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Direito Natural e Direito Positivo

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23/12/1998 às 00:00
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5. FUNDAMENTOS DO POSITIVISMO

O direito positivo tem por base o ordenamento jurídico, o qual será determinado nas suas características. O direito positivo determina o direito como um fato e não como um valor, tem uma abordagem valorativa do direito. Faz-se necessário salientar que o positivismo jurídico nasce de um esforço onde se procura transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que viesse a ter as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais.

Toda ciência tem como característica fundamental a distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico, consistindo a ciência somente em juízos de fato. O movido dessa distinção e dessa exclusão reside na natureza diversa desses dois tipos de juízo: o juízo de fato representa uma tomada de conhecimento da realidade, visto que a formulação de tal juízo tem apenas a finalidade de informar, de comunicar a um outro a constatação; o juízo de valor representa, ao contrário, uma tomada de posição frente à realidade, visto que sua formulação possui a finalidade não de informar, mas de influir sobre o outro, ou seja, de fazer com que o outro realize uma escolha igual à minha e, eventualmente, siga certas prescrições minhas.

O positivista, de acordo com o positivismo jurídico de Norberto Bobbio tem a característica de atitude científica frente ao direito, considerando que ele estuda o direito tal qual é, não tal qual deveria ser.

Essa atitude contrapõe o positivismo jurídico ao jusnaturalismo, que sustenta que deve fazer parte do estudo do direito real também a sua valoração com base no direito ideal, pelo que na definição do direito se deve introduzir uma qualificação, que discrimine o direito tal qual é segundo um critério estabelecido do ponto de vista do direito tal qual deve ser.

Para se entender essa distinção entre o positivismo e o jusnaturalismo deve-se analisar a questão da validade do direito e do valor do direito, entendida a primeira como fazendo parte do ordenamento jurídico real e existindo dentro de uma sociedade, enquanto a segunda indica a qualidade de tal norma, onde se verifica que a mesma está conforme ao direito ideal.

A respeito do problema da validade do direito encontra um adicional doutrinário, a corrente jurídica contemporânea, que pode ser considerada pertencente ao positivismo jurídico entendido em sentido genérico, embora se diferencie do positivismo em sentido estrito, sustenta que é insuficiente a definição do direito baseada no requisito único da validade, sendo necessário, pelo contrário, introduzir também o requisito da eficácia. O direito, observa essa escola, é uma realidade social, uma realidade de fato, e sua função é ser aplicado: logo, uma norma que não seja aplicada, isto é, que não seja eficaz, não é consequentemente, direito.

A doutrina desta corrente, que é conhecida com o nome de escola realista do direito, pode ser resumida da seguinte maneira, é direito o conjunto de regras que são efetivamente seguidas numa determinada sociedade.

Falando de eficácia, os realistas se referem ao comportamento dos juízes, daqueles que devem fazer respeitar as regras de conduta impostas aos cidadãos. Normas jurídicas são, pois, aquelas que os juízes aplicam no exercício de suas funções, vale dizer no dirimir as controvérsias. A definição realista do direito não faz consequentemente tanta referência ao legislador que estabelece a norma, mas sobretudo ao juiz que a aplica; naturalmente no aplicar as normas legislativas é possível que o juiz lhes modifique o conteúdo, e portanto é possível uma divergência, uma defasagem entre o ordenamento do legislador e o dos juízes.

Como o positivismo e o realismo definem o direito de forma anti-ideológica, sem qualquer referência a valores, pode ser chamada essa definição de formalista, levando em consideração que o direito é definido apenas em sua estrutura formal prescindindo completamente de seu conteúdo.

O direito positivo tem em seu fundamento a teoria da coatividade do direito, onde, as normas são feitas valer por meio da força. O positivismo jurídico vê no elemento coação uma das essencialidades típicas do direito. Esta concepção foi teorizada no século XVII por Hobbes, na formação do Estado moderno. Não se sabe precisar o nascimento da definição coercitiva do direito, porém a tradição indica Thomasius que fez a distinção entre o direito perfeito e direito imperfeito, para posteriormente ser reservada a Kant a teorização dessa concepção como sendo a coação o elemento característico e essencial ao direito. Coube a Jhering, no entanto, a celebração mais importante desta concepção ao considerar o direito, coação e Estado elementos indissoluvelmente ligados.

Todas essas teorias desenvolvidas são consideradas clássicas, frente a teoria moderna que Kelsen considera a sanção não mais como um meio para realizar a norma jurídica, mas como um elemento essencial da estrutura de tal norma . Dentro dessa nova concepção da teoria da coação o direito passa a ser visto como "um conjunto de regras que têm por objeto a regulamentação do exercício da força numa sociedade". Para tanto sua análise passa a ser feita tendo em vista quatro pontos fundamentais: quem deve usar a força; quando o grupo monopolizador pode usar a força; como a força deve ser exercida e quanto de força deve ser exercido.

As fontes do direito não são vistas assim pelo positivismo jurídico como fatos ou atos aos quais um determinado ordenamento jurídico atribui a competência ou a capacidade de produzir normas jurídicas. As fontes do direito têm a ver com a validade da norma tendo em vista a raiz de onde provém, pois a norma só é válida se for produzida por uma fonte autorizada.

No positivismo jurídico é baseado no princípio da prevalência de uma determinada fonte do direito, no caso a lei, sobre todas as demais fontes. O ordenamento jurídico deve ser complexo e hierarquizado, sendo o primeiro reconhecido pela existência de várias fontes, enquanto o segundo as normas guardam características de valores diferentes.

O imperativismo da norma jurídica é proclamado como a concepção que considera o Estado como única fonte do direito e determina a lei como a única expressão do poder normativo do Estado: basta, realmente, abandonar a perspectiva legalista-estatal para que esta teoria não exista mais. Assim não se pode configurar como comando a norma consuetudinária, porque o comando é a manifestação de uma vontade determinada e pessoal, enquanto o costume é uma manifestação espontânea de convicção jurídica. Do mesmo modo o esquema imperativista é inútil, se considerarmos, em lugar do ordenamento estatal, o internacional. Este último se exprime, não só mediante costumes, mas também por meio de tratados que fundam relações bi ou plurilaterais. Ora, os tratados são expressão de vontade determinante e pessoal, mas falta neles um outro elemento característico do comando, a relação de subordinação, visto que as relações internacionais são estabelecidas em base de igualdade.

A norma não é mais considerada dentro de uma estrutura isoladamente, mas um conjunto de normas jurídicas vigentes numa sociedade. Comina essa idéia com a teoria da coerência e da completitude do ordenamento jurídico.

Enquanto algumas teorias como a coercitiva e a imperativista do direito surgiram antes do positivismo, a teoria do ordenamento jurídico é criação deste movimento, que visualiza a norma não em seu aspecto singular ou como um acerto de normas singulares, mas como constituído por um conjunto sistemático de todas as normas.

Os jusnaturalistas concebem o direito constituído de um sistema unitário porque suas normas podem ser deduzidas de um procedimento lógico uma da outra até que se chegue a uma norma totalmente geral e que constitui um postulado moral auto-evidente, quanto os juspositivistas têm a unidade do direito num outro sentido, qual seja, porque elas são postas "pela mesma autoridade, podendo assim todas serem reconduzidas à mesma fonte originária constituída pelo poder legitimado para criar o direito.

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Dentro dessa concepção as normas jurídicas devem guardar coerência e completitude, pois os positivistas negam as antinomias das normas.

O positivismo só aceita a teoria da interpretação mecanicista, valendo apenas o elemento declarativo sobre o produtivo ou criativo do direito. Na atividade relativa ao direito, pode-se distinguir dois momentos: o momento ativo ou criativo do direito e o momento teórico ou cognoscitivo do próprio direito; o primeiro momento encontra a sua manifestação mais típica na legislação, o segundo na ciência jurídica. Esta pode ser definida como a atividade cognoscitiva do direito visando à sua aplicação."

O positivismo vê a natureza cognoscitiva da jurisprudência puramente declarativa ou reprodutiva de um direito pré-existente, enquanto os jusnaturalistas vêem essa atividade como criativa ou produtiva.

O juspositivismo só enxerga quatro métodos de interpretação, todos eles considerados meios de interpretação textual, a saber: léxico ou gramatical; teleológico ou lógico; sistemático e histórico. O positivismo concebe a ciência do direito como construtiva e dedutiva, tendo recebido o nome usual de dogmática do direito, consistente na elaboração de conceitos jurídicos fundamentais extraídos da base do próprio ordenamento jurídico sem que estejam sujeitos a revisão ou discussão.

A ambição do positivismo jurídico é assumir uma atitude neutra diante do direito, para estudá-lo assim como é, e não como deveria ser: isto é, ser uma teoria e não uma ideologia. Pois bem, podemos dizer que ele não conseguiu ser integralmente fiel a esse seu propósito, pois, na realidade, ele parece não só um certo modo de entender o direito(de destacar-lhe os caracteres constitutivos), como também um certo modo de querer o direito; parece, portanto, não somente uma teoria, mas também uma ideologia, características estas provindas da teoria de Norberto Bobbio.

Os aspectos ideológicos estão predominantes no pensamento de Bentham que não se limita a descrever o direito tal qual é, mas sim criticá-lo, impondo suas concepções ético-políticas. Ainda podem ser encontradas essas características na escola da exegese que veio a ser acusada de fetichismo pela lei.


6. TEORIA DE HEGEL

Para Hegel a filosofia jurídica é dissolução e realização, relacionada com a tradição do direito natural. A dissolução , refere-se às categorias fundamentas elaboradas pelos jusnaturalistas para construir uma teoria geral do direito e do Estado contrariadas por ele mediante uma crítica freqüentemente radical, que tende a mostrar suas inconsistência e inadequação. Significa entendido o direito natural definitivamente morto. Com realização à realização, tende ao mesmo objetivo final, atingindo-o, precisamene porque forja instrumentos novos para substituir os antigos. Com a realização o jusnaturalismo é entendido como a inconsciente filosofia da história que eles têm em comum, sendo plenamente realizado.

A filosofia do direito de Hegel ao mesmo tempo em que se apresenta como a negação de todos os sistemas de direito natural, é considerado por Bobbio como o último e mais perfeito sistema de direito natural, o qual, enquanto último, representa o fim, e, enquanto mais perfeito, representa a realização do que o precedeu.

Essa definição de filosofia jurídica implica uma tomada de posição contra uma diversa e mais freqüente interpretação, a que contrapões a filosofia do direito de Hegel, fazendo dele e do jusnaturalismo dois termos de uma antítese., qual deles deva ser o termo positivo. Uns determinam que o pensamento de Hegel, era realista, revelador da natureza essencial do Estado. Em segundo lugar tem-se de que interpretando a tese do direito natural como uma contínua e sempre renovada tentativa de por o que deve ser acima daquilo que é, de contrapor a razão lúcida à força cega, de educar o poder da razão para refutar as razões do poder, acusam a filosofia jurídica de Hegel de terminar sendo uma justificação do fato consumado, uma instigação a aceitar o poder Constituído.

Esta contraposição entre a filosofia do direito hegeliana e o jusnaturalismo é derivada de dois erros, existentes na literatura de Hegel. Sendo que o jusnaturalismo moderno não é habitualmente considerado em todo o arco de seu desenvolvimento, sendo restringido a certos pensadores, como Hobbes e Rousseau, ou demais tratadistas. A crítica ao direito natural é feita negligenciando o fato de que a crítica dos conceitos fundamentais do direito natural, desde o estado de natureza até o Contrato Social, fora uma característica comuns a todas as correntes filosóficas da época

Hegel é um defensor da codificação, na qual acredita como uma das mais elevadas manifestações e uma tarefa inescapável do Estado moderno. O conceito de espírito do povo serve para afirmar um conteúdo concreto à vontade do Estado, mas a fonte última do direito do direito continua sendo a lei, enquanto suprema manifestação da ordem jurídica.

Contrariando o direito natural Hegel cita: "a totalidade ética absoluta não é mais do que um povo" (4)

Este pensamento implica em efeitos corrosivos sobre os pressupostos em que se haviam baseado os sistemas do direito natural. Sendo na tradição do direito natural o indivíduo singular vem antes do Estado. O Estado é um todo que é construído a partir do indivíduo, é o termo final de um processo que começa a partir do indivíduo isolado. A base da contrariedade de Hegel sobre o direito natural é a prioridade sobre o todo sobre a parte.

Outra contrariedade é o estado de natureza. Onde, não recusa o conceito, mas o seu mau uso, o uso arbitrário, que depende, não mais de uma transposição a uma outra esfera, mas de uma interpretação errada. O erro consiste em fazer do estado de natureza um estado originário de inocência, termo considerado invenção do qual é responsável Rousseau. Para Hegel é necessário sair do estado de natureza. Enquanto estado de violência, o estado de natureza não é um estado jurídico e o homem, nele não tem nenhum direito. O direito é um produto social e não um fato individual, e o estado de natureza é a ausência de qualquer forma de sociedade.

Ele introduz um pensamento envolvido na ética, uma nova dimensão da vida prática. Esta idéia é inaceitável pelo jusnaturalismo, pois este tinha como base apenas o direito e a moral. Mas, ele determina que o direito e a moral fora suficientemente enquanto dominava um concepção de vida prática, articulada sobre a contraposição de só dois momentos, interno-externo, individual-social, privado-público. Com a figura da comunidade popular, entendida como totalidade viva e histórica, cujo sujeito não é mais o indivíduo ou uma soma de indivíduos, mas uma coletividade, um todo orgânico, determinava-se e destacava-se um novo momento da vida prática, que exigia novos instrumentos conceituais.

O pensamento de Hegel demonstrou a dissolução da tradição do direito natural, ele trouxe germes que iriam dar frutos a novas teorias. Esta teoria trás a aurora, prevalecendo uma nova visão quanto as demais teorias do direito.

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Sobre o autor
Alexandre Grassano F. Gouveia

bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Alexandre Grassano F.. Direito Natural e Direito Positivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6. Acesso em: 19 abr. 2024.

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