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A inconstitucionalidade da tarifa de destinação de resíduos sólidos no município de Uberlândia

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12/11/2004 às 00:00
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Cap. 3 – A REGRA MATRIZ DA TARIFA DE DESTINAÇÃO DE RESÍDUOS SÓLIDOS

3.1 – Noções preliminares

No presente capítulo será construída a regra-matriz de incidência tributária da Tarifa de Destinação de Resíduos Sólidos. Para tanto, utilizaremos dos conceitos lançados no capítulo 1, como o conceito de norma jurídica e sua estrutura, bem como o conceito de regra matriz de incidência tributária.

Relembrando o conceito de regra matriz traçado no capítulo 1, tem-se que:

"Cuida, a regra matriz de incidência tributária, do fenômeno da incidência, sendo assim é ela que vai estabelecer o critério material, espacial e temporal presentes obrigatoriamente na hipótese da regra-matriz e, também, o sujeito ativo e passivo, assim como a base de cálculo e o valor da alíquota presentes no conseqüente da norma instituidora do tributo. A regra-matriz de incidência tributária é aquela que define a incidência fiscal. Em outras palavras é aquela que trata da incidência de um tributo, que normatiza a obrigação principal. É a denominada norma tributária em sentido estrito, se contrapõe à norma tributária em sentido amplo que regula os diversos outros fatores que não a incidência propriamente dita."

Far-se-á, nos próximos tópicos o delineamento resumido de todos os critério da regra-matriz de incidência tributária da Tarifa de Destinação de Resíduos Sólidos.

3.2 – Da Regra Matriz de Incidência Tributária da Tarifa de Destinação de Resíduos Sólidos.

Regra – matriz de incidência da Tarifa de Destinação de Resíduos Sólidos:

Hipótese:

- critério material – produzir grandes quantidades de resíduos sólidos e especiais;

- critério espacial – no município de Uberlândia;

- critério temporal – na data de recolhimento do resíduo sólido ou especial;

Conseqüente:

- critério pessoal

a)sujeito ativo: Município de Uberlândia

b)sujeito passivo: o gerador dos resíduos sólidos e especiais;

- critério quantitativo

a)base de cálculo: a quantidade média diária de resíduos sólidos especiais recolhidos pelo Município;

b)alíquota: variada, conforme tabela expressa no Decreto.


CAP. 4 – ASPECTOS MATERIAIS: A NATUREZA JURÍDICA DO GRAVAME COBRADO PELA PREFEITURA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA

4.1 - DA COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA ORGANIZAR E PRESTAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE INTERESSE LOCAL, COMO A COLETA DE RESÍDUO SÓLIDOS

Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 18, que "A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição".

O artigo 30 do Estatuto Fundamental, por seu turno, declina o rol de competências dos Municípios, entre as quais destaca-se a de "legislar sobre assuntos de interesse local" (inciso I), e a de "organizar e prestar diretamente, ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local" (inciso V). Idêntica norma é consagrada no artigo 170, inciso VI, da Constituição do Estado de Minas Gerais

As normas constitucionais citadas permitem inferir, com segurança, que os Municípios, assim como os Estados-membros, gozam de autonomia política e administrativa, isto é, capacidade de governo e capacidade de auto-organização. Nas palavras sugestivas de Hely Lopes Meirelles, tais entes têm "um direito público subjetivo de organizar o seu governo e prover a sua Administração, nos limites que a Lei Maior traça", direito esse "oponível ao próprio Estado (União), sendo inconstitucionais as leis que, de qualquer modo, o atingirem em sua essência".

Da autonomia municipal deriva diretamente a competência para a organização, normatização e efetivação dos serviços locais. Nesse tocante, doutrina Hely Lopes de Meirelles em obra magistral:

"A organização dos serviços públicos locais constitui outra prerrogativa asseguradora da autonomia administrativa do Município. Nem se compreenderia que uma entidade autônoma, política e financeiramente, não dispusesse de liberdade na instituição e regulamentação de seus serviços."

Já sob a égide da Constituição Federal de 1967, pontificava Pontes de Miranda que "todos os serviços públicos locais – isto é, todos os serviços que não sejam comuns ao Estado-membro, ao Território, ou à União, e portanto não excedam o interesse municipal preponderante – devem ser organizados pelo Município."

4.2 - DA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL SOBRE A COLETA DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Perante a competência municipal constitucionalmente definida, a Câmara dos Vereadores de Uberlândia editou a lei complementar n.° 017 de 1991 que regulamenta, entre outras coisas, a definição de resíduos sólidos.

Assim dispõe o texto legal citado:

"Art. 138 - Para os fins desta lei, aplicam-se as definições que se seguem:

I - Resíduos sólidos: resíduos em qualquer estado de matéria, não utilizados para fins econômicos, e que possam provocar, se dispostos no solo, contaminação de natureza física, química ou biológica do solo ou das águas superficiais e subterrâneas;

II -...

III –...

IV -...

Capítulo II

Dos resíduos sólidos

Art. 139 - Não é permitido depositar, dispor, descarregar, enterrar, infiltrar ou acumular no solo, resíduos em qualquer estado da matéria, desde que poluentes, na forma estabelecida no artigo 2º desta lei.

Art. 140 - O solo permanente poderá ser utilizado para destino final de resíduos de qualquer natureza, desde que sua disposição seja feita de forma adequada, estabelecida em projetos específicos de transporte e destino final, ficando vedada e simples descarga ou depósito, seja em propriedade pública ou particular.

Parágrafo Único - quando a disposição final mencionada neste artigo, exigir a execução de aterros sanitários, deverão ser tomadas as providências adequadas para a proteção das águas superficiais e subterrâneas, obedecendo-se as normas a serem expedidas pela secretaria municipais competente.

Art. 141 - Serão obrigatoriamente mencionados a tratamento especial:

I- Resíduos sólidos declaradamente contaminados, considerados contagiosos ou suspeitos de contaminação, provenientes de estabelecimentos hospitalares, laboratórios, farmácias, drogarias, clínicas, maternidades, ambulatórios, casas de saúde, necrotérios, prontos-socorros, sanatórios, consultórios de congêneres;

II-...

III-...

IV-...

Art. 142 - Os resíduos de qualquer natureza de alta toxidade, inflamáveis, explosivos, radioativos e outros prejudiciais, a critério da secretaria municipal competente deverão sofrer, antes de sua disposição final no solo, tratamento e/ou condicionamento adequados, fixados em projetos específicos, que atendam aos requisitos de proteção do meio ambiente.

Art. 143 -...

Art.144 _ Somente será tolerada a acumulação temporária de resíduos de qualquer natureza, na fonte de poluição ou em outros locais, desde que não ofereça risco de poluição ambiental;

Art.145 _ O tratamento, quando for o caso, o transporte e a disposição de resíduo de qualquer natureza, de estabelecimentos industriais, comerciais e de prestação de serviços quando não forem de responsabilidade da fonte de poluição, quanto a eventual transgressão de normas desta lei, específicos dessa atividade, assim como, os custos de operação serão repassados para o responsável ;

§ 2º - O disposto neste artigo aplica-se também aos lados digeridos ou não, de sistema de tratamento de resíduos e de outros materiais."

Em complementação a essa lei, o Código de Postura do Município de Uberlândia (lei 4.744/88), define o que lixo e suas classificações.

Dentre as classificações do lixo estão os "resíduos sólidos especiais" que estão definidos no §3°, do art. 6° da referida lei como "aqueles cuja produção diária exceda o volume ou peso fixados para a coleta regular ou os que, por sua composição qualitativa ou quantitativa, requeiram cuidados especiais no acondicionamento, coleta, transporte ou destinação final."

Com base nessa legislação, o Prefeito Municipal publicou o Decreto 9.152 de 29 de abril de 2003, que cria e regulamenta a cobrança da "tarifa" de Destinação de Resíduos.

Nesse Decreto, criou-se uma tarifa (preço público) para custear a coleta dos resíduos sólidos, estabelecendo, os critérios material, espacial temporal, além dos sujeitos ativo e passivo, da base de cálculo e da alíquota que embasam a cobrança da referida "tarifa".

Ou seja, a regra matriz que instituiu o preço público ingressou no ordenamento jurídico pátrio por um Decreto do Poder Executivo.

Questão de fundamental relevância é saber se a Tarifa de Coleta de Resíduos Sólidos é realmente uma tarifa (preço público) como quer o Decreto Municipal ou se sua real natureza jurídica é a de taxa (espécie do gênero tributo).

Para tanto, passa-se a discorrer sobre a natureza jurídica da taxa.

4.3 - DO REGIME JURÍDICO TRIBUTÁRIO E DA CONCEITUAÇÃO DE TAXA

Para dirimir controvérsias doutrinárias, em boa hora optou o legislador brasileiro pela definição legal de tributo, muito embora seja cediço que, em princípio, não é função da lei definir, ou ao menos, por questão de técnica legislativa, não é recomendável conceituarem-se, na lei, institutos jurídicos. De qualquer forma, define o art. 3º do Código Tributário Nacional:

"Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada"

O saudoso jurista Geraldo Ataliba rendeu homenagens à comissão elaboradora do anteprojeto do Código. Eis as suas palavras: "O Código Tributário Nacional conceitua tributo de forma excelente e completa. É notável a cláusula ''que não constitua sanção de ato ilícito'' porque permite extremar o tributo das multas. Se não se fizesse a ressalva, o conceito ficaria ambíguo - e, pois, cientificamente inútil - por excessivamente compreensivo, a ponto de abranger entidade tão distinta como é a multa de direito público".

Esquadrinhada a definição legal, tem-se que tributo é:

1º)Prestação pecuniária compulsória:

Neste passo, é de se tomar por empréstimo a opinião de Paulo de Barros Carvalho : "Prestação pecuniária compulsória quer dizer o comportamento obrigatório de uma prestação em dinheiro, afastando-se, de plano, qualquer cogitação inerente às prestações voluntárias. Por decorrência, independem da vontade do sujeito passivo, que deve efetivá-la, ainda que contra o seu interesse."

Infere-se do comando normativo que a obrigação tributária, seja principal ou acessória, é sempre obrigatória, o que afasta de sua estrutura qualquer cogitação inerente às prestações contratuais: estas, nascem ex voluntate; aquelas, ao revés, originam-se ex lege.

2º) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir:

Talvez seja esta a única oração que não caberia no conceito legal em comento, porquanto redundante e, por isto mesmo, tecnicamente dispensável: basta dizer que o direito positivo brasileiro não admite a instituição de tributo em natureza, ou seja, expresso em unidade de bens diversos do dinheiro, ou em unidade de serviços.

A expressão prestação pecuniária, que inicia o predicado legal, mostra-se bastante para que se infira que a dívida de tributo haja de ser satisfeita necessariamente em moeda.

Não bastasse, o exame do dispositivo que trata especificamente da extinção do crédito tributário no Código Tributário Nacional (art. 156) confirma o asserido.

3º) Que não constitua sanção de ato ilícito:

A excelência e importância dessa expressão é ressaltada por vários autores de vanguarda do Direito Tributário Brasileiro. Mais uma vez assevera Paulo de Barros Carvalho : "Traço sumamente relevante para a compreensão de ''tributo'' está objetivado nesta frase, em que se determina a feição de licitude para o fato que desencadeia o nascimento da obrigação tributária",

Quando se afirma que o tributo não constitui sanção de ato ilícito, isto significa que a lei não pode incluir na hipótese material de incidência o elemento ilicitude, donde se conclui que não se estabelece como obrigação tributária, em hipótese alguma, aquela que contempla uma situação fática ilícita. Assim, verbi gratia, as multas penais inscrevem-se em dívida ativa como créditos não tributários.

4º) Instituída em lei:

O art. 5º, II, da Constituição Federal, positiva, peremptoriamente, o cânone da legalidade, nestes termos:

"Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei".

Assim, instituir um tributo não é criar um elemento jurídico e rotulá-lo como tal. A criação de tributos depende da definição, necessariamente legal - entenda-se lei em sentido formal e material - dos aspectos material, pessoal (ao menos no que concerne ao sujeito passivo), temporal, espacial e valorativo da imposição.

Recorra-se à pena de Hugo de Brito Machado : "Seja como for, importante é saber que, segundo o princípio da legalidade, todos os elementos necessários a que se saiba quem deve, a quem deve, quanto deve e quando deve pagar, residem na lei, em sentido estrito."

5º) Cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada:

Atividade vinculada é aquela em cujo desempenho a autoridade administrativa não goza de liberdade para apreciar a conveniência nem a oportunidade de agir.

....

Da lição de Sacha Calmon Navarro Coelho retira-se interessante e esquemática síntese do conceito de tributo. Com suas notas de conceito, atribui o autor, a cada expressão inserta no artigo 3º do CTN, uma letra, de "a" usque "e", a saber: a) - prestação; b) - pecuniária; c) - compulsória em virtude de lei; d) - que não seja sanção de ato ilícito; e) - administrativamente cobrada.

Para o renomado tributarista, a relação jurídica que contiver as notas do conceito somadas será necessariamente tributária.

Analisada a definição de tributo enquanto gênero, é o momento de se tratar da figura da taxa, enquanto espécie.

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Ao lado dos impostos, das contribuições e dos demais tributos, a taxa é espécie do gênero tributo, como está estampado no artigo 145 da Constituição Federal de 1988. Disso dessume-se que as notas de conceito antes listadas fazem-se presentes nas taxas.

Entrementes, as taxas têm características outras que lhes são exclusivas.

O art. 77 do Código Tributário Nacional define taxa como o tributo que "têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição".

Do dispositivo legal supracitado, depreende-se que o direito tributário positivo vigente prevê duas espécies de taxas: a) as cobradas pela prestação de serviços públicos; e b) as cobradas em relação ao exercício do poder de polícia.

É a idéia de contraprestacionalidade, num ou noutro caso, que funciona como fator distintivo entre taxas e impostos.

As taxas, portanto, têm o seu fato gerador vinculado a uma atividade estatal específica, relativa ao contribuinte. Esqueça-se, por razões metodológicas, a taxa decorrente do poder de polícia, porquanto de despicienda análise neste trabalho. No momento interessam tão-somente as taxas advindas da prestação de serviços, para que a final se as comparem com o regime do preço público.

Quanto à noção de serviços públicos específicos e divisíveis, crucial para o tema posto, é de ressaltar que sem prejuízo de o Estado prestar à população serviços comuns e gerais, pelo que exige impostos, o serviço específico, - e isto é decisivo para a instituição da taxa -, deve ser suscetível de utilização individual pelo contribuinte e divisível à medida em que é destacável em unidade autônoma. Faz-se mister dizer também que serviço específico é o passível de prestação apenas pelo Estado. Só ao Estado compete prestá-lo aos seus administrados como desempenho de atribuições públicas e como decorrência do jus imperii.

Com estas palavras iniciais, a noção de taxa resta isagogicamente desenhada. Todavia, quando confrontada com o preço público, uma reflexão mais acurada merece ser desenvolvida.

4.4 - DA TORMENTOSA DIFERENCIAÇÃO ENTRE TAXAS E PREÇOS PÚBLICOS

Não é recente a disceptação doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza jurídica - tributária ou não-tributária - da remuneração pela prestação de serviço público divisível.

Em outras palavras, diferençar taxas de serviço dos preços públicos é vexata quaestio.

Em direito comparado já se disse que o problema da discriminação entre as taxas e as contraprestações de direito privado é um dos mais delicados do direito financeiro, tendo sido propostos para sua solução os mais diversos critérios. Não só daí a grande perplexidade da doutrina e da jurisprudência nacional em classificar determinadas receitas entre as taxas e ou entre as contraprestações de direito privado – os preços públicos.

Ricardo Lobo Torres afirma que "a distinção entre preço e taxa é um dos assuntos mais tormentosos do Direito Constitucional Tributário. Entre os dois ingressos há uma identidade básica material, qual seja a de que são ambos devidos pela prestação de serviços públicos divisíveis".

Para Sacha, "várias teorias tentaram estruturar a diferenciação, mas todas aqui e acolá deixaram abertos os flancos às críticas".

Alguns crêem que o elemento discretivo reside na essencialidade ou na indelegabilidade da prestação estatal, critério que guarda evidentes relações com o segundo, qual seja a "propriedade" do serviço público ou sua inerência à soberania do Estado, sendo sempre citado o clássico exemplo da prestação jurisdicional. Em terceira acepção, autores e julgados há ainda que vêem na obrigatoriedade da taxa o discrímen; e não faltam aqueles que o procuram na compulsoriedade ou exclusividade do serviço.

Hector Villegas sustenta que a taxa pressupõe atividade estatal cumulativamente divisível e inerente à soberania, como a administração da justiça.

Para Gilberto de Ulhoa Canto, caso o serviço se manifeste como emanação do poder soberano do Estado, é tributado, sendo tarifado quando não se trate de serviço necessariamente público, a exemplo da telefonia.

Todavia, no entender de Rubens Gomes de Souza os critérios que relacionam as taxas às atividades próprias, essenciais ou inerentes à soberania estatal, seriam falhos por encetarem confusões entre as taxas e os impostos, os quais se impõem, justamente, para que o Estado exerça suas atividades próprias, muito embora a crítica seja muito acerba e um pouco imerecida pois os autores sempre perfilam a propriedade ou inerência do serviço à soberania ao requisito complementar de sua divisibilidade.

Vê-se, de plano, que não é tarefa fácil criar-se um critério teórico, abstrato e apriorístico para a distinção entre taxas e preços públicos.

4.5 - DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS SOBRE A "TARIFA"DE COLETA DE LIXO

Diante da disceptação doutrinária socorremo-nos do Poder Judiciário para maior esclarecimento do tema.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao julgar a apelação n.° 1.0000.00324835-8, em caso semelhante ao analisado, assim ementou:

"TRIBUTÁRIO - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - NATUREZA JURÍDICA DE TAXA DO SERVIÇO DE COLETA DE LIXO - SÚMULA 545 STF- DECRETO MUNICIPAL N.º 5.859/97 - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA - SERVIÇOS GENÉRICOS E INDIVISÍVEIS - INCONSTITUCIONALIDADE - INAPLICABILIDADE CÓDIGO DO CONSUMIDOR E PORTARIA 03/99 DA SECRETARIA DO DIREITO ECONÔMICO. 1. A natureza jurídica da retribuição ao serviço de coleta de lixo, por sua obrigatoriedade na prestação, é de espécie tributária taxa (Súmula 545 do STF). 2. A instituição de referida taxa por Decreto Municipal n.º 5.859/97 afronta o princípio tributário da reserva legal (art. 150, I, da CF/88). Além disso, o tributo não atende os requisitos de especificidade e divisibilidade, previsto no art. 145, II, do CF/88, proporcionando benefício a toda coletividade, sem vantagem direta para determinado contribuinte. 3. Em relação jurídica de natureza tributária não se aplica o Código do Consumidor, nem a Portaria n.º 03/99 da Secretaria do Direito Econômico, sendo que a restituição dos valores indevidamente pagos deve-se dar pelas normas do CTN. 4. Recurso provido."

Em outra apelação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, considerou ser de taxa a natureza jurídica da cobrança pela coleta de lixo. É esse o teor do voto do Desembargador-Relator Sr. José Francisco Bueno na apelação n.° 1000.00.32385-1:

"Enquanto tributo, a taxa é devida, independentemente da efetiva utilização do serviço pelo contribuinte, bastando ser ele colocado à disposição deste e a tarifa se vincula à idéia de efetivo fornecimento de bens ou serviços, variando o valor conforme a quantidade do consumo (se se trata de bens)ou por vezes em que o serviço é tomado, donde se conhecer as tarifas de transporte, de consumos de energia elétrica, de água, etc., mas nunca se tomando essa espécie de preço público, pela quantidade de volume ou de peso de lixo coletado; para este último, a remuneração adequada é a taxa."

O Desembargador Sr. José Domingues Ferreira Esteves em brilhante voto acerca do tema em discussão, esclareceu e definiu o posicionamento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Para maior elucidação, transcrevemos o voto na íntegra:

"Número do processo: 1.0000.00.254983-0/000(1)

Relator: JOSÉ DOMINGUES FERREIRA ESTEVES

Relator do Acordão: JOSÉ DOMINGUES FERREIRA ESTEVES

Data do Acordão: 25/11/2002

Data da publicação: 20/05/2003

Inteiro Teor:

EMENTA: TRIBUTÁRIO - COLETA DE LIXO - IMPOSIÇÃO DE TARIFA OU PREÇO PÚBLICO - SERVIÇO PÚBLICO ESSENCIAL A SER PRESTADO PELO PODER PÚBLICO - INCIDÊNCIA DE TAXA (ART. 145, II - CF/88) - OCORRÊNCIA DE BITRIBUTAÇÃO - ILEGALIDADE DA COBRANÇA - RECURSO PROVIDO. APELAÇÃO CÍVEL N.º 000.254.983-0/00 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): RESTAURANTE SANTA LÚCIA LTDA. - APELADO(S): DIRETOR SLU SUPCIA LIMPEZA URBANA - RELATOR: EXMO. SR. DES. JOSÉ DOMINGUES FERREIRA ESTEVES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a SEXTA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 25 de novembro de 2002.

DES. JOSÉ DOMINGUES FERREIRA ESTEVES - RelatorNOTAS TAQUIGRÁFICAS

Proferiu sustentação oral, pelo apelante, o Dr. Gleison Assis Reis.

O SR. DES. JOSÉ DOMINGUES FERREIRA ESTEVES:

VOTO

Cuida-se de recurso de apelação em que Restaurante Santa Lúcia Ltda. insurge-se contra a r. sentença de f. 144/146, da lavra do MM. Juiz de Direito da 2ª Vara de Feitos Municipais da Capital, que denegou seu pedido de segurança em face de ato ilegal do Sr. Diretor da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte.

Não se conformando com tal decisão, aduz o apelante, no arrazoado de f. 149/157, ser descabida a exigência da tarifa, por parte da apelada, em razão da coleta de resíduos sólidos especiais, para estabelecimentos comerciais, uma vez que, além de já recolher aos cofres municipais a Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos, criada pela Lei n.º 8.147/00, o que configuraria verdadeira tributação, não poderia ser coagida a recolher mais uma tarifa em contraprestação a um serviço público essencial, que, na regra da Constituição Federal, só poderia ser custeada por taxa, não podendo o legislador optar por sua cobrança ou não, razão por que roga seu provimento.

Contra-razões, às f. 171/175, batem pela manutenção da sentença recorrida.

A manifestação da d. Procuradoria-Geral de Justiça é pelo desprovimento, conforme parecer de f. 188/195, da ilustre Procuradora de Justiça Dra. Fátima Aparecida de Souza Borges.

Conheço do recurso, porque preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade.

Pretende o Restaurante Santa Lúcia Ltda. dar trânsito ao seu inconformismo, diante da denegação da segurança impetrada, contra ato do apelado, autarquia municipal responsável pela coleta de lixos no Município de Belo Horizonte, porquanto entendeu a instância a quo ser válida a exigência da tarifa de coleta de lixo especial, dada sua condição de comerciante.

Entendo que a tese recursal deve prosperar, "data venia".

A questão dos autos, de início, merece breve digressão sobre a diferença entre taxa e preços públicos, em razão de suas peculiariedades, mormente, quando vêm à tona discussões sobre a possibilidade do Poder Público, ao arrepio da lei - lei formal e material - impor esta nova espécie de prestação pecuniária aos cidadãos.

A taxa, diante de sua matriz constitucional (art. 145,II), individualiza-se por sua vinculação, ou contraprestação por parte da Administração Pública, de sorte a ter validade somente em razão, e, tão-só, pela efetiva ocorrência do exercício do poder de polícia, pela fiscalização, ou pela prestação de serviços públicos divisíveis e específicos.

A seu turno, tarifa somente poderá ser cobrada do particular, quando submetido ao regime jurídico de direito privado, cujos serviços realizados sejam de natureza comercial ou industrial, não cabendo tal imposição quando se tratar de serviço público essencial, conforme já sufragado pelo Excelso Pretório.

É que este, com base em lição de GERALDO ATALIBA, para quem "não há possibilidade jurídica de confusão entre taxa e preço, nem há, como muitos supõem, a liberdade do legislador em converter uma na outra e vice-versa" (Hipótese de Incidência tributária, RT, p.179), decidiu que essa pretensa opção é equivocada. Veja-se:

"Essa assertiva, diante do sistema constitucional vigente em nosso país, não é exata, quando, pela natureza do serviço público prestado, a essa prestação pode o Poder Público exigir o pagamento de uma taxa. Com efeito, sendo a taxa uma das modalidades de tributo, está ela sujeita às restrições constitucionais do poder de tributar. (...)

Como o Poder Público não pode fugir a essas restrições de seu poder de tributar, é evidente que, nos casos em que é devida taxa, não pode ele - sob pena de fraude às limitações constitucionais - esquivar-se destas, impondo, ao invés de taxa, preço público" (RE n.º 89.876/RJ, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 98/236).

É inequívoco, na uníssona jurisprudência, que a taxa está submetida a um regime de Direito Público, por ser uma modalidade de tributo; e, efetivamente, é a SLU uma entidade de natureza pública (autarquia municipal), sendo descabido, então, pretender-se que o serviço por ela prestado seja custeado através de tarifa, própria da iniciativa privada.

A propósito, o Ministro OSCAR DIAS CORRÊA, na análise de questão idêntica, assim se pronunciou:

"Se o serviço prestado tiver natureza industrial ou comercial, a contrapartida efetivar-se-á mediante o pagamento de preço público. Se, entretanto, a atuação estatal for serviço próprio do Estado, inerente às suas atividades como Poder Público, a eventual remuneração somente poderá se efetivar mediante a cobrança de taxa" (RE n.º 103.619-2).

"In casu", sendo o serviço público específico de coleta de lixo - ainda que especial - atividade estatal essencial à coletividade, à saúde pública, não cabe a Administração pretender, diante da contraprestação estatal, impor à apelante prestação pecuniária, sem que sua delimitação esteja determinada em lei e pautada pelas regras inerentes à instituição de tributo.

Isto porque, o critério de cobrança de taxa, em face da atividade estatal, segundo ALIOMAR BALEEIRO, "cabe quando os serviços recebidos pelo contribuinte resultem de função específica do Estado, ato de autoridade, que por sua natureza repugna ao desempenho do particular e não pode ser objeto de concessão a este." (Direito Tributário Brasileiro, Forense, 11ª ed., 1999, atualizado por Mizabel Derzi, p. 545).

Vale dizer, na medida em que reste configurado um serviço público, como sendo essencial e, portanto, a cargo do Estado, tal atividade, sem sombra de dúvidas, só pode ser custeada por intermédio de taxa, não possibilitando ao Poder Público, com efeito, optar pela cobrança por via de tarifa, a fim de não se submeter aos critérios constitucionais, próprios da obrigação tributária.

É o que sustenta o STJ, como se extrai do seguinte julgado a seguir:

"A natureza jurídica da remuneração decorre da essência da atividade realizadora, não sendo afetada pela existência da concessão. O concessionário recebe remuneração da mesma natureza daquela que o Poder Concedente receberia, se prestasse diretamente o serviço.

(...)

Obrigatoriedade do serviço de água e esgoto. Atividade pública (serviço) essencial posta à disposição da coletividade para o seu bem estar e proteção à saúde, no Município de Santo André/SP.

(...)

Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias de tributo" (Resp. n.º 167.489/SP, rel. Min. José Delgado, DJU 24.08.98)

Analisando-se a legislação que disciplina tal questão, vê-se que a Lei municipal n.º 2.220/73, que criou a autarquia, atribuiu-lhe a responsabilidade exclusiva pela coleta e transporte do lixo em Belo Horizonte.

Seguindo em igual sintonia, observa-se que a Lei n.º 6.290/92 disciplinou ser exclusiva e diretamente da apelada a tarefa de explorar os serviços de limpeza urbana, em consonância, pois, com a Lei Orgânica do Município, verbis:

"Art. 150: Compete ao Poder Público formular e executar a política e os planos plurianuais de saneamento básico, assegurando:

(...)

II - a coleta e a disposição dos esgotos sanitários e dos resíduos sólidos e a drenagem das águas pluviais, de forma a preservar o equilíbrio ecológico e prevenir as ações danosas à saúde;

"Art. 151 - O Município manterá sistema de limpeza urbana, coleta, tratamento e destinação final do lixo, observado o seguinte:

(...)

V - o lixo séptico proveniente de hospitais, laboratórios e congêneres será acondicionado e apresentado à coleta em contenedores especiais, coletado em veículos próprios e específicos e transportado separadamente, tendo destino final em incinerador público".

Diante de tais considerações, sendo, por força legal, a coleta de lixo serviço público essencial, porquanto seja de relevância para toda a coletividade, o que não se pode olvidar é que quis o legislador constituinte dar azo à intervenção do Estado na economia, não podendo o mesmo transferir este ônus à atividade particular, nem tampouco valer-se de contraprestação tarifária à margem do poder de tributar, sob pena, frise-se, de se fazer tábula rasa do fato gerador da taxa, que tem base na Constituição da República.

Neste ponto, há de se reexaminar, corroborando com tais assertivas, o disposto nas RT''s n.º 444/199, 310/461, 435/150, 646/216.

O que importa sobrelevar, na discussão do tema em questão, é que, caso pretenda a Administração, afastando-se dos princípios constitucionais inerentes à espécie tributária, optar, sempre que lhe interessar, pela instituição de tarifas, não terá mais o contribuinte, sem dúvida, a segurança jurídica hábil a lhe amparar dos ditames do Poder Público.

Aliás, vem a calhar o exposto no Recurso Extraordinário n.º 209.365-3/SP, sendo relator, o eminente Ministro CARLOS MÁRIO VELLOSO, quando restou assentada a seguinte orientação acerca da classificação do serviço público:

"(...) 1- Serviços públicos propriamente estatais, cuja prestação o Estado atue no exercício de sua soberania, visualizada sob o ponto de vista interno e externo; esses serviços são indelegáveis, porque somente o Estado pode prestá-los. São remunerados, por isso mesmo, mediante taxa.

(...)

2- Serviços públicos essenciais ao interesse público: são serviços prestados no interesse da comunidade. São remunerados mediante taxa. E porque são essenciais ao interesse público, porque essenciais à comunidade ou à coletividade, a taxa incidirá sobre a utilização efetiva ou potencial do serviço.

(...)

Como exemplo, podemos mencionar o serviço de distribuição de água, de coleta de lixo, de esgoto, de sepultamento.

(...)

3- Serviços públicos não essenciais e que, não utilizados, disso não resulta dano ou prejuízo para a comunidade ou para o interesse público. Esses serviços são, de regra, delegáveis, vale dizer, podem ser concedidos e podem ser remunerados mediante preço público. Exemplo: o serviço postal, os serviços telefônicos, telegráficos, de distribuição de energia, de gás, etc.."

Tal diretriz, vejo com preocupação, não se pode deixar à deriva, já que, o que se percebe mesmo é que o Município de Belo Horizonte pretende se furtar, cada vez mais, a prestar serviços públicos essenciais que devem, por força constitucional ou legal, ser custeados por meio de taxa.

Basta notar o que dispõe o Decreto municipal n.º 10.317, de 28 de julho de 2000, determinando que quase todos os serviços públicos, inclusive, os atos de poder de polícia, ficarão submetidos, doravante, à cobrança de Preços Públicos, como exemplo, os serviços de saneamento (água e esgoto), os de limpeza pública e de urbanização.

Daí a relevância da pergunta: há mesmo que se discutir a relevância dos serviços públicos essenciais, para a incidência de taxa ou tarifa?

Quando o Supremo Tribunal Federal foi chamado a se manifestar, quanto à cobrança de preço público para a coleta de lixo do Município do Rio de Janeiro, chegou à seguinte conclusão. Veja-se:

"Como o Poder Público não pode fugir a essas restrições de seu poder de tributar, é evidente que, nos casos em que é devida taxa, não pode ele - sob pena de fraude às limitações constitucionais - esquivar-se destas, impondo, ao invés de taxa, preço público" (RE n.º 89.876/RJ, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 98/236).

E, ao fim, arrematou S. Exa:

"Em se tratando de serviço de remoção de lixo, não me parece possa haver dúvida de que é ele, nos dias presentes, em nosso país, função essencial do Poder Público, ou seja, serviço que tem de ser prestado obrigatoriamente por este, sem poder dispensar dele o particular que produz lixo no meio urbano".

E tal raciocínio, por certo, estribou-se em preciosas doutrinas, como ao exemplo do ilustre tributarista LUCIANO AMARO, ao afirmar que "além das atividades clássicas do Estado, toda uma série de tarefas cuja execução (por motivos de higiene, saúde, etc.) interessa à coletividade, não podendo, por isso, ficar a critério dos indivíduos implementá-las ou não, nesse campo, o Estado deve agir, por meio do instrumento que, modernamente, pauta todas as suas ações: a lei" (Direito Tributário Brasileiro, Saraiva, 2000, p.44, g.n).

Concluo, sem dúvida alguma, que a cobrança da Tarifa para a coleta de lixo especial destoa de toda a sistemática constitucional-tributária, sendo impertinente e inválida, por conseqüência, a possibilidade de tornar esta atividade estatal facultativa à escolha dos cidadãos, à míngua de sua essencialidade e dos diplomas legais, supra citados, os quais exigem sua realização pelo Município, obrigatoriamente.

Reporto-me, ainda, neste mesmo viés, à Apelação Cível n.º 219.464-5, da comarca de Governador Valadares, sendo relator o em. Desembargador FRANCISCO LOPES DE ALBUQUERQUE, ao analisar questão idêntica a esta e publicada em 24/08/01.

Outrossim, cabe notar que, no texto constitucional de 1988, há um capítulo próprio dispondo acerca da intervenção do Estado na economia, podendo, nestes casos, serem custeados os serviços prestados por meio de tarifa.

Na espécie dos autos, afigura-se-me que o apelado intervém, abusiva e inconstitucionalmente, na economia local, ao transmudar típico e essencial serviço público - coleta de lixo - atuando como explorador comercial e industrial, próprio à iniciativa particular, através da imposição de preço público.

No mais, ainda que válida tal conduta, tem-se que inexiste, como determina o art. 175 da Carta Magna, lei disciplinando sobre a política tarifária, no que concerne à forma de cobrança, seu quantum, base de cálculo, e todos os elementos capazes de emprestar constitucionalidade à tarifa imposta, batendo de frente, pois, com o princípio da proporcionalidade, inerente à proteção dos cidadãos aos abusos do Poder Público.

Não obstante à questão do serviço público essencial só poder ser custeado por meio de taxa, merece registrar, ainda, em contraposição ao entendimento do d. Magistrado, que incorre a cobrança hostilizada em inequívoca bitributação.

A sistemática da bitributação é vedada pela Constituição Federal, a teor do regime de repartição de competência, quando duas pessoas políticas instituem certa exação sobre o mesmo fato gerador, embora apenas uma delas seja competente.

Tem-se, a rigor, que o serviço público de coleta de lixo, a atrair a instituição de taxa, ex vi, do art. 145, II, da CF/88, já está sendo custeado pela Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos Urbanos - TCRS, em substituição à antiga Taxa de limpeza urbana, conforme se depreende da Lei n.º 8.147, de 29 de dezembro de 2000.

Todavia, a nova previsão legal traz idêntica atividade estatal prestada pela Municipalidade, em relação ao serviço de coleta e transporte de resíduos especiais, ora hostilizado. Veja-se:

"Art. 19: A TCR tem como fato gerador a utilização efetiva ou potencial do serviço público de coleta, transporte, tratamento e disposição final de resíduos sólidos, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição diretamente pelo Município ou mediante concessão.

Parágrafo único: No que se refere a resíduos sólidos e respectivo serviço de coleta, transporte, tratamento e disposição final, aplicam-se as disposições, definições e conceitos constantes da legislação municipal específica."

E, de acordo com a Lei n.º 2.968/78, que aprovou o Regulamento de Limpeza Urbana em Belo Horizonte, está definido lixo como sendo "o conjunto heterogêneo de resíduos sólidos provenientes das atividades humanas e, segundo a natureza dos serviços de limpeza urbana, e classificado em lixo domiciliar; lixo publico resíduos sólidos especiais".

Aí por que descabe alegar-se, de sorte a autorizar a cobrança da tarifa, que o lixo coletado do apelante tem natureza especial e diversa do lixo comum, à medida que distorce a própria e primordial questão do tema, qual seja, em sendo serviço público essencial, e este é o mesmo para qualquer espécie de lixo, inviável que ele não seja custeado senão por taxa.

E, de mais a mais, não há mesmo porque ter diferença quanto à coleta e forma de tratamento no modus operandi da tributação, uma vez que, como de sabença geral, todo o lixo é enviado para o mesmo aterro sanitário, o que mostra que o serviço público é igual para todos.

Do exposto, dou provimento ao recurso e reformo a r. sentença, para conceder a segurança pleiteada.

Custas, ex lege.

O SR. DES. ERNANE FIDELIS:

Sr. Presidente.

Estou plenamente de acordo com o voto do eminente Relator, levando-se em consideração que se trata de uma cobrança indevida da criação de uma tarifa, em que existe uma forma específica de recolhimento tributário que é a taxa.

O SR. DES. SÉRGIO LELLIS SANTIAGO:

A mim também parece que a coexistência da taxa de coleta de lixo ou tarifa ou preço público de coleta de lixo, como discutida na ação, e a Taxa de Coleta de Resíduos Sólidos Urbanos, substituta da Taxa de Limpeza Pública, entendo ilegal, de vez que ambas estão instituídas para a efetivação de um mesmo serviço público municipal.

Assim caracteriza-se, a meu ver, também bitributação, inconstitucional e ilegal, daí por que acompanho os votos que me antecederam para dar provimento ao recurso interposto." (Sem grifos no original)

A clareza do presente julgado não deixa margem de dúvidas quanto a natureza essencial do serviço de coleta de lixo.

Sendo essencial a prestação do serviço de coleta de lixo impõe, à Constituição Federal, que a contraprestação a esse serviço seja feita através de taxa. Entendimento diverso seria fazer tabula rasa do texto constitucional.

Enfim, não resta dúvida quanto a inconstitucionalidade do Decreto n.° 9.152 de 29 de abril de 2003, publicado na mesma data pelo Prefeito Municipal de Uberlândia, Sr. Zaire Rezende, que instituiu a cobrança a cobrança de preço público (tarifa) como contraprestação ao serviço de coleta de lixo urbano para grandes produtores de lixo, desrespeitando o comando constitucional que prevê a figura tributária da taxa para o serviço essencial de coleta de lixo urbano.

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Sobre o autor
Cristiano Cury Dib

especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET), advogado especializado em Direito Tributário, sócio do escritório Combat Vieira e Advogados Associados S/C, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIB, Cristiano Cury. A inconstitucionalidade da tarifa de destinação de resíduos sólidos no município de Uberlândia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 493, 12 nov. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5905. Acesso em: 25 abr. 2024.

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