇA DE VÁRIOS EMPREGADOS TERIA SE INSURGIDO CONTRA SUPOSTAS IRREGULARIDADES DE AUTORIA DO QUERELANTE.PROVAS QUE NÃO DEMONSTRAM O DOLO DA QUERELADA EM MACULAR A HONRA DO QUERELANTE. INDÍCIOS CLAROS DO ANIMUS DEFENDENDI POR PARTE DA QUERELADA, QUE SUPUNHA SER VÍTIMA DE DELITOS PATRIMONIAIS.POSSÍVEL CARACTERIZAÇÃO DE ERRO DE TIPO PERMISSIVO, ACASO CONSTATADO QUE AS IRREGULARIDADES INEXISTIAM OU ERAM DE AUTORIA DE OUTRA PESSOA, O QUE SEQUER SE INDICIOU NOS AUTOS. EXCLUSÃO DO DOLO, DE QUALQUER FORMA, INAFASTÁVEL. TESES DO QUERELANTE QUE NÃO PODEM SER ACOLHIDAS.ABSOLVIÇÃO QUE SE MANTÉM. RECURSO DESPROVIDO.I - No pertinente aos crimes contra a honra exige-se o dolo direto ou eventual, ou seja, não há crime com a ausência de dolo. Portanto, se a conduta foi praticada com animus jocandi, animus narrandi, animus corrigendi, animus defendendi, animus consulendi, notadamente no caso dos autos em que a querelada tinha razões de ordem técnica (irregularidades na prestação de contas) para acreditar ser o querelante o autor das deturpações patrimoniais que vinha sofrendo, não haverá crime por ausência de dolo específico de atingir a honra da vítima. Não bastasse isso, o mero desejo ou o animus de defender um direito, ainda que de forma mais contundente, mas sem a concreta comprovação de ter havido a intenção de provocar ofensa moral, não configura crime.II - Se não fosse isto, ainda que se acolha a alegação da defesa de que as supostas irregularidades patrimoniais inexistiam (o que sequer ficou indiciado nos autos, haja vista o exame atento dos depoimentos testemunhais), ainda assim, seria possível se concluir que a querelada incorreu em erro de tipo permissivo, por supor erroneamente - mediante falsa representação da realidade - que estava agindo de modo justificado, o que de qualquer modo impõe entender a ausência de dolo na conduta por ela perpetrada.[47]

Outro exemplo é o caso de policial, que, vítima de um trote e acreditando realmente que estava sofrendo um assaltou, disparou contra colega seu, o qual veio a falecer, em razão das lesões sofridas.

Trata-se, aparentemente, de erro de tipo permissivo inevitável, excluindo-se dolo e culpa.

Veja:

 

O Fantástico mostrou um caso que esta semana provocou comoção, em Mato Grosso. Um policial reagiu à abordagem de um motoqueiro e matou o homem a tiros.  Logo em seguida, ele descobriu que a vítima não era um bandido. Preste atenção nessas imagens: câmeras do hospital de Rondonópolis, em Mato Grosso, mostram um homem desesperado carregando outro homem, que foi baleado e está inconsciente. Os dois são amigos, e policiais militares à paisana. A vítima é deitada numa maca e levada para o setor de emergência. A situação é muito grave. O homem ferido é o PM Yang Caio de Oliveira. Quem o leva para o hospital é o PM Eliseu Cintra, que entrou para a polícia por influência de Caio. “Ele me ajudava, ia lá em casa com as apostilas, fazia de tudo para eu entrar na polícia”, diz Cintra. Foi ele quem atirou em Caio. O soldado Cintra concordou em dar essa entrevista com a condição de não mostrar o rosto. Ele conta ao Fantástico como esse terrível engano aconteceu: “Quando o portão terminou de abrir, engatei a marcha ré, fui saindo. As minhas filhas estavam brincando na frente da minha casa. No que eu estou saindo, o motoqueiro entrou. Aí foi quando aconteceu a tragédia. O menino falou ‘Perdeu polícia, perdeu’, Minha esposa comigo no carro e eu reagi”. Cintra não podia imaginar, mas o motoqueiro era o amigo e vizinho caIo, de capacete, sem o uniforme militar: “Aí foi automático, eu dei o disparo. Ele desceu da moto e correu para trás do meu veículo. Quando ele passou meu veículo e veio ao lado da minha esposa, já do lado de cá, efetuei mais um disparo, onde atingiu a virilha do elemento e ele rodou e caiu. Aí, foi a hora que eu fui em direção a ele para confirmar a situação. Ele conseguiu tirar o capacete e se identificou: ‘Sou eu, sou eu, Caio. Sou eu, o Caio’. Eu desesperei! Ele falou ‘perdão velho, eu estava brincando com você’.” A causa da tragédia, segundo Cintra, tinha sido apenas um trote do amigo Caio.[48]

O agente imaginou estar diante de uma situação fática de legítima defesa.

No entanto, tratava-se, sim, de legítima defesa putativa, porque não estava o sujeito ativo sofrendo realmente um assalto.

Acabou sendo uma brincadeira, que acabou em tragédia.

 

 

9.4     Dois exemplos de erro de tipo essencial

 

 

Caso em que os jurados entenderam caracterizar erro de tipo essencial e inevitável a situação em que os agentes imaginaram estar atirando em um animal, porém, atingiram pessoas que adentravam em sua propriedade.

 

CRIME. ERRO ESSENCIAL INEVITÁVEL.

Os pacientes foram denunciados e pronunciados nos termos do art. 121, § 2º, II e IV, c/c o art. 14, todos do CP. Submetidos ao Tribunal do Júri, restaram absolvidos pelo Conselho de Sentença que reconheceu terem eles agido por erro de tipo invencível (art. 20 do CP) - imaginaram estar atirando em um animal em vez de nas pessoas que haviam adentrado a sua propriedade. O Ministério Público apelou, e o Tribunal a quo anulou o julgamento ao fundamento de que a decisão dos jurados era manifestamente contrária à prova dos autos. Daí a impetração deste habeas corpus, alegando que a decisão feria a soberania dos vereditos do júri e, subsidiariamente, requerendo a anulação do acórdão em razão da eloqüência acusatória, a qual pode influenciar na decisão dos jurados no novo julgamento. Para o Min. Relator, com base também no parecer da Subprocuradoria, no caso dos autos, o juiz da pronúncia já reconhecia haver teses conflitantes, assim, se os jurados optaram por uma das versões apresentadas, não há a hipótese de que essa decisão seja manifestamente contrária à prova dos autos. Outrossim, ao Conselho de Sentença, somente a ele, cabe dirimir o conflito quando da votação dos quesitos. Note-se que a tese absolutória, baseada no erro invencível dos pacientes, foi acolhida no momento do julgamento, consubstanciada nos interrogatórios, depoimentos e laudos acostados no processo. Com esse entendimento, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, concedeu a ordem.[49]

 

Outro exemplo é o caso do indivíduo que teve relações sexuais com duas meninas, uma de 13 e outra de 14 anos, sem saber que elas eram menores de idade, porque aparentavam realmente ser mais velhas.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no caso abaixo, entendeu tratar-se de erro de tipo, pelo que absolveu o réu, que havia sido condenado em primeira instância:

 

TJ rejeita estupro porque menina aparentava ser mais velha: Segundo especialista, a partir de agora, em São Paulo, “qualquer abusador sexual poderá explorar crianças e adolescentes e para ficar impune poderá justificar que não sabia que eram menores de idade” O Tribunal de Justiça (TJ) do Estado de São Paulo inocentou um homem acusado de estupro de vulnerável por considerar que a vítima, menor de 14 anos, era prostituta. A sentença foi dada pela 1ª Câmara Criminal Extraordinária do TJ em 16 de junho e ainda cabe recurso pelo procurador-geral de Justiça do Estado, Márcio Fernando Elias Rosa. O favorecido pela decisão é o fazendeiro G. B., hoje com 79 anos, morador da pequena Pindorama, na região de São José do Rio Preto. Ele foi preso em fevereiro de 2011 com duas meninas, de 14 e de 13 anos. Ele saía de um canavial, com as garotas dentro de sua caminhonete, quando a PM, acompanhada por conselheiros tutelares, o abordou. As meninas disseram que receberam dinheiro – R$ 50 a de 14 anos, e R$30 a de 13 – para fazer programa. A relação sexual foi comprovada com a menina de 13 anos. Preso em flagrante por favorecimento à prostituição de menores e estupro, o fazendeiro saiu da cadeia depois de 40 dias. Julgado em primeira instância, B. foi condenado a oito anos por estupro de vulnerável e absolvido pelo crime de favorecimento à prostituição. Mas ao analisar recurso impetrado pelo Ministério Público contra a absolvição em primeira instância, o TJ decidiu inocentar o fazendeiro das duas acusações. Para os desembargadores a compleição física da garota, acostumada à prostituição e consumo de bebidas, levou o fazendeiro a cometer erro sobre a idade dela. Segundo o acórdão do TJ, os desembargadores decidiram, por maioria de votos, negar o recurso do MP e rejeitar a condenação do fazendeiro pelo crime de estupro de vulnerável –artigo 217-A do Código Penal – com fundamento no artigo 386 do Código de Processo Penal por não constituir fato de infração penal e não prova suficiente para condenação do réu. No processo, o relator Airton Vieira, embora reconheça o caráter de presunção absoluta de violência para estupro de menor de 14, acolhe a defesa do fazendeiro ao alegar que o mesmo teria sido levado ao erro sobre a idade da menina, devido à experiência mental dela com a vida sexual e a prática da prostituição que levava e a diferia das outras meninas da mesma idade. “(...) Justamente pelo meio de vida da vítima e da sua compleição física é que não se pode afirmar, categoricamente, que o réu teve o dolo adequado à espécie”, diz o relator ao justificar o voto. Representantes dos órgãos dos direitos da criança e do adolescente criticaram a decisão do TJ. “Não há crime de estupro conta criança. O que há é exploração sexual de criança. Esse homem deveria ser condenado por exploração sexual de criança, um crime hediondo”, afirmou a presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Miriam Maria José do Santos. Segundo ela, a Justiça deixa de cumprir seu papel na defesa das crianças e adolescentes. “É triste ver que existem tribunais no País com representantes que ainda não cumprem o Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece que é dever do Estado proteger a criança e o adolescente e colocá-los a salvo da exploração e da violência”, afirmou. Membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e fundador da Comissão Especial da Criança da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado Ariel Castro Alves disse que a decisão do TJ é uma “licença para a exploração das crianças e adolescentes”. “Esses desembargadores afrontaram a legislação e jurisprudência e violaram o princípio de proteção integral previsto na Constituição e no ECA”, afirmou. Segundo ele, a partir de agora, em São Paulo, “qualquer abusador sexual poderá explorar crianças e adolescentes e para ficar impune poderá justificar que não sabia que eram menores de idade”, disse. Duas conselheiras tutelares de Pindorama disseram que as duas meninas não eram prostitutas. Com medo de serem retaliadas, elas não quiseram ser identificadas, mas afirmaram que as duas garotas “eram usuárias de drogas, mas não eram prostitutas”, afirmaram. Segundo uma delas, a garota mais velha, que tinha 14 anos na época, conseguiu deixar as drogas, se casou e está grávida. “Ela está morando em outra cidade”, disse uma conselheira. Segundo ela, a outra menina, que tinha 13 anos, continua usando drogas. A reportagem procurou o advogado Edervek Delalibera, que defende o fazendeiro, mas não conseguiu seu contato.[50]

 

Considerou, a Corte, estar diante de erro de tipo essencial, por isso determinou a absolvição.

Irrelevante, aqui, saber se o caso é de erro de tipo essencial evitável ou inevitável, eis que o elemento subjetivo do estupro é o dolo, não havendo previsão para a configuração deste ilícito na sua modalidade imprudente[51].

 

 

9.5     Erro de tipo acidental, na espécie erro sobre o nexo: estudo de caso

 

 

No ano de 2008, um delito chocou o Brasil.

Foi o caso do homicídio da menina Isabella Nardoni.

Após ser estrangulada, segundo a perícia, a menina foi lançada prédio abaixo, por seu próprio pai, que, para isso, cortou a tela de proteção da janela.

Segue a conclusão da polícia:

 

 

Para a polícia, Isabella foi ferida na testa com algum objeto pontiagudo, como uma chave, quando ainda estava no carro. Ao subir com a menina para o apartamento, uma fralda teria sido usada para estancar o sangue. Uma vez na sala do apartamento, Isabella teria sido estrangulada por cerca de sete minutos por Anna Carolina enquanto Alexandre cortava a tela de proteção da janela do quarto. A menina então teria sido levada por Alexandre até o quarto. Ela ainda estaria viva, mas inconsciente. Após subir na cama rente à janela, o assassino teria segurado Isabella pelos pulsos e, com o corpo dela virado para ele, jogou a menina do sexto andar. Isabella caiu de lado no jardim do prédio. Ao ser encontrada, ela ainda estava viva, com a bacia e o punho direito fraturados, mas morreu a caminho do hospital. Em março de 2010, Alexandre e Anna Carolina foram levados a júri popular. Após cinco dias de julgamento, o juiz Mauricio Fossen sentenciou Alexandre Nardoni a 31 anos, 1 mês e 10 dias de prisão, e Anna Carolina Jatobá, a 26 anos e 8 meses. Eles foram condenados por homicídio triplamente qualificado – “pelo meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela) e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (esganadura e ferimentos praticados anteriormente contra a mesma vítima)”, de acordo com a sentença. Houve também o agravante de a menina ser menor de 14 anos. Alexandre recebeu uma pena maior pois o crime foi contra sua própria filha. Os dois ainda foram sentenciados a 8 meses de detenção em regime semiaberto por fraude processual, por terem alterado a cena do crime. Na sentença, o juiz afirmou que as penas ficariam acima da base definida no Código Penal em razão da "culpabilidade" do casal e das circunstâncias, em que os réus, disse, demonstraram "frieza emocional e insensibilidade acentuada".[52]

 

 

Na época, levantaram a hipótese de que o pai da menina, pensando estar esta já morta por asfixia, lançou ela pela janela, para simular um acidente.

Se fosse este o caso, estaríamos diante de erro sobre o nexo causal, pelo que responderia o agente, segundo a corrente majoritária, pelo nexo real.

No referente à qualificadora, seria considerado o meio de execução que o agente desejava empregar para a consumação (asfixia) e não aquele que acidentalmente permitiu a ocorrência do resultado (queda da janela), conforme já estudado neste trabalho.

 

 

9.5     Erro de tipo acidental, na espécie erro na execução

 

 

O erro na execução pode ser de dois tipos: por acidente ou por erro no uso dos meios da execução.

Abaixo, um caso típico de erro na execução, em que o agente, invadiu a casa da vítima para tentar matá-la e, durante a troca de tiros, acabou por atingir o comparsa:

 

Criminoso tenta matar homem, mas acaba acertando comparsa, em RO: Três suspeitos invadiram uma casa na zona rural em tentativa de homicídio.Dois foram presos e um continua foragido, segundo a polícia. Por volta das 22h de domingo (25), três homens armados entraram em fogo cruzado na Rua Costa e Silva, na zona rural de Porto Velho, em tentativa de homicídio contra Silas Pereira Passos, de 25 anos, segundo a polícia. Além de Silas, um dos suspeitos ficou ferido após ser baleado pelo próprio comparsa. Segundo a Polícia Militar (PM), três homens armados invadiram a casa da vítima. Dois deles pela frente da casa e outro pela porta dos fundos. Durante o fogo cruzado, Silas foi atingido por uma bala no tórax, e o suspeito foi alvejado no quadril e no tórax. A esposa de Silas, que estava presente no momento do ocorrido, diz que foi o marido quem reconheceu os suspeitos e informou à polícia. Os criminosos fugiram do local, mesmo com um deles machucado. A polícia encontrou primeiro um dos suspeitos que acabou confessando e entregando os comparsas, inclusive o que ficou baleado durante a ação. Dois deles foram presos em flagrante e um continua foragido.[53]

 

Flagrante hipótese de erro na execução, eis que o sujeito ativo do delito representou corretamente a vítima pretendia, apenas a execução do crime se deu de forma errônea.

Houve apenas falha operacional. 

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHINEL, Liliana. O estudo da teoria do erro no direito penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5119, 7 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58883. Acesso em: 16 abr. 2024.

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