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Considerações gerais acerca do direito subjetivo

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02/12/2004 às 00:00
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5. A Relação Jurídica, seus Elementos e sua Ligação com o Direito Subjetivo

A relação jurídica corresponde às relações intersubjetivas que acontecem sempre entre dois ou mais sujeitos. Ela existe, pois o homem, por ser um animal social, necessita estar sempre se relacionando com o próximo para a garantia de sua própria sobrevivência.

Neste contexto, o direito exerce um papel fundamental, pois é ele quem vai regular estas relações jurídicas, atuando, dessa forma, como um apaziguador social e como uma forma de controle deste mesmo meio. No entanto, para melhor nos situarmos no tema, somos forçados a distinguir relação factual de relação jurídica.

As primeiras correspondem a determinadas relações sobre as quais não incide uma norma jurídica; são, portanto, exemplos desta categoria as relações que possuem uma finalidade moral, artística, religiosa etc. Enfim, qualquer relação que não seja regulada por uma norma ou que seja dirigida para um determinado fim pretendido por ela.

A par destas explicações fica claro agora conceituarmos a chamada relação jurídica, a qual, nos ensinamentos de Miguel Reale, possui dois requisitos necessários para o seu surgimento. Segundo o eminente professor: "Em primeiro lugar, uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar, que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que derivem conseqüências obrigatórias no plano da experiência". [35]

As relações jurídicas hoje em dia, não são mais encaradas como um produto de relações sociais apenas reconhecidas pelo Estado. Atualmente prevalece uma concepção operacional do direito onde o Estado tem a incumbência de instaurar modelos jurídicos que condicionem e orientem a constituição das relações jurídicas. [36]

Qualquer relação que tenha este adjetivo – jurídica – possuirá quatro elementos tidos como essenciais para a sua formação, são eles: os sujeitos, o objeto e o que Miguel Reale chama de vínculo de atributividade. Giuseppe Lumia resume de forma sucinta e precisa e essência destes elementos da seguinte forma: "No âmbito das relações jurídicas são considerados os sujeitos entre os quais a relação se instaura, a posição que ocupam na relação e o objeto a propósito do qual a relação se estabelece. Os sujeitos que concorrem para constituir a relação jurídica são chamados partes, para distingui-los dos terceiros, isto é, dos sujeitos estranhos à relação, mesmo que dela possam obter, indiretamente, vantagem ou prejuízo. A posição de qualquer das partes no seio da relação jurídica define a chamada (não sem alguma incerteza terminológica na doutrina) situação jurídica daquelas. O termo de referencia externa da relação jurídica consiste, enfim, o seu objeto". [37]

Os sujeitos da relação jurídica ainda se dividem em ativos e passivos; os primeiros correspondem a aqueles que possuem direitos oriundos da relação; os segundos são aqueles sobre os quais recai um dever decorrente da obrigação assumida pela relação.

Miguel Reale fala ainda em um outro elemento da relação jurídica, trata-se do chamado vínculo de atributividade que nada mais é do que a concreção da norma jurídica no âmbito do relacionamento. É o vínculo mediante o qual uma parte na relação adquire legitimidade para exigir do outro algo – o objeto da relação. [38]

Toda essa descrição acerca da relação jurídica e seus elementos serviram para que pudéssemos fazer uma análise mais profunda a respeito do direito subjetivo. Pela doutrina de Caio Mário, o direito subjetivo se decompõe nesses três elementos essenciais estudados até agora, o sujeito, o objeto e a relação jurídica. Por cada um desses elementos entende-se, segundo os ensinamentos do professor Caio Mário que sujeito é aquele a quem a ordem jurídica a faculdade de agir, é o destinatário da norma jurídica, que corresponde ao homem; objeto é o bem jurídico pretendido pelo sujeito da relação; e relação jurídica é o meio pelo qual o direito subjetivo realiza-se, é o vínculo que impõe a submissão do objeto ao sujeito. [39]

Portanto, inseparáveis são os conceitos de direito subjetivo, relação jurídica, sujeitos e objeto. Por estas conclusões ousamos até dizer que sem estes elementos não há que se falar em direito subjetivo, uma vez que estes elementos, conforme já mencionamos anteriormente, são componentes do direito subjetivo. O próprio professor Caio Mário compartilha com nossa opinião quando defende a existência do direito subjetivo como uma interação destes elementos sempre. [40]

5.1 – A Subjetividade e a Capacidade de ter direitos

Dissemos anteriormente que o sujeito corresponde a um dos elementos essenciais do direito subjetivo e o conceituamos como sendo o destinatário da norma jurídica, o ser que através de uma garantia da ordem jurídica possui a faculdade de agir; em outros termos, são os entes que através da relação jurídica buscam a obtenção de determinados. Todavia, um questionamento acerca deste conceito vem à tona quando realizamos o estudo dos sujeitos, este questionamento é: quem pode ser sujeito de direitos?

Para responder essa pergunta, vamos certamente esbarrar nos conceitos de pessoa, subjetividade – que é a mesma coisa que personalidade – e capacidade.

A palavra pessoa designa o sujeito em si, o homem, tendo sua origem no cristianismo, que, como nos mostra Tércio Sampaio, "aponta para a dignidade do homem insusceptível de ser mero objeto. A personificação do homem foi uma resposta cristã à distinção, na Antigüidade, entre cidadãos e escravos. Com a expressão pessoa obteve-se a extensão moral do caráter do ser humano a todos os homens, considerados iguais perante Deus". [41]A palavra "pessoa" tem origem também no teatro antigo, onde um único indivíduo com uma só máscara – a persona – desenvolvia vários papéis na peça, semelhante ao que acontece conosco na nossa vida em sociedade. Nos dizeres de Tércio Sampaio "o que chamamos de pessoa nada mais é do que feixe de papéis institucionalizados. Quando esses papéis se comunicam, isto é, o pai é simultaneamente o trabalhador em seu emprego, o pagador de impostos, o sócio de um clube, numa palavra, o agente capaz para exercer vários papéis e as atividades correspondentes (políticas, sociais, econômicas etc.), temos uma pessoa física". [42]

Existe também uma outra espécie de pessoa, a pessoa jurídica, que constitui, pelos ensinamentos de Tércio Sampaio, um feixe desses papéis isolados dos demais papéis sociais e integrados pelo estatuto num sistema orgânico, com regras jurídicas próprias. [43]

Giuseppe Lumia por sua vez define assim a pessoa jurídica: "As pessoas jurídicas são constituídas por um conjunto de pessoas físicas ou por um conjunto de bens, aos quais confere unidade o fato de serem organizados em vista do atingimento de um objetivo, e que o ordenamento jurídico considera da mesma maneira que as pessoas físicas, como sujeitos de direito, titulares de poderes juridicamente garantidos e de obrigações juridicamente sancionadas". [44]

Ambos os tipos de pessoa podem ser considerados sujeitos de direitos e não apenas a pessoa física, o homem, vez que esta visão unitária é produto da influência da definição de pessoa pela doutrina cristã comentada em linhas anteriores. Tanto a pessoa física como a pessoa jurídica porque possuem, igualmente, direitos e deveres.

Mas o nosso conceito de sujeito de direito ainda não está completo, resta-nos falar a respeito da subjetividade e da capacidade.

Subjetividade e capacidade são conceitos interligados um ao outro, poderíamos dizer que a segunda constitui um elemento da primeira, contudo, este elemento não é essencial da personalidade pois, como veremos mais adiante, pode existir sujeitos dotados de personalidade mas carentes de capacidade. A subjetividade é manifestada na capacidade jurídica, ou seja, como define Lumia, na capacidade de serem titulares de poderes e deveres jurídicos. [45] Sem querer, acabamos de dar uma idéia do que seja capacidade, todavia, como podemos perceber, a capacidade possui um duplo sentido; ora significa capacidade no sentido de ação que corresponde à aptidão para agir, e ora significa a capacidade no sentido jurídico que é aquela a qual corresponde à aptidão do sujeito ser detentor de direitos e obrigações. No mais, há a possibilidade de um sujeito ser titular de direitos e, ao mesmo tempo, não ter a capacidade plena de exercício dos mesmos, conforme alertamos anteriormente. São os casos dos surdos-mudos, loucos e menores, a eles não se nega a existência de direitos, porém, seu exercício fica dependente da capacidade de outro sujeito para se realizar a sua concretização.

Tendo a definição de capacidade em mãos, poderemos agora conceituar com mais facilidade a subjetividade. Subjetividade, ou personalidade, nada mais é do que a resultante de poderes exprimidos pela capacidade. "Capacidade exprime poderes ou faculdades; personalidade é a resultante desses poderes; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga esses poderes". [46]

A par destas explicações, temos agora condições de responder àquela indagação feita nas primeiras linhas deste item. São sujeitos de direitos aqueles que, embora por vezes não possuam aptidão para exercer seus direitos pessoalmente, possuem personalidade jurídica; ou seja, são detentores de direitos e deveres.

Todos esses conceitos são dependentes um do outro. Exemplificando com maior simplicidade, um determinado ser é sujeito de direitos porque tem personalidade jurídica; onde tem personalidade jurídica tem-se a capacidade (lembre-se sempre que muitas vezes esta capacidade falta ao sujeito, mas isso não significa que não possa ser sujeito de direitos); tem capacidade porque é pessoa; e, por fim, é pessoa porque tem direitos e obrigações.

5.2 – A Relação do Direito Subjetivo com as Situações Jurídicas Subjetivas

A situação jurídica subjetiva de um sujeito dentro de uma relação jurídica corresponde ao papel assumido por cada um deles. Na lição de Miguel Reale, ocorre a situação jurídica subjetiva "toda vez que o modo de ser, de pretender ou de agir de uma pessoa corresponder ao tipo de atividade ou pretensão abstratamente configurado numa ou mais regras de direito". [47] Através das situações jurídicas é que se estabelece uma relação; por exemplo, se um determinado sujeito "A" realiza um contrato de compra e venda com o sujeito "B", operou-se uma relação jurídica, onde a situação jurídica de "A" que adquiriu um bem de "B" é a de credor se este pagou o preço acertado entre eles; e a situação jurídica de "B" é a de devedor até omomento de entrega do bem em questão. Pelas explicações de Lumia, iremos observar melhor o conceito de situação subjetiva: "Dado que o poder de um corresponde o dever do outro, a relação jurídicas surge como a correlação de duas situações jurídicas de sentidos opostos e de igual conteúdo. Todavia, é muito freqüente ocorrer que da mesma relação surjam poderes e deveres recíprocos nos sujeitos entre os quais ela se estabelece". [48] Ou seja, há situações jurídicas passivas (devedor) e ativas (credor); à pretensão de um corresponde à obrigação do outro, ou ao poder de um corresponde à sujeição do outro.

Se quisermos compreender melhor as situações jurídicas subjetivas devemos ter em mente os conceitos de normas de conduta e normas de competência, as quais vão definir dois modelos de relação jurídicas surgidas a partir de cada conceito deste.

Primeiramente, diz-se que normas de conduta são atribuições a um sujeito para a realização do interesse de outro; para o sujeito cujo interesse deve ser resguardado dizemos que ele tem a pretensão em relação ao outro sujeito que tem uma obrigação. Por exemplo, o sujeito "A" tem a obrigação de abster-se de turbar a posse de "B", neste caso existe uma norma direcionada diretamente ao sujeito "A", o qual agindo dessa forma, realizará o interesse de "B". Quando, porém, ausente a pretensão de um sujeito, surgirá para o outro uma faculdade.

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Entretanto, quando uma norma é editada não para regular comportamentos, mas outras situações jurídicas, estamos diante de uma situação jurídica originada por normas de competência. Neste, caso não se fala mais em pretensão e obrigação, as duas situações jurídicas passam a ser de poder e sujeição; por exemplo, quando um sujeito dita as normas de uma relação jurídica sobre outro sujeito. O exemplo citado por Miguel Reale quanto ao pátrio poder é bastante ilustrativo e esclarece muito este conceito: "O pátrio poder não é um direito subjetivo sobre os filhos menores. Estes sujeitam-se ao poder paterno ou materno nos limites e de conformidade com um quadro de direitos e deveres estabelecido no Código Civil; não no interesse dos pais, mas sim em benefício da prole e da sociedade. Só se pode falar em sujeição dos filhos aos pais enquanto estes se subordinam ao quadro normativo, em razão do qual o pátrio poder é atribuído. Por outro lado, ao poder dos pais não corresponde uma prestação por parte dos filhos, nem aqueles possuem, em relação a estes, uma pretensão exigível". [49]Todavia, quando este poder não gera uma sujeição ao outro sujeito surge a situação da imunidade.

Essas situações jurídicas elementares fazem surgir várias figuras jurídicas complexas, entre elas o direito subjetivo como diz Giuseppe Lumia. Segundo o autor: "O direito subjetivo apresenta-se como um conjunto unitário (e unificador) de situações jurídicas elementares: isso indica um conjunto de faculdades, pretensões, poderes e imunidades que se encontram em um estado de habitual e constante ligação, e que são inerentes a um determinado sujeito em relação a um determinado objeto". [50]

Para as demais situações jurídicas subjetivas como a obrigação, a sujeição, a ausência de poder e a ausência de pretensão, pensamos serem correspondentes ao chamado dever subjetivo.

Portanto, a relação do direito subjetivo com a situação jurídica subjetiva está evidente, pois a existência do primeiro está condicionada à segunda quando a mesma, segundo Miguel Reale "implica a possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem". [51]


6. Considerações Finais

O direito subjetivo apresenta-se como um produto das relações intersubjetivas e das situações jurídicas subjetivas. As tantas teorias que tentaram explicar sua natureza contribuíram de uma certa forma para se chegar à conclusão acerca do atual conceito do direito assim como sobre a sua natureza jurídica. O direito subjetivo também não pode ser considerado como um instituto distinto do direito objetivo, atribuindo a este último a única existência decorrente do mundo jurídico como defende Hans Kelsen; também não pode ser considerado apenas como uma situação jurídica, vez que ele possui íntima ligação com o direito objetivo, pois o direito subjetivo está condicionado a uma exigibilidade de prestação.

Pretensão e exigibilidade de prestação fazem parte deste instituto do direito, o direito subjetivo, que sem elas - as situações jurídicas subjetivas - não se concretizam, o que implica dizer que o direito subjetivo não se consubstanciará no âmbito de determinada relação jurídica intersubjetiva. Sujeito, objeto e relação jurídica fazem parte deste que chamamos direito subjetivo constituindo em elementos essenciais à sua existência, vez que, como ficou claro em nossa pesquisa, não existe direito se não houver sujeito, nem direito se houver um bem a ser almejado (o objeto) como também um meio para a consecução desta finalidade (a relação jurídica).

Em última análise, são capazes aqueles que têm o poder de exerce-los, todavia, todo ser que detém a chamada personalidade jurídica está apto a possuir tais direito e reivindicá-los, mesmo que seja através de outrem detentor de capacidade. Pessoas jurídicas, assim como as pessoas naturais, também têm personalidade porque da mesma forma que estas, são detentoras de direitos e deveres, pois perseguem um objetivo da mesma maneira que as ditas pessoas naturais sendo também reconhecidas pelo ordenamento jurídico como pessoas.

Por fim, esperamos que este pequeno ensaio tenha servido para uma análise mais aprofundada de um tema que à primeira vista parece simples de se estudar, mas que traz consigo uma complexidade ímpar, principalmente quando nos perguntamos o que é um direito, o que significa tê-lo e que pode tê-lo? Acreditamos que diante desta humilde pesquisa conseguimos responder todas essas indagações de uma maneira clara e aprofundada deste tema, que, na nossa opinião, todo jurista deve ter conhecimento, pois se constitui em uma pedra angular da ciência jurídica.

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Sobre o autor
Felipe d’Oliveira Vila Nova

Advogado; Pós-Graduando em Processo Civil, Constitucional e Tributário pela ASCES e ex-monitor da cadeira de Processo Civil III da ASCES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOVA, Felipe d’Oliveira Vila. Considerações gerais acerca do direito subjetivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 513, 2 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6004. Acesso em: 24 abr. 2024.

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