Aprofundamento dos aspectos relevantes da atual “guerra fiscal” dos Estados

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20/09/2017 às 20:48
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O presente trabalho tem por objetivo aprofundar-se no estudo dos principais ingredientes da “guerra fiscal” dos estados com relação ao ICMS nas vendas interestaduais em compras efetuadas pela internet, mais precisamente através do e-commerce.

Sumário: INTRODUÇÃO. ELEMENTOS RELEVANTES DO E-COMMERCE PARA O DIREITO TRIBUTÁRIO. Definição de e-commerce. Modelos de e-commerce. Domicílio fiscal no e-commerce. Objeto do e-commerce. ELEMENTOS RELEVANTES DO ICMS. Um pouco de história. Princípios Constitucionais e próprios do ICMS. Matriz de incidência do ICMS. Aspectos espacial e temporal do ICMS. ENTENDENDO A GUERRA FISCAL. Tributação e forma de cobrança nas operações interestaduais. O amago da “guerra fiscal”. Proposituras legislativas sobre a questão. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Neste maravilhoso mundo novo da tecnologia, onde o conhecimento se renova em uma velocidade assombrosa, o direito, por natureza e pela sua metodologia rígida de atualização, imprimida pela necessidade de estabilidade das leis para que haja segurança social e econômica no Estado de Direito, tanto no âmbito interno como no âmbito externo, tende a estar em defasagem com o “mundo real”. Certo deste dilema, o professor Eduardo Sabbag pontua esta situação:

As mudanças tecnológicas em curso têm gerando enorme surpresa em todas as áreas do convívio social. Afinal, situações ou casos antes tratados como ficção científica já fazem parte do dia-a-dia das pessoas e desafiam os cientistas e técnicos de todos os setores, entre eles os operadores do direito.

As repercussões, no entanto, não se processam do mesmo modo, com as mesmas conseqüências, nos vários quadrantes do direito. Com efeito, no âmbito do direito privado (civil e comercial) vige a liberdade de forma (art. 82 do Código Civil). Nestes campos, o conhecimento jurídico se utiliza de tipos (na exata e precisa acepção científica da palavra), categorias vocacionadas, no universo jurídico, para se amoldarem aos novos tempos, novos costumes e novas tecnologias.

Já na seara do direito público, notadamente o penal e o tributário, permeado pelo princípio da legalidade em sentido estrito, predominam os conceitos fechados ou determinados. São padrões, fundados no valor segurança jurídica, insuscetíveis, em regra, aos fluxos e refluxos de interesses ou tendências encontráveis no convívio social em sentido amplo. (SABBAG, 2000)

Quando assistíamos a desenhos animados como “Os Jetsons”[1], na década de 80 e 90, não se imaginava que tal mudança chegaria com tanta força em nossos dias. Atualmente, pode-se pedir roupas ou comida através de botões, armazenar milhares e milhares de dados em um equipamento do tamanho de um relógio de pulso, carregar bibliotecas com vários volumes em tablets de, no máximo, um kg, falar por vídeo conferência etc, aliás, tal evolução já bate as portas do judiciário, com o PJe e e-SAJ, sistemas do processo judicial eletrônico da Justiça do Trabalho e Justiça Estadual, respectivamente, onde é possível visualizar ou peticionar em um processo em qualquer lugar do mundo, bem como, com a audiência virtual realizada pela primeira vez em 20/08/2013, pela Ministra Nancy Andrighi, através de vídeo conferência pelo aplicativo Skype que, segundo palavras da Ministra, “busca conferir plena efetividade à prestação jurisdicional, bem como economia de tempo e recursos financeiros por parte dos advogados e dos próprios jurisdicionados”[2].

A bem da verdade já se ouvia falar abertamente sobre a velocidade de mudança do mundo contemporâneo em diversas áreas do conhecimento, como se pode observar das palavras do professor Alberto Carvalho, professor honorário do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), como segue:

... a moderna sociedade do conhecimento é cada vez mais dinâmica mudando com grande rapidez as suas linhas de desenvolvimento, baseadas em uma atividade científica que produz cinco mil novas publicações por dia, gerando um conhecimento que se renova a cada cinco ou seis anos e está disponível de imediato através dos novos meios de comunicação. (SILVA, 2000, p. 61)

Corroborando com este entendimento, um artigo produzido por Carlos Tünnermann Bernheim, pela UNESCO em 2008, afirma que:

De acordo com dados fornecidos por James Appleberry, citados por José Joaquín Brunner, o conhecimento com base disciplinar registrado internacionalmente levou 1.750 anos para duplicar pela primeira vez, contando a partir do princípio da era cristã; depois disso a cada 150 anos e, por fim, a cada 50 anos. Atualmente, ele é multiplicado por dois a cada cinco anos, e projeta-se que, em 2020, duplicará a cada 73 dias. (BERNHEIM, 2008, p. 8).

Tais aspectos da vida real imprimem um sentimento de morosidade às mudanças legais necessárias, que tendem a balizar aspectos já reiterados na sociedade, e que com o tempo têm a necessidade de normatização, por conta de seu impacto social, seja pela quantidade de pessoas que atinge ou pelo montante econômico que movimenta ou movimentará.

Diante destes fatos, torna-se importante a análise do direito tributário, visto que em todas as situações acima comentadas temos a aplicação direta ou indireta do tributo, seja nas compras ou nos serviços prestados e, como se pode observar, tais ocorrências fogem da construção tradicional do conhecimento jurídico, necessárias a aplicação dos referidos conceitos do direito tributário como, por exemplo, o fato gerador, sujeitos da obrigação tributária ou, ainda, domicílio tributário, fatos relevantes para o pagamento de determinados tributos. Tal situação fora observada pelo professor Guilherme Cezaroti, como segue:

O advento do comércio eletrônico introduziu no mundo dos negócios diversas características até então inexistentes, tal como a possibilidade de desmaterializar bens físicos, e acentuou outras já existentes, tais como a globalização dos mercados e a massificação das informações. (CEZAROTI, 2005, p. 15)

O conhecimento jurídico, ora citado, fora construído baseado em negócios locais com bens tangíveis, portanto, diante das mudanças impingidas pelas inovações no comércio local e mundial (e-commerce[3]) tornasse necessário o estudo de tais implicações, sendo essencial para o comércio, diante da voraz fome por impostos com que o Estado se insurge contra seus cidadãos, como também para o Estado, que necessita dos impostos para organizar e gerir a máquina pública. Esta tarefa é o principal desafio de nossos dias, pois afeta não somente uma quantidade enorme de pessoas, como um significativo volume de recursos, tanto para o Estado como para os seus cidadãos em sentido latu, porquanto, qualquer pessoa que realiza uma negociação em território nacional será devedora, em tese, do imposto relativo à transação.

Esta mudança de paradigma é o que torna esta tarefa tão árdua, conforme fora abordado por Cezaroti:

Obviamente, é mais fácil criar regras tributárias para negócios locais e que envolvam a venda de bens tangíveis que para aqueles realizados entre diversas jurisdições tributárias e que envolvam a venda de bens intangíveis e a prestação de serviços. (CEZAROTI, 2005, p. 15)

Portanto, em se tratando de tributação, existem vários impostos incidentes sobre as transações virtuais, no entanto, este estudo se voltará ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) que, conforme Roque Antonio Carrazza, ao dissecar o ICMS, afirma que “é ele que envolve maiores quantias de dinheiro e, certamente por isso, aquele que, de longe, mais controvérsias suscita” (CARRAZZA, 2007, p. 37/38), sendo o mais importante imposto atribuído, constitucionalmente, aos estados. Ainda, neste sentido, continua Roque Antonio:

Indiscutivelmente, as quantias em jogo, na tributação por meio deste ICMS, são muito mais expressivas do que as que giram em torno da tributação por meio de impostos sobre a renda, de imposto sobre produtos industrializados, de contribuições sociais, e assim avante. (CARRAZZA, 2007, p. 38)

Ademais, o cenário atual, tem descortinado uma celeuma grandiosa entre os estados da Federação por conta da mecânica envolvida com as vendas pela internet, onde o cliente compra o produto que é remetido pelo correio, permitindo que o centro produtor esteja em qualquer lugar do País e do mundo, dificultando a cobrança da diferença do imposto devido, relativo à tributação interestadual, pelos estados que não são produtores, em especial, os estados do Nordeste do País, que reclamam pela queda da arrecadação no referido imposto. Esta situação levou os estados que se sentiram prejudicados a editar um protocolo perante o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) criando a obrigação de repartição do ICMS entre o estado de origem e o estado de destino, trata-se do Protocolo ICMS 21/2011.

Não é preciso ser vidente para notar que tal dilema iria parar não somente nas instâncias superiores, como também, somente seria resolvido pela mais alta Corte de nossa Nação, Supremo Tribunal Federal, que no dia 15/11/2012 reconheceu a repercussão geral sobre o tema no Recurso Extraordinário (RE) 680089, conforme ementa abaixo:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. PROTOCOLO CONFAZ Nº 21/2011. VENDA REALIZADA DE FORMA NÃO PRESENCIAL A CONSUMIDOR FINAL NÃO CONTRIBUINTE DO IMPOSTO. RECOLHIMENTO DO ICMS EM FAVOR DO ESTADO DE DESTINO DA MERCADORIA. REPERCUSSÃO GERAL. ARTIGO 155, § 2º, VII, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO DE FUNDO SIMILAR À TRATADA NA ADI 4628. RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. MANIFESTAÇÃO PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL.

(STF - RE 680089 RG, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 15/11/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG 07-12-2012 PUBLIC 10-12-2012 )

Trata-se, por conseguinte, de tema de alta relevância para o estudo em tela e, significativo para o momento atual, portanto, vamos delinear o assunto, estudando os seus mais pertinentes para este ensaio.

Quanto à relevância do assunto, é preciso lembrar que toda e qualquer evolução do mundo teve como mola propulsora um significativo dispêndio econômico, portanto, é preciso verificar as cifras deste ramo da sociedade, que cresce muito mais rápido do que qualquer País sonharia em crescer, de forma sustentável.

Para verificar estes dados lançamos mão dos relatórios disponibilizados pelas empresas de e-commerce, na própria internet, e dos relatórios disponíveis pelo CONFAZ, que monitora a arrecadação do ICMS no País.

Atualmente, esta “brincadeira” já não é para gente pequena, empresas gigantes do varejo têm investido pesadamente neste ramo por conta de seu crescimento contínuo e a taxas superiores a 20% aa., senão vejamos o que o Relatório WebShoppers nos mostra em sua 27ª edição:

O ano de 2012 se encerrou com números positivos para o e-commerce B2C brasileiro. O setor fechou o ano com R$ 22,5 bilhões de faturamento, um crescimento nominal de 20% em relação a 2011, quando havia registrado R$ 18,7 bilhões em vendas de bens de consumo. Esses dados acabaram confirmando a previsão de evolução para o comércio eletrônico realizada pela E-bit, na última edição do relatório WebShoppers. (WEBSHOPPERS, 2013, p. 233)

Em entrevista para Reuters Brasil, o vice-presidente de e-commerce do Wal-Mart Brasil, Flávio Dias, informou que pretende continuar investindo forte no setor que, em sua empresa, cresce à taxa de 60% aa., conforme se observa abaixo:

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Para atingir o objetivo, o Wal-Mart.com também está aprimorando a operação logística. Segundo Dias, serão abertos mais dois centros de distribuição no primeiro semestre de 2014 fora da região Sudeste, dentro da estratégia de regionalização das entregas. Atualmente, a divisão online da companhia conta com um centro de distribuição em São Paulo.

O Wal-Mart.com quer quintuplicar as vendas no Brasil em três anos e virar líder do comércio eletrônico no país, contando com uma plataforma digital que ofertará produtos de outros lojistas, disse nesta quinta-feira o vice-presidente de e-commerce do Wal-Mart Brasil, Flávio Dias.

...

O Wal-Mart.com deve fechar 2013 com 800 funcionários, ante cerca de 350 em 2012. Desse total, por volta de 200 são da equipe de tecnologia, afirmou o executivo, acrescentando que a empresa apresenta um crescimento anualizado de vendas de 60 por cento, "cerca de três vezes superior à média do mercado". (DIAS, 2013)

O gráfico abaixo nos mostra como este negócio tem evoluído nestes últimos cinco anos, somente no Brasil, mostrando que veio para ficar.

A projeção de crescimento para o ano de 2013, para este negócio, está em torno de 25%.

Já em 2000 a Secretaria da Receita Federal (SRF) confirmava cifras astronômicas para esta modalidade do comércio mundial:

Cálculos do movimento total do e-commerce em nível mundial variam de US$ 100 bilhões a US$ 500 bilhões, em 2000. A Forrester Research faz previsões máximas e mínimas de vendas virtuais mundiais nos próximos anos. Para 2003, o intervalo vai de US$ 1,4 trilhão a US$ 3,2 trilhões. (SRF, 2001, p. 5)

Sendo extremamente relevante por conta dos valores arrecadados em impostos, tanto nacionais como impostos relativos a transações internacionais, como Imposto sobre Importação ou Imposto sobre Exportação.

Quanto ao ICMS, podemos ver no gráfico abaixo, feito a partir dos dados coletados do CONFAZ, que o crescimento da arrecadação com ICMS no País, nestes 5 anos deu-se na razão de 32%, passando dos 320 milhões de reais por ano.

Estes dados nos mostram a relevância do assunto e, lembrando que o arrecadador do ICMS é o estado, segundo a Constituição Federal, é de se pensar em como estes valores estão sendo “repartidos” entre os respectivos entes da federação, com este novo modelo de negócios, conforme trabalho desenvolvido pela Secretaria da Receita Federal, é de suma importância este debate como segue:

... a discussão e o debate sobre esse novo mundo eletrônico e, especificamente, sobre o e-commerce são de fundamental importância para as Administrações Tributárias, que precisam, com urgência, desenvolver novos procedimentos e soluções, que garantam eficácia e efetividade à sua ação de controle, fiscalização e cobrança de tributos. (SRF, 2001, p. 3)

Logo, pela relevância e contemporaneidade do assunto, faz-se necessário um estudo sobre os atuais aspectos e impactos, lembrando a multidisciplinariedade do mesmo.


ELEMENTOS RELEVANTES DO E-COMMERCE PARA O DIREITO TRIBUTÁRIO

Para iniciar este estudo faz-se necessária a análise de alguns aspectos primários quanto aos elementos ligados aos termos aqui utilizados.

Importante salientar que não nos propomos a esgotar o assunto, visto que o mesmo não se esgotará jamais devido a sua dinamicidade.

Definição de e-commerce

A definição de e-commerce ou comércio eletrônico, é bem abrangente, trata-se de uma forma de negociação entre pessoas físicas e/ou jurídicas utilizando-se de métodos não presenciais, eminentemente eletrônicos, capaz de permitir que as partes realizem o consentimento para a concretização de seus negócios, em lugares distintos do planeta. Para Guilherme Cezaroti temos que:

O comércio eletrônico é definido, de modo geral, como o conjunto de transações realizadas mediante técnicas e sistemas que se apoiam na utilização de computadores, que se comunicam através da Interconnected Network – popularizada como internet, por meio de modem. (CEZAROTI, 2005, p. 23)

Neste mesmo entendimento, mas de forma mais refinada, Carlos Araujo Leonetti ao citar Marco Aurélio Greco afirma que:

Já no entendimento de Marco Aurélio Greco, o uso termo ‘comércio’, na expressão ‘comércio eletrônico’ revela-se equivocado, uma vez que o vocábulo vem sendo empregado para designar dois tipos distintos de atividades. O primeiro, segundo Greco, tipicamente de intermediação comercial, compreende negócios que têm por objeto bens corpóreos e que implicam no impulsionamento de mercadorias em direção ao consumo. Já o segundo tipo, ainda na visão de Greco, não corresponderia exatamente a uma atividade mercantil ou comercial, porquanto compreenderia também prestações de serviço realizadas num ambiente eletrônico. (LEONETTI apud GRECO, 2006, p. 243)

Ainda neste toada, temos o conceito de Fábio Ulhoa, que afirma:

Comércio eletrônico, assim, significa os atos de circulação de bens, prestação ou intermediação de serviços em que as tratativas pré-contratuais e a celebração do contrato se fazem por transmissão e recebimento de dados por via eletrônica, normalmente no ambiente da internete. (ULHOA, 2011, p. 92)

Logo, para o direito, o comércio eletrônico é a realização de um negócio jurídico, de forma não presencial e instantânea, capaz de permitir o consentimento e a concretização, deste negócio, mesmo sem a presença física dos interessados, validamente.

Modelos de e-commerce

Nesta modalidade de comércio, basicamente, temos dois tipos essenciais de negócios, o B2B e o B2C, que tratam dos intervenientes da relação comercial, o primeiro, business-to-business, são basicamente contratos mercantis, empresas que contratam serviços ou produtos para a consecução de seus negócios, no segundo caso, business-to-consumer, são empresas que fornecem produtos ou serviços diretamente aos consumidores finais, pessoas físicas ou jurídicas. (cf. CEZAROTI, 2005, p. 30)

Observe que destas modalidades de negócios, a mais interessante e com maiores impactos para o Direito Tributário é a B2C, pois a pulverização da venda de produtos diminui a quantidade de intermediários, aumentando a lucratividade para o vendedor/produtor e diminuindo os custos para o comprador, também gerando uma maior necessidade de controle por parte dos órgãos fiscalizadores, como observa Cezaroti:

A diminuição do número de intermediários existentes na forma tradicional de comércio também produz um reflexo imediato sobre o exercício e a eficiência da atividade da arrecadação tributária, uma vez que os intermediários legalmente classificados como substitutos tributários darão lugar a uma miríade de contribuintes de pequenos valores, devendo a administração tributária aumentar o seu esforço para monitorá-los. (CEZAROTI, 2005, p. 17/18)

Ademais, a SRF já vislumbrava este impacto na quantidade de intermediários como segue:

... os varejistas são responsáveis pela retenção e recolhimento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS, o IVA estadual), e a fonte  pagadora da renda ou dos proventos tributáveis é responsável pela retenção e recolhimento do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Esses “intermediários” tendem a diminuir com o desenvolvimento do e-commerce. Para agravar o problema, os sites podem se estabelecer em um país cujas regras tornem difícil a obtenção de dados por parte das autoridades tributárias. (SRF, 2001, p. 6)

Lembremos que, para o nosso estudo, tal situação é possível de ser verificada pelo deslocamento de uma empresa de um estado para outro, buscando uma menor fiscalização, um valor menor de custos direitos e indiretos e uma benesse tributária.

Domicílio fiscal no e-commerce

Outro aspecto interessante a ser verificado, neste estudo, é o domicílio fiscal, trata-se de significativo incremento promovido por esta revolução tecnológica. É possível, atualmente, uma maior versatilidade no planejamento tributário das empresas, através da elisão fiscal, termo que não se confunde com evasão fiscal, como nos ensina Eduardo Sabbag:

A elisão fiscal corresponde à prática de atos lícitos, anteriores à incidência tributária, de modo a se obter legítima economia de tributos. Pela elisão fiscal, impede-se a ocorrência do fato gerador, ou por exclusão do contribuinte do âmbito de abrangência da norma, ou, simplesmente, pela redução do montante tributário a pagar. Refere-se à intitulada economia do imposto ou ao planejamento tributário, como condutas lícitas que se processam, em geral, antes da ocorrência do fato gerador.

...

A evasão fiscal constitui a prática, concomitante ou posterior à incidência da norma tributária, na qual se utilizam formas ilícitas (fraude, sonegação e simulação) para se furtar ao pagamento de tributos. (SABBAG, 2011, p. 659)

Esta facilidade é observada de forma peculiar por Cezaroti, como segue:

A facilidade de mobilização da estrutura necessária para a montagem e manutenção de um site propicia um deslocamento rápido deste em caso de necessidade, seja em razão de alterações na legislação, seja em razão de um aumento na pressão tributária. (CEZAROTI, 2005, p. 17)

Esta observação se dá à medida que se torna mais fácil a locomoção das empresas para outras partes do País e do Mundo, buscando o melhor benefício tributário e uma maior segurança e estabilidade jurídica, ademais a tributação é, eminentemente, ligada ao conceito de residência, dando substrato ao regime jurídico tributário e a hipótese de incidência do imposto devido. Trata-se de objeto singular para a cobrança do ICMS, visto ser um dos motivos da celeuma tributária dos últimos tempos. Observe o que foi comentado por Heleno Tôrres:

O conceito de residência funciona como um critério de conexão pessoal, ao lado do critério de conexão material, que deve estar sempre vinculado com o conceito da materialidade da hipótese de incidência dos tributos, como previsto constitucionalmente. Para que a obrigação tributária se constitua, exige-se a ocorrência do respectivo fato jurídico tributário que lhe serve de causa, e para que um sujeito possa ser chamado a compor o polo passivo da conseqüente relação jurídica, mister que ele seja identificado na relação direta e imediata com o respectivo fato jurídico tributário. Pois bem: se o critério de conexão material presta-se à localização do fato jurídico tributário (fonte), o critério de conexão pessoal serve-se à atribuição do regime jurídico ao sujeito (residente ou não residente), com reflexos sobre a formação do objeto da relação jurídica tributária, i. e., sobre a quantificação da base de calculo e determinação da alíquota. (TÔRRES, 2001, p. 129)

É importante perceber que tal situação não é relevante somente internamente, porquanto, em diversas partes do mundo temos dilemas nesta área, que estão sendo discutidos a algum tempo, como exemplo, temos a moratória da internet, instituída pelo governo dos EUA, em 1998, para incentivar o crescimento desta ferramenta, como segue:

Em 1998, o Congresso reconheceu que a tributação excessiva e desnecessária poderia retardar o crescimento da Internet e reduzir os benefícios da economia digital. Ele aprovou o Internet Tax Freedom Act (ITFA) para proibir os estados de impor novos impostos no acesso à Internet. (ANDES, 2013, tradução nossa)

No entanto, tal situação não impediu com que os estados americanos tivessem problemas com relação ao domicílio tributário, como relatou Scott e Robert:

... o legislador da Flórida aprovou uma lei fiscal para vendas pela Internet de vendedores fora do estado, e a gigante do varejo on-line, Amazon, concordou em recolher 6,35 % de imposto sobre vendas de consumidores em Connecticut.

São essas decisões inconsistentes, ou não, têm relação com outras? Por que a Amazon deve pagar impostos em Connecticut e não, digamos, em Oklahoma? Não há falta de interesse dos estados e municípios em novas ou melhores fontes de receita a partir da Internet, ainda no ambiente legal de impostos da Internet, há confusão sobre as opções políticas mais adequadas. (ANDES, 2013, tradução nossa)

Como se pode observar, as brigas interestaduais são, também, internacionais, ou seja, todos estão tentando se adequar a este novo mundo.

Portanto, o domicílio no e-commerce se dará em qualquer lugar do mundo, de forma rápida, utilizando-se, a empresa, de centros de distribuição espalhados pelo mundo, na medida da sua necessidade, visando um melhor aproveitamento dos recursos disponíveis e legislação pertinente.

Abordaremos, novamente, este assunto, de forma mais efetiva, ao tratarmos do domicilio fiscal do ICMS.

Objeto do e-commerce

Um último aspecto relevante, diz respeito à mercadoria, objeto da relação comercial no e-commerce, e não somente deste, mas de todo o comércio de modo geral, sendo, inclusive, o termo utilizado pela Constituição Federal quando limita os parâmetros para a cobrança do ICMS. Elemento de suma importância para o referido estudo conforme Carlos Araújo:

Esta questão atinente ao conceito de mercadoria revela-se absolutamente relevante para o objeto do presente estudo. Isso porque tem a ver, diretamente, com a possibilidade, ou não, de se tributar transações realizadas na internet cujo objeto tenha sido bens imateriais. (LEONETTI, 2006, p. 245)

Guilherme Cezaroti considera este ponto como primordial para o tema em tela, visto que, para este, a delimitação é essencial para impedir a bitributação, “o legislador constituinte utilizou-se de um conceito de mercadoria com o objetivo de definir o campo de incidência do ICMS e impedir municípios e União de tributarem ao mesmo tempo as operações relativas à circulação deste bem específico”. (CEZAROTI, 2005, 97)

No trato deste assunto, o e-commerce, utiliza-se de mercadorias tangíveis e não tangíveis ou intangíveis. As tangíveis são as conhecidas de forma habitual por nós, são objetos palpáveis, que devem ser transportados de forma física para que possamos utilizá-los ou temos que ir ao seu encontro. No entanto, alguns destes objetos, atualmente, tornaram-se intangíveis, podendo trafegar até as nossas casas por meio da rede de computadores, sem a necessidade da interveniência de terceiros, conforme Cezaroti:

A possibilidade de desmaterialização de determinados bens físicos, tais como livros, filmes e discos, para entrega aos consumidores por meios eletrônicos é uma das maiores revoluções trazidas pela utilização da internet. Os consumidores não precisam mais se deslocar fisicamente até os fornecedores ou aguardar a entrega do bem em sua residência; a entrega pode ser feita em questão de minutos em seu computador. (CEZAROTI, 2005, p. 17)

É fácil notar, tal situação, no momento em que percebemos as mudanças ocorridas, por exemplo, no mercado editorial, livros virtuais começam a ganhar força no País e no mundo, podendo ser, teoricamente, mais baratos. Poderíamos falar de diversos outros produtos, como filmes (DVD/on-line), programas de computador que podem ser simplesmente baixados pela rede, como o lançamento do Windows 8, que teve sua venda e instalação totalmente de forma remota, inclusive eu comprei o produto e instalei em um de meus computadores, em casa.

Portanto, seguirei o conceito de Carlos Araújo ao afirmar que:

... mercadoria é todo bem, tangível, ou intangível, passível de pose e de valoração econômica. Por bem intangível, conforme expusemos anteriormente, entendemos aquele insuscetível de ser captado pelos sentidos humanos independentemente ou não de ser mera criação do direito... No que concerne às operações com bens tangíveis, ou corpóreos, não há nenhuma dificuldade em reconhecer-se a incidência do ICMS. (LEONETTI, 2006, p. 245)

Diante deste conceito, podemos afirmar que qualquer produto comercializável é passível de tributação pelo ICMS, na medida em que circula, tendo sua propriedade transferida para outro, seja para consumo ou para insumo, obviamente que, o trato tributário se dará diferentemente para cada situação descrita em lei.

No entanto, a venda de bens intangíveis gera dificuldades de arrecadação por conta do controle alfandegário, demandando a ampliação infindável de controles, o que é inviável diante da pulverização dos negócios, dificultando cada vez mais o controle tributário, conforme fora observado no trato desta questão por Cezaroti:

Não só deixam de existir o controle alfandegário, porque os bens imateriais não são desembaraçados pelos meios convencionais (aliás, sequer passam pelo controle de fronteira), como também eventuais intermediários que poderiam servir como substitutos tributários ou meros fornecedores de informações para a fiscalização tributária. (CEZAROTI, 2005, p. 17)

Com isso analisamos os aspectos mais relevantes dos itens que compõe o e-commerce, para o nosso objeto de estudo, voltemo-nos agora ao ICMS.

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Sobre o autor
Carlos Massarelli

Advogado em Praia Grande (SP).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão do Curso de Pós Graduação em Direito Tributário.

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