ELEMENTOS RELEVANTES DO ICMS
Antes de adentrarmos nos motivos da guerra fiscal dos estados, passemos ao estudo de alguns pontos significativos com relação ao ICMS.
Como prenunciado, trata-se do imposto mais importante da federação, sendo significativa fonte de renda para os estados, conforme abordado pela Secretaria da Receita Federal, como segue:
No Brasil, o ICMS, de competência estadual, é o principal imposto do sistema tributário, sendo responsável em 1999 por 22% da arrecadação tributária total. A isenção do principal imposto sobre o valor agregado brasileiro das operações via internet poderia levar a uma grande erosão dessa importante base tributária. (SRF, 2001, p. 14) (grifo nosso)
Também está sendo considerado um desafio para as autoridades do setor econômico, conforme entrevista concedida pelo Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, “o próximo motor do crescimento é a agenda de concessões e, seu grande obstáculo, a reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS): ‘Esse é o grande desafio’” (HOLLAND, 2013).
Na área tributária Carlos Araújo ratifica esta celeuma ao afirmar:
Voltando ao caso brasileiro, embora em tese possa se reconhecer que ocorre o fato gerador do ICMS em algumas transações realizadas via internet, cremos que, enquanto não houver legislação específica regulamentando aspectos relevantes dessa tributação, tais como: local e momento em que se considera ocorrido o fato gerador, estabelecimento responsável pela operação, obrigações acessórias a serem cumpridas etc., fica difícil exigir-se o pagamento do imposto. (LEONETTI, 2006, p. 245)
Portanto, somente o debruçar-se sobre estas questões trará a elucidação necessária e as possíveis alternativas para estas divergências.
Um pouco de história
O nascedouro do que conhecemos hoje como ICMS se deu na Constituição de 1934 onde surgiu o Imposto sobre Vendas e Consignações (IVC), que pode ser considerado o avô do ICMS, conforme aponta Roque Antônio dizendo que “é este ICMS que ‘descende’ diretamente do ICM, da Constituição de 1967/1969, que, por sua vez, ‘descendia’ do IVC (Imposto sobre vendas e consignações), da Constituição de 1946” (CARRAZZA, 2007, p. 38), possuindo natureza mercantil, cada venda corresponderia a um fato gerador distinto, tratando-se de imposto com incidência em “cascata”, atingia todo o ciclo de circulação das mercadorias, desde o produtor até o consumidor final, sendo exigido sobre o preço do produto.
Daniel Oliveira Matos afirma que “... em 1922 o citado IVC foi aplicado como reprodução ao modelo Francês e Alemão no período de 1914-1918 e na Constituição Brasileira de 1934 estendeu a aplicação do IVC para os produtores em geral” (MATOS, 2011), como um pré-teste para a aplicação do imposto.
Ao abordar o assunto, Aliomar Baleeiro, explana sobre o mesmo, confirmando a importância do referido imposto para os estados e o momento de seu nascedouro:
A receita fundamental dos Estados-Membros, a partir de 1936, quando entrou em execução, no particular, a discriminação de rendas da CF de 1934, foi o imposto de vendas e consignações. A União criara em 1923 (Lei nº 4.625, de 31.12.1922), com o nome imposto sobre vendas mercantis, um papel líquido e certo, com força cambial semelhante a das letras de câmbio e promissórias (Lei nº 2.044, de 1908), para facilidade de descontar nos bancos as faturas de vendas dos comerciantes e industriais, quando reconhecidos e assinados pelos compradores (art. 219 do Código Comercial). O Congresso as atendeu e foi instituída a emissão da duplicata da fatura para ser aceita pelos devedores, em troca do imposto de 0,3% (Rs 3$ por conto de réis), não só nas vendas a prazo, mas também nas vendas a vista, registradas em livros próprios.
…
Do ponto de vista econômico, o ICM é o mesmo IVC, que concorria com cerca de ¾ partes da receita tributária dos Estados-Membros. (BALEEIRO, 2010, p. 367)
De forma contemporânea, Eduardo Sabbag, reafirma tal importância e seu respectivo nascimento, fazendo um apanhado geral sobre o imposto, como segue:
O ICMS, imposto estadual, sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. É gravame plurifásico (incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não cumulatividade – art. 155, § 2º, I, CF), real (as condições da pessoa são irrelevantes) e proporcional, tendo, predominantemente, um caráter fiscal. Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, § 2º, I ao XII, CF, robustecido pela Lei Complementar n. 87/96, que substituiu o Decreto-lei n. 406/68 e o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariarem a Constituição Federal. (SABBAG, 2012, p. 1059)
Nos termos da Constituição de 1934, em seu artigo 8º, inciso “e”, era de competência privativa dos estados o IVC, sobre as vendas efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive os industriais, ficando isenta a primeira operação do pequeno produtor, como tal, definido na lei estadual.
Posteriormente, na Constituição de 1968, temos a alteração do IVC para o ICM, no artigo 24, inciso II e III, que assevera ser de competência dos Estados e do Distrito Federal a responsabilidade para decretar impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias, introduzindo o Princípio da não-cumulatividade explicitado no § 5º do texto legal, como segue:
O imposto sobre circulação de mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos termos do disposto em lei, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado, e não incidirá sobre produtos industrializados e outros que a lei determinar, destinados ao exterior. (BRASIL, 1967)
Esta alteração se deu em virtude da perniciosidade do imposto anterior, o IVC, por ser em cascata sua tributação e, pela necessidade de modernização da economia, inspirada nos modelos europeus, como afirma Sacha Calmon:
À época do movimento militar de 1964, receptivo às críticas dos juristas e economistas que viam no imposto sobre vendas e consignações dos estados (IVC) um tributo avelhantado, “em cascata”, propiciador de inflação, verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da Federação e tecnicamente incorreto, resolveu-se substituí-lo por um imposto “não-cumulativo” que tivesse como fatos jurígenos não mais “negócios jurídicos”, mas a realidade econômica das operações promotoras da circulação de mercadorias e serviços, no país, como um todo. (COÊLHO, 2008, p. 356)
No entanto, somente na Constituição de 1988 é que o ICMS tomara a forma atual, conforme o texto que segue:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993). (BRASIL, 1988)
Este, considerado o balizador do imposto, por ser o descritivo constitucional do mesmo, embora tenhamos diversos outros dispositivos legais que o regulam, seja no âmbito nacional ou, com muito mais necessidade, no âmbito estadual, onde se encontram as maiores dificuldades para o tributo.
Além deste dispositivo, temos outros que encontramos em diversos dispositivos legais, como segue, lembrando que existem as legislações Estaduais sobre o tema:
- Lei Complementar n° 87/96 (Lei Kandir) – Lei nacional do ICMS que disciplina: 1) hipóteses de incidência; 2) hipóteses de não-incidência; 3) contribuintes; 4) substituição tributária; 5) local da operação; 6) momento da ocorrência do fato gerador; 7) base de cálculo; 8) compensação.
- Lei Complementar n° 24/75 – Convênios para a concessão de benefícios fiscais do ICMS.
- Resolução do Senado n° 22/89 – Determina as alíquotas interestaduais do ICMS.
Estes dispositivos legais formam o arcabouço legal, principal, do ICMS.
Mas, quando tratamos de tributação, não bastam as leis, temos diversas regras que delimitam o poder de tributar do Estado, impedindo abusos por parte deste, em especial temos uma enorme quantidade de Princípios que, sejam expressos ou inexpressos, garantem a segurança jurídica para consecução de investimentos, tanto por parte do investidores nacionais como internacionais.
Princípios Constitucionais e próprios do ICMS
Ao abordar estes princípios, temos que ter em mente que os Princípios Constitucionais aplicados ao Direito Tributário, como um todo, se aplicam diretamente sobre o imposto em tela, limitando a fome tributária do Estado e protegendo o contribuinte, por isso que, tais Princípios, são considerados fundamentais, diante da sombra histórica do imperialismo que assolou a humanidade. Ademais, nas palavras de Alexandre Machado de Oliveira, temos:
A análise da ciência tributária deve ser feita, sempre, partindo do texto constitucional e, dentro desta diretriz, encontramos nos primeiros passos dados os princípios da legalidade e anterioridade, os quais irão nos acompanhar durante todo o percurso, como verdadeiros guias. (OLIVEIRA, 2010)
Nesta seara teremos os Princípios Constitucionais Expressos:
- Princípio Federativo: é justamente o princípio que dá autonomia para os estados na confecção de suas leis, sem a intervenção da União nesta autonomia.
- Princípio Republicano: como um Estado Democrático, o povo, através de seus representantes, exerce o poder sobre a coisa pública, inclusive no que diz respeito à confecção das leis.
- Princípio da Legalidade: inscrito no inciso II, artigo V, da CF, é o que determina a necessidade de regras para a instituição das leis, balizadas pela própria CF. Este princípio é constantemente referenciado na área tributária, obrigando as autoridades legislativas a se adequarem aos ditames legais para a persecução do contribuinte quando este se beneficia da evasão fiscal, também é o princípio utilizado pelos estados na guerra-fiscal, delimitando os aspectos de incidência do referido imposto, dentro dos ditames legais, para repartir as receitas adquiridas por este com outros estados.
- Princípio da Vedação ao Confisco: inscrito no artigo 150, inciso IV, da CF, e artigo 3º, do CTN, protege o patrimônio do contribuinte.
De forma concisa, Ricardo Alexandre, nos ensina as modalidades de confisco, que são duas, delimitando-as de maneira clara, como segue:
Em termos menos congestionados, tributo confiscatório seria um tributo que servisse como punição; já tributo com efeito confiscatório seria o tributo com incidência exagerada de forma que, absorvendo parcela considerável do patrimônio ou da renda produzida pelo particular, gerasse neste e na sociedade em geral uma sensação de verdadeira punição. As duas situações estão proibidas, a primeira (confisco) pela definição de tributo (CTN, art. 3.°); a segunda (efeito de confisco) pelo art. 150, IV, da CF/1988. (ALEXANDRE, 2010, p. 148)
Ainda teremos os Princípios Constitucionais Inexpressos:
- Princípio da Isonomia das Pessoas Constitucionais: determina a não hierarquia ou subordinação entre as pessoas jurídicas de Direito Público, intrinsecamente ligado à autonomia dos entes, respeitando os limites constitucionais balizadores desta autonomia.
- Princípio da supremacia do interesse público sobre o particular: necessário à sobrevivência do Estado por conta dos interesses particulares que se colidem diretamente com os interesses da comunidade e do Estado que, teoricamente, deveria perseguir o bem de todos, ou seja, os interesses da comunidade. No caso do ICMS, não seria diferente, logicamente, o contribuinte não paga o imposto por estar plenamente de acordo com este, mas por ser obrigado diante da supremacia do interesse público quando formula a lei que o obriga a pagá-lo. Este princípio é mais utilizado na seara do Direito Administrativo, em especial, nos contratos administrativos realizados com particulares, ou ainda, no poder de polícia do Estado.
Com relação aos Princípios Tributários específicos temos, também, os expressos:
- Princípio da estrita legalidade: como já asseverado no Princípio da Legalidade a estrita legalidade faz menção à necessidade primária de lei para a consecução do tributo respectivo. Observe que tal preocupação não se faz de forma leviana por parte do constituinte, visto ser pernicioso o poder de tributar do Estado (recorde-se dos Poderes Imperiais e dos Poderes Militares), servindo de salvaguarda para o povo, que cobra a si mesmo. Este princípio fora não somente explicitado na CF como também no Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 97, inciso I, de forma positiva, enquanto que no artigo 150, inciso I, da CF de forma negativa, confirmando a importância de se observá-lo, em especial, neste ramo do direito.
- Princípio da igualdade estrita: é vedado o tratamento desigual a contribuintes em situações equivalentes, inscrito no inciso II, artigo 150, do CTN. Cuida, o referido princípio de garantir a isonomia para com o tratamento dado aos diversos contribuintes em situação semelhante, impedindo as preferências por parte da Administração Pública.
- Princípio da estrita irretroatividade: é inconcebível que lei nova institua imposto sobre fato gerador passado, tal situação iria conceber, imensurável, insegurança jurídica, encontrando-se explicito na alínea “a”, inciso III, artigo 150, da CF. Com base neste primado as empresas podem contabilizar os resultados de seus investimentos, sem grandes surpresas.
- Princípio da anterioridade ou da anualidade: consiste em fornecer uma proteção às surpresas que podem ocorrer com relação a iniciativa do ente tributante quanto a onerosidade ou criação de tributo, fazendo que o mesmo seja cobrado somente no exercício fiscal seguinte ao da sua onerosidade ou criação. Digo onerosidade por conta da exceção, com relação ao ICMS, aposta na alínea “c”, inciso IV, § 4º, do artigo 155, da CF, que permite a redução ou restabelecimento da alíquota do mesmo, portanto, não existem exceções para assoberbá-la.
- Princípio da anterioridade nonagesimal: diz respeito a um interstício de noventa dias entre a majoração ou criação de tributo, independente do Princípio da Anualidade, portanto, há de se verificar a data da majoração do ICMS, além de respeitar o ano do calendário fiscal seguinte deve, o mesmo, respeitar o prazo de 90 dias para a sua eficácia, encontrando-se o dispositivo explicito na alínea “c”, inciso II, do artigo 150 da CF.
- Princípio da liberdade de tráfego: inscrito no Texto Magno, no artigo 150, inciso V, pode parecer um contraponto diante do ICMS, porquanto, a elevação do referido imposto pode opor-se à livre circulação de forma prática. No entanto, para evitar-se uma verdadeira guerrilha estadual, a CF impôs a possibilidade, que não foi renegada, do Senado Federal impor tarifas mínimas e máximas para operações interestaduais e, de forma reflexa, limita as tarifas dentro do estado, conforme se aduz dos incisos IV, V e VI do mesmo artigo. É preciso observar que se trata de imposto que pode restringir a transposição de fronteiras, o que não se coaduna com o ICMS, porquanto o mesmo se refere à circulação de mercadorias e não à transposição de fronteiras, como se observa das palavras de Eduardo Sabbag ao tratar das atenuações do tema:
... de ordem doutrinária, atinente ao ICMS, exigido pelas autoridades fiscais nos postos de fiscalização, localizados nas estradas de rodagem, em divisas dos Estados-membros e Distrito Federal, em razão da ocorrência do fato gerador deste gravame tributário. Quanto a essa atenuação, diga-se que o ICMS deve ser recolhido pelo sujeito passivo, em virtude da circulação de mercadorias – o fato gerador do imposto –, e não pelas transposições territoriais supramencionadas. (SABBAG, 2012, p. 259)
- Princípio da não discriminação tributária em razão da origem ou do destino: novamente, um aparente contrassenso diante da possibilidade real de discriminação tributária. Circunscrito no artigo 152 da CF, sendo, portanto, vedado aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer diferenças tributárias, em razão de sua procedência ou destino, com relação a bens ou serviços. Mais uma tentativa de impedir a guerra tributária como afirma o professor Eduardo Sabbag:
Tal regra vedatória tem função dupla: ao mesmo tempo que organiza os interesses fiscais das entidades políticas, evitando que se interpenetrem, ou seja, atuando “de fora pra dentro”, impede os famosos “leilões” de favores fiscais, feitos por estados ou municípios, egoisticamente despreocupados com a guerra fiscal, e, nessa medida, atua “de dentro pra fora”. Em aulas, denomino esse efeito reflexo de força centrípeta e centrífugado postulado ora estudado. (SABBAG, 2012, 282)
Neste mesmo pensar o professor Sacha Calmon reforça a importância deste Princípio para a ordem fiscal:
O art. 152 estatui uma vedação que se destina a estados e municípios, não lhes sendo permitido estabelecer barreiras fiscais dentro do território nacional, eis que o mercado brasileiro é comum. O país é uno, embora politicamente dividido em estados, subdivididos em municípios. Não fora a regra vedatória, é bem possível que os estados, para proteger suas respectivas economias, imaginassem fórmulas fiscais discriminatórias, em verdadeira “guerra fiscal” onde não faltariam leilões de favores tributários. (COÊLHO, 2008, p. 327)
Mesmo diante destes dispositivos temos encontrado diversos conflitos entre os entes federados pela necessidade constante de recursos e na tentativa de proteger o seu parque industrial e comercial, pois, segundo os conceitos econômicos, os recursos são escassos enquanto as necessidades são ilimitadas.
É preciso observar que tal vedação não impede uma política de incentivos para que outros objetivos constitucionais “superiores[4]” sejam alcançados, a exemplo do disposto no artigo 3º, inciso III da CF, que objetiva “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (BRASIL, 1998) (grifo nosso) tão evidentes em nosso país de dimensões continentais, sendo necessária a intervenção da União para limitar e, muitas vezes, reverter estas atitudes por parte dos estados. Este raciocínio é compartilhado por diversos doutrinadores, dentre eles podemos citar Sacha Calmon quando afirma que o “princípio vedatório, no entanto, não entra em testilha com dispositivos constitucionais que imunizam certas operações ou permitem alíquotas diferenciadas em razão precisamente da origem ou do destino das mercadorias” (COÊLHO, 2008, p. 328) ou, ainda, Eduardo Sabbag que assevera:
Nesse campo, apenas a União está legitimada a estabelecer discriminações, desde que se traduzam em incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio socioeconômico entre as diferentes regiões do Brasil, consoante o inciso I do art. 151 da Carta Magna. (SABBAG, 2012, p. 282)
Observe que, nas palavras acima, está implícito o Objetivo Constitucional outrora citado.
- Princípio da seletividade ou essencialidade: seu nome já o caracteriza, pelo menos na sua incidência. Trata-se de princípio que regula a imprescindibilidade do bem, grafando com maior alíquota o de menor necessidade. Tal princípio está ligado ao postulado da capacidade contributiva, como afirma Eduardo Sabbag:
Como mais um meio de exteriorização do postulado da capacidade contributiva, a seletividade, prestigiando a utilidade social do bem e informando, basicamente, dois impostos – o ICMS (o art. 155, § 2º, III, CF) e o IPI (o art. 153, § 3º, I, CF) –, mostra-se como técnica de incidência de alíquotas que variam na razão direta da superfluidade do bem (maior alíquota – bem mais desimportante) ou, em outras palavras, na razão inversa da essencialidade (ou imprescindibilidade) do bem (maior alíquota – bem menos essencial). Portanto, ICMS e IPI detêm seletividade. (SABBAG, 2012, p. 185)
Tratando-se, portanto, de imposto natureza híbrida, fiscal e extrafiscal, diante da possibilidade de limitar o comércio por conta da alíquota que restringiria a circulação. Tal possibilidade não é obrigatória, conforme o texto constitucional que assevera ser uma “possibilidade”, deixando à discricionariedade do estado, conforme artigo 155, § 2º, inciso III da CF.
No entanto, é de bom siso citar o professor Roque Antonio Carraza, quando explica o termo “poderá” utilizado no artigo, que “logo consignando que este singelo ‘poderá’ equivale juridicamente a um peremptório ‘deverá’. Não se está, aqui, diante de mera faculdade do legislador, mas de norma cogente – de observância, pois, obrigatória”. (CARRAZZA, 2007, p. 400)
- Princípio da não cumulatividade: relativo ao direito de compensar as operações presentes, da mesma natureza, do valor que fora arrecadado em operações passadas. Inscrito no artigo 153, § 3º, inciso II da CF e no artigo 155, § 2º, inciso I da CF, regulado no artigo 19 da Lei Complementar (LC) n. 87/96, é de suma importância para o comércio e para o consumidor, ainda que, para este, de forma reflexa[5]. Fora, inicialmente, adotado pela França e, e posteriormente pelo Brasil, conforme se observa das palavras de Gedalva Baratto, como segue:
O primeiro país que adotou imposto não-cumulativo sobre transações com bens e serviços foi a França, mas o Brasil foi o primeiro a instituir o imposto em todos os estágios econômicos (até o varejo), bem como a atribuir sua competência a esfera subnacional de governo, os estados, em que pese a boa técnica recomendar seja atribuída à união a tributação de impostos sobre o valor agregado. (BARATTO, 2005, p. 1)
Tendo seu nascedouro, como já abordado, na Constituição de 1968, por conta da nocividade da aplicação “em cascata”, até então exigida, do mesmo, gerando inflação e não contribuindo para o crescimento e desenvolvimento da Federação (cf. COÊLHO, 2008, p. 356), sendo fator primário para o desenvolvimento nacional.
A importância do referido princípio fora capturada por José Eduardo quando argumenta:
A não-cumulatividade tem origem na evolução cultural, social, econômica e jurídica do povo. Sendo essencial, a sua supressão do texto constitucional inevitavelmente causaria um sério e enorme abalo em toda a estrutura sobre o qual foi organizado o Estado. Constituindo-se num sistema operacional destinado a minimizar o impacto do tributo sobre os preços dos bens e serviços de transporte e de comunicações, a sua eliminação os tornariam artificialmente mais onerosos. (MELO, 2007, p. 258)
Nas palavras do professor Eduardo Sabbag:
Podemos, ainda, entender a regra constitucional da não cumulatividade como o postulado em que o imposto só recai sobre o valor acrescentado em cada fase da circulação do produto, evitando assim a ocorrência do chamado efeito “cascata”, decorrente da incidência do imposto sobre imposto, ou sobreposição de incidências.
...
É a compensação pelo sistema Tax on Tax, em que se abate do débito gerado na saída o crédito correspondente ao imposto cobrado na entrada. Difere, pois, do sistema Tax on Base, em que se compensam as incidências anteriores pela comparação entre as respectivas bases de cálculo. (SABBAG, 2012, 1070)
De forma derradeira, José Eduardo ao citar Ricardo Lobo, nos ensina:
O princípio da não-cumulatividade, que na realidade é um sub-princípio estruturante que perpassa todos os outros princípios constitucionais sobre a matéria (capacidade contributiva, neutralidade, país de destino e repercussão obrigatória), passou por profundas modificações constitucionais e legal e exibe hoje nova potencialidade através do aperfeiçoamento do sistema de créditos em que se assenta:
O crédito físico se entrelaçou com o financeiro, principalmente a partir da LC 87/86;
O crédito real se afirmou definitivamente com o advento da EC n. 23/83 e com o art. 155, § 2º, II, da CF/88, passando a ser reconhecido o efeito de recuperação, que era o vexata quaestio da problemática dos impostos sobre o valor acrescido no Brasil;
O crédito condicionado à ulterior saída tributada recebeu nova regulamentação, principalmente pela ampliação do quadro das imunidades das exportações e pelo reconhecimento de sua jusfundamentalidade. (MELO apud TORRES, 2008, p. 260)
Portanto, este princípio não é, meramente, programático, não se trata de recomendação do legislador, trata-se de diretriz constitucional imperativa e determinante de direitos fundamentais.
Temos, ainda, os Princípios Tributários Inexpressos, que não se encontram explícitos no texto legal:
- Princípio da tipicidade ou legalidade estrita: trata da adequação exata do fato à norma, sendo a subsunção, correspondência entre fato gerador e hipótese de incidência. Tendo suas delimitações esculpidas no artigo 97, incisos I ao IV do CTN, regrando a atuação do ente tributante, conforme palavras do professor Eduardo Sabbag:
Conforme se notou no art. 97, I ao VI, do CTN, são prerrogativas legais em matéria tributária, ficando reservadas, exclusivamente, à lei estabelecer: instituição de tributos; suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário; cominação de penalidade; fixação de alíquota e de base de cálculo; definição de fato gerador da obrigação principal e de sujeito passivo. Quanto à “majoração de tributos”, há ressalvas descritas nos parágrafos 1° e 2° do próprio art. 97, cujo detalhamento será feito em tópico ulterior.
Tal composição exaustiva tem sido rotulada pelos teóricos, na forma de variadas denominações, a saber: Estrita Legalidade, Tipicidade Fechada (Regrada ou Cerrada) e Reserva Legal. (SABBAG, 2012, p. 68)
Ainda, neste entendimento prossegue:
A tipologia da lei tributária, sendo fechada e exauriente, remete o intérprete à noção de tipo ou de tipificação, em um elevado grau de determinação conceitual e fixação de conteúdo, o que implica ao aplicador da regra que submeta as matérias ali discriminadas à moldura legal, sob pena de violação da estrita legalidade. (SABBAG, 2012, p. 69)
Portanto, quando não existe a legalidade estrita, “na área tributária, o juiz deve sentenciar, é certo, mas para decretar a inaplicabilidade da lei por insuficiência normativa somente suprível através de ato forma e materialmente legislativo” (COÊLHO, 2008, p. 221).
É importante salientar que, diante deste Princípio, torna-se de suma importância a identificação clara destes requisitos nos textos legais para que se possa ter a cobrança efetiva do tributo.
Gostaria, ainda, de contemplar alguns princípios não usuais neste estudo, entretanto, diante do assunto ora tratado entendo de grande relevância e pertinente citar alguns princípios que Marcos André Vinhas Catão aborda em seu trabalho. Trata-se do que ele chama de Princípios Tributários Aplicáveis ao Comércio Eletrônico:
... é inegável a importância dos princípios para a solução de conflitos e lacunas no campo da tributação sobre o comércio eletrônico, pelo que nos lançamos a, de maneira tentativa, elencar aqueles princípios que podem ser classificados como efetivos “princípios tributários aplicáveis em relação ao comércio eletrônico”. (CATÃO; JANOLINO, 2007, p. 308)
Portanto, teremos:
- Princípio da neutralidade: trata-se de uma espécie de isonomia entre o comércio eletrônico e o comércio convencional, onde não haveria discriminação tributária entre este e aquele.
...no comércio eletrônico podemos dizer que ele se apresenta como a necessidade de determinar critérios, pelos quais a atividade econômica desenvolvida por seus agentes não se torne nem mais nem menos vantajosa que aquela desenvolvida por agentes que vendem bens ou prestam serviços fora do ambiente eletrônico. (CATÃO; JANOLINO, 2007, p. 308)
É importante observar que, embora esta “isonomia” se faça necessária, não há como se esquivar do incentivo, para este tipo de comércio, quando da aplicação do Internet Tax Freedom Act, que fora um dos impulsos para o incremento deste tipo de transação, portanto, não se está falando em isonomia no sentido estrito, de igualdade tácita, mas da isonomia em sentido amplo, como fora abordado acima no Princípio da não discriminação tributária em razão da origem ou do destino. Nesta toada, Guilherme Cezaroti nos mostra um desdobramento do Internet Tax Freedom Act neste raciocínio:
Após longa discussão, o Congresso norte-americano instituiu por meio do Internet Tax Freedom Act uma moratória de três anos, posteriormente prorrogada por mais dois anos, como uma forma de impedir a instituição de novos tributos sobre o acesso à internet, bem como a instituição de tributos discriminatórios sobre o comércio eletrônico, admitindo expressamente a tributação do comércio eletrônico de bens entregues aos consumidores por meios não-eletrônicos, desde que se trate de um tributo que incida do mesmo modo caso a operação seja efetuada pelas formas convencionais de comércio. (CEZAROTI, 2005, p. 33) (grifo nosso)
Importante frisar que, no Brasil, não estamos diante de um modelo de Internet Tax Freedom Act, mas, apenas, diante de uma morosidade, penso intencional, por parte dos governantes, que percebem a dificuldade de se lidar com este tema, basta observar as discussões ocorridas no Congresso Nacional e as dificuldades encontradas, pelos estados federados, em chegar a um acordo significativo, por meio do CONFAZ.
- Princípio da flexibilidade: aborda a necessidade de mudança rápida e frequente na legislação, que conforme o autor exige “a edição contínua de leis e atos administrativos, ou, em substituição, à adoção de novas interpretações” (CATÃO; JANOLINO, 2007, p. 309)
- Princípio da internacionalidade: envolve diversos fatores suscitados pela natureza intrínseca da internet, a possibilidade de negócios com diversos Estados. Tal situação gera dificuldades pela sua pulverização e pelas normas relativas a Direitos Internacionais, exigindo tratados e acordos diversos.
Aqui, a par dos tratados firmados entre os países, é necessário o reconhecimento da extensão das leis fora dos seus campos tradicionais de aplicação, ou seja, permitir que as leis sejam capazes de alcançar não somente agentes e pessoas estabelecidas fisicamente no próprio país. (CATÃO; JANOLINO, 2007, p. 309)
- Princípio da privacidade: caracterizado pelo anonimato, o e-commerce, volve um novo dilema para a Administração Pública, dilema relembrado nos idos da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), em que o assunto fora amplamente discutido diante da possibilidade da RFB identificar todo o volume de transações financeiras dos contribuintes. Para, Luiz Alberto David, tal problemática toma um novo tom diante das necessidades tributárias:
Se por um lado há de se proteger a privacidade dos agentes, é de se indagar até que ponto podem as administrações tributárias imputar responsabilidade pelo pagamento dos tributos incidentes, ou mesmo proibir determinados atos mercantis, sem que o(s) agente(s) tenha(m) registro(s) no país do adquirente. (CATÃO; JANOLINO, 2007, p. 309)
Podemos verifica que, neste último tópico vislumbramos uma espécie de amálgama de Princípios que se entrelaçam de forma a circundar por completo o ICMS. A imagem abaixo demonstra como isto se processa de forma clara:
Tabela 3 – Complexo de Princípios do ICMS |
Conquanto, neste capítulo, tenhamos abordado vários Princípios incidentes neste tributo, cabe salientar que, tal enumeração, não esgota a incidência de outros Princípios sobre este, protegendo o contribuinte e limitando o Estado em seus intentos.
Matriz de incidência do ICMS
Na análise dos fatores preponderantes da guerra fiscal em torno da incidência do ICMS sobre o e-commerce e sua relevância, torna-se imprescindível a análise minuciosa dos aspectos de incidência do imposto em tela, porquanto será determinante do fato gerador e do sujeito passivo responsável pelo pagamento, além de demarcar o quantum a ser pago pelo contribuinte e quais os responsáveis pela arrecadação, sujeito ativo.
Para a determinação dos aspectos de incidência faz-se necessário o estudo e delimitação da regra matriz do imposto, conforme observa José Eduardo Soares:
Os elementos integrantes da regra-matriz de incidência do ICMS (na mesma diretriz do antigo ICM) devem ser analisados e aplicados de modo coerente, e harmônico, para poder se encontrar a essência tributária; em especial a materialidade de sua hipótese de incidência. (MELO, 2008, p. 11)
No entanto, para se estudar este quesito, é preciso observar que para a fixação destes conceitos o legislador constitucional, necessariamente, utilizou-se da legislação conhecida até o momento, portanto, é necessário um olhar retrospectivo, conforme observa Guilherme Cezaroti ao afirmar que “devemos ressaltar que é legítima a utilização da legislação ordinária anterior ao Texto Constitucional, uma vez que o constituinte pode utilizar-se de experiências anteriores para elaborar um determinado instituto” (CEZAROTI, 2005, p. 50).
No estudo em tela partiremos do artigo 155, inciso II da CF que define ser de competência dos Estados e do Distrito Federal (DF) a instituição de impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias..., por se tratar do objeto deste estudo e delimitação do fato gerador do imposto.
Na doutrina podem ser encontrados posicionamentos distintos quanto a importância das palavras utilizadas pelo Legislador Constituinte. Para Carlos Araújo Leonetti, Eduardo Sabbag e Roque Antonio Carrazza, as palavras chave, “circulação” e “mercadorias”, são os pontos principais para o estudo (cf. LEONETTI, 2006, p. 245-247) (cf. SABBAG, 2012, p. 1062-1063) (cf. CARRAZZA, 2007, p. 37-39), no entanto, para Sacha Calmon, José Eduardo Soares, Guilherme Cezaroti, a palavra “operação” é igualmente relevante para este ensaio (cf. COÊLHO, 2008, p. 531-533) (cf. MELO, 2008, p. 11-14) (cf. CEZAROTI, 2005, p. 49-52), reverberando sobre o conceito de ato jurídico, inscrito no artigo 81, do CC/1916, que afirma se tratar de “ato licito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos” (BRASIL, 1916), portanto, capazes de produzir negócios jurídicos. Trata-se de ato relevante para o direito, não sendo, portanto, qualquer ato.
Confirma tal entendimento na afirmação de José Eduardo ao citar Geraldo Ataliba e Cleber Giardino:
Geraldo Ataliba e Cleber Giardino analisaram o significado de “operações”, que, embora possam ser compreendidas num sentido econômico, num sentido físico, ou num sentido jurídico, para o intérprete do Direito só interessa o sentido jurídico.
Esclarecem os autores: ‘Operações são atos jurídicos; atos regulados pelo Direito como produtores de determinada eficácia jurídica; são atos juridicamente relevantes; circulação e mercadorias são, nesse sentido, adjetivos que restringem o conceito substantivo de operações.’ (MELO apud ATALIBA; GIARDINO, 2008, p. 11)
Portanto, em “operações”, teremos um cerceamento do alcance das palavras “circulação” e “mercadorias”. Não se trata de qualquer operação, trata-se de uma operação mercantil, e conforme ensina Roque Antonio:
...para que um ato configure uma operação mercantil é mister que: a) seja regido pelo Direito Comercial; b) tenha sido praticado num contexto de atividades empresariais; c) tenha por finalidade, pelo menos em linha de princípio, o lucro; e d) tenha por objeto uma mercadoria. (CARRAZZA, 2007, p. 39)
No entanto, ao observarmos o termo “relativas à circulação”, verificamos que o mesmo se refere às “operações” que foram acima identificadas, logo, estamos delimitando, também, este termo, de forma a restringir ainda mais o termo “operações”, conquanto, somente as operações mercantis que se referem à circulação terão interesse ao estudo. Mas, a que tipo de circulação a legislação se refere?
Para todos os autores a questão da “circulação” se refere, juridicamente, á mudança de titularidade por conta do conceito vago dado ao termo, do ponto de vista econômico. Observe que no artigo 81 do CC/1916, os termos empregados para definir o ato jurídico fazem alusão a tal conceito, por se tratar de continuidade, “adquirir, resguardar, transferir”, conforme Cezaroti:
O significado jurídico de circulação está ligado à mudança de titularidade de um direito sobre uma determinada mercadoria, ou seja, mediante a circulação o sujeito transfere sua posse de uma mercadoria ou propriedade sobre ela a outrem, mediante contraprestação; há uma transferência de disponibilidade. (CEZAROTI, 2005, p. 52) (grifo nosso)
Neste entendimento José Eduardo aponta:
Circular significa, para o Direito, mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria à circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica). (MELO apud ATALIBA; GIARDINO, 2008, p. 14)
Por conseguinte, não se trata de mera movimentação espacial de bens, não é a movimentação que caracteriza o ato jurídico, conforme José Eduardo, na lição de Souto, salienta, “... não há identidade entre circulação física ou econômica (inapreensível juridicamente) e circulação jurídica. Tanto é assim que, juridicamente, os imóveis circulam e, no entanto, fisicamente não podem fazê-lo” (MELO apud BORGES, 2008, p. 14), conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em agravo regimental abaixo colacionado:
EMENTA: - IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS - DESLOCAMENTO DE COISAS - INCIDÊNCIA - ARTIGO 23, INCISO II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ANTERIOR. O simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICM. O emprego da expressão "operações", bem como a designação do imposto, no que consagrado o vocábulo "mercadoria", são conducentes à premissa de que deve haver o envolvimento de ato mercantil e este não ocorre quando o produtor simplesmente movimenta frangos, de um estabelecimento a outro, para simples pesagem. (AI 131941 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 09/04/1991, DJ 19-04-1991 PP-00932 EMENT VOL-01616-04 PP-00682) (grifo nosso)
Para a subsunção do fato gerador à norma, faz-se necessário o negócio jurídico, sendo que o deslocamento físico não é, necessariamente, o negócio jurídico, conforme entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na Súmula 166 que afirma não se constituir fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte, não se coadunando ao fato gerador “operações relativas à circulação”, ou seja, operações mercantis com transferência de titularidade, em apertada síntese, conforme estudado.
Pode-se observar na ementa que, desde aquele tempo, o vocábulo “operações” era analisado de forma diferenciada, levando ao entendimento anteriormente deduzido.
Esse entendimento fora sedimentado pelo STF, conforme se observa abaixo, pelo Min. Joaquim Barbosa:
O perfil constitucional do ICMS exige a ocorrência de operação de circulação de mercadorias (ou serviços) para que ocorra a incidência e, portanto, o tributo não pode ser cobrado sobre operações apenas porque elas têm por objeto ‘bens’, ou nas quais fique descaracterizada atividade mercantil-comercial. (ADI 4.565-MC, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 7-4-2011, Plenário, DJE de 27-6-2011.)
Continuando a sequência analítica, cumpre-nos vislumbrar um último elemento de identificação da matriz básica de incidência do ICMS, o vocábulo “mercadoria”, termo este que enseja cuidado especial diante das possibilidades ligadas ao e-commerce.
Para o Direito Empresarial a palavra “mercadoria” não está, explicitamente, caracterizada, o Código Comercial de 1850, em seu artigo 191, tentou limitar este entendimento, afirmando que é:
“... considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso; compreendendo-se na classe dos primeiros a moeda metálica e o papel moeda, títulos de fundos públicos, ações de companhias e papéis de crédito comerciais, contanto que nas referidas transações o comprador ou vendedor seja comerciante.” (BRASIL, 1850)
Para a doutrina, da época, o entendimento neste sentido era de que não havia uma definição sobre o que era mercadoria, mas, o mesmo era caracterizado pelo contrato de compra e venda, como acima, delimitando o escopo do contrato para se sobressair o conceito de mercadoria.
José Eduardo considera “mercadoria” como:
... bem corpóreo de atividade empresarial do produtor, industrial e comerciante, tendo por objeto a sua distribuição para consumo, compreendendo-se no estoque da empresa, distinguindo-se das coisas que tenham qualificação diversa, segundo a ciência contábil, como é o caso do ativo permanente. (MELO, 2008, p. 16)
Fica claro, até aqui, que não se trata de qualquer bem que se qualifica juridicamente como mercadoria, tem-se que levar em conta a natureza de quem promove a operação e o destino comercial que é dado por seu titular.
Nas palavras de Roque Antônio:
Para que um bem móvel seja havido por mercadoria, é mister que ele tenha por finalidade a venda ou revenda. Em suma, a qualidade distintiva entre bem móvel (gênero) e mercadoria (espécie) é extrínseca, consubstanciando-se no propósito de destinação comercial. (CARRAZZA, 2007, p. 43)
Sobressaísse o mesmo entendimento das palavras de Eduardo Sabbag ao afirmar a importância de conceituar mercadoria quando revela que “mercadoria (do latim merx) é a coisa que se constitui objeto de uma venda” (SABBAG, 2012, 1062), lembrando-se do artigo 110, do CTN, que proíbe a alteração, pela lei tributária, da definição que fora dada por outros institutos legais.
Esta delimitação emprestada pelo Direito Comercial e ratificada pela Carta de 1988 que fornece os subsídios para identificação clara do objeto de incidência do ICMS, conforme palavras de Roque Antonio, “mercadoria, para fins de tributação por meio de ICMS, é o que lei comercial, ao ensejo da promulgação da Carta de 1988, assim considerava” (CARRAZZA, 2007, p. 44), portanto, submete-se à mercancia sendo posto no mundo comercial submetido ao direito mercantil, logo, trata-se de coisa fungível (pode ser substituída por outra de mesmas características) destinada ao comércio. Como bem observa Roque Antonio ao citar Carvalho de Mendonça e outros, em uma nota:
Como lecionava Carvalho de Mendonça, ‘todas as mercadorias são necessariamente coisas; nem todas as coisas são, porém, mercadorias’. (Tratado de Direito Comercial Brasileiro, 3ª ed., vol. III, p. 28). E, logo em seguida, aduzia: ‘não há, como se vê, diferença de substância entre coisa e mercadoria; a diferença é de destinação’ (idem, ibidem). Na realidade, mercadoria (do Latim merx, mercis, o que é objeto de comércio) é coisa móvel que se preordena à operação comercial, vale dizer, é ‘o nome que as coisas móveis tomam quando objeto de comércio’ (Waldírio Bulgarelli), é ‘a coisa comercial por excelência’ (Vildari), que existe para ser revendida. (CARRAZZA, 2007, nota 15, p. 45)
Corroborando neste raciocínio Pontes de Miranda conceitua mercadoria da seguinte maneira:
Mercadoria é conceito ainda mais estreito que o de coisa: são as coisas móveis suscetíveis de comércio (mercancia). As coisas, stricto sensu, são os objetos corpóreos; de modo que, dizendo-se ‘coisas corpóreas’ e ‘coisas incorpóreas’, se faz a ‘coisas’ sinônimo de objetos. Todavia, como há objetos, inclusive coisas, que não podem ser objeto de direito, objeto de direito é somente a coisa suscetível de ser objeto de direito ou outro objeto que o seja. (MIRANDA, 2012, Tomo II, § 115)
Logo, temos “mercadoria” como objeto de direito, sendo bem corpóreo ou incorpóreo e suscetível de comércio, sempre definido em lei, em seus aspectos delineadores, sendo delimitado por outros dispositivos legais, como observa Guilherme Cezaroti ao observar:
Somente o bem que o comerciante adquire ou produz com o intuito de revenda é classificado pelo art. 179 da Lei das S/A’s em seu ativo circulante como estoque para venda, ao passo que o bem, ainda que móvel, adquirido para utilização no desenvolvimento do próprio negócio, é classificado como ativo permanente, em seu ativo imobilizado. (CEZAROTI, 2005, p. 63)
Portanto, ainda que a Constituição Federal não tenha definido “mercadoria”, explicitamente, limitou seu alcance, sendo de forma negativa a delimitação de “mercadoria”, como fora acima explanado.
Tais conceitos deixa claro que a definição de “mercadoria” é de cunho externo, ou seja, na sua destinação, portanto, ainda que circule não será, em absoluto, considerado como “mercadoria” para efeitos de ICMS, conforme observado por Sacha Calmon quando afirma que “os tribunais superiores (STJ e STF) e outros tribunais estatuais desenvolveram a tese de que o mero deslocamento físico de mercadoria sem mudança de titularidade não realiza o fato jurígeno do ICMS (e antes do ICM)” (COÊLHO, 2008, p. 534).
De forma derradeira, ao citar Marco Aurélio Greco, Guilherme Cezaroti disserta:
De acordo com Marco Aurélio Greco, o termo ‘mercadoria tem três significados de uso corrente, O primeiro sentido é identificado com a natureza dos objetos, oriundo da divisão entre bens corpóreos e incorpóreos formulada por Gaio. Os bens corpóreos são aqueles que podem ser tocados, enquanto os bens incorpóreos seriam aqueles criados pelo direito. Neste sentido, mercadoria é um bem corpóreo[6].
O segundo significado corrente do termo ‘mercadoria’ está relacionado com a qualificação subjetiva de alguém. Neste sentido, é mercadoria todo bem adquirido por comerciantes com o objetivo de revenda. Se o critério adotado é a qualidade profissional de quem intervém no contrato como parte, podem ser abrangidos bens corpóreos ou incorpóreos.
O terceiro significado encontrado por Marco Aurélio Greco para o termo ‘mercadoria’ é tudo aquilo que for objeto de um determinado mercado, ou seja, aquilo que pertença a um determinado ramo de atividades. Este é um critério econômico, que independe da qualidade dos bens ou sujeitos envolvidos. (CEZAROTI, 2005, p. 69)
Neste caminho, precisamos falar sobre a corporeidade da mercadoria, porquanto, temos dois tipos claros de mercadorias, até aqui descritos, as mercadorias corpóreas e as incorpóreas que, não é definido categoricamente pelos legisladores, conforme nos aponta Pontes de Miranda:
Quando se fala de coisas corpóreas e coisas incorpóreas, dá-se a “coisas” o sentido amplo de objeto. Aliás, os dois sentidos vêm do direito romano onde Gaio, na L. 1, § 1, D., de rerum diuisione et qualitate, 1, 8, dividia as res em res corporales e res incorporales. Poder-se-ia evitar a duplicidade de sentido (e.g., no Código Civil alemão, onde “coisa” só é objeto corpóreo); porém esse rigor técnico não tem sido a característica dos legisladores, nem da doutrina. (MIRANDA, 2012, Tomo II, § 117, item 5)
Neste quesito, cabe lembrar que, no Direito Tributário, vige a regra do Princípio da estrita legalidade e o Princípio da tipicidade ou legalidade estrita, portanto, esta falta de rigor técnico poderia ensejar problemas para a cobrança do referido imposto para os bens incorpóreos, por não se incorporarem ao conceito de mercadoria, conforme fora explanado, no entanto, o caráter de mercancia dos bens incorpóreos, a nosso ver, permite a subsunção ao termo “mercadoria” de forma a autorizar sua cobrança no imposto estudado. Me parece que, para Roque Antonio, tal dedução é clara, pois, “o ICMS é devido quando ocorrem operações jurídicas que levam as mercadorias da produção para o consumo, com fins lucrativos” (CARRAZZA, 2007, p. 46), logo, cessando a sua circulação tem-se sua cabal fungibilidade, podendo, outro produto de mesmas características, ser colocado à venda, ainda que imaterialmente, como um filme vendido pela internet, ou, um programa de computador, ou um app[7]. Indo mais além, Ricardo Lobo, assevera que a mercadoria seria qualquer bem que circule economicamente, lembrando que o conceito de Direito Comercial não vincula o Direito Tributário. (cf. LIMA, 1981, p. 45-46)
Fora apreendido este mesmo entendimento das palavras de Gabriel Pinos Shurts, parafraseado por Carlos Araújo:
Gabriel Pinos Sturts entende que o conceito secular de mercadoria deve ser flexibilizado, em face da nova realidade tecnológica que permite transformar-se uma mercadoria em dados digitalizados e transmiti-los entre dois computadores. No entender de Surts, para que um bem seja considerado mercadoria, basta que tenha valor econômico e caráter circulatório. O requisito da materialidade seria completamente dispensável. (LEONETTI, 2006, p. 245)
Portanto, para este grupo de estudiosos, a mercadoria pode ser incorpórea e, mesmo assim, guardar as características necessárias para a incidência do referido imposto, como assevera Guilherme Cezaroti:
... a existência ou ausência do corpus mechanicum não pode conduzir a um tratamento diverso da mesma operação, o que ocorreria caso considerássemos que os bens comercializados eletronicamente não são materiais, porque a simples ausência de um suporte físico não é suficiente para alterar a natureza jurídica da operação realizada, destacadamente com os fatos geradores eleitos pelo legislador constituinte brasileiro. (CEZAROTI, 2005, p. 83)
Com isto, terminamos a análise da matriz de incidência do ICMS, delimitando seus principais aspectos e clarificando as implicações dos termos dispostos no artigo 155, inciso II, da CF, agora avancemos ao estudo do aspecto espacial e temporal do ICMS, tão importante quanto a matriz de incidência, o aspecto espacial e temporal irá nos esclarecer onde e quando, efetivamente, poderá ser cobrado o ICMS.
Aspectos espacial e temporal do ICMS
O aspecto temporal é o nascedouro da obrigação tributária e, para Ricardo Alexandre, “saber se e, em caso positivo, quando ocorreu o fato gerador é a questão de maior importância dentro desta matéria, tanto para o Fisco, quanto para o contribuinte” (ALEXANDRE, 2010, p. 283), impondo obrigações e direitos ao sujeito passivo e ativo da obrigação tributária.
A LC 87/86 determina de forma clara este ponto temporal em seu artigo 12, inciso I, quando afirma ser “da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” (BRASIL, 1996), como assevera José Eduardo:
A ‘saída’ – eleita pelo legislador como elemento do fato gerador (Lei Complementar nº 87/96 – art. 12, I) – compreende o aspecto de tempo previsto na norma, uma vez que os fatos imponíveis ocorrem em um determinado momento, porque, nesse instante, nasce o direito subjetivo para a pessoa de direito público e, correlatamente, uma obrigação para o sujeito passivo.
A norma contém a descrição genérica de um fato, que se verifica numa precisa circunstância de tempo e deve ser considerado uno e incindível, embora possa ser integrado por outros elementos. (MELO, 2008, p. 20)
Portanto, a saída da mercadoria é o momento temporal para a consecução do fato gerador imponível da obrigação tributária para o ICMS, não se confundindo com a hipótese de incidência do imposto, mas, “apenas, seu aspecto temporal. É apenas o átimo em que a lei considera ocorrida a hipótese de incidência do ICMS” (CARRAZZA, 2007. P. 46-47).
No entanto, somente identificar quando tal fato gerador é imponível não responde todos os quesitos necessários para a imposição do referido imposto, é necessário, ainda, identificar onde, em que local, tal imposto será devido, qual o aspecto espacial para a cobrança do imposto.
Tal quesito é de fundamental importância para os estados uma vez que, para estes, identificará qual alíquota que incidirá sobre o valor da comercialização e se existem valores devidos a outros estados por conta desta transação, estes são os principais objetos de discórdia da atual “guerra fiscal” entre os estados, objeto do estudo, “não que a identificação do local onde ocorreu o fato gerador não possa trazer conflitos de competência entre dois entes federativos, mas neste caso a questão não será de identificação do tributo incidente, mas unicamente do ente que pode exigir o ICMS” (CEZAROTI, 2005, p. 129).
Ao abordar este assunto, Guilherme Cezaroti, afirma que “todo fato gerador ocorre em um determinado lugar, cumprindo ao legislador fixar o local (terrestre, aéreo ou marítimo) em que se repute devida a obrigação tributária” (CEZAROTI, 2005, p. 121), desta forma, o estado tributante aplicará a alíquota respectiva ao fato gerador, que será devida pelo comerciante.
No entanto, o surgimento do e-commerce gerou diversas possibilidades, antes, não tão explicitadas no mundo fenomênico, a possibilidade de se viajar para qualquer estado e, em um evento demonstrativo, gerar negócios, fato este reclamado pela ADI 4628, que causa prejuízos para o estado recebedor do evento por não tributar o produto em seu território.
Outra situação de difícil solução seria um internauta, utilizando-se de seu laptop, em um hotel no estado “A”, fecha um negócio com um comerciante que se localiza no estado “B” e solicita que a mercadoria seja entregue no estado “C”, sem falar das importações realizadas pelos correios, que são em grande número e não são tarifadas pelo simples fato de não serem declaradas. Aliás, existem diversos sites que, ao fechar a compra, informam que o produto “poderá” ser tarifado pela RFB. Observe que o vocábulo “poderá” impinge uma discricionariedade que é ilegal, tratando-se de um elemento de sorte para não ser “apanhado” pela fiscalização, logicamente, correndo o risco ser autuado por outros ilícitos fiscais.
Para o ICMS, a LC 87/96, definiu o local de ocorrência do fato gerador, sendo o artigo 11 seu descritivo, como segue:
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:
I - tratando-se de mercadoria ou bem:
a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador;
...
c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represente, de mercadoria por ele adquirida no País e que por ele não tenha transitado;
...
§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:
I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação;
II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular;
III - considera-se também estabelecimento autônomo o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado;
IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular.
§ 5º Quando a mercadoria for remetida para armazém geral ou para depósito fechado do próprio contribuinte, no mesmo Estado, a posterior saída considerar-se-á ocorrida no estabelecimento do depositante, salvo se para retornar ao estabelecimento remetente. (BRASIL, 1996)
Observa-se da leitura da lei que o legislador tentou cercar as possibilidades de ocorrência do fato gerador, de forma ampla, tentando evitar problemas interestaduais, delimitando o conceito de estabelecimento que “é uma entidade de fato na qual serão reunidos o aspecto espacial e o suporte físico a uma determinada atividade profissional” (CEZAROTI, 2005, p. 123), sendo caracterizado por qualquer meio.
Nesta toada, José Eduardo, confirma que “estabelecimento é o complexo de bens, materiais ou imateriais que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil” (MELO, 2008, p. 24) que, atualmente, pode estar, efetivamente, em qualquer lugar, inclusive na moradia do empresário de forma definitiva, ao contrário do que afirmava o referido autor ao dizer que “na residência tem-se o local destinado à moradia (ainda que excepcionalmente possa ser exercida atividade profissional)” (MELO, 2008, p. 24) (grifo nosso), observe que esta excepcionalidade tem-se tornado regra em algumas situações, logo, o legislador caracterizou que o fato gerador do ICMS não depende da existência do estabelecimento, portanto, “o que importa é a ocorrência da operação de circulação de mercadoria. Inexiste a exigência de o contribuinte situar-se em um determinado local do espeço para a incidência do ICMS, sendo necessária somente a caracterização do fato gerador”. (CEZAROTI, 2005, p. 139)
Mas, como identificar a complexidade de possibilidades que ocorrem no mundo fenomênico atual, quando lidamos com situações como a descrita por Flávio Dias, citado na página 14 deste trabalho, onde informou que serão construídos centros de distribuição fora da Região Sudeste, então, a compra realizada na Bahia, por exemplo, em um site do Wal-Mart.com, será efetivada pelo endereço comercial da empresa, São Paulo, e, será tributada neste estado, sendo que o produto será transferido entre os depósitos sem tributação, Súmula 166 do STJ, pagando a diferença de tributo na saída do depósito, na Bahia. Logo, uma exceção à regra foi criada, como afirma Carrazza:
... uma exceção a esta regra: quando a mercadoria é transferida para estabelecimento do próprio remetente, mas situado no território de outra pessoa política (Estado ou Distrito Federal), nada impede, juridicamente, que a filial venha a ser considerada “estabelecimento autônomo”, para fins de tributação por via de ICMS. Assim é para que não se prejudique o Estado (ou o Distrito Federal) de onde sai a mercadoria. (CARRAZZA, 2007, p. 58) (grifo nosso)
Tal dedução se extrai do Decreto-Lei (DL) 406/68 que determina:
Art 6º Contribuinte do impôsto é o comerciante, industrial ou produtor que promove a saída da mercadoria, o que a importa do exterior ou o que arremata em leilão ou adquire, em concorrência promovida pelo Poder Público, mercadoria importada e aprendida.
§ 2º Os Estados poderão considerar como contribuinte autônomo cada estabelecimento comercial, industrial ou produtor, permanente ou temporário do contribuinte, inclusive veículos utilizados por êste no comércio ambulante. (BRASIL, 1968)
Desta forma, tenta-se evitar o prejuízo do estado que sedia os centros de distribuição, que arrecadaria montante inferior ao estado onde se encontra a filial do comércio, ou ainda, na elisão fiscal.
A situação descrita tem ocorrido de forma mais intensa nos últimos anos, por conta da multiplicação do comércio eletrônico e pela facilidade em se vender produtos a consumidores situados em qualquer lugar do país, quiçá do mundo.
Observe que o problema fora identificado por Guilherme Cezaroti ao observar que:
No caso de venda de uma mercadoria virtual, deparamos com o problema da identificação do estabelecimento onde ocorreu o fato gerador do ICMS, em razão da dificuldade que a administração tributária pode ter para localizar o contribuinte do imposto. (CEZAROTI, 2005, p. 153)
Para isto, o artigo 11, da LC 87/86, afirma que, neste caso, será cobrado onde for encontrada a mercadoria ou onde for identificado o fato gerador, podendo ser em qualquer local, conforme denota Cezaroti:
Em caso de impossibilidade de identificação do estabelecimento, a legislação complementar previu uma regra subsidiária que dispensa a sua indicação, para fins de determinação do aspecto espacial do ICMS; basta localizar espacialmente a ocorrência do fato gerador do referido imposto (não é necessário definir em que estabelecimento ocorreu a saída da mercadoria, basta identificar onde foi realizada a operação que dá ensejo à incidência do referido imposto). (CEZAROTI, 2005, p. 153)
Portanto, temos várias situações envolvendo o aspecto espacial do ICMS, havendo a necessidade de se analisar, caso a caso, as situações de comercialização, o que tem causado transtornos ao legislador, perdas aos estados, bitributação aos contribuintes e consequente insegurança jurídica.