Deslocados ambientais e a (im)possibilidade da utilização da Lei nº 9.474/97 para sua proteção

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Você sabe quem são os "deslocados ambientais"? Entenda quem são eles e porque se questiona a aplicação da Lei nº 9.474/97- que recepcionou o Estatuto dos Refugiados de 1951 ao ordenamento jurídico brasileiro - para estes casos.

RESUMO: O presente trabalho desenvolve estudo acerca dos deslocados ambientais, e se é possível a aplicação da Lei n.9.474/97, que recepcionou o estatuto dos Refugiados de 1951, ao ordenamento jurídico brasileiro. Para realizar esta verificação, partiu-se do conceito de princípio e depois se estudou especificamente o princípio da isonomia, e ao final verificou-se não ser possível a utilização da Lei n.9.474/97, sendo necessário a criação de uma legislação específica acerca do tema. Metodologia empregada, na Fase de Investigação foi utilizado o Método Indutivo, no Tratamento de Dados o Método Cartesiano, e, com base na lógica Indutiva. Nas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica.

Palavras-Chave: Princípios; Isonomia; Deslocados Ambientais;

ABSTRACT: This paper develops a study about environmental displaced persons and if is possible use the Law n.9.474/97  which approved the Status of Refugees of 1951 in the Brazilian legal system, for your protection. To perform this check started with the concept of principle and then specifically studied the principle of equality, and at the end was confirmed, the law n.9.474 / 97 can’t be used to protect the environmental displaced, the creation of a specific legislation is necessary . methodology in Research Phase Inductive method was used in the Cartesian Data Processing Method and, based on inductive logic. The phases of the research, the techniques have driven the Referent, Category, Operational Concept and Library Research.

Key-words: Principles; equality; Displaced Environmental;


INTRODUÇÃO

Os deslocados ambientais são pessoas que, por motivos de desastre ambiental natural ou causados pelo homem, são obrigadas a deixar sua residência ou localidade habitual, migrando para lugares onde possam ser mantidos em segurança no que concerne aos fatores ambientais que os atingiu.

Por outro lado, refugiados são, nos termos da Lei n.9.474/97, os indivíduos que, devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontram-se fora de seu país de nacionalidade e não possam ou não queiram acolher-se à proteção de tal país, são considerados refugiados também aqueles que, não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possam ou não queiram regressar a ele, em função das circunstâncias anteriormente descritas, ou também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos.

Como é perceptível, são conceitos que não se completam e, apesar de ocorrerem em situações relativamente análogas, não são passíveis de utilização do mesmo instrumento jurídico para o oferecimento de certas garantias.

Nesse contexto, o princípio da isonomia oferece aos nacionais de outros países uma proteção relativa de direitos, mas eles somente podem ser garantidos quando essas pessoas são devidamente registradas em nosso pais. Por óbvio, os direitos naturais são garantidos independentemente desse registro, tais como o direito à vida, à segurança e etc., mas os direitos ouros, como um trabalho digno, abertura de contas bancárias, empréstimos, financiamentos para moradia, educação, e alguns outros, dependem do registro do estrangeiro no país.

Assim, o presente artigo buscou, inicialmente, trazer conceitos acerca do que são princípios, e a diferença entre princípios e regras. Em seguida, foram realizadas breves considerações sobre o princípio da isonomia especificamente, para ao final tratar, especificamente, dos deslocados e da Lei n.9.474/97, verificando se é possível sua utilização para os deslocados ambientais ou se restou confirmada a hipótese inicial onde não seria possível a utilização de tal legislação.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação[1] foi utilizado o Método Indutivo[2], na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano[3], e, com base na lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente[4], da Categoria[5], do Conceito Operacional[6] e da Pesquisa Bibliográfica[7].

Essas são as propostas deste trabalho. A observação de um tema novo, complexo e ainda um tanto indefinido quanto às suas soluções e que necessita de uma abordagem desprovida de qualquer preconceito, deixando estimuladas as reflexões sobre o que ora for exposto.


1. PRINCÍPIOS E A EFICÁCIA DAS NORMAS

Os princípios figuram na base do ordenamento jurídico, vêm do início, são os primórdios, são o conjunto de costumes que se estabeleceram com o passar dos anos e se tornaram fontes do próprio direito. Figuram como bases concretas para elaboração das regras expressas que regem a sociedade. Para Alexy[8], “princípios são mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas e fáticas”.

Humberto Ávila, por seu turno, ao escrever sobre a teoria dos princípios, traça um panorama no qual apresenta a definição de Josef Esser, para quem “princípios são aquelas normas que estabelecem fundamentos para que determinado mandamento seja encontrado”, bem como a conclusão a que chega Karl Larenz, que aduz que princípios são “normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente”[9].

Nesse passo, Ávila conclui que:

[...] Daí a definição de princípios como deveres de otimização aplicáveis em vários graus segundo as possibilidades normativas e fáticas: normativas, porque a aplicação dos princípios depende dos princípios e regras que a eles se contrapõem; fáticas, porque o conteúdo dos princípios como normas de conduta só pode ser determinado quando diante dos fatos[10].

Por fim, Canotilho[11] esclarece que “os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos”.

Nesse cenário, Paulo Marcio Cruz[12], ao falar sobre os princípios, afirma que “eles são partes que coabitam num mesmo ordenamento, sendo que os primeiros são espécies e os segundos são gêneros destas”. Quando o autor se refere aos primeiros ele está falando em princípios, consequentemente os segundos são as regras. Nota-se, nas palavras do autor, que o princípio é algo primordial na resolução de conflitos entre regras[13].

Mas é possível distinguir o princípio da norma? Sobre este questionamento, Alexy[14] afirma que os princípios são razões para regras ou são eles mesmos regras, ressaltando, ainda, a possibilidade de se constituírem em normas de argumentação ou normas de comportamento. O autor aponta como critério distintivo o seguinte:

[...] O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau[15].

Na mesma linha, por sua vez, temos Sérgio Servulo da Cunha[16], que diz: “os princípios, portanto, sob esse aspecto, são opções valorativas implicadas, como fundamento, no enunciado das normas”. O autor demonstra mais uma vez que as normas, para serem criadas, necessitam de fundamentos e, para buscar estes fundamentos, são necessários que sejam seguidos os princípios.

Porém, podem acontecer conflitos entre as regras e princípios. Nesses casos, exclui-se a regra conflitante em face da incompatibilidade, e, caso ocorra conflito entre os princípios, segundo Espindola ao citar Dworkin, o legislador deverá optar por um dos princípios, sem que o outro seja rechaçado do sistema, ou deixe de ser aplicado a outros casos que comportem sua aceitação[17]; em outras palavras, o princípio que foi afastado não deixa de ter valor, ele poderá ser usado em outras relações jurídicas e na mesma proporcionalidade que o outro fora usado anteriormente, acontece que cada um deles será aplicado de acordo com a situação específica.

Superado o aspecto conceitual de princípios, é necessário agora adentramos no mundo das normas e de sua eficácia, a doutrina acomoda pelo menos três classificações, aqui descritas por Ricardo Cunha Chimenti, Fernando Capez, Márcio F. Elias Rosa e Marisa F. Santos[18], na seguinte forma: norma de eficácia limitada, norma de eficácia contida e eficácia plena.

A primeira comportaria os dispositivos onde se apresentem as expressões “nos termos da lei” ou ”na forma da lei” e etc., evidenciando assim que sua aplicabilidade não é imediata, sendo ela incompleta, necessitando de complemento para gerar seus efeitos principais. Por outro lado, as normas de eficácia contida seriam aquelas que concedem direitos que futuramente podem ser restringidos por legislação posterior especial. Por último, as normas de eficácia plena são as normas que têm aplicação imediata, independentemente de regulamentação posterior, e não estão passíveis de terem os seus efeitos restringidos posteriormente. Conforme leciona José Afonso da Silva[19], são as normas que criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, desde logo exigíveis, não necessitando assim de qualquer disciplina legislativa.

Partindo da classificação doutrinária acima, nota-se que o artigo 5º da Constituição Federal, o qual dispõe que “todos são iguais perante a lei, sejam brasileiros ou estrangeiros”, é por obvio um artigo de eficácia plena, pois não precisa ele de outra norma que o complemente, estando de forma expressa que a igualdade é uma garantia ao ser humano independentemente de qualquer outra exigência estabelecida.

A interpretação deste artigo é bastante ampla, pois o significado da própria palavra igualdade é imenso[20]. Sendo assim, imagina-se que o legislador ,quando estabeleceu tal direito fundamental na CRFB/88, não gostaria que este fosse restrito a aspectos pequenos de interpretação.

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Assim, com base em todos os aspectos que foram relacionados anteriormente, percebemos que, no ordenamento jurídico, para que seja resolvido conflito que verse sobre valores, e aqui, especificamente, falando da igualdade do indivíduo, os princípios são a base.

Nesta busca incessante pela igualdade plena, está toda uma nação que procura pelos seus direitos, querendo por vez colocar em prática o que expressa o texto da lei. Todavia, esta “luta” não é da atualidade. Há anos o ser humano reconhece que é capaz de exercer esta autonomia de se colocar diante das situações e se fazer valer, o que é certo, pois existe amparo legal para tanto, porém a igualdade nem sempre é garantida pelo Estado de forma plena.


2. O PRINCÍPIO DA ISONOMIA EM RELAÇÃO AOS ESTRANGEIROS

O princípio da isonomia, ou conhecido também como princípio da igualdade, norteia os ramos da vida cível desde os tempos antigos, a passos curtos, mas firmes. Com eles, foi possível a formação de uma sociedade mais igualitária em direitos e deveres e essa construção, como bem se sabe, vem da Grécia Antiga até a sociedade moderna[21].

Com o passar dos anos, a sociedade buscou por igualdade em nosso ordenamento jurídico. E assim, surgiu a Constituição de 1988, mais conhecida coma constituição cidadã, que foi o ponto chave para regularização e reconhecimento desse direito há muito buscado; não que ele não existisse, mas foi com a partir da CRFB/88 que se vislumbrou sua aplicação sem outras supressões. Para estruturar esta ideia, vejamos o que diz Alexandre da Rosa[22]:

[...] A Constituição Federal de 1988 adotou, como já visto anteriormente, o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, mostrando-nos que o tratamento desigual dos casos desiguais, à medida que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça, ou ainda, que o princípio da isonomia protege certas finalidades.

Ainda falando sobre a igualdade perante a legislação, Marcono e Souza citado por José Cretella Junior[23] dizem que:

[...] Todos os indivíduos, quaisquer que sejam os seus títulos, a sua riqueza e sua classe social, estão sujeitos a mesma lei civil. Em paridade de condições, ninguém pode ser tratado excepcionalmente, e, por isso, o direito de igualdade não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais por parte de cada um.

Como dito, em nosso ordenamento jurídico o referido principio se encontra pacificado no art. 5º, caput, da CRFB/88 onde diz “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...)" e, além disso, tem como referência o art. 3°, inciso IV, para o qual “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” é um fundamento da República. Assim, percebe-se a importância dada pelos constituintes brasileiros ao princípio da igualdade, colocando-o como base, estrutura para a formação da república na CRFB/88[24].

Marciano Seabra de Godoi[25] esclarece que é melhor conceituar a igualdade como “tratar os indivíduos como iguais” do que tratar os indivíduos igualmente. O autor, citando Habermas, diz que não deve ocorrer necessariamente uma igualdade na forma de tratamento prevista em lei, deve existir, sim, uma equiparação nos direitos e “na forma efetiva em que participam do processo de elaboração da norma”.

Essa mesma igualdade apresentada pelos autores acima, como alude Luís Pinto Ferreira pode ser ainda estudada em duas formas: a igualdade perante a lei ou igualdade formal. Deve ser entendida como igualdade diante da lei vigente e da lei a ser elaborada, devendo ser interpretada como um impedimento à legislação de privilégios de classes, como igualdade diante dos administradores e dos juízes[26].

Por outro viés, a igualdade material é o instrumento de concretização da igualdade em sentido formal, tirando-o da letra fria da lei para viabilizá-lo no mundo prático. Deve ser entendida como o tratamento igual e uniformizado de todos os seres humanos, bem como sua equiparação no que diz respeito à concessão de oportunidades de forma igualitária a todos os indivíduos[27].

O principio da isonomia também tem guarida em instrumentos internacionais. Desde a Declaração dos Direitos Humanos de 1948, temos o seguinte texto que traz em seu bojo um avanço significativo. Vejamos alguns trechos importantes ao tema em debate:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo.

(...)

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.

(...)

Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo II Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

E ela é seguida por outro instrumento, a nível mais regional, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos de 1969, ou Pacto de São José da Costa Rica. Já no que concerne à legislação do Brasil, anteriormente foi dito que a CRFB/88 foi o divisor de águas, mas não se pode olvidar que as constituições anteriores[28] também apresentavam o princípio da igualdade, mas não como um direito fundamental, mas tão somente como uma garantia individual outra.

Por tudo o que se expôs, conclui-se que é dever do Estado, amplo sentido, se necessário por imposição judicial, promover efetivamente a redução das desigualdades, tanto entre os nacionais quanto entre os estrangeiros e nacionais, por meio das chamadas ações afirmativas, que, em outras palavras, em sua forma didática, consiste em atos ou medidas especiais e temporárias, tomadas ou determinadas pelo estado, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, decorrentes de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros[29].

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Sobre os autores
Yury Augusto dos Santos Queiroz

Possui Graduação em direito pela Universidade do Vale do Itajaí –UNIVALI, campus Balneário Camboriú, colaborador do grupo de pesquisa e extensão PAIDEIA. ([email protected])

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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