Capa da publicação Controle de preços da praticagem: até onde pode ir a autoridade marítima?
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A livre iniciativa e o controle de preços: um exemplo a discutir

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05/11/2017 às 13:33
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STJ entende que a autoridade marítima brasileira não pode fixar valores máximos, em caráter permanente, para os preços do serviço de praticagem prestado nas zonas portuárias.

I – A LEI 9.537/97 E A FIXAÇÃO DO PREÇO DO SERVIÇO DO PRÁTICO

 Do que se lê no julgamento do REsp 1.662196, a autoridade marítima brasileira não pode fixar valores máximos, em caráter permanente, para os preços do serviço de praticagem prestado nas zonas portuárias. Está ressalvada, porém, a possibilidade de o poder público intervir na atividade para garantir a sua continuidade no caso de interrupção do regular andamento do serviço.

A decisão foi tomada pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, ao dar provimento ao recurso especial do Sindicato dos Práticos dos Portos e Terminais Marítimos do Paraná, que questionava a fixação, por decreto, de preços máximos para o serviço de prático prestado nos portos brasileiros.

Segundo o ministro relator, Og Fernandes, o serviço de praticagem é de natureza privada, confiada a particular que preencher os requisitos estabelecidos pela autoridade pública para sua seleção e habilitação. É também serviço entregue à livre iniciativa e concorrência.

“Apenas na excepcionalidade é dada à autoridade marítima a interferência na fixação dos preços dos serviços de praticagem, para que não cesse ou se interrompa o regular andamento das atividades, como bem definiu a lei”, ressaltou o ministro.

O ministro Og Fernandes destacou que a Lei 9.537/97 estabelece que a autoridade marítima poderá fixar o preço do serviço apenas na excepcional hipótese de risco de descontinuidade de sua prestação, não sendo imperativa a obrigatoriedade do tabelamento. “A meu sentir, essa é a interpretação mais consentânea com os ditames constitucionais acerca do poder de regulação do Estado sobre a ordem econômica”, disse o relator.

Em 2012, o governo federal criou a Comissão Nacional para Assuntos de Praticagem, com o objetivo de elaborar propostas sobre a regulação de preços, abrangência das zonas e medidas de aperfeiçoamento relativas ao serviço de praticagem. A partir dos trabalhos da comissão, foi editado o Decreto 7.860/12, que instituiu o tabelamento de preços máximos dos serviços de praticagem.

O ministro destacou ainda que o decreto não poderia ampliar os limites da lei. “Não bastasse a impropriedade de seu pretensioso objeto, é amplamente sabido que o limite de um decreto regulamentar é dar efetividade ou aplicabilidade a uma norma já existente, não lhe sendo possível a ampliação ou restrição de conteúdo, sob pena de ofensa à ordem constitucional”, ressaltou.


II – A LIVRE INICIATIVA E A QUESTÃO DA FIXAÇÃO DOS PREÇOS

Em condições regulares de funcionamento do mercado concorrencial, não é possível a intervenção estatal que elimine a livre iniciativa e a livre concorrência - de que é exemplo a supressão da liberdade de fixação dos preços -. seja qual for o fundamento adotado para a medida.

A livre fixação de preços é elemento fundamental da livre iniciativa, princípio constitucional impositivo. Assim o controle prévio de preços como política pública regular viola principio constitucional.

Admite-se, todavia, que em situações anormais seja possível o controle prévio de preços pelo Estado, na medida em que o mercado privado como um todo tenha se deteriorado a ponto de não mais operarem a livre iniciativa e a livre concorrência de forma regular.

A Constituição brasileira não admite, como política pública, regular o controle prévio de preços.

Note-se que a situação de normalidade a que se fez referência não exclui, por natural, a possibilidade episódica da prática de ilícitos contra a ordem econômica. Diante de algum indício de conduta infratora ou anticoncorrencial, podem ser deflagrados os mecanismos próprios de apuração, mediante devido processo legal, e, se for o caso, de punição.

Em situações normais, o controle estatal em matéria de preços de produtos e serviços será sempre posterior à verificação de práticas abusivas ou anticoncorrenciais, assegurados os direitos fundamentais à ampla defesa e ao devido processo legal (CF, art. 5°, LIV).

A matéria envolve uma premissa de direito econômico envolvendo a possibilidade do Estado regulamentar ou regular a economia. 

Desregular significa não dar ordenação à atividade econômica, ao passo que desregulamentar, deixar de fazê-lo através de preceitos de autoridade, ou seja, jurídicos, como explicou Felipe A. Gonzáles Arzag(Sobre los conceptos de desregulación y desregulamentación, Revista de Derecho Publico y Teoria del Estado, 3, pág. 196). 

Expõe Eros Roberto Gradu(Interpretação e critica da ordem econômica, pág. 48) que devem ser feitas diante disso as seguintes indagações: a) conforma-se ao bem comum e ao princípio da justiça a regulação da atividade econômica através de mecanismos de mercado? é possível o mercado mesmo sem uma legislação que o proteja e uma vigorosa intervenção destinada a assegurar sua existência e preservação?

A resposta à primeira pergunta tem caráter sabidamente ideológico. Os cultores da fé na economia de mercado a ela responderão afirmativamente. Já quem não seja fiel a esse credo responderá de modo negativo, com apoio em verificações empíricas. 

Com relação à segunda pergunta, o ministro Eros Grau(obra citada, pág. 48) expõe que não se pode perder de vista a circunstância de que a atribuição, ao Estado, da missão de conduzir o desenrolar do processo econômico, ordenando-o, é toda ela desenvolvida sob o compromisso de preservar os mercados. Isso porque o capitalismo reclama não o afastamento do Estado dos mercados, mas sim a atuação estatal, reguladora, a serviço dos interesses do mercado. 

Assim, o mercado não seria possível sem uma legislação que o protegesse e uma racional intervenção, que assegurasse a sua existência e preservação. 

Para Felipe A. Gonzáles Arzac(obra citada, pág. 199), os que pretendem desregular a economia nada mais desejam, no fundo, senão uma mudança nas técnicas de regulação, de modo a elevar a eficácia reguladora da atuação estatal sobre o domínio econômico, isto, aliás, através de procedimentos desregulamentadores. Pretende-se desregulamentar para melhor regular. 

Dessa forma, diante de uma necessária atuação do sistema da legalidade, vem a surgir uma inflação normativa. Contra a proposta de apresentação de normas rígidas, se opõe a adoção de normas flexíveis, indutoras de comportamentos, que poderá não produzir a eficácia da demanda. 

O sistema capitalista é preservado pela Constituição de 1988. O modo de produção, os esquemas de repartição do produto e os mercados capitalistas são mantidos em sua integridade pela Constituição de 1988.

A questão da fixação de tabelamento de preços, dentro da atual ordem econômica somente virá em situações excepcionais. 

A experiência demonstrou que o sistema de autorregulação do mercado nem sempre é eficaz em relação a um conjunto de outros aspectos dos produtos e serviços, como qualidade e segurança, veracidade das informações ao consumidor, vedação de cláusulas abusivas, atendimento pós-consumo etc. Daí a necessidade de uma regulamentação específica de proteção ao consumidor, que veio inscrita inclusive como um direito individual constitucionalizado.

Trata-se, aqui, tanto de um princípio de funcionamento da ordem econômica, ao qual está vinculada a iniciativa privada, quanto de um dever do Estado. A ele cabe, não apenas assegurar um mercado efetivamente concorrencial, como também criar condições equitativas entre partes naturalmente desiguais, ainda que de forma induzida, e assegurar condições objetivas de boa fé negocial, como demonstrou Teresa Negreiros(Fundamentos para uma intepretação constitucional do princípio da boa-fé, 1998).

A opção por uma economia capitalista se funda na crença de que o método mais eficiente de assegurar a satisfação dos interesses do consumidor de uma forma geral é através de um mercado em condições de livre concorrência, especialmente no que diz respeito a preços.

Respeita-se o principio da livre iniciativa. 

Particularmente, acerca da livre iniciativa e dos demais princípios que com ela convivem, escreveu ainda uma vez Diogo de Figueiredo Moreira Neto: "O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o da definição da função social da empresa; o princípio da liberdade de lucro, bem como o da liberdade de competição, moderam-se com o da repressão do abuso de poder econômico; o princípio da liberdade de contratação limita-se pela aplicação dos princípios de valorização do trabalho e da harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção; e, finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se com o princípio da função social da propriedade."(Ordem Econômica e desenvolvimento na Constituição de 1988, pág. 28).

Disse o ministro Luis Roberto Barroso( A ordem econômica constitucional e os limites à atuação estatal no controle de preços) : “Ora bem: se a liberdade para fixar preços de acordo com o mercado concorrencial é da própria essência da livre iniciativa, ela não pode ser eliminada de forma peremptória, sob pena de negação do princípio, e não de ponderação com outros valores. A menos que - e este é o ponto a que se chegará mais à frente - o controle prévio fosse necessário para recompor o próprio sistema de livre iniciativa. Além desses dois princípios fundamentais - livre iniciativa e valorização do trabalho -, o art. 170 apresenta, ainda, um conjunto de princípios setoriaisls que, em harmonia com esses, deverão conduzir a ordem econômica.”

O Supremo Tribunal Federal já enfrentou a matéria: 

“CONSTITUCIONAL. ECONÔMICO. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA: REGULAMENTAÇÃO E REGULAÇÃO DE SETORES ECONÔMICOS: NORMAS DE INTERVENÇÃO. LIBERDADE DE INICIATIVA. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I. - A intervenção estatal na economia,  e diante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II. - Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa. III. – Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferiores. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV. - Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V. - RE conhecido e provido”(RE nº 422.941/DF, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos  Velloso, DJ de 24/3/06).

 “Agravo regimental no recurso extraordinário

Responsabilidade civil do Estado. Setor sucroalcooleiro. Fixação de preços. Legislação infraconstitucional. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Princípio da livre iniciativa. Violação. Precedentes. 1. Inadmissível em recurso extraordinário a análise de legislação infraconstitucional e o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência das Súmulas nº s 636 e 279/STF. 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que fere o princípio da livre iniciativa a fixação de preços em valores abaixo da realidade. 3. Agravo regimental não provido” (RE nº 598.537/PEAgR, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 29/3/11). Ressalte-se que, mais recentemente, este colegiado, no exame do RE nº 632.644/DF-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 10/5/12, examinando situação similar à dos presentes autos, reconheceu a “responsabilidade objetiva da União em face do ato estatal que fixou os preços dos produtos sucroalcooleiros em valores inferiores ao levantamento de custos realizados pela Fundação Getúlio Vargas”.

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O referido julgado restou assim ementado:

 “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO.RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. FIXAÇÃO PELO PODER EXECUTIVO DOS PREÇOS DOS PRODUTOS DERIVADOS DA CANA-DE-AÇÚCAR ABAIXO DO PREÇO DE CUSTO. DANO MATERIAL. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. 1. A intervenção estatal na economia como instrumento de regulação dos setores econômicos é consagrada pela Carta Magna de 1988. 2. Deveras, a intervenção deve ser exercida com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica, cuja previsão resta plasmada no art. 170 da Constituição Federal, de modo a não malferir o princípio da livre iniciativa, um dos pilares da república (art. 1º da CF/1988). Nesse sentido, confira-se abalizada doutrina: As atividades econômicas surgem e se desenvolvem por força de suas próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do livre jogo dos mercados. Essa ordem, no entanto, pode ser quebrada ou distorcida em razão de monopólios, oligopólios, cartéis, trustes e outras deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas mãos de um ou de poucos. Essas deformações da ordem econômica acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a concorrência e por dominar, em consequência, os mercados e, de outro, por desestimular a produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento. Em suma, desafiam o próprio Estado, que se vê obrigado a intervir para proteger aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da livre concorrência e do livre embate dos mercados, e para manter constante a compatibilização, característica da economia atual, da liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social. A intervenção está, substancialmente, consagrada na Constituição Federal nos arts.173 e 174. Nesse sentido ensina Duciran Van Marsen Farena (RPGE, 32:71) que ‘O instituto da intervenção, em todas suas modalidades encontra previsão abstrata nos artigos 173 e 174, da Lei Maior. O primeiro desses dispositivos permite ao Estado explorar diretamente a atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. O segundo outorga ao Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica. o poder para exercer, na forma da lei as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo esse determinante para o setor público e indicativo para o privado’. Pela intervenção o Estado, com o fito de assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social (art. 170 da CF), pode restringir, condicionar ou mesmo suprimir a iniciativa privada em certa área da atividade econômica. Não obstante, os atos e medidas que consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Direito, consignado expressamente em nossa Lei Maior, como é o princípio da livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse respeito que ‘As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa’ (DIÓGENES GASPARINI, in Curso de Direito Administrativo, 8ª Edição, Ed.Saraiva, págs. 629/630, cit., p. 64). 3. O Supremo TribunalFederal firmou a orientação no sentido de que ‘a desobediência aos próprios termos da política econômica estadual desenvolvida, gerando danos patrimoniais aos agentes econômicos envolvidos, são fatores que acarretam insegurança e instabilidade, desfavoráveis à coletividade e, em última análise, ao próprio consumidor’ (RE 422.941, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ de 24/03/2006). 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ADMINISTRATIVO. LEI 4.870/1965. SETOR SUCROALCOOLEIRO. FIXAÇÃO DE PREÇOS PELO INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL – IAA. LEVANTAMENTO DE CUSTOS, CONSIDERANDO-SE A PRODUTIVIDADE MÍNIMA. PARECER DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV. DIFERENÇA ENTRE PREÇOS E CUSTOS. 1. Ressalvado o entendimento deste Relator sobre a matéria, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de ser devida a indenização, pelo Estado, decorrente de intervenção nos preços praticados pelas empresas do setor sucroalcooleiro. 2. Recurso Especial provido. 5. Agravo regimental a que se negaprovimento” (RE nº 632.644/DF-AgR, Relator o Ministro Luiz Fux, DJe de 10/5/12).

Assim, cabe ao Estado fiscalizar o regular atendimento, pela iniciativa privada, dos princípios de funcionamento da ordem econômica. No desempenho dessa competência, deverá editar normas coibindo abusos contra o consumidor, prevenindo danos à natureza ou sancionando condutas anti-concorrenciais, para citar alguns exemplos. Ao traçar esta disciplina, deverá o Poder Público, como natural, pautar-se no quadro da Constituição, tendo como vetor interpretativo os fundamentos do Estado e da ordem econômica: livre iniciativa e valorização do trabalho.

Na matéria, ensinou Técio Lins e Silva(Congelamento de preços – tabelamentos oficiais(parecer), in Revista de Direito Público, n. 91, pág. 77/78):

"Em consequência, deve-se dizer, portanto, que o sentido do papel do Estado como agente normativo e regulador está delimitado, negativamente, pela livre iniciativa, que não pode ser suprimida. O Estado, ao agir, tem o dever de omitir a sua supressão. Positivamente, os limites das funções de fiscalização, estímulo e planejamento estão nos princípios da ordem, que são a sua condição de possibilidade. O primeiro deles é a soberania nacional. Nada fora do pacto constituinte. Nenhuma vontade pode se impor de fora do pacto constitucional, nem mesmo em nome de alguma racionalidade da eficiência, externa e tirânica. O segundo é a propriedade privada, condição inerente à livre iniciativa. O terceiro é a função social da propriedade, que tem a ver com a valorização do trabalho humano e confere o conteúdo positivo da liberdade de iniciativa. O quarto é a livre concorrência: a livre iniciativa é para todos, sem exclusões e discriminações. O quinto é a defesa do consumidor, devendo-se velar para que a produção esteja a serviço do consumo, e não este a serviço daquela. O sexto é a defesa do meio ambiente, entendendo-se que uma natureza sadia é um limite à atividade e também sua condição de exercício. ( ... ) Esses nove princípios não se contrapõem aos fundamentos da ordem, mas dão-lhes seu espaço relativo. Cumpre ao Estado assegurar os fundamentos, a partir dos princípios. Não se pode, por isso, em nome de qualquer deles eliminar a livre iniciativa nem desvalorizar o trabalho humano. Fiscalizar, estimular, planejar, portanto, são funções a serviço dos fundamentos da ordem, conforme seus princípios. Jamais devem ser entendidos como fun- ções que, supostamente em nome dos princípios, destruam seus fundamentos. "

Celso Antônio Bandeira de Mello(Liberdade de iniciativa. Intromissão estatal indevida no domínio econômico, 1999, in Revista de Direito Administrativo e Constitucional n. 1, pág. 178/179):

“..... com o advento da Constituição de 1988, tornou-se enfaticamente explí- cito que, nem mesmo o planejamento econômico - feito pelo Poder Público para algum setor de atividade ou para o conjunto deles - pode impor-se como obrigatório para o setor privado. É o que está estampado com todas as letras, no art. 174. ( ... ) Em suma: a dicção categórica do artigo deixa explícito que, a título de planejar, o Estado não pode impor aos particulares nem mesmo o atendimento às diretrizes ou intenções pretendidas, mas apenas incentivar, atrair os particulares, mediante planejamento indicativo que se apresente como sedutor para condicionar a atuação da iniciativa privada. "

O planejamento econômico do Estado é apenas indicativo para o setor privado.

Não há, na ordem econômica constitucional, que se falar em dirigismo econômico, como ensinou Tércio Sampaio Ferraz Júnior(obra citada, pág. 76/88):

“ O dirigismo econômico é próprio dos modelos coletivistas, baseados na planificação centralizada e cogente e na propriedade coletiva dos meios de produção. O mercado deixa de estar centrado na atividade das pessoas e dos grupos privados e passa a ser largamente manipulado pelo Estado. Já nos Estados que optaram pela livre iniciativa, a disciplina é um instrumento de intervencionismo econômico - prática que teve o seu ponto alto no período em que se fortaleceu a ideia de Estado de bem-estar social -, mas se rege por um postulado essencial: o de que o livre mercado concorrencial é o mecanismo mais eficaz de produção de riquezas e bem estar (ainda que longe de ser perfeito). Em suma: a disciplina é forma de intervenção que se dá não contra o mercado, mas a seu favor.”

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A livre iniciativa e o controle de preços: um exemplo a discutir. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5240, 5 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60742. Acesso em: 19 abr. 2024.

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