I - POSSIVEIS MUDANÇAS NO SISTEMA ELEITORAL
Apontado como o sistema eleitoral mais fácil para os atuais parlamentares se reelegerem, o chamado distritão pode ser adotado como modelo definitivo para as eleições de deputados e vereadores a partir do próximo pleito. As articulações de bastidores, sobretudo entre parlamentares do centrão, indicam apoio a essa mudança sem respeitar o acordo estabelecido com o PSDB e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de se adotar o sistema distrital misto a partir de 2022. O tema faz parte da reforma política, que deve ter a votação iniciada hoje em comissão especial.
Usado em apenas quatro países — Afeganistão, Jordânia, Vanuatu e Pitcairn —, o distritão elege para o parlamento os candidatos mais votados, independentemente do apoio que seus partidos recebam. Hoje, as cadeiras de deputados e vereadores são distribuídas primeiro de forma proporcional aos votos recebidos pelos partidos ou coligações e ocupadas pelos candidatos mais votados desses grupos.
Rejeitado em 2015 pela Câmara, quando o ex-presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ) patrocinava a mudança, o distritão ganhou adeptos recentemente diante da perspectiva de uma grande renovação da Casa devido às denúncias de corrupção contra dezenas de deputados na Operação Lava-Jato.
Fala-se ainda na proposta de adoção de um voto distrital misto para 2022, mas aprovada agora. Tal implementação se daria por emenda constitucional.
Sendo assim afastar-se-ia o chamado voto proporcional pelo voto distrital
II - SISTEMA PROPORCIONAL
Na história constitucional, a representação politica apresenta quatro sistemas: a) sistema majoritário, que compreende o sistema da maioria absoluta, sem representação das minorias, que foi vigente ao tempo do Império do Brasil, até ao advento da “lei do terço”(Dec. Leg. nº 2.675, de 20 de outubro de 1875), e o da maioria relativa, com representação delas, vigente ao tempo da Primeira República; b) o sistema proporcional partidário que abrange o sistema francês ou do quociente eleitoral, admitindo duas modalidades, a das “sobras” atribuídas ao Partido, que apresentar a “maior média”(Lei Eleitoral de 1950); c) o sistema do divisor comum; d) o sistema corporativo, oriundo dos Sistemas totalitários do primeiro pós-guerra, que admitia dois tipos: o corporativo simples ou profissional(Rússia soviética Alemanha “nazista”) e o corporativo qualificado ou econômico(Itália “fascista”, Espanha “franquista” e Portugal “salazarista”).
No conceito de Léon Duguit o sistema proporcional é aquele que “assegura, em cada circunscrição eleitoral, aos diferentes partidos, contando em certo número de membros, um número de representantes, variando segundo a importância numérica de cada um”.
Para Harold Gosnell, o sistema proporcional “é aquele que visa assegurar um corpo legislativo que reflita, com uma exatidão mais ou menos matemática, a força dos partidos do eleitorado”. Para Lastarria, o sistema proporcional seria o único meio de representar todos os interesses, todas as opiniões, em proporção do número de votos com que contam”.
O sistema proporcional pode ser visto sob várias modalidades técnicas: a) o sistema do voto limitado, por Dobraniki, que foi adotado na Inglaterra(1867 – 1885), na Itália(1882 – 1891) e em diversos outros países inclusive no Brasil(1875 – 1889); b) sistema do voto cumulativo, formulado por Esmein, dentre outros; c) o sistema preferencial, de Hare e Andrae; d) o sistema de concorrência de listas, divulgado ainda por Esmein, dentre outros; e) o sistema automático; f) o sistema do quociente eleitoral que foi divulgado por Duguit.
Na verdade, o quociente eleitoral é, em conjunto com o quociente partidário e a distribuição das sobras, o método pelo qual se distribuem as cadeiras nas eleições proporcionais brasileiras(deputado federal, deputado estadual ou distrital e vereador). É o sistema matematicamente equivalente aos métodos de d’Hondt e de Jefferson, uma mistura desses dois.
O artigo 106 do Código Eleitoral brasileiro determina o quociente eleitoral: “Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o numero de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equivalente a um, se superior”.
Por sua vez, o artigo 107 do Código Eleitoral determina o quociente partidário: “Determina-se para cada partido ou coligação o quociente partidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas, desprezada a fração.
O número de cadeiras obtidas por cada partido corresponde a parte inteira do quociente eleitoral. Caso a soma das cadeiras obtidas pelos partidos não seja igual ao total de cadeiras, as cadeiras restantes são divididas de acordo com o sistema de médias, conhecido como distribuição de sobras.
O sistema proporcional tende a favorecer a formação de bases partidárias em detrimento da contagem absoluta de votos pessoais, de forma que os eleitores, raramente, sabem, de forma efetiva, para quais candidatos o seu voto é computado.
Confronta-se o sistema proporcional ao voto distrital, um sistema eleitoral de maioria simples, onde por ele, cada membro do Parlamento é eleito individualmente nos limites geográficos de um distrito pela maioria dos votos(simples ou absoluta). Por esse sistema, o país seria dividido em determinado número de distritos eleitorais, normalmente com população semelhante entre si, cada qual elegendo um dos partidos que comporão o parlamento. Por esse sistema, o eleitor, ao votar num candidato, está votando não apenas a favor dele, mas também contra o outro candidato, tirando, a seu entender, o mau parlamentar do poder. Cada deputado, cada vereador, por exemplo, tem de ser votado pela maioria dos eleitores, de modo a favorecer os candidatos que favoreçam os interesses gerais da população, desfavorecendo grupos de interesses organizados, que são geralmente minoritários, que sejam favorecidos pelo voto proporcional.
III - O VOTO DISTRITAL
A história do voto distrital, por sua vez, tem importante marco na reforma eleitoral de 1855, conhecida como Lei dos Círculos, que fazia parte do programa de Conciliação Política promovida pelo Gabinete do Marques de Paraná. O mesmo entusiasmo que motivava os liberais a participarem das eleições, parecia animar o eleitorado, o qual atribuía ao voto distrital o poder de aproximar o candidato do eleitor e de acabar com a imposição das chapas fechadas dos partidos, contendo muitos nomes que escapavam a seu conhecimento. na reforma eleitoral de 1855, conhecida como Lei dos Círculos, que fazia parte do programa de Conciliação Política promovida pelo Gabinete do Marques de Paraná.
Em verdade, a história do voto distrital está marcada, como se viu na Velha República, pelo favorecimento às oligarquias, a classe dos proprietários territoriais. Veja-se a Lei 1.269, de 15 de novembro de 1904, chamada de Lei Rosa e Silva, que revogou a legislação anterior, conservou o sistema distrital mas elevou para cinco o número de deputados por Distrito, instituindo o voto cumulativo, que facultava o eleitor a acumular seus votos no mesmo candidato, menos um, isso com vistas a garantir a representação das minorias adotando o voto a descoberto.
Até que em 1930 houve uma Revolução que trouxe, em 1932, a chamada Justiça Eleitoral e novas regras com o Código Eleitoral. Na República, com a eleição direta e sufrágio geral para homens maiores de 21 anos, o sistema eleitoral majoritário da base distrital continuou, o que já era no Império, uma farsa.
Observe-se, que, no Império, várias Leis eleitorais foram editadas, mas todas foram, dentro de uma perspectiva de voto censitário, mantenedoras do poder das elites: veja-se o Decreto de 1842. a Lei 387, que deu regulamentação nova à junta qualificadora, a Lei 1.082, de 18 de agosto de 1860, conhecida como segunda lei dos círculos. A primeira Lei dos Círculos dividiu as Províncias em tantos Distritos(Círculos) uninominais quanto fosse o número de seus deputados à Câmara dos Deputados, que eram eleitos por maioria absoluta dos votantes em cada Círculo reunidos em Assembleias Paroquiais, pois as eleições eram indiretas, introduzindo o principio das incompatibilidades, que vedava a candidatura a ocupantes de determinados cargos públicos. Jà a Segunda Lei dos Círculos, criava Distritos(Cìrculos) plurinominais, com três Deputados cada eleitos por maioria simples e, sem que houvessem mudanças significativas, ampliou as incompatibilidades, suprimiu os suplementes previstos na Lei Anterior – de modo que se houvesse vacância, se faria nova eleição, mas acabou favorecendo os potentados locais em detrimento dos partidos políticos, que não eram independentes dessas forças de dominação local.
Por sua vez, o voto distrital misto é uma combinação do voto proporcional e do voto majoritário. Teriam os eleitores dois votos: um para candidatos no distrito e outro para as legendas(partidos). Os votos em legenda(sistema proporcional) são computados em todo o estado ou município, conforme o quociente eleitoral. Já os votos majoritários são destinados a candidatos do distrito, escolhidos pelos partidos políticos, vencendo o mais votado.
Franco Montoro(in Themistocles Brandão Cavalcanti e outros, O Voto Distrital no Brasil – Estudo em torno da conveniência e da viabilidade de sua adoção, pág. 334) considerou o sistema distrital misto o mais aconselhável porque aproveita também as lideranças tradicionais, pois seria erro não aproveitá-las, conciliando sua experiência com a renovação das novas lideranças que esse sistema, por seu aspecto de voto de lista, propiciará.
Projeto do Deputado Oscar Corrêa(Projeto 1.036/1963) previa que em cada Estado haveria, além de candidatos indicados pelos respectivos Distritos, representantes gerais federais e estaduais eleitos por votação em todo o território do Estado. O número de deputados eleitos por votação geral era fixo em função da totalidade da representação estadual na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa. O eleitor votaria em um dos candidatos a deputado federal ou estadual por votação geral e em um candidato pelo Distrito ou pelo Subdistrito(este para Deputado Estadual). Por sua vez, o então Deputado Franco Montoro apresentou o Projeto de Lei 2.152/1964, que adotava o sistema misto de representação distrital e proporcional semelhante ao adotado na Alemanha, pelo qual cada Estado seria dividido em Distritos em número igual a metade dos lugares a preencher; os partidos apresentariam um candidato para cada Distrito e uma lista partidária para todo o Estado, aprovada em convenção partidária. O eleitor disporia de dois votos: o primeiro atribuído a um dos candidatos do Distrito, assinalando um nome, e outro a uma das listas partidárias, assinalando um nome e outro a uma das listas partidárias, assinalando uma legenda. Outra proposta, dentre outras, de forma semelhante, foi apresentada pelo Deputado Gustavo Capanema e pelos Deputados Cantídio Sampaio(Projeto 5.076/1978), Jorge Arbage(Projeto 1.239/1979) e Rubem Figueiró(Projeto 1.369/1979). Os três últimos já na vigência da Constituição de 1969, que admitia o sistema misto, independentemente de emenda específica.
Com o fim das eleições proporcionais, adotado o voto distrital, por óbvio, haverá o fim das coligações partidárias nas chamadas eleições proporcionais e que possibilitavam a sobrevivência de pequenos partidos - partidos nanicos - que não tinham participação no Congresso Nacional ou se tinham eram mínima.
Há quem acuse que, no distritão, os partidos perdem a importância e o candidato fica mais individual do que coletivo. Os que defendem o sistema alegam que, ao contrário, os partidos terão que encontrar bons candidatos para apresentar aos eleitores, porque os puxadores de votos não irão eleger mais ninguém com eles, como ocorre com o sistema proporcional.
Estará o eleitor brasileiro devidamente informado com relação a esses sistemas? É fundamental para o exercício da Democracia no Brasil, para a efetividade do Estado Democrático de Direito, que assim seja ele informado de todas as nuanças e aspectos deles.