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A tópica neoaristótelica de Thedor Viehweg:

uma análise crítica da Manuel Atenza

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24/12/2004 às 00:00
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INTRODUÇÃO

"Aliás, se essas opiniões forem isoladas, os argumentos contrários perdem sua força de persuasão, desejando-se demonstrar que a superioridade da virtude não dá o direito de mando e de domínio."(Aristóteles)

Remonta aos idos da Grécia Antiga, fervoroso debate entre dois grupos filosóficos: de um lado os sofistas, e, de outro, socráticos, como Platão e Aristóteles, quanto ao uso de estratégias persuasivas e da oratória, objetivando determinado fim.

Já nessa época, por volta do século V a.C., uma das preocupações dos filósofos [1], dentre as inúmeras discussões que eram travadas nas pólis gregas, cingia-se à análise da real função da "retórica" ( acepção aqui tomada como continente, da qual a "tópica" é parte integrante ) no pensamento humano.

Interessantes embates foram travados, e destes, em especial, a arte retórica serviu de lastro, na seara jurídica, para a eclosão da crise do positivismo kelseniano, calcado na idéia legalista subsuntiva.

O paradigma jurídico, de coloração neo-kantiana, vigente até então, numa sociedade ainda perplexa com as consequências bestiais de uma ordem política totalitária nazista, via surgir em Theodor Viehweg uma nova forma hermenêutica, a substituir o silogismo puramente lógico-hipotético.

Contudo, ainda assim o padrão tópico-retórico proposto pelo professor alemão se ressente de um plus que o legitime, de relação à racionalidade das decisões judiciais e, como molde de justiça, a gozar de foro universalizante, como pretendia Viehweg.

Não se pode, contudo, olvidar que foi a partir desta reabilitação viehwegiana que advieram, com as melhorias do padrão requeridas, alguns dos grandes expoentes do pós-positivismo contemporâneo, a exemplo de Perelman, Dworkin, Alexy, Häberle e Müller. A importância de Viehweg, deveras, foi ímpar para o desenvolvimento da teoria geral do Direito.

Em particular, as críticas assacadas ao modelo de Viehweg pelo jurista hispânico Manuel Atienza são bastante esclarecedoras, posto que sistematizadas de tal forma, ainda que discutíveis algumas delas, a por em xeque, de forma parcial - advirta-se - a real validade da teoria jurídica a que chamou, pejorativamente, de "tópica pura".

Entrementes, como bem nos lembraria um adepto da tópica, tudo é "questão de força argumentativa" !!


1.OS PRIMÓRDIOS DA TÓPICA

Como já visto, foram os sofistas que, por primeiro, trataram da retórica, assim conceituada por Marilena Chauí [2], como uma técnica de persuasão, através dos "lógoi", isto é, razões ou argumentos opinativos a respeito de uma coisa, baseando-se não no que esta coisa é em si mesma, porém naquilo que aparenta ser.

Fulcrada na dialética, como arte discursiva, a retórica era utilizada pela sofística, com o exclusivo intuito de formar os grandes oradores e políticos atenienses, lhes ensinando as melhores técnicas argumentativas. [3]

Apesar de discípulo de Platão, Aristóteles dele divergiu quando arrolou dentre as artes produtivas ou poéticas regras de uma argumentação persuasiva, bem ao gosto dos sofistas, que, no entanto, não viam qualquer possibilidade de uma cognição da verdade absoluta.

Na perspectiva aristótelica, a retórica, antes criticada, devia ser corretamente assimilada como fator democratizante. Para o estagirita, sua utilidade se consubstanciava em prover, no campo judicial, e, em especial, no político, os oradores de ferramentas indispensáveis durante os discursos públicos proferidos nas "ágoras", durante os debates e assembléias da democracia grega.

No particular, mister se faz observar este inusitado caráter legitimador da técnica retórico-dialética, antes vista como mera forma de mercancia de técnicas de oratória, visão que se perpetuou no tempo e espaço, principalmente no pós-positivismo jurídico da segunda metade do século XX, como adiante veremos. [4]

Seguindo uma classificação aristótelica, os meios retóricos se definem por três características básicas:

A)argumento de autoridade: leva-se em conta o caráter e a grandeza moral do orador que emite a opinião( "endoxa");

b)a empatia com o auditório: privilegia-se aquelas opiniões comumente aceitas pelos ouvintes, aumentando, assim, as chances de convencimento; e,

c)plausibilidade argumentativa: os argumentos empregados hão de ser fortes e vigorosos, alicerçados em grande técnica persuasiva.

A força argumentativa era obtida pelos exemplos e pelos entimemas.

Os exemplos refletem fatos da experiência, facilmente identificados e aceitos pelos ouvintes ou auditório; enquanto os entimemas são silogismos encurtados e incompletos, nos quais resta faltante, seja a premissa maior, a menor, ou a própria conclusão.

O silogismo entimemático, contrapondo-se ao lógico-científico, recorre ao expediente da dedução por verossimilhança ou indícios, prováveis ou plausíveis. Daí porque ser admissível a ocultação das premissas primeiras, porque desnecessárias.

Por outro quadrante, o "Organon"(tópicos) aristótelico delineou os gêneros do discurso retórico:

a)deliberativo - próprio do discurso político, e voltado para um acontecimento futuro;

b)judiciário - afeto aos tribunais e juízos informais, relativos à fatos passados; e,

c)demonstrativo - referível aos eventos presentes, e que se subdivide em vitupérico ( objetiva condenações ou censuras) ou epidítico ( se louvável ou elogiável).

No que toca à uma definição do que seja "silogismo retórico", João Maurício Adeodato nos dita:

"...é um procedimento altamente funcional, eficaz e legitimador; mas, em geral, não é uma estratégia consciente por parte dos chamados operadores jurídicos oficiais ( juízes, ministério público, advogados, partes), os quais parecem crer que a decisão do caso concreto de fato é produzida pela norma geral prévia enunciada pelo sistema..." [5]

A indicação do jurista pernambucano se explica pelo simples fato de que a conclusão, no silogismo retórico, antecede a própria norma geral que lhe confere substrato. Tal viés dialético tão só reforça a nítida distinção entre este e aqueloutro, mais usualmente usado por nós, o lógico-sintético.

Em países subdesenvolvidos, como o Brasil, e. g., a utilização dos entimemas serviram, e ainda servem, infelizmente (ainda que isto não lhe retire o caráter emancipatório, se bem utilizado), à manipulações engendradas pelos discursos dos poderosos políticos e empresários, dotados desta arma lingüística, por vezes, letal. [6]

Tal manipulação é explicada, ainda que inconscientemente, pelo próprio Aristóteles de Estágira, ao advertir que a ação primordial da retórica é tocar as paixões, despertando e provocando-as. Ao se estudar a ética aristótelica, se percebe, claramente, que o apetite e o desejo produzem as paixões, atuando no "páthos"(ânimo) do ouvinte.

Já em Roma, oradores do porte de Cícero e Quintiliano, cônscios deste conteúdo ético do discurso retórico, passaram a mirar a indissociabilidade entre a ética e retórica, como melhor instrumento para educação das paixões e alcance da virtude.

A contrario sensu, por deter o aspecto emocional do ser humano, a retórica se transformou, também, em forma de justificação da opressão, chegando-se ao ponto inconcebível, numa perspectiva meramente peripatética, de, na Idade Média, assimilação da retórica e da dialética como procedimentos do discurso científico. Bom que se frise: na classificação aristótelica, a retórica é uma técnica, e não uma ciência.

O problema ético, portanto valorativo, está no cerne do debate germinado por Aristóteles, ao partir da distinção platônica entre retórica e filosofia, a qual fez parte da educação do filósofo estagirita.

Foi por conta desta guinada conceitual que a retórica sobreviveu à sanha das críticas "puristas" filosóficas. Não que se vislumbre, quem dera, qualquer depreciação ao sistema platônico; pelo contrário, tal necessidade de neutralidade científica, vista na forma de pensar ontológica, foi absolutamente pertinente em sua época.


2.A PROPOSTA DE TRANSPOSIÇÃO DO PARADIGMA HIPOTÉTICO-DEDUTIVO.

Procedendo-se à um salto de mais de vinte séculos, Theodor Viehweg [7], dentre tantos expoentes, retoma a discussão sobre a tópica aristótelica, questionando, in casu, o modelo normativista da Escola de Viena, calcado no silogismo hipotético-dedutivo, que abstrai todo e qualquer elemento valorativo de seu campo de atuação.

A importância da tópica grega, na metódica do Direito, é revisitada por Viehweg, especialmente em sua obra "Tópica e Jurisprudência", na qual se busca a prova da aplicação do recurso dialético no campo jurídico, por meio do estudo da clássica jurisprudência romana.

O método sistemático-cartesiano, abraçado por Kelsen, que, louve-se, buscando esquadrinhar uma ciência "pura" do Direito, acabou por isolar de seu conteúdo a questão da justiça, enquanto valor, não mais respondia às perplexidades causadas pelas atrocidades da 2ª Guerra Mundial. [8]

A lógica-formal da dogmática jurídica tradicional não respostava, de maneira eficaz, à questão da razoabilidade exigida nas soluções dos problemas jurídicos. Mister se fez refletir acerca de uma nova fórmula de se estudar as lides tribunalícias, não a partir do método subsuntivo, porém dos problemas à norma geral, em abstrato.

Esta reviravolta no pensamento jurídico de então fez com que o debate sobre os valores, até aquele instante relegado à segundo plano, ressurgisse em sua completude, corrigindo a visão do normativismo, que, embora admitisse o potencial criativo do juiz, ao mesmo oportunizava uma gama extremada de discricionariedade.

Segundo Kelsen, a sentença, como ato de pura vontade do julgador, é, também, norma concreta, na solução dos litígios inter partes. Como tal, desde que se amolde ao quadrante da lei ( aqui, em seu sentido lato), hierarquizada piramidalmente, tendo no ápice a norma hipotética fundamental, a decisão judicial tem validade, eficácia e justeza.

A grande preocupação, por sua vez, do jurista alemão de Munique é conferir, o que foi desconsiderado, de certa forma, por Kelsen, um grau razoável de aceitabilidade, no seio da sociedade, às decisões jurídicas, que, no arquétipo normativista, apenas tinha limites insertos na "moldura hipotético-legal", dando-se azo à inúmeras e incontroláveis possibilidades interpretativas, dependentes, tão só, da razão subjetiva do magistrado.

Viehweg interconecta duas idéias, a priori, ineludivelmente contrárias: o silogismo normativo e o discurso dialético-histórico. Tércio Sampaio Ferraz Júnior, ardoroso discípulo do professor da Universidade de Munchem, com sua natural preocupação lingüística, assevera que "...Viehweg nota, diante deste problema, que o pensamento teórico do jurista elabora também enunciados que se relacionam à práxis jurídica, mas que têm uma natureza peculiar..." [9]

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Exatamente neste ponto é que reside o maior interesse da presente análise, preocupada com as críticas, ou quiçá, mal-entendidos, imputados à esta corrente do pensamento jurídico moderno.

O fato de ser pretensamente assistemático e fluido o estilo tópico não merece aplausos, pelo simples fato de, se deslocando o eixo de exame da teoria do Direito do sistema para o problema, ser este que elege aquele, e nele delimita, perquire e responde às demandas, ofertando-lhes soluções mais adequadas e aceitáveis.

No mundo atual, que alguns já alcunham de pós-moderno [10], que não é o caso de Boaventura de Sousa Santos, em seu livro "A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência", a alegação de fluidez e vagueza da teoria tópico-retórica há de ser mitigada, modus in rebus.

Mesmo que fundada em "topos", a significar "lugar comum", a teoria dos "loci" tem amplíssima acolhida na ciência jurídica, que é, em substância, dialética e argumentativa. Quanto mais forte e plausível for a tese defendida, com esteio naquelas opiniões generalizadamente aceitas na sociedade, maior será a segurança e a certeza que todos almejam.

Na doutrina viehwegiana, se valendo do que se denomina de uma "tópica pura", não se pode reconhcer como válido o príncipio da "inegabilidade dos pontos de partida", gestado e dirigido para fundar uma dogmática jurídica regulativa, descritiva e, timidamente, na fase vienense, criativa.

Mais do que nunca ao Poder Judiciário compete promover e concretizar o direito, como ciência libertária, emancipativa e garantidora dos direitos humanos e da democracia. A importância de Viehweg, no atual contexto em se busca o resguardo dos direitos fundamentais em cada nação livre e independente, se torna óbvia, sobretudo em situações de instabilidade política, econômica e social, como é o caso brasileiro. [11]

Relevante que se recorde a importância de Cícero, um dos maiores oradores da Roma Antiga, na inserção, nesta discussão, da "inventio", primordial para a tópica jurídica, por ser o próprio cerne deste estilo de pensamento.

Ao traçar uma doxografia, com um catálogo de tópicos, assim como repetiriam, mais tarde, Chaïm Perelman e Robert Alexy, este último com seus "códigos da razão prática", grosso modo, Cícero privilegia o que chama de "invenção do juízo" ( na qual se inclui a tópica como arte de achar os argumentos), relegando à "formação do juízo" um mero ritual de passagem das premissas para a conclusão ( decisão ou sentença, em nosso particular campo de pesquisa).

Como técnica do pensamento problemático, é invertida a forma de pensar juridicamente. O pólo central, agora, se irradia do problema do caso concreto, e dele se elegendo o sistema jurídico a ser aplicado, ou mesmo construído, por meio de lugares comuns, gerais ou específicos, até se chegar à solução mais razoável e adequada.

Os pretores romanos, da época da "jurisprudentia", do que chamaram "direito formulário", assim trabalhavam. Após recebidas as queixas, denúncias ou consultas, como pesquisadores dos fatos sociais, dos precedentes orais e opiniões anteriores dos sábios da época, dos argumentos das partes contrárias e de outros fatores, os jurisconsultos emitiam "fórmulas" que eram dadas aos litigantes como sentenças, mandamentos.

Tais fórmulas, compediadas e depois condensadas pelos glossadores, especialmente da Idade Média, originaram o que hoje conhecemos como "jurisprudência", merecendo nota, em particular, a evolução propiciada pelo "ius justinianeu".

Já se percebe, também, uma preocupação, já naquela época com o elemento ético do conteúdo decisório, como "arte dos prudentes" que era.

Robert Alexy, em sua obra "Teoria da argumentação jurídica", vertida para o espanhol por Manuel Atienza, grande jurista alemão de nossa época, demonstrou ímpar interesse pelo estudo das inúmeras teorias da argumentação jurídica, e suas implicações éticas, desde as teorias analíticas de Moore( naturalismo), de D. Ross( intuicionismo) e de Stevenson( emotivismo); as filosófico-lingüísticas de Wittgenstein e Austin; as de discurso prático de Hare, Toulmin e Baier; a da verdade consensual de Habermas; as da Escola de Erlangen até se chegar à teoria da argumentação de Perelman.

Alexy tem plena consciência das limitações impostas às todas estas teorias do discurso jurídico, causadas pelas disparidades havidas entre os controles normativos de correção e os mecanismos de controle da concordância, a compatibilizar a solução judicial dada e o direito positivo vigente.

De tudo esse cipoal de teorias, Alexy aponta, entretanto, que suas atuais configurações inexistiriam, se não partissem de um ponto comum, o da tópica grega reabilitada por Viehweg, ainda que depois, como veremos, a critique, assim como Atienza [12], em sua "As Razões do Direito", e com certa razão, diga-se de passagem.

O que mais nos chama atenção, na obra de Atienza, é que o mesmo salienta que o procedimento tópico é altamente elástico e necessariamente provisório.

Enquanto que o positivismo clássico da Escola da Exegese ( Portalis e seu "Code Napoleon") e da Escola Histórica do Direito ( Ihering, que em seguida seria o precursor da "jurisprudência dos valores") se calcava, seja na lei ou na doutrina dos professores de Direito, num sistema estático, meramente descritivo de normas de conduta, o pós-positivismo tópico-retórico é, em sua essência, dinâmico, na busca incessante das premissas de ordem fática, inarredavelmente fluidas e contínuas. [13]

O que nos interessa é o caráter pioneiro do estudo viehwegiano, a parir todas essas posteriores teorias da argumentação jurídica, ainda que à sua tese Atienza negue este status.


3.A TÓPICA VIEHWEGIANA EM DEBATE.

Como alhures exposto, Viehweg teve o mérito e a sorte ( dadas as circunstâncias em que escreveu sua principal obra) [14], de trazer para o contexto moderno do século XX a tópica, reabilitada em sua essência.

Os tópicos são premissas compartilhadas que gozam de presunção de plausibilidade ou que, ao menos, passem aos ouvintes uma dada carga de verossimilhança argumentativa. Por não estarem hierarquizadas entre si, para um mesmo problema, mister se faz utilizar tópicos distintos; daí surgindo, portanto, resultados distintos.

Os tópicos específicos(relativos à uma dada segmentação do pensar humano, aqui, jurídicos) são a origem do que Dworkin renomearia, claro que num outro contexto, de "princípios gerais"; e que Alexy tentou hierarquizar por meio de uma estrutura procedural.

A questão da inexistência de hierarquia entre os "topoi" nos remete à Herbert L. A. Hart, que, com fuste na doutrina neo-utilitarista de Austin, recicla a teoria kelseniana, aos moldes da "common law", sistema jurídico essencialmente consuetudinário.

Hart vê o sistema jurídico como um conjunto de normas primárias ou de reconhecimento ( as normas procedimentais ou de estrutura de Kelsen) e secundárias ( as de conduta da Escola de Viena), que seriam globalmente eficazes pelo uso da coerção ou sanção embutida na hipótese normativa, estando as segundas sujeitas, hierarquicamente, às primeiras.

No que diz respeito à hierarquia e subordinação às normas ou princípios jurídicos últimos ( as de reconhecimento), Hart exemplifica com o caso da Corte inglesa que, considerando que nenhuma lei ou fonte formal do direito determinaria o caso perante a mesma, lançou mão de fontes jurídicas "permissivas", como um texto do Digesto e uma obra de um jurista francês, reconhecidas, naquele momento, como "boas razões" da decisão. [15]

Mesmo sendo um positivista, o exemplo de Hart já anuncia a impossibilidade da pressuposição da norma hipotética fundamental kelseniana, posto que mister se fazia, para Ter validade e eficácia global, a aceitabilidade, ainda que coercitiva [!?], da decisão pelos seus destinatários. Hart, assim, ainda admitia a plena discricionariedade do ato de vontade jurisdicional. [16]

Como a tópica parte dos problemas, Viehweg os define, assim como Ronald Dworkin [17], como "hard cases"( casos difíceis), ou seja, aquelas questões que aparentemente permitem mais de uma resposta e que sempre exigem um entendimento preliminar, de acordo com o qual assumem o aspecto de questões que precisam ser consideradas com seriedade e para o qual é preciso se buscar uma única resposta como solução.

Dworkin entende, data venia, e se valendo de uma metáfora contrafática, a do "Juiz Hércules", onisciente e onipotente, que dada à integridade do sistema jurídico, sempre seria possível uma única resposta correta, cuja idéia é criticamente reformulada por Robert Alexy. [18]

A tópica, assim, serve para resolver aporias, vale dizer, dúvidas impossíveis de serem afastadas, se configurando, destarte, num modo de pensar aporético; contraposto ao modo de pensar sistemático.

Explique-se. Todo pensamento surge a partir de problemas, que dão lugar à um sistema. Contudo, a depender da ênfase dada, a premissa pode recair ou sobre o problema ou sobre o sistema.

Se a ênfase é posta no sistema, então se realiza uma seleção dos problemas e, assim, os que não recaem sobre eles são afastados e ficam simplesmente insolúveis. Se, pelo contrário, a ênfase é posta no problema, então se trata de buscar um sistema que ajude a encontrar a solução.

O problema, portanto, leva a uma seleção de sistemas e em geral a uma pluralidade deles, com a noção de "sistemas abertos", nos quais os pontos de vista não são adotados de antemão.

A noção de "sistema", na ciência do Direito, foi dignamente explanada por Claus-Wilhem Canaris.

Segundo Canaris [19], na ciência jurídica, o uso da tópica é impraticável na medida em que se ligue à retórica. Para o mesmo, é inadmissível a afirmação, segundo a qual as premissas fundamentais são legitimadas através do parceiro na conversa, tendo em conta que tais premissas hão de ser determinadas para os juristas através do direito objetivo, em especial através da lei.

Ademais, continua Canaris, na defesa de sua teoria evolutiva dos sistemas, há uma insuficiência da tópica perante o problema da validade e da adstringibilidade jurídicas. Quer isto dizer que como a tópica apenas pode levar à verdade, já que fulcrada em pontos de vista de múltipla utilização, portanto, manipuláveis, sempre restaria a incerteza, para o sistema jurídico, dos resultados, que, de resto, seriam assistemáticos.

Muito embora, citado jurista admita a relevância da tópica viehwegiana naqueles locais onde faltem valorações legais bastantes, e, por isso, não aja espaço para o pensamento sistemático.

Assim, segundo o próprio Canaris, a oposição entre o pensamento dogmático-sistemático e a tópica não é, assim, exclusivista; ao contrário, são auto-complementares e interpenetráveis, até, em parte.

Repita-se, de novo, o já dito antes, de referência à crítica canarisiana. Se a ênfase do intérprete for dada no problema, como sói ocorrer no pensamento tópico-dialético, um ou alguns sistemas terão de ser eleitos, e isto, em nada, implica um consequente desrespeito à legalidade, adentrando, no particular, o conteúdo ético de quem for interpretar o problema, no caso concreto.

Viehweg, diante de uma cultura ocidental, preponderantemente ancorada no método axiomático-dedutivo, foi pioneiro em apontar um outro caminho, e, por isso, tão criticado, como não haveria de deixar de ser, dado ser, ainda, o pensamento humano intrinsecamente "matematizado"( ou é verdadeiro, ou é falso; ou é sim; ou não).

Segundo o jurista alemão, tal método, inspirado em Kant, é equivocado e inaplicável ao Direito, insuscetível de auferir princípios, ao mesmo tempo, seguros e objetivamente fecundos.

Segundo o mestre de Munique, o método dedutivo leva o Direito à um estado tal de engessamento, que, em certos casos, ter-se-ia o estabelecimento da proibição de interpretar as normas, permitindo o "non liquet" e uma contínua internvenção do legislador.

Exageros à parte, o método dedutivo, evidentemente, é falível e lacunoso, exsurgindo a tópica como uma das - frise-se bem - possíveis soluções destes desvios, como forma de manifestação da incessante busca do justo, da qual emana o direito positivo e que continua apresentada pelo Direito Positivo.

De relação à questão dos valores, em essência o da justiça ( sem que isto, em tese, implique um abandono aos critérios da segurança e certeza), a aporia fundamental tópica é o problema de se determinar o que é o justo aqui e agora.

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Sobre o autor
André Luiz Vinhas da Cruz

procurador do Estado de Sergipe

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, André Luiz Vinhas. A tópica neoaristótelica de Thedor Viehweg:: uma análise crítica da Manuel Atenza. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 535, 24 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6094. Acesso em: 5 nov. 2024.

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