A denúncia formulada pela procuradoria-geral da República é uma dura mostra do câncer, que é a corrupção, da forma e como instalado no poder, no Brasil.
Ali foi dito:
“Como líder da organização criminosa, a atuação de Temer perpassa por praticamente todas as áreas em que atuou o “quadrilhão” do PMDB da Câmara para arrecadar propina, conforme a narrativa da denúncia". O grupo recebeu subornos de R$ 587 milhões por atuações na Petrobras, Furnas, Caixa Econômica Federal, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Agricultura e Câmara dos Deputados.
Padilha, Geddel, Henrique, Moreira e Loures serviram como “escudo” para Temer, segundo a denúncia. Enquanto o grupo tratava mais especificamente dos pagamentos de propinas, cabia ao presidente negociar os cargos junto aos demais membros do “núcleo político da organização criminosa”, aponta Janot.
“Michel Temer dava a necessária estabilidade e segurança ao aparato criminoso, figurando ao mesmo tempo como cúpula e alicerce da organização”, diz trecho da denúncia. Essas características eram apreciadas pelo núcleo empresarial da organização, que “poderia contar com a discrição e, principalmente, a orientação de Michel Temer”.
A denúncia se ancora em diversas delações, em especial dos executivos da Odebrecht, do grupo J&F e do operador Lúcio Funaro. Perpassa pelos mais diferentes esquemas desvendados ao longo da Operação Lava-Jato e traz provas — como registros de transações e gravações — entregues por Funaro e por Joesley, inclusive as decorrentes de ações controladas da Polícia Federal (PF). Relatórios de análise produzidos pela PF e pela própria PGR também embasam a acusação.
Para acusar o presidente de ter obstruído a Justiça, o procurador-geral detalha o episódio da tentativa de compra de silêncio de Funaro, em que teria havido aval de Temer a pagamentos de Joesley ao doleiro. “Temer instigou a ideia (...), no subsolo do Palácio do Jaburu“, diz Janot. Joesley ofereceu a Funaro em 2015 um contrato de R$ 100 milhões, com efetivação de pagamentos mensais de R$ 400 mil a R$ 600 mil ao doleiro e seu entorno.
A segunda denúncia formulada contra o presidente da República é muito mais forte que a anterior, ligada a suspeitas de crimes de corrupção passiva; esta primeira foi barrada pela Câmara dos Deputados e não será julgada até o final de 2018.
A Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, definindo organização criminosa e ainda dispondo sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, revogando-se a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995 e, ao final, passou a chamar de associação criminosa, o crime previsto no artigo 288 do Código Penal, com a seguinte redação: ¨Associarem-se 3(três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes¨, com pena prevista de 1(um) ano a 3(três) anos, aumentando-se a pena até a metade, se a associação for armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Por essa lei, editada em face do princípio da legalidade, considera-se organização criminosa a associação de 4(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais(crime ou contravenção penal), cujas penas máximas sejam superiores a 4(quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Temos aqui aquelas associações criminosas que tenham por desiderato a prática de infrações que vão além das fronteiras nacionais, englobando mais de uma nação. Para tanto, será necessário tratado ou convenção internacional que discipline os casos de apenação com relação a crimes cujo resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro ou reciprocamente.
Trata-se de crime de perigo abstrato, contra a paz pública, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso.
Penso que é crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.
É crime contra a paz pública, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional, havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa.
Exige-se o dolo específico, envolvendo o acordo de vontade, um verdadeiro vínculo associativo.
Para que o crime de organização criminosa se configure não é necessária a prática de crime, bastando apenas que fique demonstrada a intenção de se associar para praticar a conduta criminosa, razão pela qual o crime é considerado formal.
A estrutura organizacional de uma organização criminosa lembra a estrutura de uma empresa, onde todos têm as suas tarefas e responsabilidades. Entretanto, isso não exime a todos de serem tipificados como coautores, com exceção do chefe da organização criminosa, que carrega, devido a sua posição hierárquica de líder, um agravante, independente de não ter praticado diretamente os atos criminosos.
Analisemos o tipo penal disposto no artigo 2º, § 1º, da Lei 12.850, que se aproxima do delito de fraude processual.
Impedir é opor-se a, estorvar, não permitir, barrar, dificultar, obstar, sustar, tolher.
Embaraçar é dificultar, trazer desordem, confusão, perturbar.
A palavra investigação deve ser interpretada de forma extensiva, para abranger, não apenas a investigação que é estritamente considerada(investigação pela policia ou pelo Parquet), como ainda o próprio processo judicial, afastando-se a incidência do artigo 344 do Código Penal, que é a regra.
Assim o agente pode esconder, queimar documentos que possam comprovar a prática de crime de organização criminosa prevista na Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013.
A pena in abstrato prevista é de reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos e multa, sem prejuízo de outras correspondentes.
Trata-se de tipo penal misto alternativo, regido pelo princípio da alternatividade (a realização de um só verbo já configura o crime, pois, caso as duas condutas sejam praticadas no mesmo contexto fático, estaremos diante de um mesmo crime). Pode ser sujeito qualquer pessoa, sendo o crime comum, doloso, formal.
Para o crime organizado, tão importante como planejar, financiar, é garantir a impunidade dos seus atos, que pode acontecer: matando-se testemunhas, ameaçando-as, destruindo provas documentais e periciais.
Trata-se de crime de perigo abstrato, presumido pela norma que se contenta com a prática do fato e pressupõe ser ele perigoso e sobre o qual cabe tentativa.
É crime que envolve perigo coletivo, comum, uma vez que ficam expostos ao risco os interesses jurídicos de um número indeterminado de pessoas.
É, ainda, crime contra a administração da justiça, independente daqueles que na societatis delinquentium vierem a ser praticados, desde que sejam punidos com penas máximas superiores a quatro anos ou revelem o caráter transnacional, havendo concurso material entre tal crime e os que vierem a ser praticados pela organização criminosa. Saliente-se que os bens protegidos no crime organizado não se limitam à paz ou a tranquilidade pública, senão a própria preservação material das instituições.
O patrimonialismo, o clientelismo, nefastas práticas que se abraçam a um câncer chamado corrupção, formam estruturas doentes no Brasil.Mesmo com o fim do chamado ciclo militar, com o surgimento do que se chamou de “Nova República”, com um discurso estético de ética e formação moral duvidosa, os donos do poder promoveram o loteamento da coisa pública em prol de seus interesses.
Formou-se o que se chama de presidencialismo de cooptação, que esconde o que chamamos de presidencialismo de coalização.
Isso hoje se dá de forma descarada, sem qualquer escrúpulo, de forma a desnudar qualquer hipocrisia que o esconda.
O PMDB, oriundo do velho MDB, que foi baluarte da defesa das liberdades democráticas, apresenta-se, de algum tempo, desde a “Nova República”, mesmo com um afastamento durante o período da experiência neoliberal, de 1995 a 2003, como o “fiador da governabilidade”.
Vivemos numa República onde passa um “mar de lama”.
É triste lembrar, como lembrou o mais antigo integrante do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, em sessão, as palavras proferidas por Carlos Lacerda, em 1954, no meio de uma crise institucional, que, sem dúvida, parece tão igual ou até menor do que a de hoje: “Somos um povo honrado governado por ladrões”.
As declarações foram dadas durante o julgamento de um habeas corpus pedido pelo lobista Fernando Baiano, preso na Operação Lava-Jato. O writ foi negado. Aliás, estava ali um dos mais patéticos exemplos da garantia da ordem pública, oferecidos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal, para a prisão preventiva, devidamente recepcionada pela Constituição de 1988.
— Este processo de habeas corpus parece revelar um dado absolutamente impressionante e profundamente preocupante, o de que a corrupção impregnou-se no tecido e na intimidade de alguns partidos e instituições estatais, transformando-se em conduta administrativa, degradando a própria dignidade da política, fazendo-a descer ao plano subalterno da delinquência institucional — declarou, indignado.