Uma nação de trabalhadores que assiste o perecimento dos seus direitos como um bagaço de laranja.

Possíveis diálogos entre a reforma trabalhista e o cinema nos filmes O homem que virou suco e O emprego

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06/07/2017 às 11:50
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A Reforma trabalhista colide com o arcabouço teórico, histórico e protetivo do Direito Laboral. Sua justificativa é modernizar as relações de trabalho, mas, na verdade, parece trazer um retrocesso. Em meio às reflexões, fica a indagação: a diretriz constitucional de proteção ao trabalho humano estaria sendo preservada?

Na morte eu descanso mas o sangue anda solto

Manchando os papéis, documentos fiéis

Ao descanso do patrão[ii].

RESUMO: A Reforma trabalhista (PL 6787/2016) colide com o arcabouço teórico, histórico e protetivo do Direito Laboral. A justificativa para referido projeto de Lei é modernizar as relações de trabalho. Do bojo de suas justificativas destacam-se que é submetida com fins de aprimorar as relações do trabalho com valorização da negociação coletiva e atualização dos mecanismos de combate à informalidade. O escopo principal é analisar o PL e os possíveis diálogos entre a reforma trabalhista e o cinema nos filmes O homem que virou suco e O emprego. Adotou-se a pesquisa bibliográfica no intuito de sazonar o estudo jurídico e exemplificar artisticamente as possíveis consequências da reforma trabalhista proposta pelo governo. Não se tem a pretensão de exaurir o tema em virtude de sua abrangência e complexidade. Pontua-se apenas alguns argumentos com a finalidade de provocar a reflexão sobre a matéria sob a ótica do Direito e da Arte. Compreende-se pela sua inviabilidade, sob pena de derrogação dos direitos trabalhistas e sujeição ao retrocesso.

Palavras-chave: Direito do trabalho. Reforma trabalhista. Trabalhador. Princípio da proteção. Retrocesso.


1.      INTRODUÇÃO 

O presente artigo tem como objeto de estudo o Projeto de Lei nº 6787 de 2016, de autoria do Poder Executivo, nominado como Reforma Trabalhista, que tramita no Senado sob o número PLC 38/2017.  A justificativa para referida reforma é modernizar as relações do trabalho, sem que haja precarização do emprego, evidenciando argumento funesto de que a Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto Lei que data da era Vargas, seria arcaico e não atenderia aos ditames das relações de trabalho e emprego dos dias atuais. 

No bojo de sua justificativa destaca, entre outros, que a proposta da reforma é submetida com fins de aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores e atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país.

Da apresentação original à redação final, tem-se muitas discussões e escassos debates consistentes acerca da representatividade negativa de tal reforma que atenta contra todas as lutas históricas em prol do reconhecimento dos Direitos dos Trabalhadores.

O escopo principal da pesquisa é analisar o projeto de lei com algumas de suas justificativas e propostas de alterações; cotejar com princípios trabalhistas, como o da proteção princípio basilar do direito laboral e; seus possíveis diálogos com a arte (cinema) nos filmes “O homem que virou suco” e “O emprego”, na perspectiva agregadora de utilização de filmes para o fomento de debates, que se apresenta como método provocativo e reflexivo, demonstrando, assim, que a ligação entre o Direito e a arte é possível e eficaz para o enriquecimento da cultura jurídica.

A importância deste estudo reside na necessidade de avaliar e questionar a quem realmente interessa a reforma trabalhista e se a mola propulsora do capitalismo, o trabalho, é realmente ponto que interessa ser defendido pelos representantes eleitos pelo povo, e se esses detêm conhecimento do Direito do Trabalho essencialmente protetivo a fim de minimizar os embates capital versus trabalho. A diretriz constitucional acerca da proteção ao trabalho humano estaria sendo preservada?

Não obstante, tal estudo propicia à comunidade jurídica aportes teóricos basilares, a fim de franquear aos profissionais do Direito, elementos precípuos, por meio dos quais possam compreender a reforma trabalhista, algumas de suas justificativas, e, ao mesmo tempo, obtenham subsídios nos entendimentos doutrinários daqueles militantes no dia a dia do judiciário trabalhista para que se promovam debates consistentes, e, o combate à inserção desse monstrengo jurídico “reforma trabalhista” seja uma luta diária pela não derrogada do Direito Laboral e consequentemente da Justiça do Trabalho. 

A pesquisa assim encontra-se estruturada: enfoque sobre a proposta da reforma trabalhista e justificativas sob a óptica e crítica de alguns autores; na sequencia abordagem sobre o filme "O homem que virou suco e o Emprego"; e, por derradeiro, versa sobre o princípio trabalhista da proteção, sua consonância e/ou dissonância com o projeto de lei em questão, com delineamentos enquanto reforma ou retrocesso.


2. PROPOSTA: PROJETO DE LEI 6787 DE 2016 E JUSTIFICATIVAS 

Imposta pelo atual governo, a reforma trabalhista começou timidamente com um projeto de poucos artigos e se transformou num monstrengo jurídico (BOMFIM, 2017) consubstanciado, no substitutivo do Projeto de Lei 6787/16, com suas proposições e emendas, tramitando atualmente no Senado sob o número PLC 38/2017.

Capital e trabalho, desde outrora, são conflitantes; os interesses dos polos da relação são distintos e antagônicos. Os anseios de alterações na Legislação trabalhista emergiram há muito tempo e com mais intensidade na década de 90. Desde o ano de 1990, podemos perceber um impulso especial nessa direção. Não é a toa que os dois principais projetos de lei acerca da terceirização foram propostos em 1998 e 2004 (SOUTO MAIOR, 2017), ainda que se consolidando agora em 2017.

Para Jorge Luiz Souto Maior (2017), crítico ferrenho da Reforma Trabalhista, trata-se de um movimento perverso de destruição do Estado Social, que ainda inspira a aprovação de Leis que tornam o trabalho precário e são capazes de alijar o trabalhador da proteção que lhe deveria ser garantida pela Legislação, que já foi de modo tão sofrido conquistada:

Os exemplos mais recentes desse movimento perverso de destruição do Estado Social são a transformação do desengavetado PL 4302 na Lei 13.429; as decisões do STF, que negam direito de greve e chancelam a possibilidade não apenas de a administração pública terceirizar (negando a norma constitucional que determina a contratação por concurso público), mas também de fazê-lo sem assumir qualquer responsabilidade por isso; e, claro, essa proposta de desmanche [...] (SOUTO MAIOR, 2017),

Como acreditar na idoneidade de um Projeto de Lei, quando o presidente da Câmara dos Deputados, ironicamente, representante legitimo do povo (trabalhador) é ousado em vociferar que a Justiça do Trabalho não deveria nem existir (PRADO, 2017), e em argumento cínico, ainda brada que “Tenho clareza que a lei atual é antiga e prejudica mais do que ajuda os trabalhadores” (CAMARA DOS DEPUTADOS, 2017), no mínimo contraditória e irônica a falácia da preocupação com algo que seja prejudicial ao trabalhador.

Não obstante, o projeto de Lei em comento encontra-se sob a relatoria de Rogério Marinho, sem razão para espanto (infelizmente), por estar-se pontuando política brasileira, é investigado em um inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) por relação com terceirizada fraudadora (CAMPOS E LOCATELLI, 2017).

Aniquilar a Justiça do Trabalho não seria uma afronta ao povo trabalhador e a desconstituição de uma história de luta dessa classe? A Justiça do Trabalho é o ambiente em que as normas fundamentais de proteção ao trabalho encontram espaço para serem exigidas, para serem respeitadas (SOUTO MAIOR, 2017)

A reforma trabalhista em nada se justifica para a supressão desse espaço e é pendente a retirar dos trabalhadores a possibilidade de exercício de sua cidadania, de exigência do respeito às normas constitucionais.

Há quinze justificativas na redação original do PL em comento, dos quais, cinco se destacam nesta pesquisa:

1-      Submetemos à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa proposta de Projeto de Lei que altera o Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943 - CLT, para aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, atualizar os mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país, regulamentar o art. 11 da Constituição Federal, que assegura a eleição de representante dos trabalhadores na empresa, para promover-lhes o entendimento direto com os empregadores, e atualizar a Lei n.º 6.019, de 1974, que trata do trabalho temporário.

2-      O Brasil vem desde a redemocratização em 1985 evoluindo no diálogo social entre trabalhadores e empregadores. A Constituição Federal de 1988 é um marco nesse processo, ao reconhecer no inciso XXVI do art. 7º as convenções e acordos coletivos de trabalho. O amadurecimento das relações entre capital e trabalho vem se dando com as sucessivas negociações coletivas que ocorrem no ambiente das empresas a cada data-base, ou fora dela. Categorias de trabalhadores como bancários, metalúrgicos e petroleiros, dentre outras, prescindem há muito tempo da atuação do Estado, para promover-lhes o entendimento com as empresas. Contudo, esses pactos laborais vêm tendo a sua autonomia questionada judicialmente, trazendo insegurança jurídica às partes quanto ao que foi negociado. Decisões judiciais vem, reiteradamente, revendo pactos laborais firmado entre empregadores e trabalhadores, pois não se tem um marco legal claro dos limites da autonomia da norma coletiva de trabalho.

3-      (6) A experiência européia demonstra a importância da representação laboral na empresa. Países como Alemanha, Espanha, Suécia, França, Portugal e Reino Unido possuem há vários anos as chamadas comissões de empresa ou de fábrica. A maturidade das relações de trabalho em alguns países europeus propicia um ambiente colaborativo entre trabalhador e empresa, resultando na melhoria do nível de produtividade da empresa.

4-      (7) No Brasil temos um nível elevado de judicialização das relações do trabalho, o que é retratado pela quantidade de ações trabalhistas que anualmente dão entrada na Justiça do Trabalho. Na grande maioria das ações trabalhistas a demanda reside no pagamento de verbas rescisórias. A falta de canais institucionais de diálogo nas empresas que promovam o entendimento faz com que o trabalhador só venha a reivindicar os seus direitos após o término do contrato de trabalho. Com isso, problemas que poderiam ser facilmente resolvidos no curso do contrato de trabalho vão se acumulando, para serem discutidos apenas ao término do vínculo empregatício, na Justiça do Trabalho.

5-      (9) Outra medida proposta visa atualizar um dos mecanismos de combate à informalidade da mão-de-obra no país, que é a multa administrativa prevista no art. 47 da CLT pelo não registro de empregado, cuja última atualização de valor ocorreu com a extinção da UFIR, em outubro de 2000 (CAMARA DOS DEPUTADOS, 2017).

No tocante ao item 1 e 2 da justificativa, não parece crível que se possibilitaria aprimorar as relações do trabalho no Brasil, por meio da valorização da negociação coletiva, pois, a reforma nada prevê para garantir efetiva liberdade sindical, apesar de tanto a liberdade sindical quanto a negociação coletiva serem prioridades, assim definidas na XVII Reunião Regional Americana (SOUTO MAIOR, 2017) realizada em Santiago do Chile em 2010, pela OIT.

Não obstante, a justificativa é ainda mais perniciosa se confrontada com a realidade que irá se insurgir, pois, se evidencia a falsidade no argumento de que há intenção de valorização dos atores sociais, os artigos 510-A a 510-D se apresentam com o claro objetivo de esvaziamento da atividade sindical.

Introduzem a possibilidade, já prevista na previsão original do PL 6787, de que nas empresas com mais de duzentos empregados, ocorra eleição de uma comissão para representá-los, com a finalidade de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores, esvaziando, por via oblíqua, a atividade sindical (SOUTO MAIOR, 2017)

O desmonte dos direitos trabalhistas estaria ainda mais evidenciado ao deixá-los ao completo arbítrio dos empregadores, constituindo o negociado x legislado, em uma realidade de sindicatos sem subsídios para o próprio sustento, formado por trabalhadores pulverizados pela terceirização e sem garantia de emprego (SOUTO MAIOR, 2017) é uma aposta na falsa dicotomia entre a legislação trabalhista e a possibilidade de criação de normas, de forma autônoma, pelos partícipes da relação de trabalho.

Quanto ao item três da justificativa, a utilização do direito comparado não seria aplicável em razão das distintas realidades laborativas: 

[...] toma por base “indicadores da economia dos Estados Unidos”, o que por si só compromete qualquer análise, ante a evidente diferença na realidade das relações de trabalho desses países. E o faz para justificar que essa modalidade de contratação precária irá gerar novos empregos. Ora, basta examinar o que vem ocorrendo nos países da Europa, como a Itália, em que tal modalidade de contrato precário foi chancelada. Não houve, nesses países, aumento dos postos de trabalho. Houve, isso sim, redução da remuneração, aumento da rotatividade e uma sensação de insegurança que impede o consumo e a programação da vida, fazendo com que os trabalhadores não se arrisquem, por exemplo, na aquisição de casa própria (SOUTO MAIOR, 2017, p. 18).

Duvidosa a preocupação do governo com o aumento dos postos de empregos quando os encargos trabalhistas em relação ao salário (que não serão atingidos pela reforma proposta) segundo a OIT oscilam entre 71%, muito superior a qualquer país Europeu, e que, neste tocante não inspira as reformas políticas e tributarias.

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No concernente ao item 4, justificativa sete da proposta, mais parece um deboche argumentar que a falta de canais institucionais de diálogo nas empresas faz com que o trabalhador só venha a reivindicar os seus direitos após o término do contrato de trabalho. Uma justiça célere e que atenda aos preceitos constitucionais, e os expressos na CLT, é que, por certo, trilharia o caminho contrário, reduzindo demandas, pois a certeza de impunidade com condenações módicas e execuções frustradas pela morosidade da prestação jurisdicional, aliado ainda a renúncia “forçada” do trabalhador em aceitar propostas de acordos indecorosas em audiência, ao arrepio do princípio da irrenunciabilidade dos direitos laborais, são os vilões que fomentam a judicialização das relações de trabalho.

Em relação ao item 5, justificativa de número nove, que prevê condenação ao pagamento de multa por não registro em CTPS, cumpre salientar que a penalidade imposta no art. 47 da CLT é mais vantajosa ao empregado do que a última inserção da penalidade na redação final do PL, e por sua vez, menos satisfatória aos cofres governamentais, razão pela qual a desembargadora Vólia Bomfim (2017, p. 08) assevera que: “A penalidade prevista no projeto original era de R$6.000,00 com finalidade de coibir a informalidade, punindo patrões que não cumprem a lei. A não assinatura da CTPS prejudica o empregado, as contas do governo e a sociedade”.

Os valores contidos no projeto original foram obtidos após profundos estudos e apresentados pelos representantes do MTE e se mostram razoáveis. Não deve prevalecer a nova redação do substitutivo que promove redução e deve ser mantida a redação original, que, inclusive demonstra a vontade do autor do projeto: o executivo (BOMFIM, 2017).

A previsão normativa atual é da penalidade de multa, de valor igual a de um salário mínimo regional e caso mantida a redação final, não traria qualquer benefício ao empregado, ao contrário, ocorrerá a redução do valor, não se justificando, então, a fim de coibir a informalidade, conforme se quer fazer crer.

Nas justificativas apresentadas e nas demais, não há outro modo de compreender os motivos expostos pelo relator e as propostas que faz em seu substitutivo ao PL 6787. As propostas de mudança que, segundo Rogério, irão abandonar as amarras do passado e trazer o Brasil para o tempo em que estamos e que vivemos, sem esquecer do país que queremos construir e deixar para nossos filhos e netos, criará um país de miseráveis, de trabalhadores zumbis, de pessoas sem tempo e dinheiro para consumir, ler, conviver com seus familiares (SOUTO SEVERO, 2017), ao devido agrado do sistema, homens/máquinas de produzir.

O Direito Laboral possui em seu cerne um conjunto de normas e princípios a regulamentar juridicamente a prestação do labor. Visam a proteção do trabalhador e constituir certa igualdade entre este, seu empregador ou tomador de serviços.

É a necessidade de proteção social aos trabalhadores que constitui a estirpe sociológica do Direito do Trabalho e tem sido a base de todo o seu sistema jurídico, “pode-se afirmar que sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente” (DELGADO, 2015, p.201).

Em uma perspectiva agregadora de aproximar a arte da realidade vivenciada no âmbito laboral e a proteção social aos trabalhadores como forma de coibir os abusos perpetrados pelo capital, explorar-se-á através dos filmes selecionados ideias para o fomento de debates, que se apresentam como método provocativo e reflexivo, demonstrando assim, que a ligação entre o Direito e a arte é possível e eficaz para o enriquecimento da cultura jurídica.

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Sobre a autora
Michelli Giacomossi

Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI de Tijucas, Santa Catarina (2012); Mestranda em Gestão de Políticas Públicas- UNIVALI de Itajaí, SC (2013-2014). Advogada. Pós-graduanda em Gestão Pública pela UCDB/ Portal Educação (lato sensu).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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