Afinal, a Administração Pública, no exercício de suas prerrogativas, pode revogar uma licitação com base na mera discricionariedade da autoridade competente sem respeitar os limites legais?
Caros licitantes, atenção redobrada para esta arbitrariedade do Poder Público no manejo diário do instituto jurídico da revogação!
O artigo 49 do Estatuto Geral de Licitações e Contratos Administrativos – Lei nº 8.666/93 – consagrou, com alguma especialidade, posição pacífica acerca do controle dos atos administrativos.
Entre as prerrogativas da Administração Pública, há a possibilidade de revogar atos que não sejam mais convenientes e oportunos para o atendimento do interesse público, bem como de invalidá-los (anulá-los) em caso de ilegalidade. Nesse sentido, a Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal tem o seguinte enunciado:
A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Nota-se que na revogação o desfazimento do ato administrativo não decorre de vício ou defeito. Aliás, muito pelo contrário. Somente se permite revogar um certame licitatório se o ato for válido e perfeito: se defeituoso, a Administração deverá anular. A revogação se funda em juízo que apura a conveniência do ato relativamente ao interesse sob tutela do Estado.
Por outro lado, a anulação corresponde ao reconhecimento pela própria Administração do vício do ato administrativo, desfazendo-o e a seus efeitos acaso existentes. Portanto, tais institutos, embora previstos no mesmo dispositivo legal, não se confundem entre si, eis que diametralmente distintos.
Vale destacar, ainda, que, a rigor, tanto para a revogação como para a invalidação, é necessário instaurar processo administrativo em que se assegure aos atingidos pela decisão a oportunidade de se manifestar a respeito. Não é por outra razão que o artigo 49, §3º, da Lei nº 8.666/93 prevê que, em caso de “desfazimento do processo licitatório, fica assegurado o contraditório e a ampla defesa”.
Sobre o procedimento a ser adotado, a Súmula nº 04, elaborada pela Consultoria Zênite assim dispõe, cujos fundamentos endossamos:
EMENTA: No caso do desfazimento do procedimento licitatório, o contraditório e a ampla defesa devem ser assegurados antes da prática do ato de revogação ou anulação, sob pena de ilegalidade do próprio ato.
JUSTIFICATIVA:
A licitação, seja qual for a sua modalidade, constitui procedimento administrativo e, como tal, comporta revogação, por razões de interesse público, e anulação, por ilegalidade, nos termos do art. 49 da Lei nº 8.666/93.
A decisão de revogar ou anular uma licitação consiste no seu desfazimento pela autoridade administrativa competente para a aprovação do procedimento, isto é, para sua homologação, reservada também a possibilidade do Judiciário anular o certame desde que provocado por quem tenha legítimo interesse para agir.
O ato de revogação ou de anulação pela própria Administração, atuando de ofício ou por provocação de terceiros, deve ser motivado, sendo necessário parecer escrito e devidamente fundamentado.
Mas o art. 49, § 3º da Lei nº 8.666/93 estabelece ainda que no caso de desfazimento do processo licitatório – revogação ou anulação – fica assegurado o contraditório e a ampla defesa.
O direito ao contraditório e à ampla defesa tem fundamento constitucional (CF, art. 5º, LV), e consiste no direito dos licitantes de se oporem ao desfazimento da licitação antes que decisão nesse sentido seja tomada.
Entendendo ser caso de desfazimento do processo licitatório, a Administração deve comunicar aos licitantes essa sua intenção, oferecendo-lhes a oportunidade, no prazo razoável que lhes assinalar, de defender a licitação promovida, procurando demonstrar que não cabe o desfazimento, antes da decisão ser tomada.
Se levado a efeito o desfazimento sem que tenha sido assegurado antes o direito ao contraditório e ampla defesa, a decisão será nula, só por essa razão. De qualquer forma, decidido o desfazimento, assiste ainda aos licitantes o direito de interpor recurso administrativo, com fundamento no art. 109, I, alínea “c”, da Lei nº 8.666/93, direito esse que com aquele não se confunde. (Revista Zênite ILC, 1996, p. 268).
Nobres licitantes, como se vê, é importante destacar que a revogação não ocorre conforme o livre arbítrio do agente público, sem qualquer tipo de limitação. Aliás, infelizmente a prática rotineira nas repartições públicas Brasil afora no tocante à revogação de certames licitatórios se dá muitas vezes aos arrepios da lei, nascendo para vocês licitantes direitos reparatórios quando o evento que conduziu a revogabilidade, por exemplo, for imputável à Administração.
Na realidade, há requisitos para a revogação da licitação (ou de qualquer outro ato administrativo), senão vejamos: a) fato superveniente que tenha tornado o procedimento inconveniente ou inoportuno; b) motivação; e c) contraditório e ampla defesa prévios.
Assim, primeiramente é necessário que tenha ocorrido um fato superveniente capaz de alterar o interesse público, de maneira que a licitação não seja mais conveniente e oportuna para atingir os objetivos buscados pelo Poder Público.
Note-se que a exigência de fato superveniente é muito relevante, tendo em vista que, se a licitação era originariamente inconveniente e inoportuna, há verdadeiro vício de legalidade, que determina a invalidação do certame.
Além disso, é preciso que a Administração motive adequadamente seu ato, a fim de apontar justamente a presença daquele fato superveniente. Com o Estado Democrático de Direito, não é mais aceitável e/ou compatível à mera alusão a “razões de interesse público” (normalmente, é o que ocorre nas repartições públicas SEM a percepção dos licitantes). É preciso que a Administração aponte de forma concreta qual o interesse público tutelado e por qual razão ele não é mais atendido com a licitação.
A comprovação satisfatória desses requisitos afasta a possibilidade de a Administração indenizar os particulares em razão da revogação do certame. Caso contrário, a medida reparatória é medida que se impõe!
Noutro giro, com base na responsabilidade civil do Estado na revogação, esta forma de “cancelamento” do torneio licitatório acarreta sim o dever de reparar os efeitos lesivos sofridos pelos terceiros em razão do desfazimento dos atos administrativos. Em termos práticos, os limites opostos à revogabilidade dos atos também restringem os casos de indenizabilidade. É que os casos de maior prejuízo seriam aqueles nos quais existisse situação jurídica consolidada, justamente na qual a revogação não é admitida.
Portanto, nobres licitantes, deve ser verificada a relação de causalidade entre a revogação e a lesão ao patrimônio do particular. O Poder Público está obrigado a indenizar os licitantes pelos prejuízos sofridos, quando em desacordo com as exigências legais, assim como também quando o evento que conduziu à revogação for imputável à Administração. Em outras palavras: quando se verificar atuação culposa dos agentes públicos, será cogitável a responsabilização, nos mesmos moldes em que se passaria no direito privado.