A ANÁLISE DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE AO IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIA E SERVIÇO - ICMS

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O presente artigo científico pretende realizar uma análise sobre a aplicação do princípio constitucional da Seletividade ao ICMS, imposto sobre o consumo que guarda diversas peculiaridades observadas na sua hipótese de incidência

RESUMO: O presente artigo científico pretende realizar uma análise sobre a aplicação do princípio constitucional da Seletividade ao ICMS, imposto sobre o consumo que guarda diversas peculiaridades observadas na sua hipótese de incidência. A possibilidade do legislador utilizar diferentes alíquotas de ICMS para as mais diversas mercadorias e serviços levanta grandes questionamentos, inclusive sobre a possibilidade de estabelecimento dessas pelo Judiciário, em detrimento da atividade legislativa que deveria observar a aplicação da Seletividade. Dessa maneira, a utilização de alíquotas seletivas ganhou grande relevância com o destaque do Recurso Especial 714.139/SC pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral, e por este motivo este artigo torna-se importante para elucidar a questão antes da decisão da Corte Maior.

 

Palavras-chave: Seletividade. ICMS. alíquotas.

 

ABSTRACT: This article indends to analyze the application of the constitutional principle of ICMS Selectivity, a tax on consumption that preserves several peculiarities observed in its hypothesis of incidence. The possibility of the legislator to use different ICMS aliquots for the most varied products and services raises great questions, including the possibility of establishing them by the Judiciary, to the detriment of the legislative activity that should observe the application of Selectivity. In this way, the use of selective aliquots has gained great relevance with the highlight of Special Resource 714.139 / SC by the Federal Supreme Court with general repercussion, and for this reason this article becomes important to elucidate the issue before the decision of the Court Major .

 

Keywords: Selectivity. ICMS. aliquots.

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 1 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SELETIVIDADE 1.1 A Seletividade como Incentivo à Justiça Social/Fiscal e Aplicável aos Tributos Sobre o Consumo 1.2 A Seletividade na Constituição Federal de 1988 2 A HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DO ICMS 2.1 Hipótese de Incidência Tributária do ICMS 2.2 O ICMS como Importante Imposto Sobre o Consumo 3 A SELETIVIDADE APLICADA AO ICMS 3.1 O ICMS Incidente Sobre a Energia Elétrica 3.2 Estudo de Caso: ICMS Energia Elétrica na Lei 7.014/96 3.3 Conflito de Competência: Judiciário ou Legislativo? CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

 

INTRODUÇÃO:

 

            O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços é o principal tributo sobre o consumo de arrecadação dos Estados brasileiros. A Constituição Federal delega aos Estados a competência de regular esse imposto, e assim estabelecem alíquotas diferenciadas, de acordo com a mercadoria e serviço a ser tributada.

            Dessa maneira, os entes federados são compelidos à observar critérios seletivos no estabelecimento das alíquotas do ICMS, tributando bens considerados essenciais à promoção da dignidade da pessoa humana com alíquotas menores, a fim de torná-los mais acessíveis, e bens supérfluos com alíquotas maiores, em função de seu caráter dispensável.

            É nesse contexto que se insere a temática em questão, tornando-se tão indispensável a sua discussão, para investigar se os Estados realmente vem se atentando à aplicação do princípio constitucional da seletividade no momento do estabelecimento das diferentes alíquotas para mercadorias e serviços.

            Diante disso, buscou-se investigar a alíquota de ICMS adotada no Estado da Bahia, vide Lei 7.014/96, no que diz respeito à energia elétrica, levando em conta o seu caráter essencial e garantidor de princípios empregados no ordenamento jurídico brasileiro.

            O principal fator motivador da realização dessa pesquisa é o destaque em sede de repercussão geral da discussão da aplicação do princípio da seletividade ao ICMS pelo Supremo Tribunal Federal (Recurso Especial 714.139/SC), uma vez que o contribuinte pode questionar judicialmente a constitucionalidade da alíquota definida pelos Estados.

            No primeiro capítulo será discutido o princípio da seletividade em todos os seus aspectos, englobando desde a sua aplicação à determinados tributos estabelecidos constitucionalmente até a sua utilização como incentivo à justiça social/fiscal.

            Já no segundo capítulo, busca-se uma análise sobre a hipótese de incidência do ICMS, com especificações de base de cálculo, fato gerador, e todas as suas peculiares características, bem como a demonstração da sua importância para o consumo e para a economia brasileira atualmente.

            Em uma análise mais específica, o terceiro capítulo discorre sobre a aplicação do princípio da seletividade ao ICMS, discutindo acerca da sua facultatividade ou obrigatoriedade nos termos da Carta Magna. Ainda nesse tópico, será estudada a aplicação ou não da seletividade à alíquota de ICMS energia elétrica utilizada no Estado da Bahia (Lei 7.014/96). Por fim, esta sessão encerrará com discussão sobre a possibilidade de estabelecimento de alíquotas icemistas pelo Judiciário em detrimento do Legislativo.

            Para elaboração deste artigo utilizou-se o método da revisão de literatura, na medida em que foram pesquisados os principais autores que tratam do tema em comento e confrontados os seus entendimentos. Foi também utilizado o método dedutivo, vez que partiu-se de uma análise da regra geral para então compreender casos específicos, como foi tratada a aplicação da seletividade ao ICMS energia elétrica na legislação tributária baiana (Lei 7.014/96).

 

1          O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SELETIVIDADE

 

A Constituição Federal de 1988 estruturou-se a partir de princípios que buscam o estabelecimento do Estado de Direito, garantindo aos cidadãos a proteção necessária para a manutenção harmoniosa da vida em sociedade e conhecimento das atribuições do Estado, permitindo assim, que cobrem deste tudo aquilo que lhes cabe. Nesse sentido, os princípios funcionam como pontes que se estabelecem entre o texto normativo e a conduta do indivíduo que a ele se submete.

Os princípios econômicos estabelecem limites na atividade impositiva estatal e terminam por direcionar a aplicação dos princípios jurídicos no âmbito das finanças públicas (SOUZA, 2014, p.4). Dessa maneira, os princípios tributários apresentam-se como mecanismos de orientação do legislador no momento da fixação das alíquotas, levando em conta a distribuição de rendas e a necessidade de arrecadação do Fisco.

Assim, o Princípio da Seletividade apresenta-se como uma medida de atendimento à capacidade contributiva dos cidadãos (CASALINO, 2012, p.123), mostrando que o legislador busca respeitar outros princípios, como o da dignidade da pessoa humana e da redução das desigualdades sociais, bem como o caráter essencial dos produtos e serviços tributados, agindo diretamente na alíquota de alguns tributos no momento do seu estabelecimento em lei.

 

1.1       A Seletividade como Incentivo à Justiça Social/Fiscal e Aplicável aos Tributos sobre Consumo

           

A respeito das alíquotas dos tributos, segundo Neves (2010, p.6), “em direito tributário, a palavra alíquota é usada para designar o percentual que se aplica sobre a base de cálculo para determinar o valor do tributo”.

No que tange à seletividade, Casalino (2012, p.122) informa que “alíquotas seletivas são as estabelecidas de acordo com algum critério específico relacionado ao objeto do tributo”. De forma, as alíquotas de mercadorias supérfluas e suntuárias serão obviamente diferentes daquelas adotadas para produtos e serviços de grande consumo popular (COÊLHO, 2009, p.336). Importante ressaltar ainda o posicionamento de Menescal (2007, p.10), quando diz que “seletividade quer dizer discriminação ou sistema de alíquotas diferenciadas por espécies de mercadorias”.

Diante disso, tem-se que a seletividade aplica-se aos tributos incidentes sobre o consumo, na medida em que, a essencialidade estabelecida constitucionalmente aos produtos e serviços, se diferencia a partir da discriminação de alíquotas diferentes com base na maior e menor utilidade destes para a sociedade em geral.

Nas palavras de Carvalho (2007, p.75):

 

Impondo que as alíquotas do imposto sejam estipuladas seletivamente, em função do grau de essencialidade dos produtos, serviu-se, para tanto, da divisão dos produtos em três categorias: a) necessárias à sobrevivência (alíquotas); b) úteis, mas não necessários (alíquotas moderadas) e c) produtos de luxo (alíquotas significativas).

 

Desse modo, o princípio da seletividade se estabelece comparando as mercadorias e serviços, sem discriminação dos contribuintes em razão de raça, sexo, ocupação profissional, etc. Segundo Carraza (2010, p.459), o que evidencia o seu respeito à capacidade contributiva de cada um. Nas palavras de Melo (2012, p.360), “a seletividade implica observância ao princípio da isonomia”, buscando, portanto, respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana.

Cumpre salientar, que este princípio já é entendido como um suavizador da injustiça dos impostos, determinando assim as consequências no âmbito tributário a serem suportadas pelas classes de menor capacidade contributiva e onerando os bens consumidos por aqueles com padrão social mais elevado (MELO, 2012, p.359). A esse respeito, Casalino (2012, p.124) explica que “tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais realiza o princípio da igualdade e seu subprincípio da capacidade contributiva”. Importante ressaltar que essa última conceitua-se, segundo Carvalho (2010, p.213), como o “padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo”.

Melo (2012, p.360) acrescenta ainda que “a essencialidade consiste na distinção entre cargas tributárias, em razão de diferentes produtos, mercadorias e serviços, traduzidos basicamente em alíquotas descoincidentes”. De maneira ainda mais clara: a seletividade se estabelece em função da essencialidade, que se vincula ao princípio da capacidade contributiva e se aplica à ideia de justiça distributiva (TORRES, 1997, p.98).

Importante destacar que a aplicação da seletividade em produtos e serviços respeitando a capacidade contributiva de cada cidadão possibilita a realização da justiça fiscal, o que promove uma justa distribuição de cargas tributárias, no que tange ao contribuinte, e de receitas tributárias, quando se fala em Fisco.

Nesse sentido, insta ressaltar que, conforme delineia Menescal (2007, p.10), “tributação seletiva é um instrumento concretizador da justiça fiscal porque seleciona os contribuintes a partir dos signos presuntivos de riqueza que estes emitem ao demonstrarem seus hábitos ou padrões de consumo”.

Assim, a aplicação do princípio da seletividade, no que diz respeito à essencialidade por ele invocada, apresenta-se como importante garantidor dos direitos assegurados à pessoa humana na Constituição Federal de 1988, estabelecendo uma linha tênue com a capacidade contributiva e a promoção da justiça social e fiscal.

 

1.2       A Seletividade na Constituição Federal de 1988

 

O princípio da seletividade se aplica aos tributos incidentes sobre o consumo, conforme já delineado anteriormente, e na Carta Magna encontra amparo no artigo 153, § 3º e 155, § 2º, III. Portanto, nas palavras de Melo (2012, p.358, grifo do autor), a seletividade “constitui princípio constitucional a ser rigorosamente obedecido no âmbito do IPI, e de modo permitido, no caso do ICMS [...]”. Dessa maneira, o ICMS e o IPI são diferentes na medida em que, no primeiro, a aplicação da seletividade leva em conta primeiramente a população, e no segundo, o processo industrial (COÊLHO, 2009, p.336).

Esses dois tributos fazem parte da categoria dos “indiretos”. Isso significa que, conforme estabelece Casalino (2012, p.122), o encargo econômico relativo ao valor do tributo pode ser ‘embutido’ no preço final endereçado ao consumidor. Assim, este último, ao pagar o ‘preço’ da mercadoria, paga também, de forma ‘embutida’ o valor do imposto.

Exemplificando a questão acima descrita, pode-se pensar em um produto que custa R$ 10,00 (dez reais) para um empresário. Este produto não será repassado para o consumidor final, qual seja o contribuinte de fato, pelo mesmo valor, pois o comerciante transfere para o valor do produto o tributo. Desse modo, ao final da operação, o consumidor comprará o produto por R$ 12,00 (doze reais), pagando o valor do ICMS incidente. Esses casos são típicos quando relacionados ao ICMS e ao IPI, e exatamente por este motivo é determinada constitucionalmente a aplicação da seletividade sobre esses impostos.

Existe uma discussão doutrinária a respeito da “simples permissão” concedida para aplicação da seletividade ao ICMS. O entendimento de uma parte da doutrina é no sentido de que, estabelecer um poder à uma pessoa política, em verdade é lhe impor um dever, ou seja, a seletividade teria natureza obrigatória para o legislador infraconstitucional (CARRAZA, 2009, p.458).

Nesse sentido, Carraza (2009, p.459) conclui que o princípio da seletividade “pode e deve ser utilizado como instrumento de ordenação político-econômica, estimulando a prática de operações ou prestações havidas por úteis ou convenientes à Sociedade e, em contranota, onerando outras que não atendem tão de perto ao interesse nacional”.

Ainda na defesa desse pensamento, Melo (2012, p.360) externa que:

 

A seletividade do ICMS também deverá obedecer as diretrizes constitucionais que nortearão o IPI e completa conquanto a facultatividade constitua o elemento impulsionador da edição do ICMS seletivo, não poderá haver, propriamente, mero critério de conveniência e oportunidade, porque se impõe a obediência a inúmeros postulados constitucionais [...].

 

Por outro lado, existe corrente doutrinária guiada por Rosa Jr. (2007, p.831) que entende pela facultatividade do legislador em aplicar alíquotas seletivas ao ICMS, e por esse motivo é necessária prévia análise para entender quais serão as mercadorias e serviços sujeitos ao princípio da seletividade.

A respeito de outro aspecto, a doutrina majoritária se coaduna no sentido de que os únicos impostos seletivos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 são o ICMS e o IPI. Contudo, a parte minoritária entende que o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) também são impostos de natureza seletiva.  No que tange ao IPTU, seria seletivo em razão da localização e do uso do imóvel urbano e o IPVA teria sua natureza seletiva em razão do tipo e da utilização do veículo automotor, posição defendida pelo doutrinador Leandro Paulsen (CASALINO, 2012, p.124).

Diante disso, observa-se que a Carta Magna delineia expressamente a respeito dos tributos atingidos pelo princípio da seletividade, quais sejam ICMS e IPI, caracterizados como indiretos em razão do repasse de seu valor para o consumidor final, contudo, parte da doutrina entende que o IPTU e o IPVA também estão sujeitos à critérios de essencialidade para fixação de suas alíquotas, e por este motivo deveriam ser incluídos no rol de tributos seletivos.

 

2          ICMS - IMPOSTO SOBRE OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS

 

Para conviver socialmente, foram criadas regras de conduta pelo Estado para a formação do direito positivo (BRITO, 2007, p.55), Assim, a Constituição Federal trouxe o regramento do sistema tributário nacional de responsabilidade estatal, com todos os tributos e suas peculiaridades (SOUZA, 2014, p.3).

A esse respeito, Souza (2014, p.3) traz que “o poder de tributar justifica-se sob a premissa de que o bem da coletividade tem preferência a interesses individuais, sobretudo porque, na ausência do Estado, não haveria garantia nem mesmo à propriedade privada”.

O sistema tributário brasileiro, desenhado pela Constituição Federal e regulado pelo Código Tributário Nacional, disciplina a relação entre o fisco e o contribuinte, buscando promover uma espécie de justiça social econômica, que garante a prevalência dos princípios basilares do ordenamento jurídico pátrio e arrecadação para o fisco, que se utiliza da receita arrecadada para promoção de políticas públicas.

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2.1       Hipótese de Incidência Tributária do ICMS

 

A construção da hipótese de incidência de qualquer tributo deve partir da Constituição Federal. Assim, ela outorga poderes para que os entes federados possam instituir tributos, delimitando suas competências. A Lex Major, na medida em que outorga competências, delineia uma moldura limitadora que evita abusos por partes dos entes federados (DIDIER, 2016, p.13).

Diante disso, deve o Fisco atuar dentro dos limites estabelecidos pela Carta Magna, por conta de serem absolutamente intransponíveis. Caso haja desrespeito a estes limites, Didier (2016, p.14) afirma que o Fisco “estará atuando fora da competência que lhe foi conferida, tornando o tributo inconstitucional e, portanto, indevido”.

De maneira ainda mais clara, em função do federalismo fiscal praticado no Brasil, quando estabelecidos os padrões dos tributos na Constituição Federal, a União delega aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal a competência para instituição destes (CARRAZA, 2010, p.34).

Conforme assevera Didier (2016, p.15), ao outorgar competências tributárias, o Constituinte se utilizou de expressões que abarcam conceitos: “serviços de comunicação”; “patrimônio”; “renda”; “produtos industrializados”; etc. Através do conteúdo semântico destes conceitos, o legislador construiu uma moldura limitadora para cada tributo.

Entre os tributos não vinculados previstos na Carta Magna, quais sejam aqueles que não demandam atuação estatal específica em função da sua arrecadação (SOUZA, 2014, p.4), encontra-se o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS, que está previsto taxativamente na Seção IV, no artigo 155 (MATTOS, 2006, p.15).

Nas palavras de Melo (2012, p.13), as “operações” relativas ao imposto “configuram o verdadeiro sentido do fato juridicizado, a prática de ato jurídico como a transmissão de um direito (posse ou propriedade)”.

Quanto ao fato gerador do imposto, não restam dúvidas que trata-se da “circulação de mercadorias” (JORGE, 2008, p.4), que, como assevera Carraza (2010, p.38), conceitua-se como a “transferência (de uma pessoa para outra) da propriedade da mercadoria”. No mesmo sentido, circulação é “o processo de movimentação da mercadoria, com mudança do titular desde a fonte e produção até o consumidor final.” (MELO, 2012, p.21). Dessa maneira, insta salientar que “para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou revenda.” (CARRAZA, 2010, p.43).

A base de cálculo do ICMS, por sua vez, é o valor da operação de circulação da mercadoria ou da prestação do serviço. Insta salientar tratar-se de um tributo indireto, permitindo que o valor do encargo seja repassado ao consumidor já incluído no preço final do produto ou serviço.

Conforme prevê o artigo 155, inciso II da Constituição Federal, o ICMS conta com características marcantes, quais sejam: a) não cumulatividade (não incidência em “cascata”); b) isenção ou não incidência nas operações posteriores e anteriores; c) incidência seletiva (em função da essencialidade); d) incidência sobre operações de entrada de bem/mercadoria importados do exterior e o serviço iniciado no exterior, bem como sobre serviços não compreendidos na competência municipal prestados como o fornecimento de mercadorias; e e) não incidência sobre operações de exportação no exterior de serviços prestados a destinatários no exterior, interestaduais com petróleo e derivados, bem como energia elétrica, ouro, quando não definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial e, finalmente sobre serviços de comunicação livres e gratuitos (MELO, 2006, p.19).

Diversos doutrinadores discorrem a respeito da hipótese de incidência do ICMS, sendo o conceito mais utilizado o de Carraza (2010, p.42) quando informa que esta seria a “operação jurídica que, praticada pelo comerciante, industrial ou produtor, acarrete circulação de mercadoria, isto é, a transmissão de sua titularidade”. Importante ressaltar que a presença do comerciante no conceito demonstra a necessidade do caráter habitual para incidência do ICMS, exceto quando se fala em bem ou mercadoria importado do exterior por pessoa física, qualquer que seja a sua finalidade (MATTOS, 2006, p.27).

Portanto, trata-se de um tributo não vinculado, definido pela Constituição Federal em seu artigo 155, que delega competência para os Estados e o Distrito Federal, exigindo a transferência da titularidade da mercadoria para caracterizar sua circulação e tendo como contribuinte o comerciante, industrial ou produtor que realize tais operações com caráter habitual.

Ademais, o ICMS é um imposto que incide diretamente sobre o consumo, que é também indireto, não cumulativo, e traz a obrigatoriedade de ser seletivo em função da essencialidade do produto ou do serviço prestado.

 

2.2       A Influência do ICMS Sobre o Consumo e na Economia

 

No Brasil, segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a maior arrecadação de impostos é proveniente do consumo, perfazendo um total de 43% das arrecadações, enquanto apenas 21% dessas provêm dos impostos incidentes sobre a renda (SOUZA, 2014, p.7).

No entanto, essa situação é extremamente prejudicial, principalmente para as camadas menos favorecidas economicamente, visto que, estes são os que mais consomem, pois tem que gastar o pouco que ganham com suas necessidades básicas, enquanto aqueles que tem maior remuneração mensal podem poupar parte do recebido, e por isso, terminam consumindo menos. Em outras palavras: em razão desta característica, a tributação nestas operações traz um caráter menos seletivo, uma vez que fica impossibilitada a análise da capacidade contributiva do contribuinte, restando ao legislador aplicar tal princípio de forma indireta, com o objetivo de aproximar-se da justiça fiscal.

Diante disso, não é forçoso dizer que a tributação excessiva sobre o consumo praticada no Brasil contemporâneo viola o princípio da capacidade contributiva previsto no Código Tributário Nacional. Isto porque tem por consequência o prejuízo aos menos favorecidos em face aos mais bem remunerados, quando a lógica principiológica prega justamente o oposto.

Os impostos incidentes sobre o consumo no país hoje são: a) Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); b) Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e Comunicação (ICMS); e c) Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza (ISS). Nesse sentido: O imposto do item “a” é de competência da União; o do item “b” é de competência dos Estados e Distrito Federal; e o item “c”, por sua vez, é de competência dos Municípios.

O ICMS é hoje o principal tributo dos Estados devido a certas peculiaridades que, conforme garante Souza (2014, p.7), se manifestam “em razão de seu atributo de não cumulatividade e por permitir que o consumo seja tributado ao longo da cadeia de produção, na medida em que é agregado valor aos insumos que comporão a mercadoria”.

Dessa forma, o ICMS, imposto instituído pelos Estados e pelo Distrito Federal, estando diretamente ligado ao consumo, por gravar várias etapas de circulação, uma vez que o comerciante pode embutir o valor pago à título de ICMS no valor cobrado do consumidor final, não leva em conta, por sua própria Regra Matriz, peculiaridades do sujeito passivo (comerciante habitual), fazendo com que inexista observância direta ao princípio da capacidade contributiva.

 

3          APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE AO ICMS

 

Nas palavras de Jorge (2008, p.131), e conforme amplamente discutido, a seletividade é a “determinação constitucional no sentido de que a alíquota deverá variar em função da essencialidade do bem, em inversa proporção.”. Nesse sentido, a Lex Major institui em seu texto que tal princípio se aplica obrigatoriamente ao IPI e facultativamente ao ICMS.

A esse respeito, a doutrina majoritária brasileira entende que, em verdade, a seletividade incide obrigatoriamente sobre o IPI e o ICMS. Esse pensamento se traduz em Jorge (2008, p.131), na medida em que “ainda que se entenda que a adoção do princípio da seletividade é uma faculdade, sendo este adotado pelo legislador estadual, deverá ser obedecido”.

No mesmo sentido, levando-se em consideração a condição inafastável da capacidade contributiva do ICMS, a seletividade deve ser obrigatória para o legislador (CARRAZA, 2010, p.458). Isto porque, a seletividade requer discriminação ou sistema de alíquotas diferenciais por espécies de mercadorias, sendo assim um dispositivo programático que leva o legislador a estabelecer alíquotas em razão inversa da essencialidade das mercadorias (BALEEIRO, 1999, p.347).

Não é forçoso dizer que, conforme assevera Casalino (2012, p.123), “como regra, a seletividade das alíquotas de acordo com a essencialidade do produto ou mercadoria realiza o princípio da capacidade contributiva”. Assim, conclui-se que alíquotas maiores para produtos ou serviços supérfluos tendem a atingir consumidores de maior capacidade contributiva, enquanto as menores (produtos essenciais), atingem consumidores de menor capacidade contributiva.

 

3.1       O ICMS Incidente sobre a Energia Elétrica

 

O fornecimento de energia elétrica é um serviço de grande valia para os seres humanos. Isto porque, possuem necessidades essenciais que vão desde estocar seus alimentos até manter suas residências iluminadas durante a noite.

Por este motivo, a energia elétrica apresenta-se como serviço garantidor do princípio da dignidade da pessoa humana, presente no rol de direitos fundamentais que embasam a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

O ICMS é um dos tributos que incidem sobre a energia elétrica no Brasil, com regulamentação na Carta Maior e, em função da atribuição de competência aos estados, nas legislações tributárias estaduais. A esse respeito, Carraza (2010, p.286) discorre informando que “a alíquota possível do ICMS incidente sobre energia elétrica é um percentual do seu fornecimento, ficado pela lei de cada pessoa política tributante, observados os tetos de resolução do Senado.”. Portanto, de acordo com o raciocínio até aqui desenvolvido, sobre mercadoria ou serviço essencial devem incidir alíquotas de ICMS menores, em respeito ao consagrado princípio da seletividade.

Nesse sentido, Jorge (2008, p.131) pontua que em razão da energia elétrica ser de enorme utilidade e caráter essencial nos dias de hoje, “deve ser tributada pelo ICMS com alíquotas menores em relação a outras mercadorias consideradas não essenciais, sob pena de violação ao princípio constitucional da seletividade”.

Assim, os estados devem ter atenção ao princípio da seletividade quando forem legislar sobre energia elétrica, equiparando suas alíquotas às de produtos tão essenciais quanto. Contudo, não é o que ocorre nos dias atuais, a exemplo do Estado da Bahia na Lei nº 7.014/96, que preleciona a respeito do ICMS, conforme restará demonstrado.

 

3.2       Estudo de caso: ICMS Energia Elétrica na Lei 7.014/96

 

A Lei nº 7.014/96 discorre acerca do ICMS no Estado da Bahia, determinando as alíquotas aplicáveis às mais diversas mercadorias e serviços. Para melhor entendimento do tema em comento, serão utilizados os artigos 15 e 16 desta Lei para nortear estudo de caso sobre a aplicação do princípio da seletividade ao ICMS incidente sobre a energia elétrica.

Primeiramente, cumpre salientar que a Lei nº 7.014/96 estabelece alíquotas que vão de 4 (quatro) a 38% (trinta e oito por cento). Assim, surge grande questão quanto à aplicação da seletividade aos diversos produtos e serviços elencados em seus artigos.

Nesse sentido, observa-se que acertadamente foi estabelecida no artigo 16, inciso I, alínea “a” desta Lei a alíquota de ICMS de 7% (sete por cento) para tributação de mercadorias obviamente essenciais ao ser humano, quais sejam, arroz, feijão, macarrão, sal de cozinha, entre outros.

Da mesma maneira, agiu corretamente o legislador baiano ao determinar no seu artigo 16, inciso IV da mesma Lei a alíquota de 38% (trinta e oito por cento) para operações com armas e munições, excetuando-se as Polícias e Forças Armadas, vez que tratam-se de itens supérfluos para o cidadão comum, quando não utilizados pelo próprio ente Público para promoção da segurança pública.

Surpreendentemente, a Lei 7.014/96 causou estranheza quanto ao seu artigo 16, inciso II, alínea “i”, visto que aplicou para a energia elétrica a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) de ICMS, a mesma utilizada para mercadorias como perfumes, bebidas alcoólicas, joias, pólvoras, etc.

Diante disso, observa-se que o legislador tratou energia elétrica como bem supérfluo, quando em verdade, conforme amplamente debatido, trata-se de serviço essencial ao respeito aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, não mantendo qualquer ligação com o princípio constitucional da seletividade.

Não é razoável tributar bens primordiais como energia elétrica, com a mesma alíquota de mercadorias e serviços prescindíveis. Portanto, o legislador baiano, em sua Lei 7.014/96, desconsiderou o princípio da seletividade estabelecido na Carta Maior, cometendo grave equívoco ao estipular em 25% (vinte e cinco por cento) a alíquota de ICMS aplicável à energia elétrica no Estado da Bahia.

 

3.3       Conflito de Competência: Judiciário ou Legislativo?

 

Diante da discussão fundada na coerência da atividade legislativa ao estipular alíquotas para o ICMS aplicável à energia elétrica, tendo como exemplo a situação do Estado da Bahia na Lei 7.014/96, surgem dúvidas acerca da possibilidade do controle judicial sobre a matéria.

Inicialmente, cumpre salientar que a Carta Magna atribuiu competência ao legislador estatal para regulamentar o ICMS em todas as suas peculiaridades. Nesse sentido, interpretando essa atribuição de maneira literal, somente o Poder Legislativo, estaria legitimado para estabelecer alíquotas de ICMS para as mais diversas mercadorias e serviços, prezando, inclusive, pela utilização de princípios constitucionais como o da seletividade para nortear suas ponderações.

Por outro lado, existe corrente doutrinária que defende que o Poder Judiciário está apto a controlar o cumprimento da aplicação do princípio da seletividade, quando o Poder Legislativo dispensar a aplicação deste princípio ou o fizer equivocadamente, através de declarações de nulidade (CARRAZA, 2010, p.462; JORGE, 2008, p.130; CÔELHO, 2009, p.335).

Seguindo esse raciocínio, o Judiciário analisaria nos casos concretos submetidos ao seu crivo, se a mercadoria ou serviço está tendo o correto tratamento pelo legislador, no que tange ao respeito ao princípio da seletividade.

Partindo dessa noção de possibilidade de controle judiciário em matéria de seletividade no ICMS energia elétrica, surgem dúvidas acerca do procedimento adotado pelos tribunais brasileiros em seu dia a dia. Como ainda não existe jurisprudência pacificada sobre a questão, duas hipóteses de controle judicial da aplicação principiológica da seletividade foram elencadas, por serem observadas com maior assiduidade.

A primeira delas diz respeito à declaração de nulidade da alíquota de ICMS aplicável à energia elétrica que desrespeita a seletividade. Nesse caso, os tribunais tem se posicionado no sentido de que, o princípio enquanto norma jurídica, se desrespeitado, leva à nulidade da cobrança, recaindo para o Legislativo a função de reestabelecer alíquotas respeitando a essencialidade. Portanto, não seriam estipuladas alíquotas pelo Judiciário, prevalecendo a noção de tripartição de poderes e suas funções da Lex Major.

Diante disso, o Judiciário reconhece a competência do Legislativo para estipular alíquotas levando em conta princípios basilares constitucionais, e suspende a cobrança do ICMS incidente sobre a energia elétrica para aquele caso concreto.

Essa razoável tese se revela em julgamentos de Mandado de Segurança e Agravo Regimental provenientes do Tribunal de Justiça do Estado o Espírito Santo, publicados em 13 de Outubro de 2005 e 16 de Março de 2009, respectivamente. Veja-se:

 

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ICMS. 1) PRELIMINARES: A) AUSÊNCIA DE CAPACIDADE PROCESSUAL DO IMPETRANTE. SÚMULA 629 DO E. STF. REJEIÇÃO. 2) ILEGITIMIDADE ATIVA. ART. 121, I, DO CTN. REJEIÇÃO. 3) MÉRITO: REDUÇÃO DA ALÍQUOTA DO ICMS SOBRE OS SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA E TELECOMUNICAÇÕES. PRODUTOS ESSENCIAIS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE. INOCORRÊNCIA. DISCRICIONARIEDADE EM SE APLICAR A SELETIVIDADE. ART. 155, § 2º, III, DA CF⁄88. SEGURANÇA DENEGADA. 1) A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes. Súmula 629 STF. 2) O fato de o ICMS ser considerado imposto indireto não influi na discussão da legitimidade ativa do Impetrante. Esta advém da relação jurídico-tributária entre as partes, consoante o exposto no art. 121, I, do CTN. 3) A redução da alíquota de ICMS dos serviços de energia elétrica e de telecomunicações de 25% (vinte e cinco por cento) para 12% (doze por cento) é mera discricionariedade do Poder Legislativo, em consonância com o Poder Executivo, baseando-se verdadeiramente em critérios sócio-político-econômicos. Segurança denegada.

(TJ-ES - MS: 00020150720048080000, Relator: ALEMER FERRAZ MOULIN, Data de Julgamento: 22/09/2005, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 13/10/2005).

 

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. REDUÇAO DA ALÍQUOTA DO ICMS SOBRE OS SERVIÇOS DE ENERGIA ELÉTRICA E TELECOMUNICAÇÕES. PRODUTOS ESSENCIAIS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE. INOCORRÊNCIA. MEDIDA DISCRICIONÁRIA DO PODER PÚBLICO. INTELIGÊNCIA DO ART. 155, 2º, III E V, DA CF/88. PRECEDENTES. MATÉRIA SEDIMENTADA NESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPROVIMENTO. 1. O princípio da seletividade refere-se à discricionariedade concedida ao legislador para que, no momento da determinação da alíquota de uma determinada mercadoria ou serviço, fosse estabelecida de acordo com a sua importância, a fim de distinguir as essenciais daquelas supérfluas. 2. A redução da alíquota de ICMS dos serviços de energia e de telecomunicações de 25% (vinte e cinco por cento) para 12% (doze por cento) é mera discricionariedade do Poder Legislativo, em consonância com o Poder Executivo, baseando-se verdadeiramente em critérios sócio-político-econômicos. 3. Os Estados federados, no âmbito da competência tributária que lhes é atribuída pela Carta Magna, tem a liberdade de determinar as alíquotas mínimas e máximas do ICMS, obedecidos os limites fixados pelo Senado Federal (CF, art. 155, 2º, III e V). 4 . A ingerência do Judiciário na fixação das alíquotas do tributo estadual, atuando como legislador positivo, representaria grave ofensa ao princípio da separação dos poderes, norma fundamental da República Federativa do Brasil. 5. Negar provimento ao recurso.

(TJ-ES - AGR: 100080019829 ES 100080019829, Relator: ALEMER FERRAZ MOULIN, Data de Julgamento: 04/02/2009, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Data de Publicação: 16/03/2009)

 

Sob outro aspecto, decisões de alguns tribunais apontam para a estipulação de alíquotas seletivas pelo judiciário quando não realizado pelo legislativo. Dessa maneira, quando analisam o caso concreto, entendem que a alíquota aplicada para o ICMS energia elétrica está acima de um razoável parâmetro, terminando por desrespeitar a seletividade constitucional, e por este motivo, estipulam alíquotas médias/gerais, realizando assim, mero ativismo judicial.

A esse respeito, cumpre analisar trecho de decisão do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia do Juiz Rolemberg José Araújo Costa, em sede de decisão de tutela provisória em Ação Ordinária em 28 de Novembro de 2016:

 

Alegam, ainda, que em “obediência ao Princípio da Seletividade, a alíquota do ICMS aplicada às operações envolvendo energia elétrica deveria ser mais amena, aproximando-se das alíquotas aplicadas a outros produtos essenciais como arroz, feijão, macarrão, sal e farinha ( 07% - sete por cento). Tudo para que não se dissocie do indigitado princípio da Seletividade, previsto expressamente na Constituição.”

[...]

Posto isto, com base no art. 300 do CPC, concedo a tutela provisória para postulada, para:

  •  

b) Conforme os artigos 15, I da Lei 7014/96, e 50, I, do Decreto 6.284/97, com alterações da Lei nº 13.461, aprovada em 10 de dezembro de 2015, com produção de efeitos à partir de 10/03/16, ficar em 18% (dezoito por cento) a alíquota de ICMS incidente sobre energia elétrica.

c) Oficie-se à Concessionária de Serviço Público para que emita as faturas nos termos desta decisão.

(TJ-BA – AO: 05767042320168050001, Juiz: ROLEMBERG JOSÉ ARAÚJO COSTA, Data de julgamento: 28/11/2016, 1º GRAU, Data de Publicação: 29/11/2016).

 

Explicados os dois posicionamentos adotados nos tribunais estaduais brasileiros, insta salientar que o estabelecimento de alíquotas seletivas para o ICMS aplicável à energia elétrica se tornou uma questão de relevância nacional. Isto porque, vigilante de tudo quanto aqui exposto, o Supremo Tribunal Federal destacou o tema em debate em sede de repercussão geral diante do Recurso Especial 714.139/SC, uma vez que o Ministro Marco Aurélio, em 14 de Maio de 2014, se pronunciou informando a importância e atualidade da discussão. Merecem destaque os seguintes trechos deste pronunciamento:

 

Aduz que, mesmo considerando não ser obrigatória a seletividade do imposto, deve-se extrair do respectivo comando constitucional norma no sentido de que, versadas alíquotas diversas pelo legislador estadual, a discriminação deve ser orientada pelo critério da seletividade. Segundo afirma, ao estabelecer alíquotas diferentes, o legislador criou para si o dever de prever o percentual maior para o produto supérfluo, e o menor para o essencial, tendo o Estado de Santa Catarina, por meio da Lei nº 10.297, de 1996, procedido de forma contrária, incorrendo, portanto, em inconstitucionalidade, ao fixar alíquotas maiores quanto às operações com energia elétrica e telecomunicações, inequivocamente essenciais.

[...]

Sustenta mostrar-se imprescindível observar a técnica da seletividade para o fim de o imposto cumprir função extrafiscal. Diz do absurdo de a legislação atacada prever alíquota de 17% para operações de venda de bens como brinquedos, joias e fogos de artifício, e de 25% para o fornecimento de energia elétrica e serviço de telecomunicações. Argumenta ser esta última exigida quando da circulação de mercadorias como cosméticos, armas, bebidas alcoólicas e cigarros, no que o legislador as equiparou à energia elétrica e telecomunicações sob o ângulo da essencialidade, o que não se revela razoável nem proporcional.

[...]

O quadro é passível de repetir-se em inúmeros processos considerada a prática de alíquotas diferenciadas quanto a energia elétrica e serviços de comunicação. Cumpre ao Supremo definir a espécie, sobretudo o alcance do disposto no artigo 155, § 2º, inciso III, da Constituição Federal, a prever que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

Admito configurada a repercussão geral.

(STF – RE nº 714.139 – Repercussão geral, Relator: MARCO AURÉLIO, Data de publicação: 14/05/2014)

 

 

Diante disso, com o julgamento do conteúdo em debate, será possível uma uniformização jurisprudencial e uma maior segurança jurídica, tanto para o Fisco quanto para o contribuinte.       

 

CONCLUSÃO

 

            Para orientar a vida em sociedade foi necessário o estabelecimento de regras de conduta para tornar a convivência pacífica e possibilitar a manutenção de um Estado. No âmbito tributário, foi criado o Sistema Tributário Nacional, a fim se assegurar arrecadação do Fisco em face aos cidadãos.

Os princípios constitucionais devem ser levados em conta no momento de elaboração de todas as normas jurídicas, por serem garantidores da dignidade da pessoa humana e de todas as demais noções de justiça social.

Nesse sentido, a Seletividade é um princípio que busca respeitar principalmente a capacidade contributiva, na medida em que propõe o estabelecimento de menores alíquotas para produtos essenciais, a fim de possibilitar o acesso de todos, e maiores para produtos e serviços supérfluos ou dispensáveis, realizando assim uma justa distribuição de cargas tributárias.

A Carta Maior estabelece que o princípio da Seletividade deve ser aplicado obrigatoriamente ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e facultativamente ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, contudo, tal facultatividade já foi entendida pela doutrina majoritária como obrigatoriedade para o legislador infraconstitucional.

Partindo dessa premissa, o ICMS é o principal tributo sobre o consumo do Brasil, em razão de incidir sobre a circulação de bens e serviços e ter peculiaridades, como a possibilidade de repasse para o consumidor final e ainda possuir a obrigação de ter suas diferentes alíquotas estabelecidas observando a Seletividade em função da essencialidade da mercadoria ou serviço prestado.

Para entender melhor a aplicação da Seletividade ao ICMS, buscou-se investigar a questão em torno das alíquotas do imposto utilizadas no Estado da Bahia, a partir do estudo da Lei nº 7.014/96.

Assim, foram encontradas alíquotas icemistas corretamente aplicadas e respeitadoras da Seletividade constitucional, como a de 7% (sete por cento) incidente sobre mercadorias essenciais como feijão, macarrão, etc., e de 38% (trinta e oito por cento) aplicável a operações com armas e munições, que obviamente tem caráter dispensável.

Após considerações em torno da essencialidade do fornecimento de energia elétrica nos dias atuais e tendo em vista que este serviço garante a observância de princípios norteadores da Constituição Federal de 1988, constatou-se que a alíquota definida pela Lei 7.014/96 para o ICMS incidente sobre a energia elétrica não observa a Seletividade.

Isto porque, o legislador baiano instituiu a alíquota do imposto em 25% (vinte e cinco por cento) para operações com energia elétrica, justamente a mesma utilizada para tributar mercadorias como perfumes, bebidas alcoólicas, joias, etc., que tem características notoriamente prescindíveis.

Resta claro portanto, que não é condizente com o respeito aos preceitos fundamentais consagrados na Carta Maior, a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento) de ICMS incidente sobre energia elétrica utilizada pelo legislador do Estado da Bahia na elaboração da Lei 7.014/96.

            Diante de tamanha disparidade de alíquotas e da não aplicação do princípio da Seletividade, questionou-se qual seria o caminho a ser traçado pelo contribuinte para ter seu direito assegurado. Nesse sentido, não pairam dúvidas acerca da utilização do Judiciário para resolução de demandas dessa ordem, vez que realiza o controle de legalidade, nos limites estipulados pela Carta Maior.

            Primeiramente, impende ressaltar que a Constituição Federal atribui ao Legislador a competência para deliberações a respeito das alíquotas dos tributos.

 Nesse sentido, no momento em que um contribuinte ajuíza uma demanda para pleitear a inconstitucionalidade da alíquota de ICMS aplicável à energia elétrica no Estado da Bahia (Lei 7.014/96), por exemplo, caberia ao Judiciário, declarar nula a norma que institui tal alíquota, vez que não há observância do princípio da Seletividade.

Dessa maneira, ficaria suspensa a cobrança até que o Legislativo, que detém a competência constitucional para instituir alíquotas, a reestabelecesse nos moldes coerentes de respeito à essencialidade da operação de fornecimento de energia elétrica.

Contudo, certos tribunais vem se posicionado de maneira destoante. Isto porque, alguns magistrados se coadunam no entendimento de que é possível a estipulação de alíquotas de ICMS energia elétrica pelo Judiciário, quando não observada a Seletividade em função da essencialidade desse fornecimento para os contribuintes, realizando assim, mero ativismo judicial.

A importante discussão acerca da aplicação do princípio da Seletividade ao ICMS, com foco no estudo de caso da alíquota de energia elétrica, detém hoje alcance nacional em função do destaque dado ao Recurso Especial nº 714.139/SC em sede de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, na figura do ilustre Ministro Marco Aurélio.

Portanto, resta aos contribuintes que buscam a aplicação do princípio constitucional da Seletividade ao ICMS energia elétrica, aguardar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e esperar que sua decisão não atenda a interesses de cunho político e arrecadatório, assegurando a posição hierárquica da Carta Maior deste país.

 

REFERÊNCIAS

 

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Sobre os autores
Ricardo Simões Xavier dos Santos

Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

Carolina Teixeira Ramos

Bacharela em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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