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O instituto da prestação de contas e a EC Estadual nº 27/2000, nas esferas estadual e municipal do Estado do Maranhão

07/12/2004 às 00:00
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1.INTRODUÇÃO

Passou há pouco [1] a "data limite" que está sujeita a prestar conta toda pessoa que [...] utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (parágrafo único, art. 70, da CF/88).

E qual mesmo deve ser esta data?

O presente texto é um pequeno estudo acerca de qual data deve os gestores públicos do Estado do Maranhão ater-se quando do ato de prestar conta, com o advento da EC nº 27/2000. Do mesmo modo, pretende-se demonstrar que tal prazo, vincula não somente os gestores mas também o próprio órgão de controle externo do Estado, quer seja, o Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, pois trata-se esse de órgão auxiliar do Poder Legislativo [2].


2.DESENVOLVIMENTO

Na tradição brasileira é anual a periodicidade da exigência da Prestação de Conta do Poder Executivo ao Poder Legislativo; sua fiscalização, feita com auxílio e mediante o controle externo exercido pelos Tribunais de Contas, aos quais cabem, conforme com o art. 70, da CF/88, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

A nossa Carta Régia, art. 84, XXIV, atribui ao Presidente da República a obrigação de "prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior" (grifei) termo que, a rigor, pode ser os dias 14 ou 15 de abril do exercício posterior, dependendo se o ano é bissexto ou não.

Na singularidade territorial do Estado do Maranhão, tal "data limite", lato sensu, é a disposta na Constituição Estadual, alterada pela Emenda Constitucional nº 27/2000, art. 1°, IX, transcrita in verbis:

[...]

IX – encaminhar ao Tribunal de Contas do Estado, após sessenta dias do início da sessão legislativa municipal, a prestação de contas referentes ao exercício anterior. (grifei)

A importância da interpretação do texto constitucional acima é buscar avaliar o real significado do significante após, para o que devemos fazer um esforço de raciocínio no entendimento do sentido do uso de tal termo. Da mesma forma, teleologicamente deveremos procurar entender a tão festejada vontade do legislador. Qual de fato foi mesmo esta vontade? Seria ela a de estabelecer um limite simétrico ao da CF/88, ou não estabelecer limite algum?

Morfologicamente, a expressão após sessenta dias é totalmente diferente da expressão sessenta dias após, que também são diferentes, ambas, da expressão dentro de sessenta dias após. O leitor substituindo-as no texto acima notará que o sentido da primeira enseja a contagem do prazo a partir deste momento; a segunda aponta, determina, estabelece o prazo final, ou seja, somente naquela data, nem mais e nem menos dias; enquanto a terceira estabelece um prazo que vai do primeiro até o sexagésimo dia.

Participo da idéia que a intenção do legislador era de limitar o prazo, mesmo com toda deficiência redacional acometida, utilizando-se do princípio da simetria constitucional, ou seja, o que ocorre na União ocorre aqui, no Estado, muito embora nesta matéria tal ação não vincule este em relação àquele.

Continuando neste mesmo sentido, todo texto, principalmente sendo ele uma norma constitucional, necessita de clareza redacional, uma vez que, até quando se é claro, não se consegue, muitas vezes, expressar a vontade do pensamento.

A função de controle externo é exercida no estado do Maranhão pelo Tribunal de Contas, o qual, via norma infralegal, dispôs sobre o encaminhamento da prestação de conta das Prefeituras e Câmaras Municipais, nos termos do art. 1º, da Resolução Administrativa nº 013/95, a saber:

Art. 1º. O Chefe do Poder Executivo deverá encaminhar, ao Tribunal de Contas do Estado, até 31 de janeiro de cada ano, o orçamento municipal em vigor, no exercício e até o dia 31 de março, ou no prazo estipulado na Lei Orgânica respectiva, a prestação de contas geral da Prefeitura e da Câmara Municipal, referente ao exercício anterior. (grifo existente)

revogada pela Resolução Administrativa n° 001/97:

Art. 1º. O Chefe do Poder Executivo deverá encaminhar, ao Tribunal de Contas do Estado, até 31 de janeiro de cada ano, o orçamento municipal em vigor, no exercício e até o dia 31 de março, os Chefes do Poder Executivo e Legislativo deverão encaminhar a Prestação de Contas geral da Prefeitura e da Câmara Municipal, referente ao exercício anterior. (grifei)

A Constituição Federal apresenta como prazo final, a data de 15 de abril do exercício subseqüente; a Constituição Estadual estabelece apenas o termo a quo (data inicial) – considerando a exegese majoritária atual –; as Leis Orgânicas Municipais em sua maioria [3] apresentam como limite ad quen (data final) a data 31 de março do exercício subseqüente àquele que se quer prestar conta; o Tribunal de Contas apresenta como limite final (material, IN nº 013/95 e IN nº 001/97), a data 31 de março do exercício subseqüente. No senso comum o prazo utilizado em todo Estado como o limite final é de fato 15 de abril (pressuposto tácito, somente). Diante deste conflito aparente de normas, qual data deve os Agentes Públicos, Estadual e Municipal, obedecerem?

Conforme com a lavra de Moraes [4] (2003: p.45):

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequada à Constituição Federal. (grifei)

Ensina também Grau [5] (2002: p.34):

A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito. Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum. (grifos existentes)

A exegese literal - interpretação em tiras do Direito - do art. 1º da Emenda Constitucional Estadual nº 27/2000, qual seja a de que não existe prazo para que o Gestor apresente suas contas, não pode, e nem deve prosperar. Necessária uma hermenêutica ampla e sistemática da doutrina jurídica. Nos ensinamentos de Silva [6] (2002: p. 66) "a doutrina costuma distribuir as limitações do poder de reforma em três grupos: as temporais, as circunstanciais e os materiais". E, em se tratando de limites materiais, é certo afirmar que existem alguns dispositivos que não podem ser objeto de emenda ou revisão (cláusulas pétreas, art. 60, § 4º, CF/88), sendo arrogado somente ao poder constituinte originário, face suas características específicas (inicial, incondicionado e ilimitado).

Sendo o poder constituinte estadual exercido pelas Assembléias Estaduais, um poder constituinte derivado, portanto, inicial (no âmbito da esfera unitária federativa), limitado e condicionado (à Constituição Federal), este deve, obedecer tais limites, sob pena de a norma estatuída, modificada ou suprimida ser declarada inconstitucional. O dever de prestar conta sendo um princípio fundamental da ordem constitucional brasileira (art. 34, VII, "d") estaria, em nosso entendimento, protegido de modificação por emenda constitucional, uma vez que o limite geral de tal poder é derivado do mandamento constitucional federal (CF/88, art. 25). Protegido está então este princípio, não por ser uma cláusula pétrea, mas sobretudo, por ser um dos princípios da Constituição Federal.

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. (grifei)

Ora, estabelecer um prazo inicial sem determinar um prazo final, é de fato uma burla ao princípio constitucional de Prestar Conta (art. 34, VII, "d"). Todavia na determinação deste prazo, não se pode estabelecer um que: (1) de tão exíguo impossibilite o Gestor de apresentar suas contas; (2) como também não pode ser tão elástico que possa ter a efetividade do controle descaracterizada. Há de se ponderar sempre através do princípio da razoabilidade o limite a ser determinado.

Nos conceitos ensinados por Kelsen, toda norma jurídica é amparada no tripé: vigência, validade e eficácia. E fundamentalmente tem de passar pelo filtro de conformidade com a Constituição (norma fundamental).

Desde a sua concepção e nascimento, tal emenda constitucional enseja, necessita, carece de vigência (efetividade), vez que sua validade é visível dentro do ordenamento jurídico Estadual (é uma Emenda Constitucional). A rigor, acredito que a interpretação em tiras do Direito não prospera no âmbito do Poder Judiciário, de forma que, nenhum juiz concederá a desobrigação do dever de Prestar Conta, só porque o artigo 1º, da EC nº 27/2000 assim o quer.

Prestar Conta dos atos enquanto Gestor Público no Brasil é dever legal, mas acima de tudo deve ser entendido também como dever moral.

Então, diante dos fatos apresentados, qual "data limite" obedecer? Não é difícil imaginar a existência de gestores ligando para seus assessores contábeis, dizendo para não prestar conta, porque não se tem prazo final; por outro lado, não é difícil, dentro do mesmo exercício de imaginação, vislumbrar também a existência de profissionais que desconhecem as determinações e imposições legais que obrigam os Gestores a prestar conta, assim como, desconhecem as implicações decorrentes da omissão deste ato.


CONCLUSÃO

A União é o ente onde os problemas advindos da consolidação – reunião e disponibilização em peças de natureza contábil orçamentária, financeira e patrimonial dessas informações – exige um esforço significante; mesmo assim, essa possui uma "data final" sensível, bastante e suficiente para de um lado:

A-possibilitar ao Gestor que consolide apresente suas contas, e;

B-permitir ao órgão de Controle Externo, – Tribunal de Contas da União – fiscalizar e julgar tempestivamente suas ações.

Então, diante da ausência de um limite final na esfera Estadual, o limite imposto pela Constituição Federal deve ser adotado por este?

Entendemos claramente que sim, e para o caso avocamos o Princípio da Interpretação Simétrica da Constituição Estadual para com a Constituição Federal, por inúmeras vezes utilizado pelo Supremo Tribunal Federal [7], sendo esta a regra e não a exceção.

Na órbita municipal, quando omissas também forem as Leis Orgânicas, entendemos a adoção do mesmo prazo federal, de sorte que em todos os casos, quaisquer que sejam as pessoas obrigadas a Prestar Conta, estas tenham de fato, um prazo sensível e finito para tal.

A Constituição Federal dá autonomia normativa ao município, todavia condicionada, enquanto ente federativo.

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Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará. Atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.

No ordenamento jurídico brasileiro onde os municípios foram alçados à categoria de ente federativo (art. 1º, da CF/88), cabendo tão-somente a eles próprios se auto-regerem (Leis Orgânicas Municipais) nas matérias de competência privativa, e em conseqüência, exercer também o poder constituinte derivado, decorrente e ou reformador. Pode então o órgão do Controle Externo, estabelecer, estender ou limitar outro prazo senão àquele já disposto?

Data vênia outras interpretações, entendemos que na esfera municipal e para os casos nos quais as Leis Orgânicas estabelecem este prazo, tal limite condiciona não somente o gestor, mas também, inclusive e muito principalmente, o órgão de Controle Externo, que em primeira análise é um órgão auxiliar do Poder Legislativo, não cabendo este determinar ou normatizar, salvo a forma, outro prazo distinto daqueles já constantes em suas respectivas leis, sob pena de ir de encontro aos princípios de um poder constituinte derivado.

Por final e sob a ótica moral, prestar conta deve ser visto como um ato normal, assim como era para aquele menino, lá do interior – das terras onde as forças ocultas são sempre visíveis (Codó) – que, quando recebia a incumbência de comprar pão, melhor dizendo, comprar os bolinhos de arroz da Dona Tomázia, lá na beira da linha, fazia-a e quando voltava entregava à mãe, tanto os pães ou os bolinhos, quanto o troco (hoje quem faz isso é meu filho). O ato de Prestar Conta deve ser encarado desta forma: simples.


Notas

1 Texto escrito em maio de 2004.

2 Aqui, não confundir o termo "auxiliar" com "submissão". O auxílio é de natureza técnica, não podendo o Poder Legislativo desconsiderá-lo. Mesmo quando desconstitui o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas, as multas e débitos aplicados por esse constituem títulos executivos, sendo a desconstituição do parecer prévio alcançada somente na ótica administrativo-política.

3 De 12 prefeituras consultadas, 7 estabeleciam o prazo final como sendo a data de 31.03; 2 estabeleciam como prazo final a data de 30.03; e 3 estabeleciam o prazo em 15.04 do exercício subseqüente àquele que se queria prestar contas:

Município Consultado

Prazo limite

Fundamento Legal

(Lei Orgânica Municipal)

Bacabal

15.04

Art. 69, XI

Chapadinha

30.03

Art. 48, § 2º

Codó

31.03

Art. 49

São Luís

31.03

Art. 74, § 2º

Imperatriz

15.04

Art. 110

Açailândia

31.03

Art. 99

Santa Inês

31.03

Art. 46, § 2º

Presidente Dutra

31.03

Art. 45, § 1º

São João dos Patos

30.03

Art. 35, § 1°

Balsas

31.03

Art. 74, XXVIII

Pedreiras

15.04

Art. 65, XI

Caxias

31.03

Art. 47, § 1º

4 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo, Atlas, 2003

5 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito. Malheiros Editores. São Paulo

6 SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed. São Paulo, Ed. Malheiros, 2002.

7 Cf. a ADIN nº 1106, Relator Ministro Maurício Corrêa; a ADIN nº 1391, Relator Ministro Sepúlveda Pertence e o RE nº 223.037, Relator Ministro Maurício Corrêa.

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Sobre o autor
Emilio Bandeira Lima

Auditor estadual de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Pós-graduado em gestão de recursos humanos. Pós-graduando em controle externo. Contador.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Emilio Bandeira. O instituto da prestação de contas e a EC Estadual nº 27/2000, nas esferas estadual e municipal do Estado do Maranhão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 518, 7 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6009. Acesso em: 18 abr. 2024.

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