Há alguns anos tive uma coluna semanal, em jornal impresso, que denominei Citizen. Foram bons cinco anos de participação. Citizen fazia referência a uma marca de relógio e me apresentei ao leitor escrevendo que pretendia colaborar com a aceleração da cidadania. Observando o relógio do direito vejo o quanto precisamos – enquanto povo, mas no mundo também – acelerar o tempo para que nossas conquistas não se desfaçam na poeira do Livro dos Sábios: a Constituição.
A metáfora do relógio do direito é interessante porque permite, do presente, avançar ou atrasar os ponteiros. No pretérito, encontramos todos os regimes de exceção quando a vida humana de pouco vale no indicador das distopias. Mas, é um passado vivo que teima em ressurgir. No futuro indicado pelos ponteiros a boreste, ocorrem os sonhos, as esperanças, as utopias, que também são chamados de teleologia e de revolução do status quo.
Assim foi com o Iluminismo – e, séculos antes disso, a bússola e o relógio seriam profundamente modificados pelo Renascimento. Se tivemos um Golpe Militar em 1964, fazendo o tempo parar, ao revés disso, em 1988, revelamos uma Constituição Cidadã. Até hoje, sobretudo com os ameaços de perdas profundas na condição do direito conquistado, a leitura da Carta Política é revigorante.
Para quem só pode ler um pouco, do art. 1º ao 7º, num só esforço de construção humano-jurídica, é possível ver que um dia estivemos bem à frente de nosso tempo. Ainda que pesem todos os erros do passado acumulados na Constituição, em formas variadas de exceção, nossos ponteiros estavam mirando o horizonte.
Em tempos excepcionais, do presente, o pior de tudo volta a nos paralisar. A cidadania regride, o direito repressivo é invocado e praticado; além, é claro, da mais simples negação da dignidade humana. Sem pensar no mundo e em sua xenofobia, por aqui vivemos estacionários no racismo e no machismo, na intolerância e no fascismo inscrustado na cordialidade de quem leva vantagem sobre o direito de outrem, no cinismo e na hipocrisia.
Para tomar de uma narrativa sem metáfora dos Tempos Sombrios, reapresento abaixo o comunicado assinado pela Magnífica Reitora da Universidade Federal de São Carlos: Moção de Apoio do Conselho Universitário à Liberdade Sindical, de Expressão e de Convívio PacíficoO Conselho Universitário (ConsUni) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), reunido em sua 227ª Reunião Ordinária, realizada em 23 de junho de 2017, após ser informado sobre a destruição de uma faixa sindical, vem a público manifestar-se a favor da liberdade de expressão e pensamento.
Tais liberdades foram aceitas como um direito natural do Homem e consagradas pelo Iluminismo, em pleno século XVIII, na Europa. A célebre frase atribuída ao filósofo Voltaire precisa ser relembrada: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-las". Além disso, o Conselho Universitário da UFSCar foi informado que atos de vandalismo e apologia ao crime e ao nazismo ocorreram recentemente dentro do Campus de São Carlos. Não dá para aceitar que, em pleno século XXI, ações de intolerância e preconceito ainda persistam.
A sociedade brasileira tem lutado para que pessoas não sejam desrespeitadas e agredidas por ser de uma raça ou ter uma orientação sexual, uma religião ou uma ideologia, por exemplo. A História tem mostrado as diferentes formas de agressão (massacres, atentados a bomba, xingamentos, insultos, segregação, desprezo...) e os nefastos resultados para a humanidade. É papel da universidade orientar e educar todas as pessoas que estejam a seu alcance, transformando-as em cidadãos conscientes.
Assim, o Conselho Universitário da UFSCar repudia, veementemente, atos de cerceamento às liberdades de expressão e conclama todos os membros da comunidade a uma convivência pacífica de respeito à liberdade de expressão e de pensamento e de respeito às diversidades.
São Carlos, 23 de junho de 2017
Prof.ª Dr.ª Wanda Aparecida Machado Hoffmann
Presidente do Conselho Universitário
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