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Direito Natural e Direito Positivo

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23/12/1998 às 00:00
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7. TEORIA DE HANS KELSEN

O pensamento de Hans Kelsen seria marcado pela tentativa de conferir à ciência jurídica um método e um objeto próprios, capaz de superar as confusões metodológicas e de dar ao jurista uma autonomia científica.

Foi com este propósito que Kelsen propôs o princípio da pureza, segundo o qual método e objeto da ciência jurídica deveriam Ter, como premissa básica o enfoque normativo. O direito deveria ser encarado como norma. A noção de norma tem distinção entre as categorias do ser e do dever ser, buscado no neokantismo, sendo as normas descrições do dever ser. Cada norma vale não porque seja justa, ou porque seja eficaz a vontade que a institui, mas porque está ligada a normas superiores por laços de validade, numa série que culmina numa norma fundamental.

A teoria da norma fundamental constitui o fundamento da norma jurídica. Toda norma só será considerada jurídica e legítima se for estabelecida em conformidade com as prescrições contidas na norma fundamental. Ela é fonte da jurisdicidade e da legitimidade, neste sentido é valorativamente neutra. Todo o universo normativo vale e é legítimo em função dela. Mas dela não se pode exigir que seja justa. Mesmo uma norma fundamental injusta valida e legitima o direito que dela decorre.

A possibilidade de um juízo de valor sobre o direito vigente depende, de norma fundamental do ordenamento moral. Como positivista, sempre afirmou que mesmo esta norma moral última seria inevitavelmente uma prescrição relativa, do ponto de vista racional e científico. O que ele queria dizer é que o estabelecimento de uma regra última absoluta quanto ao seu contéudo, era uma questão de fé e não de ciência. Podendo ser estabelecido no máximo, uma norma fundamental absoluta quanto a sua forma.

Para Kelsen o direito e Estado se confundem. Direito é um conjunto de normas, uma ordem coativa. As normas, pela sua estrutura, estabelecem sanções. Quando uma norma prescreve uma sanção a um comportamento, este comportamento será considerado um delito. O seu oposto, o comportamento que evita a sanção, será um dever jurídico. Ora, o Estado, neste sentido, nada mais é do que o conjunto das normas que prescrevem sanções de uma forma organizada.

A grande obra de Kelsen, teoria pura do direito, em por objetivo a definição das condições para a construção de um conhecimento consistentemente científico do direito. É um trabalho de estudo do conhecimento das normas jurídicas. Este estudo afirma que o conhecimento da norma jurídica deve necessariamente prescindir a sua produção, bem como abstrair totalmente os valores envolvidos com sua aplicação. A pureza da ciência do direito, decorre da estrita definição de seu objeto e de sua neutralidade.

A base principal do pensamento de Kelsen é a distinção entre a norma jurídica e a proposição jurídica. Ele define que o conjunto de normas jurídicas, não tem lógica interna. As autoridades elaboram-nas de acordo com sua vontade. E, será somente indiretamente, através das proposições jurídicas que as descrevem, será admissível investigar a logicidade das relações entre as normas.

Determina, como sendo positivista, de modo geral, tanto aquele autor que nega qualquer direito além da ordem jurídica posta pelo estado, em contraposição às formulações jusnaturalistas e outras não formais, como o defensor da possibilidade de construção de um conhecimento científico acerca do conteúdo das normas jurídicas.

O princípio metodológico fundamental faz-se necessária a renúncia da ciência do direito relativamente a qualquer manifestação valorativa sobre as normas. O caráter positivo do direito natural Kelsen, insere que o positivismo não poderia dar qualquer tipo de segurança, já que todo direito posto, independentemente de seu conteúdo, é reputado válido. Há a definição de que o fundamento da ordem jurídica reside reside em sua correspondência com o direito natural, então haveria também uma norma fundamental pressuposta, a determinar o obedecimento aos comando da natureza. Assim fundamentando expõe Kelsen:

"o fundamento de validade da ordem jurídica, nos quadrantes do jusnaturalismo, é a pressuposição de que a ordem natural deve ser obedecida. Ora, esta última também é positiva, no sentido de ser posta por uma vontade supra-humana".

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A validade da norma jurídica, em Kelsen , depende, inicialmente de sua relação com a norma fundamental. Para a validade da norma não basta o atendimento a esta condição de ligação à norma fundamental. É necessário, ainda, um mínimo de eficácia.

Difícil fica a relação entre a eficácia e a validade. Sustenta e teoria pura que tanto a norma jurídica como um todo, deixam de ser válidas se perderem a eficácia. É incorreto pretender, que a vigência não tenha qualquer relação com a eficácia. Por outro lado, há normas jurídicas não são observadas em determinadas situações ou durante ou durante algum tempo e, nem por esse motivo, são invalidadas. Assim, também é incorreto postular a validade como sinônimo de eficácia. Kelsen determina a relação da eficácia no plano das normas singularmente consideradas e no plano global da ordem positiva. A eficácia se revelará condição de validade em ambos os níveis. Qualquer norma jurídica totalmente ineficaz é inválida. É certo que nenhuma norma jurídica positiva perde sua validade por não ter sido aplicada em determinados casos isolados ou mesmo durante algum tempo. A ineficácia episódica ou temporária não compromete a vigência de uma norma jurídica em particular.

Fica a validade, assim, condicionada a três pressupostos: a competência da autoridade que a editou , derivada da norma hipotética fundamental; mínimo de eficácia, sendo irrelevante a sua inobservância episódica ou temporária; e, eficácia global da ordem de que é competente.

A questão das lacunas nas leis, para Kelsen, é impossível, a norma geral de permissão das condutas proibidas torna a idéia tradicional de lacunas inadmissível. Poderá ser falado em lacuna em conduta permitida, em função dos valores do juiz competente para aplicar o direito.

As antinomias das normas, são dividida por Kelsen em dois aspectos, as normas conflitantes de mesmo escalão e o outro à questão de hierarquia diferente. Sendo do mesmo escalão mas foram editadas em momentos diversos, a contradição se resolve pelo princípio de que a norma posterior revoga a anterior. O conflito entre as normas de diferentes hierarquias é solucionado, pela formulação kelseniana.

Esta formulação é entendida, como no caso de uma lei discriminatória contrariar o previsto na Constituição, mas, não contraria a norma de outorga de competência para a editar, também prevista na Constituição. E, no caso do Poder Judiciário, considera inexistente a afronta à norma de hierarquia superior, então não há qualquer gênero de incompatibilização, porque ele se encontra investido, na própria Constituição, da competência para dizer o direito. Desta forma, o texto constitucional pode ter sido desobedecido, sob o ponto de vista da teoria jurídica estática, mas foi obedecido, sob o ponto de vista da teoria jurídica dinâmica.

Kelsen propõe que uma vez demonstrada a impossibilidade de se superar cientificamente a multiplicidade de sistemas morais, então o mais correto para a doutrina é renunciar à avaliação da justiça ou da injustiça de ordem jurídica.

Assim, o cientificismo do direito se revela, de algum modo presente também no jusnaturalismo. Este, aliás, é um ponto comum a marcar Kelsen e a teoria do direito natural, considerando ambos, possível o conhecimento científico do conteúdo das normas jurídicas. A diferença se estabelece no método, apontando o pensamento kelseniano para a pureza, e os jusnaturalistas para a relevância da dimensão moral da natureza humana.

A teoria de Kelsen, nestes pensamento, pode assim ser considerada, o ápice da trajetória típica da modernidade, no sentido de alicerçar na ciência o conhecimento da organização da sociedade estabelecida através de normas.


8 CONVERGÊNCIA DE FUNDAMENTOS ENTRE O DIREITO NATURAL E O POSITIVO

O direito natural é, pois, o critério que permite valorar o direito positivo e medir a sua intrínseca justiça. Se o direito positivo contrasta com o natural, este mantém todavia a sua peculiar maneira de ser, e portanto, a sua específica validade de critério ideal . A tendência do movimento histórico manifesta-se, em geral, no sentido duma consagração progressiva do direito natural pelo direito positivo. Há um pensamento, onde depois de Ter separado o elemento racional do positivo, que, se o primeiro totalmente faltasse, não teríamos já leis mas simples aparências de leis.

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O intérprete do direito positivo cumprirá mal a sua tarefa, se por meio do preconceito considerar simples invenção legislativa tudo aquilo que, substancialmente, se funda na razão natural.

Deve-se observar que, mesmo quando o direito positivo se afasta nas suas fórmulas dos princípios do direito natural, ou deste diverge por motivos técnicos ou substanciais, nem por isso os exclui inteiramente, não deixando de lhes reconhecer ainda uma certa validade parcial e subordinada dentro do sistema.

No direito moderno, encontra-se uma série de regras e institutos, que, segundo um princípio que pode-se chamar de máxima adequação, permitem abranger de qualquer modo a realidade natural, mesmo quando esta extravase das normas rigorosamente fixadas e quando venham a faltar alguns requisitos necessários para se produzirem todos os efeitos jurídicos positivos.

Embora a concreta estrutura do direito positivo traga restrições ou alterações aos princípios do direito natural, nem assim estes perdem todo o seu valor, quer em si, quer para a ordem positiva.


CONCLUSÃO

O direito natural e o positivo, este posteriormente existente, são pensamentos que ultrapassaram os tempos, desde a Grécia; buscando teorias que justificam o direito, baseadas nas duas linhas de pensamento o natural e o positivo.

Escolas e pensamentos fizeram surgir o direito positivo como resposta ao direito natural, primeiro tecendo-se diversas críticas para depois serem firmados pontos e idéias que se identificam perfeitamente com o positivismo.

A formalidade, abordagem valorativa do direito, a coação, a lei como única fonte de qualificação do direito, a idéia imperativa da norma, o ordenamento jurídico, o Estado como ente maior do monopólio da legislação e jurisdição, enfim toda ideologia desenvolvida pelo direito positivo, encontram-se presentes na formação dos juristas pátrios que de uma forma ou de outra aceitam esses dogmas.

Em razão dessa circunstância temos no campo doutrinário ou jurisprudencial posições que impedem um melhor desenvolvimento do direito e da Justiça no Brasil. Isso se deve por força das limitações nos campos da criação legislativa e da interpretação e aplicação do direito, sem que haja possibilidade dos juristas se valerem de outras fontes que não seja a lei, e, esta tenha se originado do Estado, além de ser censurada de forma constante e veemente qualquer criação da jurisprudência que leve a um possível divórcio com o sentido literal da norma.

O conservadorismo de muitos julgados em nossos Tribunais, o apego exagerado à lei, a valoração que se empresta a interpretação literal, são empecilhos que testemunhamos na prática diária do foro como impeditivos de uma melhor aplicação da Justiça e talvez de um desenvolvimento mais dinâmico.

Não se pode negar as grandes conquistas que o direito positivo trouxe ao direito e a justiça, especialmente o princípio da legalidade, porém, não devemos esquecer que a norma deve servir como referencial na aplicação dos casos concretos, tendo em vista a sua generalidade, o que muitas vezes necessita de uma maior adequação por parte do intérprete e aplicador.

A tese que defendo está alicerçada no fato da existência do direito positivo e do natural em consonância. Onde, o direito positivo busca no natural, solução para o conflito de normas e litígios existentes. Acredito ainda na existência de uma lei natural que os homens respeitam, por se tratar de determinadas uniformidades na conduta humana e de uma força divina.

Para que uma norma esteja presente no ordenamento jurídico, deverá ser respeitado o costume e as tendências sociais.

O direito positivo não é perfeito, pelas normas a ele inseridas estarem condicionadas ao desgaste pela evolução da sociedade. Assim, confirmo minha posição de que o direito positivo depende do direito natural, pois, será na busca de costumes e princípios do jusnaturalismo, sendo através da manifestação da sociedade que ele se expressa, a existência do verdadeiro direito.

Abandonar a idéia do direito natural é manifestação mais grave ainda, porque tal renúncia corresponde à tese de que não há, para o Estado qualquer limite na sua tarefa de legislar, sendo-lhe permitidas todas as formas de totalitarismo.

Considero essencial a existência das correntes do direito, entendendo que seus valores estão em campos específicos, sendo o direito natural a garantia do ordenamento jurídico justo da sociedade.


NOTAS


1. Rom. 2, 14-15
2. VECCHIO, Giorgio, Del. Trad. Ant. J. Brandão, 23ª ed. Trad. . Armenio Amado, 1951, p. 230
3. REALE, Miguel. Direito Natural/Positivo, 1ª ed. SP. Ed. Saraiva, 1984
4. BOBBIO, Norberto. Hegel e o jusnaturalismo, p. 30
5. KELSEN, 1960: 308

BIBLIOGRAFIA


BOBBIO, Norberto. Estudo sobre Hegel: Direito, Sociedade Civil, Estado, 2ª edição. São Paulo-SP. Ed. da Universidade Estadual Paulista: brasiliense, 1995.
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo-SP. Ícone Editora ltda, 1996.
BODENHEIMER, Edgar. Ciência do Direito, Filosofia e Metodologias Jurídicas, Rio de Janeiro-RJ, Editora Forense.
COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen. Prólogo de Tércio Sampaio Ferraz Jr. 2ª edição. São Paulo-SP. Ed. Max Limonad, 1997.
DEL VECCHIO, Giorgio. Filosofia del Derecho. México: Union Tipografia, Editorial Hispano-Americana, 1946
DEL VECCHIO, Giorgio. Tradução de Antonio José Brandão. Traduzindo a 7ª edição original. 23ª edição. Coimbra. Armenio Amado, 1951.
GRAU, José Cortes. Curso de Derecho Natural. Madrid-España. Ed. Nacional. 1970.
KELSEN, Hans, 1881-1973. Teoria Geral das Normas. Porto Alegre-PR. Editora Fabris, 1986.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 2ª edição. Coimbra, 1962.
NADER, Paulo. Filosofia do Direito. 6ª edição. Rio de Janeiro. Ed. Forense, 1998
REALE, Miguel. Estudos de Filosofia e Ciência do Direito. São Paulo-SP. Ed. Saraiva, 1978.
REALE, Miguel. Direito Natural/Direito Positivo. 1ª edição. Editora Saraiva. São Paulo-SP, 1984.
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Sobre o autor
Alexandre Grassano F. Gouveia

bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (PR)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Alexandre Grassano F.. Direito Natural e Direito Positivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6. Acesso em: 29 mar. 2024.

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