Instigado por um colega de escritório, mestre e doutor em direito, Summa Cum Laude, (que para a minha felicidade, é meu sobrinho), resolvi elaborar o presente artigo, com intuito de provocar uma necessária reflexão, direcionada, principalmente, às cúpulas da magistratura pelo País afora. O intuito é prevenir, antes que seja necessário remediar, ou "depor as armas", o que se revelará muito pior, como prognosticarei adiante.
Meu ponto de partida para essa reflexão surgiu em torno de um processo em especial, mas o relato que dele fiz, e ainda continuo fazendo, em diversos contatos com o meio jurídico, me leva a concluir que se trata de problema grave e que, desafortunadamente, é agora rotineiro nas diversas seções judiciais da pátria brasileira. E estressa a todos. Desagrada. E desagradar a muitos, convenhamos, nunca é bom.
No caso concreto desse processo judicial, em que atuo em causa própria, e que ainda tramita em um tribunal superior, diga-se de passagem, foram já 5 (cinco) manifestações escritas, desde a interposição de apelação, buscando esclarecer o ponto específico acerca do qual se busca obter o pronunciamento judicial, que é atinente à existência de um vício formal em um auto de infração, capaz de macular a sua legitimidade.
De plano, esclareço não se tratarem de peças mal escritas ou de conteúdo impreciso. Ao revés, estão muito bem escritas e o que nelas está contido é de clareza solar. Contudo, enfrentam um sério obstáculo para o seu enfrentamento: envolvem um organismo estatal cuja competência para atuar, fiscalizando, ora em xeque, está atualmente sob regime de repercussão geral.
Então, ainda que as peças manejadas (ED, REsp, Petições de Distinção) nada debatam sobre o tema "competência do órgão", vinculando-se à outra questão, culminam por receber o mesmo tratamento dado àqueles que debatem tal temática. Segundo um desses colegas a quem descrevi o cenário, estou de azar, pois o meu recurso, envolvendo o tal órgão estatal, está "catalogado" entre os que debatem a competência do órgão para fiscalizar.
Vamos ao enredo da história, e aos ingredientes de uma uma receita que visualizo como explosiva. Inquietante para advogados, e perturbadora para a comunidade em geral, que vê a administração da justiça como garante da benfazeja tranquilidade social.
Inegavelmente, vivemos em uma sociedade que litiga massivamente. Os números a esse respeito são exponenciais, malgrado todas as tentativas de desestímulo até então entabuladas. Acresce-se a isso que o Estado brasileiro, e o Judiciário, por conseguinte, lidam atualmente com sérias restrições quantitativas e qualitativas - em certa dimensão, como resultante das primeiras - em seus quadros. Em face dessa realidade, emergem as alternativas que a tecnologia proporciona, entre as quais sobressai-se, atualmente, a estruturação de uma base de "decisões-modelo" ou "decisões-padrão" para determinadas temáticas mais incidentes, como uma espécie de defesa do sistema ante o quadro de adversidades antes descrito.
Embora a defesa dessas bases de "decisões-modelo" ou "decisões-padrão" possa se justificar sob o ponto de vista estratégico-institucional, a verdade é que o sistema não contabilizou, com a devida acuidade, um dado por demais relevante - e tanto quanto assustador - sobre o manuseio das mesmas ou sobre os seus "operadores".
Não se trata, aqui, da opinião do articulista sobre o tema. É fato que o manejo das ferramentas de TI está, significativa e majoritariamente, entregue a uma geração que não cultiva o hábito de leitura, precipuamente se se está a lidar com textos de certa extensão e envolvendo boa dose de complexidade. Uma geração eminente "visual", e de linguagem objetiva, muitas vezes lacônica. E esclareço, desde já, que não se trata de uma crítica timbrada de conservadorismo versus modernidade e tampouco de censura ao hábito das atuais gerações. É um fato. E o mundo dos fatos não se compadece de desejos e ideais eventualmente contrários.
A propósito, conto-lhes uma historinha.
Meses atrás, um outro colega de escritório, professor universitário, mestre e doutorando pela USP (para minha felicidade, outro sobrinho) acabou figurando num HC como paciente, quando era na verdade procurador do mesmo. Tendo o desprazer, ainda, de ver denegada a ordem, por sua (dele) periculosidade, ademais. Acabou alvo de brincadeiras e gozações, inclusive de seus colegas de cátedra. Erro de sistema. Erro de leitura. Erro de operador de bases de "decisões-modelo" ou "decisões-padrão".
O caso é sério, mais do que se pensa. E se pensa muito pouco a respeito.
Se não cuidarem do problema, os que tem o dever de o fazer, vamos mandar alguém, em face disso, para o "hotel 5 estrelas" do nosso sistema prisional. Talvez, para a outra dimensão, ou outro plano da existência, como dizem alguns crentes. E será bem logo. Se já não aconteceu, enquanto escrevo essas linhas.
E se isso acontecer, mais de uma vez, e muitas vezes mais – o que já anda ocorrendo - talvez as ferramentas de TI, sob os auspícios de mentes ainda mais "criativas", acabem por emular uma base de "decisões-padrão" ou "decisões-modelo" que prescindam de pessoalidade ou mesmo de assinaturas eletrônicas.
Como concessão à pessoalidade, serão homenzinhos e mulherezinhas de voz metálica, ou talvez aveludada (a tecnologia faz milagres), porém dotados de uma capacidade de leitura não mais habitual entre humanos.
E a sociedade se acostumará, com a tranquilidade então retomada.