Segundo se lê da edição do jornal O Globo, em 15.09.2017, para acusar o presidente de ter obstruído a Justiça, o procurador-geral detalha o episódio da tentativa de compra de silêncio de Funaro, em que teria havido aval de Temer a pagamentos de Joesley ao doleiro. “Temer instigou a ideia (...), no subsolo do Palácio do Jaburu“, diz Janot. Joesley ofereceu a Funaro em 2015 um contrato de R$ 100 milhões, com efetivação de pagamentos mensais de R$ 400 mil a R$ 600 mil ao doleiro e seu entorno — Temer incentivou a continuidade dos pagamentos, conforme a narrativa da denúncia.
Disse a defesa do atual presidente da República:
“Da leitura da peça vestibular, exsurge que quase todos os supostos fatos delituosos narrados e imputados ao sr. presidente da República são anteriores ao seu mandato”, insiste a defesa. “Apesar da extensa peça inaugural, não se notou nenhum parágrafo sequer a excepcionar a regra constitucional imunizante”, afirmam Mariz e Salomão, referindo-se ao artigo da Constituição segundo o qual o presidente só pode ser denunciado ao STF por fatos ocorridos durante o mandato.
Conforme ainda se relata a PGR mapeou contatos telefônicos entre os “liderados” por Temer com o empresariado da construção civil, grande responsável pela produção de caixa dois de campanha e pelos pagamentos de propina. De 2012 a 2014, houve 1.723 registros de ligações e mensagens de texto entre o terminal atribuído a Léo Pinheiro, dono da OAS, e o vinculado a Geddel, por exemplo. Uma média de 1,5 contatos por dia.
Uma das maiores fontes de propina ao “quadrilhão” do PMDB da Câmara, conforme a denúncia, foi o esquema de desvios a partir de empréstimos do FI-FGTS a grupos empresariais. “Funaro, Henrique e Temer passaram a arrecadar propina também a partir de contratos de financiamento vinculados ao cargo de Geddel. No caso de Henrique e Temer, a participação se dava em razão do apoio dado por eles para que Geddel fosse nomeado e se mantivesse na Caixa”, diz trecho da denúncia. Geddel foi vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa entre 2011 e 2013, nomeado por Dilma.
Ora, o presidente da República atual só veio a tomar posse em 2016, depois desses fatos.
Diante disso, e de certamente outras observações, a defesa do presidente Michel Temer pediu que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), devolva à Procuradoria-Geral da República (PGR) a segunda denúncia feita contra ele. Temer foi acusado dos crimes de obstrução de justiça e organização criminosa pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Antônio Mariz, advogado de Temer, alega que a denúncia relata supostos crimes cometidos antes de Temer assumir a presidência. E a Constituição diz que o presidente só pode ser investigado por atos ocorridos durante o exercício do cargo. Fatos estranhos ao mandato só podem ser apurados depois que ele deixar o posto.
Assim, Mariz pediu que a PGR "adeque a exordial no que tange ao Sr. Michel Temer, retirando do texto acusatório os supostos fatos delituosos estranhos ao exercício das suas funções presidenciais, nos precisos termos do artigo 86, § 4º, da Constituição Federal".
Colho, outrossim, de reportagem da Folha de São Paulo, no site de 12 de setembro de 2017:
"Segundo a PF, um fato relevante que demonstra a ascensão de Temer sobre o PMDB da Câmara ocorreu em abril de 2015, quando a então presidente Dilma Rousseff o nomeou como articulador político do governo, após extinção da Secretaria de Relações Institucionais.
Conforme reportagens da época, o objetivo de tal mudança de interlocutor do governo seria aproveitar a vasta experiência no trato com o Poder Legislativo do então vice-presidente [Temer], para melhorar o relacionamento do governo Dilma com o Congresso Nacional, principalmente com o PMDB", diz a PF.
O relatório, assinado pelos delegados Marlon Cajado e Cleyber Lopes, lista uma série de vantagens supostamente recebidas pelo presidente: "R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) pagos para Rocha Loures (Operação Patmos), R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) em doações pelo Grupo Odebrecht. Há ainda notícia de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) referente ao PAC SMS da Odebrecht. Soma-se ainda notícia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) supostamente pago ao coronel [João Baptista] Lima, pelo Grupo J&F Investimentos.".
E continua: "Ainda houve circulação de valores decorrentes de esquemas ilícitos que foram pagos 'a pedido' de Michel Temer, como os R$ 5.460.000,00 (cinco milhões quatrocentos e sessenta mil reais) empregados na campanha de Gabriel Chalita à Prefeitura da cidade de São Paulo/SP, o qual era apadrinhado político do Presidente Michel Temer. Por fim, há que se considerar as doações oficiais e em 'caixa 2' realizadas em favor da campanha do seu também apadrinhado político, Paulo Skaf, para Governador do Estado de São Paulo nas eleições de 2014.".
Por outro lado, Funaro também relata participação de Temer em lobby para repasses à campanha. Nas eleições de 2012, Cunha teria dito a Funaro que precisava de recursos para candidatura de Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo. A ordem seria do presidente, consoante se vê do Poder 360, de 8 de setembro de 2017.
A Lei de Organização Criminosa incide sobre condutas ocorridas a partir de suas vigência.
Todos os fatos (relacionados com o crime organizado) praticados a partir da data de usa vigência estão regidos pela nova lei, que criou, pela primeira vez, o crime organizado no Brasil (não confundir o crime organizado, que é o todo, com a organização criminosa, que é sua parte). O crime de organização criminosa é, por natureza, um fato permanente, ou seja, sua consumação perdura no tempo, de acordo com a vontade do agente (que tem o domínio do fato). Conduta permanente, iniciada antes do dia 19.09.13, que continua sendo executada a partir desta data (“integrar” organização criminosa, por exemplo), passa a ser regida pela nova lei. Em outras palavras, o crime organizado permanente não esgotado, mesmo iniciado antes do novo texto legal, se prossegue em ação na data da nova lei, passa a ser regida por esta.
Mas, repito: os fatos narrados ocorreram antes de 2017, ano da ascensão do atual presidente ao cargo de chefe do Executivo.
Estabelece o art. 86, caput, da Constituição Federal de 1988, que, admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. As infrações penais comuns opõem-se às infrações político-administrativas (crimes de responsabilidade), e tanto estas como aquelas podem ser cometidas pelo Presidente da República durante o exercício do mandato presidencial.
Nessa linha de pensar, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 305/QO, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 18 de dezembro de 1992, acentuou que o artigo 86, parágrafo quarto, da Constituição, ao outorgar privilégio de ordem político-funcional ao Presidente da República, exclui-o, durante a vigência de seu mandato – e por atos estranhos a seu exercício -, da possibilidade de ser ele submetido, no plano judicial, a qualquer ação persecutória do Estado. Sendo assim, a cláusula de exclusão inscrita no preceito constitucional, inscrito no artigo 84, parágrafo quarto, da Constituição Federal, ao inibir a atividade do Poder Público, em sede judicial, alcança as infrações penais comuns praticados em momento anterior ao da investidura no cargo de Chefe do Poder Executivo da União, bem assim aqueles praticados durante a vigência do mandato, desde que estranhas ao oficio presidencial. Será hipótese de imunidade processual temporária.
Ficou acentuado que a norma constitucional consubstanciada no artigo 86, § 4º, reclama e impõe, em função de seu caráter excepcional, exegese restrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas de ordem extrapenal.
Como conclusão se tem que a Constituição, no artigo 86, § 4º, não consagrou o princípio da irresponsabilidade penal absoluta do Presidente da República. O Chefe de Estado, nos delitos penais praticados "in officio" ou cometidos "propter officium", poderá ainda que vigente o mandato presidencial, sofrer a "persecutio criminis", desde que obtida, previamente, a necessária autorização da Câmara dos Deputados.
Necessário respeitar a regra imunizadora estabelecida pela Constituição de sorte que o presidente da República só responderá por fatos anteriores a seu mandato após o término deste.