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A responsabilidade civil do cirurgião plástico.

A cirurgia plástica como obrigação de meio

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4. O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS

Este entendimento começa a ganhar corpo em nossos Tribunais, como bem demonstram as ponderações do Des. Carpena Amorim, do TJRJ, ao proferir seu voto em recente julgado [15]:

"Não me parece, data venia, que se possa classificar uma cirurgia, e nesse plano as cirurgias plásticas se equiparam às de qualquer outra espécie, de obrigação de resultado, porque, como se sabe, quando se trata de mexer com fisiologia humana, além da técnica empregada pelo médico, havida no conhecimento específico, há sempre um outro componente que o homem, frágil e impotente diante do desconhecido, chama de imprevisível. (...) Nenhum homem seria capaz de afirmar que uma cirurgia tem 100% de possibilidade de êxito e 0% de insucesso. Sintetizando: não há cirurgia sem risco".

Neste mesmo diapasão, observa-se decisão proferida em acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, em caso extremamente similar ao aqui enfrentado, em lúcido voto do Des. Barreto Accioly:

Processo Inflamatório Crônico. EMENTA – Ação Ordinária de Indenização. Responsabilidade Civil. Erro Médico. A responsabilidade civil dos médicos por atos de seu ofício repousa na culpa. Assim, realizada a intervenção prescrita ao paciente, com a técnica adequada, não se pode atribuir à negligência, imprudência ou imperícia do cirurgião as conseqüências desfavoráveis, provenientes de um mal evolutivo, decorrente de um processo inflamatório crônico e inespecífico. Recurso Provido. TJ AL – Ap. Civ. 9038 – Capital. Rel. Des. B. Barreto Accioly. Recorrente: Joaquim Paulo Vieira Malta Neto. Recorrida Maria Rita Lyra de Almeida. Julg. 30/08/89.

Acórdão Publicado em Código do Consumidor Comentado, de Paulo Brasil Dill Soares, 5ª ed., Ed. Destaque, RJ, 1999p. 275.


5. CONCLUSÕES

A doutrina admite a distinção entre cirurgia estética reparadora de enfermidades congênitas e outra de finalidade puramente estética. Ocorre que a fronteira entre tais casos pode ser extremamente difusa.

A correção de um lábio leporino, por exemplo, é considerada reparação de enfermidade congênita. Por que, então, a modificação corretiva de um nariz enorme, ou de orelhas desproporcionalmente grandes não pode assim também ser considerada, se em ambos os casos o que se persegue é um melhoramento estético?

Em nosso sentir, o verdadeiro problema nas cirurgias plásticas não é o fato de a mesma ser reparadora ou não, de possuir finalidade terapêutica ou não. Em qualquer situação, a obrigação continuará a ser de meio, não de resultado, em virtude das várias razões já expostas.

O verdadeiro problema, causador de tantas celeumas e pendências jurídicas, é a falta de adequada e prévia informação ao paciente. Por vezes, a oferta do serviço não traz uma apresentação clara dos riscos envolvidos, inclusive os riscos anestésicos do procedimento, sendo sugeridos resultados que não podem ser garantidos.

Cabe ao cirurgião plástico prestar ao paciente informação clara, completa, precisa e inteligível, de modo que o mesmo, conhecendo os riscos advindos de suas decisões e do tratamento perseguido, assuma as responsabilidades de seu consentimento informado, e se comprometa em seguir as instruções para o período pós-operatório.

Assim, em caso de resultados indesejados, necessitará o cirurgião plástico comprovar que se desincumbiu de seu prévio dever de informação, e que não agiu com dolo, negligência, imprudência ou imperícia, não se lhe podendo atribuir culpa por evento danoso superveniente.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01. Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 12ª ed., Ed. Saraiva, São Paulo, 1998.

02. Giostri, Hildegard Taggesell. Erro Médico à Luz da jurisprudência comentada. Ed. Juruá, 1ª ed., Curitiba, 2001.

Responsabilidade Médica. Ed. Juruá, 1ª ed., Curitiba, 2001.

03. Kfouri Neto, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. Ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed., São Paulo, 2001.

Culpa Médica e Ônus da Prova. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002.

04. Lorenzetti, Ricardo Luis. Responsabilidad Civil de los Médicos. Rubinzal-Culzoni Editores, Tomo II, 1ª ed., Buenos Aires, 1997.

05. Magrini, Rosana Jane. Médico – Cirurgia plástica reparadora e estética: obrigação de meio ou de resultado para o cirurgião. Revista Jurídica Notadez 280/92-1993, fev. 2001.

06. Rabinovick-Berkman, Ricardo D., Responsabilidad del Médico. Ed. Astrea, 1ª ed., Buenos Aires, 1999.

07. Sebastião, Jurandir. Responsabilidade Médica, civil, criminal e ética. 2ª ed., Ed. Del Rey, Belo Horizonte, 2001.

08. Souza, Alex Pereira e Couto Filho, Antonio Ferreira. Instituições de Direito Médico. Ed. Forense, 1ª ed., Rio de Janeiro, 2004.


Notas

1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 7. p. 230.

2Erro Médico à luz da jurisprudência comentada. Ed. Juruá, 1ª ed, Curitiba, 2001, p. 122.

3 In Instituições de Direito Médico. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2004, 1ª ed., p. 16.

4 Ed. Revista dos Tribunais, 4ª edição, São Paulo, 2001, pág. 160

5 ANDORNO, Luís O. La responsabilidad civil médica, Ajuris, 59/224-235.

6 Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, 1ª ed., p. 252 e ss.

7 DJU 31.05.1999. RSTJ 119/290.

8 O cirurgião plástico Walter Soares Pinto – Informativo Incijur 13/9, ano 2, ago. 2000 – indica tais peculiaridades: "a) qualidade da pele (fina, grossa, gordurosa, tendência a manchas e quelóides); b) ausência de reações alérgicas: medicamentos, esparadrapos, fio de sutura, luvas de borracha, etc.; c) ausência de complicações (infecção, cicatrização, etc.); d) cuidados pré e pós-operatórios: exposição ao sol, repouso, esforços violentos, etc.". Esclarece ainda que, como qualquer outra, a cirurgia plástica sujeita-se a problemas, dentre os quais menciona: "Deiscência (abertura de pontos da sutura); - Infecção (seja de origem hospitalar ou não). Um exemplo notório foi a cirurgia de blefaroplastia (rugas e bolsas palpebrais) efetuada em 1981 pelo Prof. Ivo Pitanguy no presidente João Figueiredo. Houve um hematoma (derrame de sangue) na pálpebra inferior esquerda, que acarretou inúmeros problemas por vários meses. Existe figura de maior destaque que o rosto de um presidente da república em exercício? Existe alguém capaz de acusar o Prof. Pitanguy de imperito? O problema, entretanto, existiu, causou deformidade e inconvenientes por longo tempo e em absoluto pode ser classificado como erro médico. Do mesmo modo são importantes os conceitos de intercorrências e complicações. – Intercorrências são problemas surgidos após a cirurgia que devidamente orientados, não prejudicam o resultado final; - Complicações: São problemas que, mesmo devidamente orientados, afetam o resultado final. Como exemplos temos tromboses e embolias (obstrução por coágulos de sangue, ou gordura, levando a gangrena de tecidos ou até à morte do paciente". Na aferição da imperícia, leva-se em consideração somente o ato sob exame. Assim, o melhor cirurgião, eventualmente, poderá – em determinado caso – revelar imperícia. A constatação da culpa direciona-se, tão-somente, ao caso sub judice".

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9 Rabinovick-Berkman, Ricardo D., Responsabilidad del Médico. Ed. Astrea, Buenos Aires, 1999, p. 482.

10 In Responsabilidad Civil de los médicos, vol II, p. 377

11 Neste sentido, acórdão publicado na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RJTJESP 109/127), traz orientação bastante significativa: "Obviamente nenhum leigo pode ignorar os riscos decorrentes de qualquer cirurgia".

12 MAGRINI, Rosana Jane. Médico – Cirurgia plástica reparadora e estética: obrigação de meio ou de resultado para o cirurgião. Revista Jurídica Notadez 280/92-1993, fev. 2001.

13 Op. Cit., p. 18.

14 Op. Cit., p. 267.

15 TJRJ – ApCiv 1.239/90 – 25.09.1990 – ADV/COAD, Se. Jur., p. 78, maio 1994.

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Sobre o autor
Eduardo Vasconcelos dos Santos Dantas

advogado em Alagoas e Pernambuco, consultor de empresas em Direito Médico, Direito do Trabalho e Direito do Consumidor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Eduardo Vasconcelos Santos. A responsabilidade civil do cirurgião plástico.: A cirurgia plástica como obrigação de meio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 523, 12 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5985. Acesso em: 26 abr. 2024.

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