7. CONCLUSÃO
A formulação de uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), inserida por meio da Lei Federal nº 12.305/2010, representa um marco na proposta de preservação ambiental brasileira, por meio do combate à poluição por resíduos sólidos.
Ao disciplinar a destinação e a disposição final de produtos descartados pelos consumidores, atribuindo o seu retorno aos respectivos fabricantes, a norma ampliou seu universo de tutela e deslocou, pela primeira vez, a atenção para a problemática verificada no final ou ocaso do ciclo produtivo.
Mas, com isso, na verdade, o que se procura é que não há uma faceta meramente precaucional dos responsáveis, mas, principalmente, preventiva. E não podemos perder de vista que, em matéria de resíduos, uma atuação preventiva significa adotar medidas anteriormente ao próprio surgimento destes
Como dissemos anteriormente, à medida que o setor empresarial é física e economicamente responsabilizado a dar a destinação ambientalmente adequada aos produtos que produz e coloca no mercado, promover-se-á, com isso, determinada influência a que venha a repensar todo o processo de produção de seus produtos, isto é, desde o seu início, com vistas à concepção de produtos menos intensivos em materiais e cujo uso não gere ou gere menos resíduos ou, ainda, permita o seu reuso, afinal, quanto menor a quantidade de resíduos sólidos gerados, menores serão os custos com a destinação final.
Porém, ao estudar perspectivamente a PNRS, verificamos de pronto que a matéria é complexa, externada até mesmo pelas multidimensões de ação observadas na norma, como a política, econômica, ambiental propriamente dita, cultural e social.
Em sua dimensão politica a norma engloba a necessidade de acordos dos diversos setores envolvidos na gestão dos resíduos e a superação de conflitos de interesse que representem barreiras à implementação da PNRS, impondo a necessidade de elaboração de planos de resíduos sólidos na esfera federal, estadual, regional, intermunicipal e municipal, bem como a elaboração de planos de gerenciamento de resíduos, quando o caso, conforme seu artigo 14.
Pela sua dimensão econômica procura viabilizar soluções para o tratamento dos resíduos que contemplem instrumentos econômicos, sendo que, de acordo com o que dispõe o seu artigo 42, o Poder Publico poderá instituir medidas indutoras e linhas de financiamento visando à efetividade das suas propostas.
A par disso, na dimensão ambiental, é evidente, pois que a PNRS visa minimizar os impactos ambientais ocasionados pela produção de resíduos, como seu fim maior.
Pela dimensão cultural, considera relevantes os hábitos e os valores das populações locais, quando da definição dos métodos e dos procedimentos a serem implantados para o gerenciamento dos resíduos sólidos.
Observada, ainda, em sua dimensão social, está diretamente relacionada à participação social nos processos de elaboração das politicas publicas relacionadas aos resíduos sólidos, como definido no artigo 3°, inciso VI, da Lei 12305/2010.
Na prática, entretanto, as discussões e os esforços de implementação da PNRS têm-se concentrado mais na melhoria do gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos gerados e menos no fornecimento de incentivos à mudança e melhoria dos produtos e dos processos de produção e consumo a eles associados, o que nos parece inadequado.
Essa não priorização conferida à prevenção pode ser explicada pelo fato de a Lei, aparentemente, estar sendo aplicada de modo mais vocacionado a tratar dos resíduos, ancorada por uma cultura de atenção à fase final do ciclo de vida dos produtos, embora se mostre mais adequada e, necessariamente, um instrumento de regulação dos próprios produtos e das etapas relacionadas à produção e ao consumo destes, que são precisamente as etapas geradoras de resíduos que não encontravam óbices legais mais específicos anteriormente.
Há necessidade e importância, pois, de medidas, mais a montante da cadeia econômica; isto é, no inicio da cadeia produtiva, desde o próprio design até os materiais empregados nos produtos.
Por conseguinte, ainda que a PNRS procure operar em frentes de adequação ambiental, como aterros e reciclagem de resíduos, parece decisivo para o atingimento de seu desiderato que se focalize nas práticas de produção e consumo, para a construção e implementação de medidas de prevenção a resíduos, o que viabilizará, consequentemente, sistemáticas mais efetivas de logística reversa.
Se isto não for realizado, reorientando-se as ações da PNRS, corre-se o risco de se tornar mais uma norma sem atingir o tão desejado êxito no enfrentamento da geração de resíduos sólidos e na segurança econômico-sócio-ambiental, reclamada pelo desenvolvimento sustentável de nossa sociedade, cada vez mais pressionada pelo problema do “lixo”.
Ademais, no âmbito acadêmico e da experimentação, é essencial que haja fomento aos estudos e os debates jurídicos mais regulares e propositivos, a fim de melhor se lapidar e demonstrar a correta amplitude da aplicação da Lei Federal nº 12.305/2010.
Destacamos que, para estudos futuros há uma diversidade de dimensões a serem trabalhadas em torno da temática prevenção: aspectos legais, inovação tecnológica, reaproveitamento, tratamento dos resíduos, geração de energia, mudanças comportamentais (tanto na produção como no consumo), entre outras. Todas elas estão interconectadas e requerem abordagens inovadoras e interdisciplinares.
Veja-se que, com isso, não se nega que a Política Nacional de Resíduos Sólidos reuniu um conjunto de princípios, objetivos, instrumentos, diretrizes, metas e ações capazes de, se bem utilizados, conduzir à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. Mas é preciso conduzir-se a uma melhor compreensão e capacitação de seus aplicadores.
Por sua vez, como se sabe, a teorização aprofundada, desacompanhada de ferramentas de efetivação, bem delineadas e estratificadas nas diversas ambiências sociais, torna-se insuficiente ao atingimento das finalidades sociais nos termos almejados pelas normas inseridas no ordenamento.
Daí, por certo – e por que não – a necessidade de um olhar mais receptivo à aplicação de um direito reflexivo à matéria, como idealizado por HELMUT WILKE[9].
Ademais, destacamos, em meio às inovações da norma, a consagrada responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto como um dos seus mais relevantes princípios específicos, cuja manifestação mais perspicaz parece-nos, realmente seja logística reversa.
Não obstante, pelo fato de a prevenção dos resíduos exigir o enfrentamento da produção e do consumo propriamente ditos, qualquer tentativa de persecução do objetivo da prevenção, acreditamos, deverá ocorrer não no âmbito isolado de uma regulação setorial, mas de forma intersetorial, de modo a levar em consideração toda a complexidade e todas as vertentes que a questão encerra.
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NOTAS
[3] BELLINGIERI, Paulo Henrique. Sistema de informações sobre resíduos sólidos como instrumento de gestão. In: JARDIM, Arnaldo; YOSHIDA, Consuelo; FILHO, Jose Valverde Machado Filho. (org.). Politica Nacional, gestão e gerenciamento de resíduos sólidos. BARUERI, SP: Manole, 2012, p. 524.
[4] “Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessário à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.” (BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: políticas Públicas. Reflexões sobre o Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 39)
[5] Op. Cit., pp. 213/214.
[6] “O direito ambiental é em si reformador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual, cuja trajetória conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, o que jamais ocorreu em toda a história da humanidade. É um direito que surge para rever e redimensionar conceitos que dispõem sobre a convivência das atividades sociais.” (DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 57)
[7] “O Direito Ambiental, revigorado pela nova roupagem constitucional dada ao tema do meio ambiente, deve atuar sobre toda e qualquer área que envolva tal matéria, impondo a reformulação de conceitos, institutos e princípios, exigindo a adaptação e reestruturação do modelo socioeconômico atual com o necessário equilíbrio do meio ambiente, tendo em vista a sadia qualidade de vida.” (PADILHA, Norma Sueli. Do meio ambiente do trabalho equilibrado. São Paulo: LTr, 2002, pp. 22/23).
[8] “O modo linear de produção, tradicionalmente desenvolvido e adotado pela (ainda) esmagadora maioria das indústrias, inicia-se com a extração de recursos da natureza para que estes submetidos ao processo de industrialização, transformem-se em produtos colocados no mercado. Esses produtos, de regra, não são inteiramente absorvidos pelo consumo, pois ainda que se trate de bens consumíveis e ocorra a sua fruição integral, haverá, na maioria das vezes, a embalagem, a parcela não aproveitável, o produto remanescente. Com os bens não consumíveis – que constituem a maior parte dos produtos industriais -, duráveis ou não, a geração de resíduos é ainda mais certa e de maior monta, visto que, esgotado seu uso, haverá o descarte do material restante. Esse processo é acelerado pela obsolescência precoce – que serve ao aquecimento da economia e à maximização dos lucros – projetada desde o design do produto, seja efetiva (esvaziamento da utilidade pelo desgaste dos materiais que o compõem) ou meramente percebida (pela avaliação subjetiva de que o bem se tornou indesejável, ainda que mantenha a sua funcionalidade).” (PINZ, Greice Moreira. A responsabilidade ambiental pós-consumo e sua concretização na jurisprudência brasileira. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 17, vol. 65, p. 162-163, jan/mar 2012, p.59)
[9] Segundo explica ANDRÉ-NOËL ROTH, para HELMUT WILKE: “O direito reflexivo deveria permitir o aumento da capacidade de pilotagem da lei, incluindo, durante a fase de busca de um consenso, assim como no processo de tomada de decisão, os destinatários da norma.” (in O Direito em Crise: Fim do Estado Moderno? ROTH, ANDRÉ-NOËL, Coord. FARIA, José Eduardo. Direito e Globalização Econômica: Implicações e Perspectivas. Editora Malheiros. São Paulo, 2010, p. 23)