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Competência tributária do ISS:

lei versus jurisprudência

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14/01/2005 às 00:00
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após analisados os dispositivos das alíneas "a", "b", e "c", do revogado artigo 12, do Decreto-lei 406/68, e seu sucessor, o art. 3º da LC 116/2003, que cuida de disciplinar o lugar devido do recolhimento do Imposto Sobre Serviços, cumpre observar o posicionamento de duas correntes no tocante ao tema: uma, no sentido exato da Lei, entendendo que, de fato, o imposto deve ser recolhido no local onde se situa o estabelecimento ou o domicílio do prestador de serviço e, outra, no sentido contra legem, entende que o local mais adequado para o recolhimento do imposto é aquele onde o serviço é efetivamente prestado.

Ocorre que o legislador, ao estipular que o imposto será cobrado no local onde se situa o estabelecimento ou domicílio do prestador, deixou brechas para que os Municípios e as empresas possam burlar a lei. Vejamos:

As empresas, com base em tal dispositivo, se instalam nos Municípios onde as alíquotas são inferiores, mas prestam serviços em toda a região. Com isso, acabam lesando aqueles Municípios que oferecem a estrutura para a efetivação do serviço, sem, contudo, poder contar com a arrecadação dos impostos sobre tais serviços, inclusive, para conservar e modernizar essas mesmas estruturas que viabilizaram a realização do serviço.

Os Municípios, por sua vez, na intenção de arrecadar mais, se valem da falta de conceituação legal do que seja estabelecimento prestador e, conforme lhes convém, utilizam-se do recolhimento do imposto dentro e fora de seu Município.

Essas situações acabam por tornar os contribuintes vulneráveis, sem saber qual o devido local em que deverão recolher o imposto. Muitas vezes, podem ser duplamente cobrados, fazendo com que os contribuintes tenham que arcar com um novo pagamento.

Expressiva parte da boa doutrina entende ser esta regra, uma exceção ao princípio constitucional da territorialidade, pois permite que um município cobre o imposto por um serviço que foi prestado em outro município. Este, por exemplo, é o pensamento de Sergio Pinto Martins (2002, p. 209), in verbis: "a regra constante da alínea a, do art. 12 do citado Decreto-lei constitui exceção ao princípio da territorialidade, não sendo incompatível com a Constituição."

A segunda regra é a do recolhimento do imposto onde o serviço efetivamente foi prestado.

Esta é uma regra que vem enaltecer a autonomia Municipal, visto que dispõe que cabe ao Município onde o serviço foi prestado, cobrar o mesmo.

Quanto a esta regra, não há o que se discutir, pois onde quer que o serviço seja prestado, será este o local onde ocorrerá o fato gerador que possibilitará a cobrança do tributo.

Essa, portanto, nos parece ser a regra geral que deve ser observada para a cobrança do ISS: a que define como sendo o local do recolhimento do imposto o local onde o serviço foi prestado. Essa, a regra a que tem tendido o Superior Tribunal de Justiça.

Sobre o assunto, o mestre em ISS, Bernardo Ribeiro de Moraes (1975, p. 494), expõe: "(...) esta é uma regra aplicada excepcionalmente, mas que deveria ser a genérica, assim o ISS, deveria ser devido no local da prestação de serviço".

Nesta linha de raciocínio surgiu a LC 116, ampliando o número de serviços onde o imposto deverá se recolhido no local da prestação de serviços, o que anteriormente só era possível no caso de serviços de construção civil.

Uma vez que, os tributos só poderão ser objeto de exigência nos exatos limites geográficos onde a riqueza foi gerada, essa deveria ser a regra geral aplicada. Esse é um dogma constitucional que traduz o Princípio Constitucional da Territorialidade (art. 155, I, da CF e art. 102 do CTN).

No tocante ao ISS, contudo, esse princípio está sendo infringido, pois diante da alínea "a" do art. 12 do Decreto-lei 406/68 e agora frente ao art. 3º caput da LC 116/2003, permite-se que um Município legisle dentro da base territorial do outro, proclamando uma verdadeira extraterritorialidade da lei tributária.

A este respeito, vale invocar a preciosa lição do professor Roque Carrazza:

"Vejam, se um serviço é prestado no Município A, a meu ver, nele é que deverá ser tributado por meio do ISS, ainda que o estabelecimento prestador esteja situado no Município B. Do contrário estaríamos admitindo, contra todas as evidências jurídicas, que a lei do Município B pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiara efeitos sobre um fato ocorrido no território do município onde ela positivamente não pode ter voga. A lei paulistana vige onde? No território da capital. A lei santista no território do município de Santos. Como admitir que a lei de Santos venha alcançar um fato ocorrido no Município de São Paulo? Só porque a empresa prestadora de serviços está sediada no Município de Santos." (CARRAZZA, 1988, p. 210)

Portanto, levando-se em conta a autonomia municipal e o princípio da territorialidade das normas, entendemos que tais dispositivos poderiam ser tidos como inconstitucionais, pois violam o princípio da Lei Maior do País. E é neste sentido que se encontra a construção pretoriana.

Diante dessas situações, encontramos na doutrina, dois posicionamentos que ajudariam a esclarecer e/ou resolver o problema relativo ao recolhimento do imposto.

O primeiro, é o apresentado pelo professor e diretor da Escola Paulista de Advocacia Kiyoshi Harada, em seu livro Direito Municipal, e diz respeito à implantação de uma alíquota única entre Municípios de uma mesma região:

"o ideal seria a fixação de alíquota uniforme para os Municípios integrantes da mesma região Metropolitana, com o que os conflitos cessariam definitivamente, pois os contribuintes não mais teriam motivações para se estabelecerem neste ou naquele Município, por razões de economia fiscal." (HARADA, 2001, p. 62)

De fato, temos que concordar que a implantação de uma alíquota única para todos os Municípios diminuiria a possibilidade de fraudes, pois, em qualquer das cidades, o imposto que o prestador de serviços pagaria seria o mesmo, desmotivando-se a burla da lei.

Contudo, ainda continuariam as discussões sobre onde incidiria o imposto no caso do serviço prestado em um Município, mas que tem seu estabelecimento ou domicílio em outro.

E aí entra o segundo posicionamento sobre a questão, a solução apresentada pelo Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela PUC/SP, professor Oscar Mendonça, na revista Diálogo Jurídico nº 13. Entende, o estudioso, que, a alínea "a" do referido Decreto não é inconstitucional; basta apenas que se faça uma correta interpretação do dispositivo, em conformidade com o Princípio Constitucional da Territorialidade.

E explica que, neste caso, deveríamos entender a expressão estabelecimento prestador "como o local onde se presta o serviço, local em que o mesmo é realizado e não mera sede da empresa." (grifo nosso) (MENDONÇA, 2002, p. 6)

Acontece que esta também foi a solução encontrada por alguns Municípios, que deram uma maior interpretação ao conceito de "estabelecimento prestador" para poderem alcançar fatos geradores ocorridos em seu Municípios. É o que preceitua o Código Tributário do Município de Aracajú, nos seguintes termos:

"Art. 115 – Considera-se local da prestação de serviços:

I - o do estabelecimento prestador, ou na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;

II. no caso de construção civil, o local onde se efetuar a prestação.

§1º. Considera-se estabelecimento para fins deste artigo, a matriz, filial, agência ou sucursal da empresa, bem como qualquer escritório de representação ou contato de uma empresa, por meio do qual seja realizada a prestação do serviço.

§2º. Caracteriza-se estabelecimento, para efeitos deste artigo a existência de um dos seguintes elementos:

I. manutenção de pessoal, material, máquinas, instrumentos e equipamentos necessários a execução de serviço;

II. estrutura organizacional ou administrativa;

III. inscrição nos órgãos previdenciários;

IV. permanência ou ânimo de permanecer no local, para exploração de atividade de prestação de serviços exteriorizados pela indicação do endereço em impressos, formulários ou correspondência, em contrato de locação de imóvel, propaganda ou publicidade, ou conta de telefone, de fornecimento de energia elétrica ou água, em nome do prestador, seu representante ou preposto.

§3º. Considera-se prestado no estabelecimento, para efeitos deste artigo, o serviço que por sua natureza, deva ser executado, habitual ou eventualmente, fora dele.

§4º. Considera-se estabelecimento os locais onde foram prestados serviços de natureza itinerante."

Esta foi a maneira que o Município encontrou para poder alcançar fatos geradores ocorridos fora e dentro do seu município, em virtude de um número grande de empresas prestadoras, oriundas de outros Estados da Federação que para lá se dirigiam, a fim de prestarem serviços, sem se estabelecerem oficialmente. Apenas mantinham escritórios, ou algum outro tipo de contato na cidade.

Essa solução, embora possa aparentar algum êxito, se analisada mais profundamente, também poder-se-ia ser considerada inconstitucional. O Município não pode valer-se de tal dispositivo legal para alcançar fatos ocorridos dentro e fora de seu Município. O imposto deve apenas incidir em sua base territorial.

E, certamente o Judiciário não permitiria uma interpretação sistemática de um dispositivo legal que acarretaria em perda da carga tributária de certos Municípios, gerando ainda mais conflitos de competência tributária.

Solução semelhante foi apresentada pelo também Mestre e Doutor pela PUC/SP, professor José Eduardo Soares de Melo (2001, p. 117), em seu livro Aspectos Teóricos e Prático do ISS. Ele busca o conceito do que seria considerado "estabelecimento prestador" (indefinido pela letra do Decreto 406/68), na Lei Complementar nº 87, de 13.9.96, que regula o ICMS. Usa da seguinte disposição:

" (...)§ 3º.. . estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda o seguinte:

I – na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação.

(...)."

Ora, se considerarmos desta forma, para que haja incidência do imposto, será necessário que o estabelecimento seja efetivo, ou seja, com bens e pessoas suficientes para a prestação de serviços. Ou, ainda, na impossibilidade do não reconhecimento deste seria sempre determinado o local onde ocorreu a prestação. Neste caso, aqueles escritórios que seriam meras fachadas para a incidência do imposto, não poderiam ser considerados estabelecimento.

Mas como este comando não está explícito na norma relativa ao ISS, sua aplicação requereria cuidados, pois ainda assim seria uma interpretação contrária à lei, que apenas indicou estabelecimento prestador, não dizendo se a sede, matriz, filial, sucursal ou outro tipo, permitindo que seja até mesmo o domicílio do prestador.

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A LC 116/2003, vem aclarar o assunto a respeito do estabelecimento prestador, pois trouxe o conceito deste, não se permitindo mais nenhuma interpretação dos Municípios ou contribuintes sobre o referido tema.

Contudo, sem embargos das inovações trazidas pela LC 116/2203, salientamos ainda a necessidade de mudança da norma no tema relativo ao local da prestação de serviços para efeito de recolhimento do imposto, onde a regra geral a ser proclamada, deveria ser a do recolhimento do imposto ao Município onde o serviço foi efetivamente prestado, deixando como regra excepcional, a incidência do imposto no estabelecimento ou domicílio do prestador. Isso, por ser uma questão de segurança jurídica e necessidade social, para que se possa fazer a verdadeira justiça e colocar um fim às prolongadas demandas.

Neste sentido, é que consideramos importante levantarmos o problema, nos determos sobre ele e estudá-lo, buscando soluções.

Dessa forma, acreditamos estar participando ativamente da luta pela justiça e pelo direito, até que a Suprema Corte de Justiça do nosso País, exercendo sua função precípua, resolva pôr um ponto final nesta situação controvertida, de modo que nem os contribuintes, e nem os Municípios, sejam prejudicados.


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Sobre o autor
André Luiz Vetarischi

Advogado em Araraquara/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VETARISCHI, André Luiz. Competência tributária do ISS:: lei versus jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 556, 14 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6090. Acesso em: 24 abr. 2024.

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