O poder da mídia e sua influência no direito penal e processual penal

14/09/2017 às 13:29
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Tal artigo tem como objetivo mostrar a atuação da mídia e sua consequente interferência no campo do Direito Criminal.

É notório que a mídia inflama a sociedade com altas doses de sensacionalismo, comentários e conclusões leigas a respeito de diversos temas jurídico e criminais, ocorre que esta conduta acaba por gerar o que denominamos de comoção ou repercussão social, o que em seu efeito “bola de neve” ocasiona diversos ferimentos a princípios constitucionais e desestabilizando principalmente a segurança jurídica.

O que todos se perguntam é o que tem a Mídia por ser capaz de influenciar o sistema como um todo. Observa-se também que é inegável o papel da mídia na adoção de medidas emergenciais, as famosas leis de “afogadilho”, que são rápidas, mas nem um pouco eficazes, não são educativas e sim repressivas.

É curioso como a notícia sobre o crime fascina a humanidade desde os primórdios. Trata-se de um fascínio sobre o que motiva o crime e principalmente sobre a pessoa do criminoso, diferenciando-o do homem de bem, é o conto clássico do homem mau e do homem bom, o herói e o bandido, todos procuram estereótipos, e para isso julgam precocemente e destoem por completo com a presunção de inocência do acusado transformando-o automaticamente em delinquente irremediável.

Um motivo de alarde ainda é que grande parte de nossa legislação penal é considerada irracional, portanto, obsoleta, tornando o público moralmente indignado e atenua suas emoções em vinganças localizadas e a fazer “justiça com as próprias mãos”.

Na elaboração da notícia do crime e do que motivou o criminoso, a mídia não é precisa, é altamente sensacionalista e molda a história baseando-se nos papéis do mocinho e do bandido, gerando, assim, fúria entre os telespectadores, que sequer se dão ao trabalho de tomar suas próprias conclusões sobre o assunto, ou seja, são facilmente alienados.

A liberdade de imprensa deve prevalecer sobre a censura, isso é um fato inegável já que tal liberdade foi arduamente conquistada, mas jamais essa liberdade pode ser confundida com o que chamamos de "libertinagem de imprensa", que se apoia em uma condenação imediata colocando quem quer que seja o suspeito como o verdadeiro criminoso ou delinquente do que foi acusado e transformando toda a história num verdadeiro espetáculo.


1. Da Mídia

Ao adentramos ao assunto e verificarmos a influência negativa causada pela mídia, vale primeiramente conceituarmos a mesma. Já observamos que a mídia é a grande culpada pela repercussão social, isso é quase que um fato incontestável, pois, basta observar que ela transforma os crimes em novelas e filmes onde o público fica ansioso para ver logo o final. Essa ansiedade é o que podemos chamar de repercussão social que vamos conceituar mais a frente também.

1.1 Conceito de Mídia

O termo mídia comporta vários significados. É tido atualmente como o principal meio de informação, onde será feita a transmissão de emissor para receptor sobre diversos assuntos e fatos. A mídia em si utiliza-se de muitos instrumentos, sejam esses, jornais impressos, televisionados, transmitidos por programas de rádios, placas, via internet, cinema, telefonia, entre outros. A mídia é um suporte de difusão da informação que constitui um meio intermediário de expressão capaz de transmitir mensagens; utilizando-se de meios de comunicação social de massas.

O ponto de partida para a compreensão da temática em foco, no entanto, não se esgota em definições semânticas. O vocábulo mídia provém do latim, qual seja: "medium é meio, modo, maneira, forma, via, caminho, condição em que se executa uma tarefa. Na linguagem técnica da comunicação medium vai designar o canal através do qual o emissor passa a sua mensagem ao receptor, que é denominado como audiência".

Dessa feita, o jornalista representa o elo entre a realidade e a audiência que a desconhece. E ao exercer essa atividade mediadora, muitas vezes, ou melhor, quase nunca se limita a reproduzir fatos mecanicamente, mas os interpreta, dimensiona, hierarquiza, sensacionalizando e escandalizando com as notícias, dentre outras coisas. Nessa perspectiva, o jornalista acaba por ofertando a matéria-prima que passará para a lapidação dos juízos individuais, denotando a função social e política da intermediação midiática.

Já a palavra mídia, como oriunda do termo inglês media, significa meio que pode ter duas definições: veículo para transmissão de alguma coisa, como também, centro e ponto de equilíbrio entre dois extremos. A partir do conceito de mídia enquanto veículo pode-se afirmar que o papel dela é organizar, produzir e disseminar informações que possam servir para a compreensão e/ou transformação de determinados fatos sociais. Por outro lado, tomando como base a ideia de mídia como centro, pode-se imaginar que ela cumpre (ou pelo menos deveria cumprir) a função de difusora do equilíbrio.

Assim, podemos concluir que a mídia é um veículo, um meio, que pode contribuir para o equilíbrio entre as diversas partes que compõem a sociedade, através da difusão da informação. Daí, o que se pode esperar da mídia é uma contribuição para a promoção do diálogo.

O termo mídia não era muito utilizado ainda no final dos anos 80 e início dos anos 90, no Brasil, tal palavra ainda era de uso restrito dos publicitários e jornalistas para se referirem à divulgação que uma informação recebia nos meios de comunicação. Até os anos 80 os termos da moda intelectual eram meios de massa, cultura de massa, indústria cultural e com menos frequência tecnologias da comunicação.

Nos dizeres de Douglas Kellner:

O rádio, a televisão, o cinema e outros produtos da indústria cultural fornecem modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente. A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e de raça, de nacionalidade, de sexualidade, de "nós" e "eles". Ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos: define o que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral.

(KELLNER, Douglas, 2001, p. 9).

Dessa feita se percebe que a mídia é muito influente na construção de “modelos sociais”, como também na imagem a ser difundida ao público em geral.

1.2 A Influência da Mídia nas Decisões do Juiz Penal

Já conceituada a mídia agora se faz necessário abordar a influência causada pela mesma nas decisões dos juízes. Acerca deste assunto a Promotora de Justiça Ana Lúcia Menezes Vieira (2003, p. 52/53) cita em sua obra com acurada propriedade:

A linguagem sensacionalista, caracterizada por ausência de moderação, busca chocar o público, causar impacto, exigindo seu envolvimento emocional. Assim, a imprensa e o meio televisivo de comunicação constroem um modelo informativo que torna difusos os limites do real e do imaginário. Nada do que se vê (imagem televisiva), do que se ouve (rádio) e do que se lê (imprensa jornalística) é indiferente ao consumidor da notícia sensacionalista. As emoções fortes criadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O sujeito não fica do lado de fora da notícia, mas a integra. A mensagem cativa o receptor, levando-o a uma fuga do cotidiano, ainda que de forma passageira. Esse mundo-imaginação é envolvente e o leitor ou telespectador se tornam inertes, incapazes de criar uma barreira contra os sentimentos, incapazes de discernir o que é real do que é sensacional.

Esta incapacidade de discernimento do receptor que traz os maiores problemas e ao mesmo tempo traz maior poder á mídia, pois, se o telespectador soubesse filtrar as informações passadas a ele de uma forma racional seria assim um sensacionalismo frustrado. Só que a mídia sabe das fraquezas de seus receptores e utiliza-as a seu bel-prazer.

A manipulação e intervenção da mídia no âmbito social é algo tão forte que cria uma repercussão social e deixa a população comovida da forma que quiser, levando-a da tristeza por um acontecimento isolado a uma fúria uma necessidade arrebatadora de fazer justiça com as próprias mãos ou pressionar o Poder Judiciário em si, repercutindo no sistema penal.

A liberdade de informação esta assegurada em diversos dispositivos do texto constitucional, podendo citar como exemplo do art. 5º, os incisos IV, IX, XIV e art. 220.

Sérgio Ricardo de Souza (2008, p. 103) ressalta acerca do tema:

Realmente, a informação como forma de obtenção de conhecimento, como meio de poder controlar os fatos que ocorrem no meio ambiente em que o indivíduo atua é hoje mais que um direito: é uma necessidade irrenunciável, sem a qual não há participação, não há liberdade, desmorona-se a igualdade, obstaculiza-se a existência da democracia e afasta-se a possibilidade de alcançar-se uma sociedade justa e participativa, por propiciar uma indesejável e mesmo inaceitável exclusão – consistente em excluir a possibilidade de o indivíduo interagir socialmente, de forma tal que lhe seja permitido entender a própria sistemática de funcionamento social e de agir criticamente – afrontando a Constituição Brasileira em seus próprios fundamentos.

O que Sérgio Ricardo ressaltou já foi comentado e enumerado anteriormente, que são acerca dos vários ferimentos a princípios constitucionais implícitos e explícitos decorrentes da influência da mídia.

Podemos dizer com certeza que o problema está longe de ter seu fim adequado, pois, a mídia em si, condena antecipadamente qualquer cidadão envolvido na prática de um delito, hediondo ou não, e acabam suprimindo as garantias individuais, bem como, acaba por acarretar, mesmo que indiretamente, o aumento da criminalidade, levando a população a crer que nossas leis são inoperantes, bem como as autoridades constituídas que desempenham seu árduo papel, aumentando a sensação de pânico, a insegurança jurídica e fazendo com que o legislador opte pela "malhação do judas", que a todo custo edita lei sem reservas.

O dia fatídico chegará e o “delinquente” será definitivamente malhado, primeiro pela própria mídia, que é a primeira a praticar a traição mais que prevista e a condenar o acusado, em segundo pela população já enfurecida e cegada, já que não vê surgir o efeito tranquilizador prometido e, em terceiro, pelos operadores do direito, os quais têm sob seus olhos uma imensidão de falhas e veias de inconstitucionalidade.

Um grande exemplo que podemos citar de toda a influência e da ideia de emergência ora alvejadas, temos a Lei dos Crimes Hediondos, tomando por base as suas penas excessivamente agravadas, deixando o acusado, ora condenado sem qualquer direito ao benefício da progressão de regime, acreditando que a onda da criminalidade crescente seria contida, mas esqueceu-se que os instrumentos foram ficando defasados, dentre eles os aparatos de Polícia Judiciária, bem como, a ineficiência dos Sistemas Penitenciários, que acabaram superlotados, criando outras formas de organizações criminosas gerenciadas do interior dos mais diversos presídios do país. Cabendo ressaltar também que os presídios tornaram-se grandes “escolas de crimes” perdendo sua função ressocializadora.

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Sem querer poupar recursos linguísticos, pode-se dizer então que a lei dos crimes hediondos nada mais é do que um lamentável exemplo da tendência moderna a uma política criminal de mercado, alimentada pela "notícia", ou fruto da mídia, rendendo naturalmente dividendos eleitorais.

Pergunta-se muito como a mídia consegue interferir tanto nas opiniões que se referem à população em si, mas como também aos juristas. Ocorre que o apelo emocional adicionado às reportagens carrega não só o risco, como também uma clara intenção de deturpação dos fatos expostos. Essa conjuntura é bastante temerária quando se trata de incidentes que serão submetidos ao crivo do Judiciário Criminal, pois tem o condão de instalar uma série de conflitos entre valores jurídicos.

A cobertura reiterada de crimes, com ênfase no suposto agente delitivo, colocando o suspeito como bandido ou “inimigo do Estado”, enseja, de plano, a tensão entre o direito de se expressar livremente e os direitos da personalidade do acusado, ambos de magnitude constitucional.

Nosso grande doutrinador José Afonso da Silva, traz a tona o pensamento de Marx acerca do tema em questão:

A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, o vínculo articulado que une o indivíduo ao Estado e ao mundo, a cultura incorporada que transforma lutas materiais em lutas intelectuais, e idealiza suas formas brutas. É a franca confissão do povo a si mesmo, e sabemos que o poder da confissão é o de redimir. A imprensa livre é o espelho intelectual no qual o povo se vê, e a visão de si mesmo é a primeira confissão da sabedoria. (SILVA, José Afonso da, 2005, p. 246).

O que mais entristece é que diante de tanta confiança do povo aplicada à mídia, nada mais se torna do que uma aliada que faz com que a mídia torne-se cada vez mais poderosa e, com a ajuda da repercussão social que ajudou a criar afronte o nosso Poder Judiciário, corroborando por uma contaminação de ideias leigas e a um maior desequilíbrio.

Então resta observar que um juiz munido pelo poder de decisão, ou do que chamamos de convencimento livremente motivado, pode sim afetar-se com a inflamação da mídia e também com a repercussão social, sentindo-se direta ou indiretamente pressionado a aplicar penas mais rígidas àquele acusado, olhando-o com o mesmo olhar que foi amplamente difundido pelos veículos de informação, tirando de si a imparcialidade e o “convencimento livre”.

Acerca da influência é importante observar que os meios informativos de massa formam a opinião pública, causam o medo, o terror, a insegurança e a falsa realidade do momento social vivido.

Além disso, corroboram por um clima de indignação, pela comoção social, o clamor e a pressão popular sobre os atores do processo, causando danos irreparáveis ao suspeito, como a exclusão social, a prisão cautelar ilegal, ou seja, a pena pelo crime supostamente cometido por ele já começa a ser cumprida no momento da persecução penal, o prejulgamento no Tribunal do Júri, e, por fim, a condenação do suspeito com respeito ao princípio constitucional do devido processo legal e à ampla defesa.

Faz-se necessário mencionar as palavras de Judson Pereira de Almeida sobre a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal, in verbis:

Na sociedade brasileira atual, Direito Penal e Mídia possuem uma relação muito próxima. As pessoas se interessam por informações que dizem respeito à burla das regras penais. A imprensa, portanto, não tem como ficar alheia ao interesse causado pelo crime, mesmo porque a imprensa é o “olho da sociedade”. Jornais impressos, revistas, o noticiário televisivo e radiofônico dedicam significativo espaço para este tipo de notícia. Acontece que, muitas vezes, a divulgação reiterada de crimes e a abordagem sensacionalista dada por alguns veículos de comunicação acabam por potencializar um clima de medo e insegurança. A criminalidade ganha máxime e a sociedade começa a acreditar que está assolada pela delinquência. Cria-se uma falsa realidade que foge aos verdadeiros números da criminalidade

(ALMEIDA, Judson Pereira, 2007, p. 33).

A mídia com todas as suas intervenções acabam por findar nada mais que um tribunal popular, repleto de ferimentos constitucionais e de penas arbitrárias.

1.3 A Mídia como um 4° Poder

A força que a mídia tem tornou-se algo tão notório que já está sendo denominada como um 4° Poder, juntando-se os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Ela ganhou tanta força de uns anos até hoje que fica até difícil de acreditar que um dia a imprensa já foi censurada, ou que isso ainda ocorra em alguns lugares do mundo.

Não há como negar a sua importância na sociedade em si, pois, a mídia é realmente algo indispensável para os dias atuais, só que ela deveria limitar-se a apenas reproduzir as ocorrências de forma fiel, sem maiores delongas e sensacionalismos. Vê-se então que o grande problema que ela traz é ocasionado por uma falta de ética profissional e fidelidade às notícias.

Essa ideia da mídia como um 4º poder surgiu há muitos anos conforme podemos verificar pelas palavras de Auriney Uchôa de Brito:

A ideia de mídia como o "quarto poder" surgiu na Inglaterra no início do século XX, quando, na sede no parlamento inglês, criou-se uma galeria para receber os repórteres que acompanhariam as decisões dos representantes dos três poderes da época, o poder temporal, o poder espiritual e o poder dos comuns. Assim, a presença das pessoas que dariam publicidade àquelas decisões passou a ser conhecida como "quarto poder". A expressão popularizou-se nas democracias ocidentais até ficar relacionada com os conhecidos poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Até aqui, os responsáveis pela visibilidade dos negócios públicos formavam um poder fiscalizador e essencial para viabilizar a manifestação de pensamento e liberdade de expressão dos cidadãos. A atividade era a de vigilância cidadã em nome do íntegro exercício da democracia.

(BRITO, Auriney Uchôa. Disponível https://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao_paulo/2517.pdf. Acesso em 20 de abril de 2013)

Verifica-se então que a mídia tem seu poder de influência há muito tempo, agora se questiona se isso pode ser usado para o bem do poder jurídico ou não. Aparentemente podemos responder que não é para o bem, já que se enumeraram diversas consequências negativas diante as atitudes da mídia.

Logo se percebe que a expressão quarto poder advêm da força e influência que a mídia causa sobre a população de forma geral, manipulando e sensacionalizando notícias e fatos de forma que acaba por “construindo” a sua verdade, ou o que ela considera ser verdade, de forma que o povo fique alienado para que reproduza fielmente o que foi vendido pela mesma.

Pessoas alienadas se tornam marionetes, pois ficam fáceis de manusear, fáceis de lidar e de fazer com que elas reproduzam o que quiser. E infelizmente é fácil reconhecer que a população em geral não questionam as informações trazidas pela mídia, tais informações são ingeridas facilmente e consequentemente são plantadas na mente dessas pessoas que passam a reproduzir o que lhe foi contado sem maiores delongas, ou sem sequer raciocinar se tem fundamento ou não a noticia que lhe foi passada.


2. Da Repercussão Social

Faz-se notório explicar para maior compreensão do tema, o que é a repercussão social e o que causa este fenômeno, como também explicar como a repercussão acaba por influenciar no Direito Penal.

2.1 Conceituação de Repercussão Social

A repercussão social pode ser conhecida também como, clamor público, comoção social, repercussão popular ou geral, entre outras coisas. Podemos conceitua-la como um movimento popular, seja esse de revolta ou de tristeza, de aprovação ou desaprovação. Nada mais é do que a opinião pública, sendo esta facilmente manipulada pelos meios de comunicação que propagam uma espécie de terrorismo penal.

Tal fenômeno dá-se início quando determinado assunto ou fato é colocado em destaque, como por exemplo, em determinada cidadezinha espalhou-se a notícia que determinada pessoa estuprou uma criança de sete anos, a população se horrorizou com tamanha violência e acabou por agredir até a morte o indivíduo. Mas pode-se questionar o que levou as pessoas a fazerem isso, e a resposta é a notícia do estupro contra a criança de sete anos gerou nos moradores uma comoção automática de repúdio, onde se pensava ele deve ser punido por sua violência, mas ironicamente a violência foi punida com mais violência, e isso é o que vemos quase que diariamente em todo o mundo.

Pergunta-se também o que leva as pessoas a reagirem diante alguns casos e outros não, já que a prática de crimes desse porte é praticamente diária em qualquer lugar do país. Neste contexto que entra a mídia, ela que está envolvida diretamente nos casos em que irá aparecer ou não a repercussão social, pois, ela escolhe determinados casos e polemizam eles, criando ondas sensacionalistas para assim tocar os seus receptores em geral, de forma que os casos que mereceram seus holofotes serão alvo para começar a repercussão social e uma série de ferimentos jurídicos.

A repercussão social é algo tão vivenciado atualmente que passou a ser ilustrada em julgados do STJ, como por exemplo, nos autos do HABEAS CORPUS N.º 46.191-PE, publicado no DJU de 13.03.06, cujo relator foi o Ministro Gilson Dipp:

A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica dos delitos, bem como a credibilidade do Poder Judiciário e repercussão social não constituem fundamentação idônea a autorizar a prisão para garantia da ordem pública, se desvinculados de qualquer fator concreto, que não a própria prática delitiva. Aspectos que devem permanecer alheios à avaliação dos pressupostos da prisão preventiva. As afirmações a respeito da gravidade do delito trazem aspectos já subsumidos no próprio tipo penal. O simples fato de se tratar de crime hediondo, por si só, não basta para que seja determinada a segregação, pois, igualmente, exige-se convincente fundamentação. Precedentes do STF e do STJ. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como o decreto prisional, para revogar a prisão preventiva decretada contra o paciente, determinando- se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

Na mesma esteira, nos autos do HABEAS CORPUS Nº 42.449-SP, publicado no DJU de 12.12.05, relatado pelo Ministro Felix Fischer, assim se decidiu:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 121, § 2º, INCISOS III E IV, DO CÓDIGO PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. PRONÚNCIA. FUNDAMENTOS. I - A prisão preventiva deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, o réu é privado de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só pode ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. II - Em razão disso, deve o decreto prisional ser necessariamente fundamentado de forma efetiva, não bastando meras inferências acerca da gravidade, da repercussão e da hediondez do delito. É dever do magistrado demonstrar, com dados concretos extraídos dos autos, a necessidade da custódia do paciente, dada sua natureza cautelar nessa fase do processo (Precedentes). Ordem concedida.

2.2 A Repercussão Social como Influência Determinante nos Crimes

Uma vez conceituada a repercussão social, fica evidente a necessidade de se abordar o porquê este fenômeno é tão indesejável no âmbito jurídico, mostrando também como e porque ele interfere e principalmente como ele surge.

Ocorre que o Estado, além de possuir o direito, possui também o dever de punir a quem praticar algo ilícito, desde que tal conduta ilícita esteja tipificada no nosso ordenamento jurídico vigente. A concretização da punição se dará através da sentença criminal, ou seja, cabe apenas ao juiz penal arbitrar a pena ao acusado e este momento será após todo o decorrer da marcha processual. A prolação da sentença é papel inerente ao juiz, dotado de deveres e obrigações referentes ao cargo que ocupa. No entanto, podem-se verificar algumas deturpações que interferem no real valor da pena imposta. Essas deturpações são as denominadas de influência midiática. A mídia expõe o então acusado bem como o crime que cometeu, colocando-o como culpado imediatamente, causando a ira da população. O juiz, tentando acalmar a sede de justiça por parte da sociedade, opta por uma dosimetria pesada, o máximo previsto da pena para o então condenado, que, além de ter de pagar a mais do que realmente deveria, ou do que normalmente se aplica para casos idênticos ao dele, só sem estar sob a luz dos holofotes, terá, ao sair da prisão, que enfrentar a discriminação da sociedade que viu seu rosto em revistas e telejornais, não se cogitando sequer alguma probabilidade de ressocialização.

Ante o exposto fica fácil perceber a forte ligação entre a mídia e a repercussão social, objetivando-se que a mídia é a grande responsável pela repercussão, causando grandes transtornos para o meio jurídico. Uma população revoltada e alienada torna-se um grande exército para acarretar em erros e pressões desnecessárias nas sentenças penais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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