Dívida ativa e duas possíveis soluções para aumentar o volume de recuperação de créditos inscritos na dívida ativa

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25/07/2017 às 14:58
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O presente artigo objetiva abordar soluções para aumentar o volume de recuperação de créditos inscritos na dívida ativa.

1. INTRODUÇÃO

No Brasil, o ano de 2015 vem sendo marcado por uma profunda crise econômica. Inflação longe da meta estabelecida pelo Banco Central, desaceleração da produção interna, aumento das taxas de desemprego e algumas outras variáveis macroeconômicas já demonstram que esse é o pior cenário vivido pelo país nos últimos vinte anos quando o assunto é a economia nacional.

Além dos problemas listados no parágrafo anterior, o Governo tem convivido com uma delicada situação em relação às contas públicas. O alto volume de gastos públicos e a desaceleração da arrecadação, intimamente ligada à desaceleração do PIB, geraram um descompasso nas mesmas, o qual, até o presente momento, parece não ter solução trivial. O resultado será um déficit nas contas públicas que, provavelmente, superará o valor de R$ 50 bilhões.[1] A perspectiva é que tal cenário se repita também no próximo ano.[2]

Na tentativa de solucionar a delicada situação orçamentária, o governo anunciou um pacote de medidas, entre as quais, destacam-se: a volta da CPMF; adiamento do reajuste dos servidores públicos; suspensão dos concursos públicos; corte de ministérios, cargos comissionados e outras despesas administrativas; e aumento da carga tributária por meio da redução de benefícios concedidos a determinados contribuintes, aumento de alíquotas e também criação de novos tributos.

Além das referidas medidas, discussões sobre as possibilidades de se aumentar o volume de recuperação de créditos inscritos na Dívida Ativa da União têm aparecido na agenda política, entre as quais, destacam-se a proposta de privatização/alienação dos créditos inscritos em dívida ativa e a de autocomposição dos mesmos.

Sendo assim, o presente estudo pretende abordar as referidas possibilidades de aumentar o volume de recuperação de créditos inscritos na Dívida Ativa da União.

2. A DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO

O principal disciplinador da Dívida Ativa, no ordenamento jurídico pátrio, é o Código Tributário Nacional (CTN), o qual dedica Capítulo próprio para a matéria, estabelecendo normas gerais por meio de quatro artigos específicos, in verbis:

“Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.

Parágrafo único. A fluência de juros de mora não exclui, para os efeitos deste artigo, a liquidez do crédito.

Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente:

      I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;

      II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;

      III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;

      IV - a data em que foi inscrita;

      V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.

Parágrafo único. A certidão conterá, além dos requisitos deste artigo, a indicação do livro e da folha da inscrição.

Art. 203. A omissão de quaisquer dos requisitos previstos no artigo anterior, ou o erro a eles relativo, são causas de nulidade da inscrição e do processo de cobrança dela decorrente, mas a nulidade poderá ser sanada até a decisão de primeira instância, mediante substituição da certidão nula, devolvido ao sujeito passivo, acusado ou interessado o prazo para defesa, que somente poderá versar sobre a parte modificada.

Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.

Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.”[3]

A partir disso, podemos definir, de maneira bastante simplificada, a Dívida Ativa da União como o crédito público, ou seja, a soma de valores que a Fazenda Nacional tem o direito de receber, os quais podem ter origem tributária ou não tributária, como será visto mais adiante.

Além do CTN, a Dívida Ativa também possui tratamento privilegiado em outros diplomas do ordenamento jurídico brasileiro, como, por exemplo, a Constituição Federal, a Lei n.º 4.320/1964 (Lei de Finanças Públicas) e a Lei  n.º 6.830/1980, popularmente conhecida como Lei de Execuções Fiscais (LEF). Em relação à Constituição Federal, deve-se destacar o §3º do artigo 131, o qual determina que, nas execuções da dívida ativa de natureza tributária, cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) representar a União.[4] A constitucionalizarão da matéria, assim como acontece em relação a outros institutos tributários, é alvo de críticas, pois acaba engessando e dificultando algumas modificações legislativas necessárias em razão da própria evolução da dinâmica social e econômica do país.

A Lei n.º 4.320/1964, responsável por estatuir as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle de orçamentos e balanços da União e dos demais entes federativos, determina, no caput e no §1º do artigo 39, que os créditos inadimplidos das Fazendas Públicas, de natureza tributária ou não tributária, serão inscritos como Dívida Ativa.[5] Além disso, o §2º do referido artigo ainda distingue a Dívida Ativa Tributária e a Dívida Ativa Não Tributária:

“§2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais."[6]

Em relação aos créditos de natureza tributária, sua inscrição em dívida ativa ocorre pelo inadimplemento da obrigação tributária originada pelo fato gerador. Como elucida Eduardo Sabbag:

“Isso não quer dizer que o crédito tributário não suspenso, não extinto ou não excluído, poderá, como resposta à necessidade de cobrança judicial do sujeito ativo, ser inscrito em dívida ativa. Tal procedimento tem o condão de conferir exequibilidade à relação jurídico-tributária. Portanto, a dívida ativa [tributária] pode ser definida como o crédito tributário inscrito.”[7]

Após a inscrição dos referidos créditos na Dívida Ativa, poderá se prosseguir com a cobrança dos mesmos. A LEF trata da execução judicial para cobrança da Dívida Ativa, reiterando as definições do §2º do artigo 39, da Lei n.º 4.320/1964.[8]

3. A IMPORTÂNCIA DA DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO E NO ATUAL MOMENTO DAS FINANÇAS PÚBLICAS

A partir do que foi exposto até aqui, pode-se constatar a importância da Dívida Ativa no ordenamento jurídico pátrio, já que a mesma é abordada, inclusive pela Constituição Federal. O Professor Paulo de Barros Carvalho vai além e afirma que a inscrição em dívida ativa é, provavelmente, o ato de controle de legalidade mais importante da Fazenda Pública sobre a constituição de seu crédito, pois, primeiro, “é o único ato de controle de legalidade, efetuado sobre o crédito tributário já constituído, que se realiza pela apreciação critica de profissionais obrigatoriamente especializados:”[9] a PGFN; e, segundo, “é a derradeira oportunidade que a Administração tem de rever os requisitos jurídico-legais dos atos praticados”.[10]

Além desse prisma eminentemente jurídico, a Dívida Ativa da União também tem sido amplamente debatida sob a ótica financeira em razão da sua importância dentro do campo das Finanças Públicas, uma vez que surge como possível válvula de escape para o financiamento do Governo Federal, o qual se encontra em delicada situação fiscal e com aparente fechamento em déficit das contas públicas em 2015.

Com um estoque que ultrapassa R$ 1,5 trilhão, a taxa de recuperação da Dívida Ativa da União é extremamente baixa, girando em torno de 1,5% do valor total. A título de comparação de valores, de janeiro a agosto de 2015, apenas R$ 9,2 bilhões foram recuperados. Em 2013 e 2014, foram recuperados R$ 28,1 bilhões e R$ 20,6 bilhões, respectivamente.[11]

Na tentativa de aumentar os valores recuperados, desafogando, consequentemente, as contas públicas, inúmeras propostas tem surgido como, por exemplo, a de privatização/alienação dos créditos inscritos em dívida ativa e a de autocomposição dos mesmos, as quais serão abordadas a seguir.

4. A PRIVATIZAÇÃO/ALIENAÇÃO DOS CRÉDITOS INSCRITOS EM DÍVIDA ATIVA

A proposta de se privatizar os créditos inscritos em dívida ativa não é tão recente. Em 17 de abril de 1990, a Medida Provisória n.º 178 “autorizou o Poder Executivo a ceder, a título oneroso e mediante licitação, créditos inscritos como Dívida Ativa da União.”[12] Segundo a referida Medida Provisória, a União poderia ceder apenas  créditos ainda não ajuizados. O cessionário sub-rogar-se-ia em todos direitos, garantias e privilégios da União, assumindo também os riscos da cobrança daqueles créditos. Ressalta-se que, caberia ainda ao devedor o direito de prelação, ou seja, era facultado ao mesmo depositar a mesma quantia oferecida pelo vencedor da licitação do crédito inscrito como Dívida Ativa.

Atualmente, dois projetos que dispõem sobre a cessão de créditos inscritos como Dívida Ativa da União tramitam no Congresso: o Projeto de Lei Complementar n.º 181 de 2015 propõe a alteração do próprio CTN para que seja permitida a cessão de tais créditos; e o Projeto de Lei 3.777 de 2015, por sua vez, dispõe sobre o procedimento para instrumentalização da mesma. Caso venham a ser aprovados, os cessionários ficariam incumbidos de realizar a cobrança de tais créditos, assumindo também os riscos inerentes a mesma, assim como previa a Medida Provisória n.º 178/1990.

No entanto, essa possível solução financeira das contas públicas da União parece trazer consigo alguns problemas legais. Os referidos projetos violam frontalmente a Constituição Federal quando a mesma determina caber à PGFN a execução da dívida ativa de natureza tributária.

Nesse mesmo sentido, o Parecer/PGFN/CDA/2015 também enumera uma lista de violações constitucionais dos referidos projetos legislativos, entre as quais estariam violações aos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da repartição e vincularão das receitas tributárias, propondo, ainda, a total rejeição dos projetos em tela.[13]

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Dessa forma, a cessão de créditos inscritos como Dívida Ativa da União não parece ser a melhor solução para a baixa taxa de recuperação dos mesmos. É praticamente translúcido que, caso sejam aprovados, os referidos projetos de lei ensejarão diversas ações judiciais questionando sua constitucionalidade, podendo trazer, no longo prazo, problemas ainda mais sérios para as finanças públicas.

5. A AUTOCOMPOSIÇÃO COMO ALTERNATIVA PARA RECUPERAÇÃO DE CRÉDITOS INSCRITOS EM DÍVIDA ATIVA

Outra alternativa que vem sendo discutida com o intuito de aumentar a taxa de recuperação dos créditos inscritos como Dívida Ativa da União é a possibilidade da transação dos mesmos.

Tal hipótese já havia sido prevista pelo art. 171 do CTN, in verbis:

Art. 171. A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

Como se observa, a partir da leitura do artigo, o CTN, ao permitir a celebração de transação em matéria tributária, exige a necessidade de lei que a regulamente, em virtude da indisponibilidade do interesse público, instituto intimamente relacionado ao princípio da supremacia do interesse público.[14]

Entretanto, a indisponibilidade do interesse público não é uma barreira intransponível, possibilitando, dessa maneira, a transação relacionada à matéria tributária, a qual deverá sempre respeitar o princípio da legalidade.[15]

No intuito de regulamentar a possibilidade de transação em matéria tributária, existem dois Projetos de Lei em tramitação do Congresso Nacional:[16] o PL 2412/2007, que “dispõe sobre transação tributária, nas hipóteses que especifica, altera a legislação tributária e dá outras providências”;[17] e o PL 5082/2009, que “dispõe sobre a execução administrativa da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de suas respectivas autarquias e fundações públicas, e dá outras providências”.[18] O PL 5082/2009 se encontra apensado ao PL 2412/2007, o qual aguarda pareces para ter andamento.

Mais recentemente, o artigo 38 da Lei de Mediação (Lei n.º 13.140/2015) pareceu, a priori, permitir a mediação extrajudicial das controvérsias relacionadas aos tributos administrados pela Receita Feral ou créditos inscritos como Dívida Ativa da União.[19] Entretanto, o referido dispositivo, além de carecer de regulamentação, vem sendo alvo de divergências entre advogados tributarias e a PGFN.[20]

A nova lei prevê que todos os entes federativos poderão criar câmaras de prevenção e resolução de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, com a finalidade não só de dirimir controvérsias entre entidades da administração pública, como também compor conflitos entre particulares e pessoa jurídica de direito público e promover a celebração de termo de ajustamento de conduta, quando cabível.

Porém, a partir de uma leitura mais atenta dos artigos 35 e seguintes da referida Lei, conclui-se que não será admitida a composição de conflitos entre particular e a administração pública e nem a celebração de termo de ajustamento de conduta, quando o conflito envolva tributos administrados pela Receita Federal ou créditos inscritos em Dívida Ativa da União.[21]

É uma pena que nos casos de controvérsia jurídica relativa a tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou a créditos inscritos em Dívida Ativa da União não se aplicam as disposições dos incisos II e III do caput do artigo 32 (artigo 38, inciso I). Persiste a impossibilidade e a resistência de conciliação nos executivos fiscais, enquanto milhares e milhares de processos se arrastam nos foros da Justiça, sem perspectiva de solução, impactando negativamente as taxas de congestionamento dessas Justiças, que nada podem fazer para resolver o problema.

6. CONCLUSÕES

O presente estudo pretendeu apresentar duas possibilidades para se aumentar o volume de recuperação de créditos inscritos na Dívida Ativa da União: a privatização/alienação dos créditos inscritos em dívida ativa e a autocomposição dos mesmos.

Em relação à primeira, a cessão de créditos inscritos como Dívida Ativa da União não parece ser a melhor solução para a baixa taxa de recuperação dos mesmos. Apesar de seu potencial arrecadatório, são praticamente translúcidos seus problemas legais, podendo ensejar diversas ações judiciais questionando sua constitucionalidade, o que traria, no longo prazo, problemas ainda mais sérios para as finanças públicas.

Já a possibilidade de autocomposição de créditos inscritos em Dívida Ativa parece ser uma melhor solução do ponto de legal, carecendo, ainda, de lei específica, visto que a recente Lei de Mediação não disciplinou a matéria.

 Portanto, a sugestão do presente estudo é a promulgação dos Projetos de Lei referidos ao longo do trabalho que dispõem sobre a matéria.

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Sobre o autor
André Santos Ferraz

Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília - UnB (2013). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub (2014). Pós-graduando em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Atualmente, é Coordenador na Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Suas opiniões não refletem o posicionamento das instituições com as quais possui vínculo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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