A discricionariedade do juiz defronte normas em conflito: parágrafo segundo do artigo 489 da Lei nº 13.105 / 2015

13/07/2017 às 15:08
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O tema a ser trabalhado se dissipa sobre até onde deve ir a discricionariedade do juiz quando há conflito entre normas de direito material, e terá como suporte o que está expresso no parágrafo segundo do artigo 489 do novo Código de Processo Civil.

1 INTRODUÇÃO

O tema a ser trabalhado se dissipa sobre até onde deve ir a discricionariedade do juiz quando há conflito entre normas de direito material, e terá como suporte o que está expresso no parágrafo segundo do artigo 489 do novo Código de Processo Civil, isto é, que a escolha acerca da norma mais adequada, no caso de conflito entre os dispositivos, se valerá de critérios de ponderação. Portanto, o sentido de ponderação tem um caráter que pode ser equiparado ao de razoabilidade, sendo assim, essa peça se debruçará sobre a Lógica do Razoável na busca de desenrolar o real significado de uma decisão de escolha ponderada, havendo colisão entre normas de direito material.

Para que o nosso tema se torne claro, se faz necessária a abordagem de conceitos sobre os pontos que servirão de parâmetro para a discussão, pois o desencadear do projeto se dará mais eficaz se forem instigadas reflexões sobre tais, vez que não se pode por em debate aquilo que não está nítido. Dessarte, o que será abordado a seguir terá basilares meramentes históricos e conceituais, porque a discussão central do trabalho se fará em outro momento. Então, nosso estudo preliminar tratará da discricionariedade do juiz e, em segunda margem, far-se-á o elo entre o dispositivo normativo citado acima e a Lógica do Razoável.

Como já se sabe, o Direito tem sua origem e fundamento na busca pela regularização da sociedade, seu objeto principal é tornar a vida em sociedade equilibrada, esse fundamento está versado na antagonia que a diversidade de convicção dos indivíduos gerava, pois, se cada pessoa possui uma cisma, essa disparidade de pensamentos e culturas gera conflitos, sendo assim, o próprio homem notou que era necessário algo que trouxesse harmonia à convivência dos povos, então o Direito foi posto, para impor regras que disciplinariam as condutas humanas.

Entretanto, ao longo do tempo, essas regras que fazem o ordenamento jurídico, passaram a esquecer a natureza moral do homem e o legislador se inclinou exclusivamente ao caráter positivo da norma, deixando subsidiária a importância da figura do direito natural. Direito natural é aquele que se desenvolve dentro do próprio homem, aquele que não necessita ser expresso em forma de regulamento, como exemplo da moral, que se solidifica nas entranhas dos povos porque o próprio povo a irriga, sem que haja precisão de taxatividade através da lei. E, exatamente pelo fato de o legislador esquecer de exprimir a figura do naturalismo, o juiz, ao tentar sanar algum conflito se viu carecido desses preceitos morais, pois o próprio povo, o soberano, ao incitar o jus puniendi, apesar de estar certo de que haveria uma sanção positivada, e de que sua gênese não estava alicerçada no naturalismo, esperava que os costumes e a moral estivessem, ao menos, reflexos à essa sanção, afinal, as raízes de um povo possuem grande influência sobre suas admissões. O positivo era necessário desde que tivesse seu exercício voltado aos moldes da sociedade sobre a qual iria reger, e para que houvesse eficácia em sua finalidade, assim, uma norma que se mostrava alheia aos preceitos sociais não teria eficácia. Essa afirmação, até os tempos hodiernos, toma objeto ao longo de decisões, os próprios magistrados e legisladores sentiram que, de fato, havia e ainda há essa lacuna, por isso se delegou um mínimo de discricionariedade ao juiz para que a lei conseguisse atingir suas finalidades, a de punir, mas também a finalidade pedagógica, de ensinar através da punição que não se deve exercer determinada conduta. Para Coelho (1983, p. 215), ao tratar sobre a interpretação, o juiz não deve levar em consideração somente o sentido literal da norma, mas devem ser considerados os valores sociais:

O essencial na obra do legislador não é o texto da lei, mas é o pensamento dos valores que a lei visa. Assim o recomendável na obra do juiz não é o apego incondicional ao texto da lei, mas o prevalecimento daqueles valores, daqueles bens que o legislador tinha em mente ao elaborar a lei e que o juiz tem que levar em conta no seu julgamento do caso concreto.

Estando, pois, pacífico o entendimento, na extensão de que, é de suma importância empregar valores para sanar as lacunas normativas, logo, a discricionariedade do juiz também se apresenta como indispensável ao bom funcionamento da jurisdição, quando ele é o guia da adequada interpretação ao alcance do equilíbrio entre a norma e os valores. Visto isso, conduziremos, a partir desse momento, nosso esboço ao elo existente entre o parágrafo segundo do artigo 489 do novo Código de Processo Civil e a Lógica do Razoável, com o objetivo de pleitear um melhor entendimento sobre a atividade do jurisdicionado como fonte de equilíbrio.

Buscar essa ligação faz compulsória a abordagem rente aos aspectos da Lógica do Razoável e sua formulação, logo, a Lógica do Razoável pode ser considerada como um instrumento que busca interpretar o ordenamento jurídico de forma que não seja levado em consideração somente o sentido gramatical da norma, mas cabe ao intérprete atingir uma harmonia entre o sentido literal e o caso concreto que será submetido.

À medida que o juiz não tem sua atividade encerrada em proclamar a lei, seu papel não é o de ser ''boca da lei'', sua função se volta a algo complexo, a uma análise que precisa levar em consideração a equidade, a prudência, a razoabilidade, e não se apoiar na subsunção formal e muito menos ao silogismo. Devido a isso, é imprescindível uma reflexão, esse raciocínio também se distância de cunhos formais, se vale da filosofia e de princípios no intuito de atingir uma melhor interpretação do dispositivo normativo, essa avaliação filosófica e principiológica da norma se mostra positivada no parágrafo segundo do artigo 489 do novo Código de Processo Civil (2015, p.119), quando diz que o juiz tem o dever de justificar a escolha da norma, no caso de conflito entre elas, através de critérios de ponderação, vejamos: ''No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.''

Para concluirmos a parte introdutória desse projeto, apresenta-se a seguinte definição, onde Carlos Maximiliano (2003, p. 82-83) descreve que por mais perfeito que seja o Ordenamento Jurídico, ainda assim, é vital o valor filosófico à interpretação perfeita da ordem:

A interpretação das leis é obra de raciocínio e de lógica, mas também de discernimento e bom senso, de sabedoria e experiência. Um Código, porventura teoricamente ótimo, sempre exige, para sua perfeita observância, aplicadores exonerados de grandes dotes intelectuais. É notório que a mesma norma positiva adquire acepções e aplicações várias em diferentes países, ou em época diversas, e a causa da divergência acha-se no temperamento, na orientação do espírito e na posição social, ou política, dos que têm assento nos tribunais.


2 PROBLEMATIZAÇÃO

Pré disposto, acima, o conhecimento a respeito da importância de se delegar um mínimo de discricionariedade possível ao magistrado, partiremos, nesse momento, ao problema central de nossa peça. Ora, visto a que o parágrafo segundo do artigo 489 do novo Código de Processo Civil se dispõe, no caso de haver colisão entre normas, o juiz deve escolher a norma mais adequada, baseado em critérios de ponderação, se torna necessária a discussão acerca do sentido de ponderação e de entendimentos preliminares que vão ao encontro de fatores que dispõem o choque entre uma norma e outra, para, em seguida, tratar dos limites da discricionariedade do magistrado, nosso ponto principal, ao se inserir na busca por fatores ponderados.

2.1 DAS ANTINOMIAS MATERIAIS

Como expressa o parágrafo segundo do artigo 489 do novo Código de Processo Civil, às vezes o magistrado depara-se com antinomias (conflito entre normas), e precisa utilizar sua discricionariedade para escolher a norma mais adequada ao caso. Defronte a essas antinomias, o juiz terá a seu deleite diversos princípios (i.e. lex superior derogat legi inferiori, lex posterior derogat legi propri, lex specialis derogat legi generali) que poderiam sanar seu propósito de escolher qual dispositivo deve ser usado, porém esses princípios somente têm o condão de regular o propósito de outra norma, não retiram a validade da norma, suas visões nem sanções, se baseiam em normas que possuem caráter subsidiário e principal. Vejamos o que Maria Helena Diniz (2009, p.40) tem a nos dizer sobre o princípio lex specialis derogat legi generali:

Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. A norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também seja previsto na geral.

Portando, para julgar o conceito de antinomia que será tratado nesse estudo, não se pode considerar a validade dos princípios expostos anteriormente, porque estamos tratando de disparidades materiais, onde duas normas, sem hierarquia, disciplinam o mesmo assunto e dão soluções diversas à sentença. Vamos utilizar o conceito que Hans Kelsen (2006, p. 228 e 229) que prega em relação a antinomia, para que as ideias postas se tornem mais claras: ''uma norma determina uma certa conduta como devida e outra norma também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela.''

A partir daí, observamos que, esse desacordo não se sacia pelos princípios elencados acima, pois, se não há sobreposição de uma norma sobre a outra, conclui-se que o antagonismo que trataremos aqui, não se refere a uma divergência instrumental, privilegiada, e sim material. Nesse sentido, tratando de direito material, Marcos Bernardes de Mello (2007, p.32) expõe que, normas materiais são aquelas ''que definem licitude ou ilicitude de condutas, estabelecem responsabilidades, prescrevem sanções civis ou penais, criam ônus ou premiações, dentre outras categorias eficaciais dessa natureza.''

Compreendido que trataremos de conflitos entre normas com conteúdo material e de mesma hierarquia e especialidade, e não instrumental/processual, avançamos, nesta hora, ao limite da discricionariedade do magistrado à ponderação, que é o ponto primordial ao desenvolvimento desse estudo.

2.2 O LIMITE DA DISCRICIONARIEDADE ATRIBUÍDO AO MAGISTRADO: ESCOLHA ENTRE NORMAS CONFLITANTES

Já observado acima que a evolução do Direito está diretamente ligada à sociedade vigente, assim como seus preceitos, e visto que, exatamente por isso, se faz necessário delegar um mínimo de discricionariedade possível ao magistrado para que ele faça uma interpretação e uma escolha ponderada da norma, trataremos, portanto, do valor, em critérios quantitativos filosóficos (exercício racional sobre quantidade que não se pode trazer numeração matemática), do que é esse mínimo e até onde vai o mínimo, onde há a razoabilidade da discricionariedade delegada; e isso se faz importante, porque o juiz não têm sua posição como um fator individual, ele faz parte de um sistema, sistema esse chamado de Estado, Estado que se apoia em indivíduos competentes, buscando garantir a harmonia social. Em prol disso, esse poder deve estar ligado a parâmetros de razoabilidade, e não pode o magistrado utilizar de sua competência para escolher a norma conforme sua vontade, o que deve prevalecer é o contraste social, baseado na lei e em preceitos morais deste, assim como também o reflexo que a norma selecionada irá trazer.

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Bem disse Platão, quando afirmou que: ''o juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis''. Ora, não cabe ao magistrado sentenciar conforme o que considere justo, ele está preso ao dispositivo normativo, e sua discricionariedade se dá em um âmbito que não venha ferir esse dispositivo, vez que, a vontade do juiz não prevalece sobre a vontade do ordenamento, o papel dele é o de esclarecer o conteúdo da lei em conformidade com o sistema histórico de interpretação¹, não ferindo, entretanto, a segurança jurídica.

Partindo para o conflito entre normas, caberá ao togado refletir sobre a norma mais adequada, uma vez que, existem dois dispositivos que tratam do mesmo assunto.

E, para que o Estado-juiz faça a escolha adequada da lei, deverá apoiar-se na ponderação/prudência/reflexão (§2º, art. 489, NCPC). É, precisamente, a ponderação que vai proferir se a decisão do magistrado, quanto a escolha do regramento, foi feita com razoabilidade, e se está ou não elencada ao mínimo de discricionariedade possível. Por esse motivo se faz necessário discutir a ponderação.

O Direito brasileiro adota a ponderação de princípios, nosso objetivo, no entanto, não é ponderar princípios, e sim, normas, entretanto a ponderação dessas normas só se faz possível através do emprego de princípios basilares do ordenamento jurídico, princípios esses expressos na Constituição e fora dela, mas que sem eles, não seria legal uma interpretação que se desviasse do sentido gramatical da norma, assim que, são exatamente esses princípios que tornam possível a argumentação dos tribunais e júri singular sobressalta a literalidade normativa.

A ponderação de princípios foi oferecida por Alexy através de duas obras, a Teoria dos Direitos Fundamentais (2008) e a Teoria da Argumentação Jurídica (2005). Nessas performances, Alexy considera que a ponderação de princípios deve fazer parte dos princípios fundamentais. Nota-se, ao ler as obras, que, para Alexy, é de extrema importância que os tribunais justifiquem suas decisões, e esse veredito deverá estar em conformidade com os princípios. Dessa maneira, as decisões judiciais estão findadas e aceitas pelo fato de haver uma justificativa para elas.

Logo, além de escolher a norma adequada ao caso concreto e a interpretar, fica subentendido que, para Alexy, se faz importante que os tribunais e magistrados possuam atributos da figura do juiz solipista. Isto é, o que Lênio Streck elenca como ''juiz do justo concreto''. Aquele que julga conforme sua consciência; sua decisão está fundamentada no que acretida ser justo, e ele busca a justificativa para o reflexo de sua consciência na ponderação dos princípios, e porque não dizer, nos próprios princípios.

Vejamos o que Lênio Streck tem a lembrar sobre o ''juiz ideal'':

Afirmar que o juiz deve decidir conforme sua consciência, atentando para a realidade ao seu redor, é ressuscitar o velho socialismo processual (para dizer o minus). Veja-se que o juiz do “caso Bernardo” (o menino de Três Passos (RS) que foi morto pela madrasta e pela enfermeira amiga dela, com a possível anuência do pai), ao decidir que o menino ficaria sob a guarda do pai, justificou-se, dizendo: “— decidi conforme minha consciência”. Sim, ele conhecia a realidade da pequena cidade...(hermeneuticamente podemos dizer que esses “sentidos empíricos exsurgidos da imediatez” é que são os mais perigosos, porque provocam uma espécie de “assujeitamento” do intérprete a esse “imediato”, sem questioná-lo e sem suspendê-lo). Veja-se o perigo que é decidir conforme a consciência. Afinal — o que é isto — a consciência de cada um? Este é o busílis da questão! Poderia ele, o juiz, ter decidido que não daria a guarda ao pai. Infelizmente, sua escolha foi ruim (em termos finalísticos, porque com a permanência da guarda, o menino foi morto). Eis aí, pois, a “coisa”: decidir não é o mesmo que escolher, como tenho escrito ad nauseam. Não é e não pode ser. Escolhas sempre podem nos levar a erros. E direito não é filosofia moral, se me entendem.

Por fim, essa é a problematização de nosso projeto de pesquisa, o entendimento sobre o limite da discricionariedade magistral.


Nota

¹ A Escola Histórica é aquela que tem por objetivo sanar o desequilíbrio entre a realidade social e a lei, para ela, a lei seria um reflexo da realidade histórica, que busca se encontrar do tempo vigênte. Esse é um pensamento de Savigny, onde ele afirma que o Direito deve atender os interesses do ''espírito do povo''. (REALE, 2002, p. 422)


REFERÊNCIAS

COELHO, Luiz Fernando. Introdução à crítica do direito. Curitiba: HDV, 1983.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

SICHES, Recasens. Experiência Jurídica, Naturaleza de la Cosa e Lógica Razonable. México: Unam, 1971.

BRASIL. Código de Processo Civil. Senado Federal. Brasília: SEGRAF, 2015.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. São Paulo: 2007.

PANTOJA, Augusto. O juiz não é nomeado para fazer favores com a justiça, mas para julgar segundo as leis. Disponível em: <http://augustopantoja.blogspot.com.br/2013/11/o-juiz-nao-e-nomeado-para-fazer-favores.html>. Acesso em: 21 out. 2015.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005.

______. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio A. da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

STRECK, Luiz Lenio. O ''decido conforme a consciência'' dá segurança a alguém?. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-mai-15/senso-incomum-decido-conforme-consciencia-seguranca-alguem>. Acesso em: 30 out. 2015.

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