Representatividade na Câmara dos Deputados: O modelo utilizado nos E.U.A. aplicado ao Brasil

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5.   DISTRIBUIÇÃO ATUAL DOS ASSENTOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL

No Brasil, a casa de representação do povo é a Câmara dos Deputados, atualmente com 513 assentos, distribuídos entre os Estados conforme regras constitucionais, conforme segue abaixo:

Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.

Assim, as diretrizes constitucionais para a distribuição das cadeiras da Câmara dos Deputados são um método proporcional população de cada Estado e a garantia um mínimo de 8 e um máximo de 70 deputados dentro de cada Estado.

A distribuição de assentos atual é resultante da Lei Complementar n.º 78 de 1993, que definiu 513 como o número máximo de Deputados Federais, de dados populacionais levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e de cálculos elaborados pelo TSE que resultam na distribuição das cadeiras entre os Estados.

Sobre esses cálculos do TSE e posterior divulgação da distribuição das cadeiras, o STF julgou em 2014 (ADI 4947, 4963, 4965, 5020, 5028 e 5130 e ADC 33) que a definição da distribuição, inclusive da forma de cálculo, pelo próprio TSE infringe o texto constitucional, tendo em vista que o art. 45 da CF estabelece que a definição da representação de cada Estado será realizada por meio de lei complementar.

Sendo assim, as alterações aprovadas no âmbito do TSE no período anterior as eleições de 2014 acabaram não sendo efetivadas para a legislatura 2015-2018. Logo, a sistemática de atualização dessa divisão de cadeiras entre Estados ainda carece de uma consolidação, através de uma Lei Complementar que venha a substituir ou alterar a LC n.º 78.

Com isso, nas últimas legislaturas, a distribuição dos assentos da Câmara dos Deputados entre os Estados permaneceu inalterada, conforme tabela abaixo, onde é apontado também a estimativa do IBGE (2016) para a população brasileira atual e sua distribuição territorial.

Estado

Representantes

População 2016

Hab/Cadeira

São Paulo

70

44.882.467

641.178

Minas Gerais

53

21.039.408

396.970

Rio de Janeiro

46

16.669.773

362.386

Bahia

39

15.299.307

392.290

Rio Grande do Sul

31

11.305.148

364.682

Paraná

30

11.272.776

375.759

Pernambuco

25

9.431.007

377.240

Ceará

22

8.987.536

408.524

Pará

17

8.299.580

488.211

Maranhão

18

6.965.176

386.954

Santa Catarina

16

6.939.202

433.700

Goiás

17

6.723.924

395.525

Amazonas

8

4.021.319

502.665

Paraíba

12

4.006.408

333.867

Espírito Santo

10

3.986.772

398.677

Rio Grande do Norte

8

3.486.264

435.783

Alagoas

9

3.364.456

373.828

Mato Grosso

8

3.317.917

414.740

Piauí

10

3.215.382

321.538

Distrito Federal

8

2.994.146

374.268

Mato Grosso do Sul

8

2.693.077

336.635

Sergipe

8

2.273.656

284.207

Rondônia

8

1.793.736

224.217

Tocantins

8

1.538.757

192.345

Acre

8

820.773

102.597

Amapá

8

787.891

98.486

Roraima

8

517.917

64.740

TOTAL

513

206.633.775

402.795

No caso brasileiro, percebe-se que o constituinte se preocupou fortemente em não permitir a elevada concentração do poder nas mãos de poucos Estados dentro da Câmara dos Deputados. Com o estabelecimento de um mínimo de 8 e o máximo de 70 cadeiras para cada Estado, efetivar uma distribuição igualitária em relação a população de cada Estado se torna tarefa inalcançável.

Como consequência dessas exigências constitucionais, a distorção na representatividade em relação a população é gritante. Enquanto em São Paulo (Estado mais populoso) um deputado federal representa em média 640 mil habitantes, um parlamentar de Roraima (Estado menos populoso) representa cerca de 64 mil habitantes. Assim, como ambos os deputados de ambos os Estados tem a mesma força dentro da Câmara, se pode afirmar que o “valor” do voto para Deputado Federal de um eleitor de Roraima tem dez vezes mais poder do que o de São Paulo.

Assim, fica evidente que trazer a preocupação de evitar desigualdade de forças entre Estados dentro da Câmara dos Deputados acabou por resultar numa situação em que a representação popular não consegue ser igualitária, justamente na casa legislativa que deveria observar esse preceito básico.


6.   PROJEÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO DOS ASSENTOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS FEDERAIS DO BRASIL CASO ADOTADO O MODELO DOS EUA

De todos os pontos expostos nos tópicos anteriores, fica claro que o modelo americano de distribuição das vagas, entre os Estados, na casa legislativa do povo, permite uma divisão mais igualitária em relação a população, acarretando numa situação em que o poder de voto de cada eleitor tem um peso relativamente similar, algo a ser defendido, tendo em vista que uma vez eleito cada congressista terá o mesmo peso decisório no processo legislativo.

Sendo assim, de forma a propor um ponto de partida para análises de soluções capazes de tornar a relação habitantes/cadeira mais igualitária na Câmara dos Deputados brasileira, foi realizado um estudo onde a divisão dos 513 assentos se deu através do tamanha da população de cada Estado, sem observar a exigência constitucional de um número máximo de 70 e mínimo de 8 deputados por UF.

Como método para a distribuição, foi encontrada a relação ideal de habitantes por cadeira no Brasil, dividindo-se a população estimada pelo IBGE (2016) para os dias atuais pelas 513 cadeiras, resultando numa representatividade ideal de 1 deputado federal para cada 402.795 habitantes.

No passo seguinte, a população de cada Estado foi dividida pelo quociente acima extraído (402.795), desta operação o número inteiro representa o número inicial de assentos. As vagas restantes da etapa de cálculo anterior foram distribuídas aos Estados que mais próximos se encontraram de obter mais um assento, até serem preenchidos todos os 513 assentos. Com o resultado final foi elaborada a tabela de distribuição abaixo:

Estado

Cadeiras

População

Hab/Cadeira

São Paulo

111

44.882.467

404.347

Minas Gerais

52

21.039.408

404.604

Rio de Janeiro

41

16.669.773

406.580

Bahia

38

15.299.307

402.613

Rio Grande do Sul

28

11.305.148

403.755

Paraná

28

11.272.776

402.599

Pernambuco

23

9.431.007

410.044

Ceará

22

8.987.536

408.524

Pará

21

8.299.580

395.218

Maranhão

17

6.965.176

409.716

Santa Catarina

17

6.939.202

408.188

Goiás

17

6.723.924

395.525

Amazonas

10

4.021.319

402.132

Paraíba

10

4.006.408

400.641

Espírito Santo

10

3.986.772

398.677

Rio Grande do Norte

9

3.486.264

387.363

Alagoas

8

3.364.456

420.557

Mato Grosso

8

3.317.917

414.740

Piauí

8

3.215.382

401.923

Distrito Federal

8

2.994.146

374.268

Mato Grosso do Sul

7

2.693.077

384.725

Sergipe

6

2.273.656

378.943

Rondônia

5

1.793.736

358.747

Tocantins

4

1.538.757

384.689

Acre

2

820.773

410.387

Amapá

2

787.891

393.946

Roraima

1

517.917

517.917

TOTAL

513

206.633.775

402.795

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Do resultado, podemos verificar que os três Estados mais populosos, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro ficariam com 111, 52 e 41 assentos, respectivamente. Enquanto isso, Estados menos populosos como Roraima, Acre e Amapá ficariam com 1, 2 e 2 assentos.

De início, até parece uma concentração exagerada de assentos em alguns poucos Estados, com potencial para causar desiquilíbrio no poder legislativo e na federação, mas, quando são realizadas análises preliminares, observa-se que nos EUA a concentração ocorre em termos similares, sem que sejam verificados maiores prejuízos ao funcionamento do poder legislativo.

Como elemento para justificar o parágrafo acima, temos que as cinco UF mais populosas do Brasil (representando 18,5% do total de Estados) teriam juntas 270 deputados (52,6% dos assentos), já nos EUA, os nove Estados mais populosos (representando similarmente 18% do total de Estados) possuem juntos 223 assentos (51.2% dos assentos).

Assim, pode-se verificar preliminarmente que a utilização do modelo americano para distribuição dos assentos na Câmara dos Deputados não acarretaria em uma concentração em níveis superiores ao já observado nos EUA. Na análise superficial proposta nesse trabalho, talvez a grande diferença seria a concentração de deputados federais no Estado mais populoso do Brasil (São Paulo), que ficaria com cerca de 21,6% dos assentos, enquanto a Califórnia, nos EUA, possui pouco mais de 12% das cadeiras da Casa dos Representantes.

Além disso, é necessário destacar que a representatividade das UF menos populosas do Brasil ainda seria maior do que a observada nos Estados menos adensados dos EUA, uma vez que somente Roraima teria apenas 1 deputado federal, enquanto essa situação de representação unitária é observada em 4 Estados americanos.


   7.   CONCLUSÃO

A atual forma de divisão de assentos da Câmara dos Deputados no Brasil, resulta numa grande diferença no valor do voto dos eleitores, quando se compara o número de votos necessários para eleição de um parlamentar em Estados menos populosos com o mesmo número nos Estados com maior número de habitantes.

A utilização de um formato de distribuição das vagas, similar ao utilizado nos EUA seria uma forma de tornar a representatividade mais igualitária em relação a população residente em cada UF brasileira.

A implantação dessa alteração somente é possível através de Emenda Constitucional, tendo em vista que é a Carta Maior que estabelece um número mínimo e máximo de deputados por Estado, que acaba por ser o fator que impede a igualdade buscada pelo método aplicado nos EUA.

Por fim, é necessário avaliar mais profundamente os impactos que essa nova metodologia de divisão de assentos acarretaria na formatação do poder legislativo e as alterações que precisariam ser realizadas no ordenamento jurídico, como, por exemplo, a forma de definição do número de vagas nas Assembleias Legislativas estaduais que atualmente ocorre através de relação com o número de deputados federais.   


   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROS, S. R.  Estado Unitário, Estado Regional, Estado Federal. Disponível em <http://www.srbarros.com.br/pt/estado-unitario-estado-regional-estado-federal.cont> Acesso em 21 de novembro de 2016.

IBGE. Projeção Populacional. Disponível em <http://www.ibge.gov.br /apps/populacao/projecao/index.html em 10/11/2016> Acesso em 10 de novembro de 2016.

KELSEN, H. Formas de Governo: Democracia e Autocracia. In. KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado. Traduzido por Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes. 2000, p. 405-432.

LACOMBE, A. M. O Bicameralismo. Disponível em, <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI46437,41046-O+Bicameralismo> Acesso em 25 de novembro de 2016.

MONTESQUIEU, C. S.  A constituição da Inglaterra. In. MONTESQUIEU. O espirito das leis. Traduzido por Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes. 2000 p. 167-178.

SCHMECKEBIER, F. L. The method of Equal Proportions. Law and Contemporary Problems. Volume 17, n. 2, Legislative Reapportionment. 1952, p. 302-313.

SUPREMO Tribunal Federal. STF declara inconstitucionalidade de normas sobre número de deputados. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=269475> Acesso em 28 de novembro de 2016.

UNITED States Census Bureau. Population Estimates. United States Department of Commerce. Disponível em http://www.census.gov/popest/data/state/totals/2015 /index.html 11/11/2016 Acesso em 11 de novembro de 2016.

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Sobre o autor
Rodrigo Pereira Damásio da Silva

Formação acadêmica: Graduado em Engenharia Civil pela Universidade de Brasília - UnB (2008), atualmente cursando Direito na Universidade de Brasilia - UnB. Atuação profissional: Técncio em Regulação de Aviação Civil - ANAC (2008-2009); Analista de Infraestrutura de Transportes - DNIT (2009-2010); Analista de Infraestrutura - MPDG (2010-2013); Especialista em Regulação de Aviação Civil (2013-atual).

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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